Ao brincar com o conceito de universos paralelos, longa de animação Homem-Aranha no Aranhaverso periga ser o melhor filme já feito com o amado personagem
Nos anos 80, os astrofísicos Stephen Hawking e James Hartle desenvolveram a chamada teoria dos universos paralelos, segundo a qual o Big Bang gerou não apenas o nosso universo (com todas as galáxias, estrelas e planetas), mas vários – separados, mas paralelos.
A animação longa-metragem Homem-Aranha no Aranhaverso, que chega aos cinemas semana que vem, é uma grande brincadeira com este complexo conceito.
Não é uma ideia nova na ficção, que aliás, já brincava com ela muito antes da pesquisa Hawking - Hartle.
Livros de mestres da FC como H.G. Wells (Men Like Gods, de 1923), Michael Moorcock (que criou o conceito de Multiverso) e Philip K. Dick (O Homem do Castelo Alto), séries de TV como Fronteiras (Fringe) e Counterpart e inúmeros filmes (No Limite do Amanhã, Paradoxo Cloverfield etc) tem feito a alegria de mentes férteis por décadas a fio.
Nas HQs, então, nem se fala: muitos anos antes da Marvel, a Distinta Concorrência (leia-se DC Comics) lançou mão do conceito de “infinitas Terras” para renovar seu panteão de heróis, lá em 1961 (na revista Flash 123).
A bagunça foi tal que, em 1985, lançaram a megassaga Crise nas Infinitas Terras (hoje um clássico), destruindo todas as Terras paralelas à nossa.
Em resumo: o multiverso já foi revirado, replicado, desconstruído e reconstruído de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Pelo menos, era o que se pensava.
Homem-Aranha no Aranhaverso traz o conceito para o Universo Marvel (baseado em uma megassaga do Homem-Aranha publicada no Brasil há poucos anos) com a pegada mais pop, psicodélica, colorida e divertida de todos os tempos – ou universos...
Homens, garotas e porco
Para simplificar: Miles Morales, um jovem do Brooklyn, filho de pai negro e mãe latina, é, de alguma forma (maluca, totalmente inverossímel e adorável), picado por uma aranha radioativa, pouco depois da morte de Peter Parker, o Homem-Aranha original.
Por trás de tudo está um experimento científico ilegal de Wilson Fisk, o Rei do Crime, tradicional vilão do Aranha) que busca alcançar universos paralelos via acelerador de partículas para se reencontrar com sua mulher e filho, mortos após uma explosão.
Resultado: um novo, jovem e inexperiente Homem-Aranha em seu próprio universo.
Pior: versões do Homem-Aranha de outros universos começam a pipocar em sua realidade.
Todos a fim de detonar com seu esquema. Esse Rei do Crime não dá sorte mesmo.
E aí começa de verdade a diversão: a partir da interação entre o jovem Morales e suas contrapartes, uma mais excêntrica do que a outra – todas já conhecidas pelos leitores das HQs, o que só torna o filme ainda mais atrativo para os fãs de longa data.
O primeiro a aparecer é o Peter Parker original, da chamada Terra 616: um pouco mais velho, gaiato como sempre e meio fora de forma.
Pouco depois surge a Spider-Gwen, de uma realidade em que Gwen Stacy, paixão adolescente de Peter, é que foi picada pela aranha radioativa (no cânone oficial, ela foi morta pelo Duende Verde).
E aí vem de enxurrada o Homem-Aranha Noir (de uma realidade anos 1930 e em P&B), SP//dr (Peni Parker, uma menina que pilota um robô-aranha, de uma realidade de animê) e até mesmo o Porco-Aranha (Peter Porker, de uma realidade de cartum).
Juntas, as seis versões do Homem-Aranha tentarão deter os planos de Wilson Fisk, e, claro, retornar cada um à sua própria realidade.
Teia de técnicas
Mas como se diz por aí, o que vale em Homem-Aranha no Aranhaverso não é chegar logo ao destino e sim, curtir o percurso até lá.
Com um visual de cair o queixo e linguagem de HQ, o filme é de um requinte estético inaudito em animações de super-herói, lançando mão de diversas técnicas em regime “tudo ao mesmo tempo agora”.
As técnicas vão do realismo fotográfico nos cenários aos recordatórios típicos dos quadrinhos, além do uso de hachuras e pontilhados, também característicos do grafismo impresso, o que só torna o filme ainda mais próximo da HQ em movimento – isto é um elogio.
As cenas de ação, desnecessário dizer, quase dão tonteira no espectador de tão espetaculares, graças aos rodopios no ar das Aranhas.
Aclamado pela crítica, Homem-Aranha no Aranhaverso é mais um êxito da Sony (detentora dos direitos cinematográficos sobre o personagem, seus vilões e coadjuvantes) este ano, depois de Venom (que a crítica não gostou, mas arrebentou nas bilheterias).
Pop, acessível a públicos de todas as idade, ágil, engraçadíssimo, colorido e psicodélico, é difícil pensar em um filme de férias melhor do que este. Talvez em outro universo exista.
Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-Verse) / Dir.: Bob Persichetti, Peter Ramsey, Rodney Rothman / Com as vozes (no original em inglês) de Shameik Moore, Jake Johnson, Hailee Steinfeld, Mahershala Ali, Brian Tyree Henry, Lily Tomlin, Nicolas Cage, Zoë Kravitz / Estreia: 10 de janeiro
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