quarta-feira, março 11, 2020

SESSÃO TRIPLA

Flerte Flamingo, Astralplane e Tangolo Mangos lançam o Sopro: Som em Contexto, evento na Arena do Sesc Pelourinho

Os elegantes Astralplane / Foto: Rafael Galvão
O pessoal fica aí dizendo “é na crise que se cresce” e demais clichês de auto ajuda empresarial, mas a verdade que salva e liberta é uma só: sem união, nada rola, nada prospera.

Ligados nessa constante universal, Rodrigo Amorim (da banda Astralplane), Zé Neto (o Colibri), Léo Vianna (da banda Flerte Flamingo), Rodrigo Santos (artista plástico) e Felipe Vaqueiro (banda Tangolo Mangos) resolveram se juntar em uma ação e criar o próprio evento periódico – e dele tirar o devido proveito.

É o Sopro - Som em Contexto, cuja primeira edição bota neste sábado as três bandas no palco da Arena Sesc Senac Pelourinho em uma produção toda especial.

Pelo que diz o material de divulgação do evento, a ideia é promover shows periódicos reunindo sempre três bandas / artistas em locais descentralizados do habitual (leia-se fora do Rio Vermelho). As ocasiões servirão também para produzir material audiovisual de qualidade para divulgação das bandas e artistas.

“A iniciativa surge como uma colaboração entre artistas para trazer uma nova proposta de evento com uma certa periodicidade. Estamos buscando sempre alternar os grupos envolvidos e tornar o festival um lugar de ampla manifestação de diversas linguagens musicais. Estamos dando esse primeiro passo de maneira totalmente independente e produzido pelas próprias bandas, com um ideal de gerar um material audiovisual muito proveitoso”, afirma Rodrigo Amorim, baixista da Astralplane.

Os descontraídos Tangolo Mangos / Foto: Dudu Assunção
Da mesma geração e seguindo mais ou menos as mesmas referências estéticas, Astralplane, Flerte Flamingo e Tangolo Mangos abrem juntas o projeto Sopro mais pelos pontos em comum do que pelas diferenças.

“São três bandas que estão envolvidas no mesmo contexto e projetos que, inclusive, interagem entre si criativamente e no dia a dia da produção independente”, conta Colibri.

“Músicos que dialogam em termos de referências e até mesmo figuram em mais de uma banda, dividem equipamentos, tudo de maneira bem orgânica – e do jeito que a gente gosta”, acrescenta.

Primeiro contato é visual

A produção do Sopro promete ser realmente algo um pouco mais elaborado que costumam ser as apresentações costumeiras do cenário alternativo local.

“Haverá um cenário inédito a cada edição, em colaboração com artistas plásticos e cenógrafos que estamos colocando em perspectiva”, conta Rodrigo.

“Aos poucos, vamos construindo uma proposta para dinamizar espaços culturais da nossa cidade, e assim aproveitar a simbiose com ela. Gravaremos três músicas por artista com uma equipe do sonoplasta e videomaker Cají. Já a produção do cenário é assinada pelo artista Rodrigo Santos”, completa Colibri.

Os compenetrados Flerte Flamingo / Foto: Yan Azevedo 
Se há cerca de 40 anos o audiovisual tornou-se parte inseparável do mercado da música, o século 21, com suas redes sociais, levaram essa simbiose ao auge – algo muito claro para essa rapaziada que já nasceu ligada à internet.

“O apelo visual das redes sociais e das mídias através das quais veiculamos e consumimos arte é definitivo”, percebe Colibri.

“Hoje em dia, o primeiro contato (com uma banda ou artista) se dá muitas vezes através de uma foto ou um vídeo que convence o espectador a entrar  mais no universo do artista. Temos certeza que traduzir a música de uma banda em uma peça audiovisual, amplifica o alcance da obra e engrandece o olhar do artista”, conclui Rodrigo.

SOPRO, Som em Contexto / Com Flerte Flamingo, Astralplane e Tangolo Mangos / Sábado, 17h / Arena Sesc Senac Pelourinho / R$ 30 e R$ 15

NUETAS

Ronei ataca 2 vezes

Depois daquele baita show em janeiro pra matar as saudades d’Os Ladrões de Bicicleta, Ronei Jorge retorna com duas apresentações solo:  quinta-feira (dia 12) e dia 26, sempre às 20h,  no Teatro Sesc Senac Pelourinho. R$ 8 (cliente Sesc)  e R$ 10 e R$ 5.

Selvagens Informais

Habitués a essa altura, os cearenses da banda Selvagens a Procura da Lei retornam à cidade para show com Os Informais e Nolimbo. Sexta-feira, 21h, no Portela Café. 1º lote de ingressos a R$ 30.

Show de aniversário

Sábado é aniversário do guitar hero do indie rock local  Bruno Pizza Carvalho, com passagem por The Honkers, Pessoas Invisíveis etc. Para comemorar, show da sua banda atual, Meus Amigos Estão Velhos e Malgrada. Sábado, 18 horas, no  Bardos Bardos, R$ 10.

Beatles no Berro

Keko Pires (baixo e voz), Jô Estrada (guitarra e voz) e Pedro D’Eliege (bateria) fazem no sábado o show Beatles no Berro, com repertório dos Fab Four. Boa deixa para conhecer o novo Berro D’Água Bar e Restaurante, clássico reduto da night local reativado.  Porto da Barra, 3959. 20h, R$ 20.

terça-feira, março 03, 2020

PREPAREM OS FÍGADOS

Overdose Alcóolica promove 2ª edição do Samba Canção Fest, com distribuição de mais 21 litros de cachaça e uma pá (um barril?) de convidados


Pastor Binho e a Igreja Inabstêmia, foto Cristian Dessa
Valei-me, meu São Charles Bukowski!

Banda mais cachaceira de Salvador, a Overdose Alcóolica  volta a atacar em mais uma edição do famigerado Samba Canção Fest, show / balbúrdia em que são distribuídos 21 litros de cachaça e milhões de eflúvios subversivos de raiz roqueira.

Subintitulada A Jiripoca Vai Piar, esta segunda instalação do caos neste sábado, no Bardos Bardos, promete repetir o sucesso da primeira, realizada em 21 de dezembro último.

“Sempre tivemos o propósito de dividir um pouco do que bebemos com o público. Fazemos isso desde o início da banda. E claro que a ideia maluca de colocar 21 litros de graça era absurda demais para conseguirmos concretizar. Já que envolve o consumo no bar do espaço e afins. Mas inacreditavelmente deu mais do que certo. Funcionou tudo perfeitamente”, garante o vocalista Binho Breja.

Para fermentar ainda mais esse bolo doido (de marvada), uma penca de convidados participará da festa. Como são muitos, vamos citar só Jorginho King Kobra, Irmão Carlos, Cândido Martinez, RB (da Lo Han), Tony Lopes  e Cadinho.

“Convidar essa galera toda sempre foi um sonho nosso. Tudo isso está  no objetivo da banda, que é promover a união entre os públicos com um copo de cerveja na mão. Nos abraçamos cantando juntos, tomando uma gelada, isso não tem preço. E acredite, a galera enfrenta muito bem a ideologia da banda no processo etílico”, afirma.

E antes que supostos guardiões da moral e bons costumes (sempre os maiores pecadores) comecem a zurrar, é bom deixar claro que a banda não derrama cachaça goela abaixo de ninguém, tá OK?

“Eu sempre digo nos meus shows: só bebe quem respeita a bebida. Quando você deixa de respeitar os limites dela, você acaba sucumbido por ela. E o objetivo não é esse. É promover momentos inesquecíveis com os amigos”, diz.

"Sem dúvidas (já recebemos críticas por conta da  temática politicamente incorreta). Já tivemos inúmeros problemas por conta disso. Mas de verdade, não nos atinge em nada. Fazemos o que gostamos, do jeito que gostamos e isso ninguém tira da gente. O rock é transgressor e libertário, somos e pregamos isso na base da sua essência", afirma Binho, encharcado de razão.



Eles só querem união

Compartilhe da santa comunhão, foto Cristian Dessa
Formada em 2005, a OA já lançou um álbum (Apologia ao Alcoolismo, 2015) e um EP (Eu Só Sei Beber, 2014).

Pretendem gravar um segundo ainda este ano.

O som, como se pode perceber, traz influências de rock clássico e metal.

"Essa pergunta é realmente ampla. Temos influências de Blues, Punk Rock à Black Metal. Ouvimos muita coisa, e quando você escuta o Overdose Alcoólica, você percebe isso. Mas em se tratando de temática, posso te citar bandas como Camisa de Vênus, Velhas Virgens, e o mestre Raul Seixas", enumera.

Mais do que beber, o quinteto garante que quer mesmo é promover a união entre as diferentes tribos do rock local.

"Quando éramos adolescentes e sempre víamos brigas e discussões em todos os âmbitos do Rock, aquilo nos deixava indignados", diz Binho.

“Não entendíamos como um segmento tão marginalizado, poderia ser tão desunido. Foi aí que tivemos a ideia de misturar rock e metal, falando de algo que é unânime em todas as vertentes: a cerveja. E isso fez com que até hoje você veja público de todos os meios nos nossos shows, unidos e brindando juntos”, conclui.

Samba Canção Fest 2: A Jiripoca vai Piar, com Overdose Alcóolica e Convidados / Sábado, 17 horas / Bardos Bardos / Colaborativo  



NUETAS

Red Razor, Aphorism

Hoje Dia 3 de abril (ou seja, daqui a um mês, foi mal o abestamento do bloguiero) é dia de metal extremo no Mercadão.cc, com a banda catarinense  Red Razor e as locais  Aphorism, Infected Cells e God Funeral estourando tímpanos e invocando espíritos malignos (porém fofos, perto do espírito de porco de cidadãos de bem). 19h, R$ 20.

Thiago Ronco folk

Vocal e guitarra base da Meus Amigos Estão Velhos,  Thiago Ronco faz estreia solo esquema voz e violão (e cello de André Miranda Filho). Quinta-feira, 19h, no Bardos Bardos. Colabore com R$ 10.

Dom Sá  downtown

A segunda session do Dom Sá Convida traz as bandas Game Over Riverside e Sequestro Relâmpago.  Sábado, 19h, no La Boca Bar (R. Monte Serrat, 54, Ponta do Humaitá). Free.

quinta-feira, fevereiro 20, 2020

"ACHO IMPOSSÍVEL FAZER QUALQUER JULGAMENTO DE RAUL À ESSA ALTURA"

Raul. Foto Dan Dickason / Imagens divulgação Todavia
Quem se dispuser a fazer qualquer pesquisa rápida no Google em busca de livros sobre Raul Seixas vai se deparar com mais de uma dúzia de volumes.

Há coletâneas de textos, ensaios, ensaios biográficos e até romances psicografados.

Mas biografia séria mesmo – profissional, investigativa, escrita por um jornalista de peso – por enquanto, só há uma: Raul Seixas: Não Diga Que a Canção Está Perdida (Todavia), de Jotabê Medeiros, repórter cultural de vasta experiência nos jornalões paulistas.

Fruto de  ano e meio de trabalho, o livro resultou de dezenas de entrevistas, pesquisas em outros tantos artigos de jornais e revistas e – claro – uma viagem à Salvador.

O rapaz se esforçou tanto que acabou desencavando uma polêmica, ao notar que a sequência de acontecimentos no episódio das capturas de Raul e Paulo Coelho pela ditadura militar em 1974 abria uma porta para suspeitar que Raul poderia – poderia – ter delatado o parceiro.

Afinal, o primeiro foi solto ileso e o segundo, preso uma segunda vez e torturado.

E aqui é bom deixar duas coisas claras.

Não há como provar a hipótese – tanto Raul quanto o agente da repressão que atuou no caso já estão mortos.

Segundo e mais importante: mesmo que seja verdade, condenar Raul seria errado. Regimes ditatoriais  militares “quebram” pessoas. É pra isso que eles servem.

Essa história está muito bem narrada no livro – assim como toda a sua trajetória, desde a infância entre Salvador e Dias D’Ávila, sua amizade com Waldir Big Ben Serrão, a Jovem Guarda, Os Panteras, o primeiro – e duro – período no  Rio de Janeiro, a carreira de produtor, a carreira solo, a  parceria com Paulo Coelho, as mulheres, o sucesso, as drogas, a decadência, o início, o fim e o meio.

Leitura ágil e leve, é obrigatória não só para os fãs do Raulzito, mas para qualquer um com interesse na própria cultura brasileira dos últimos 50 e poucos anos. Por que Raul nunca foi “apenas o cantor”.

ENTREVISTA: JOTABÊ MEDEIROS

Além de ouvir Raul, como qualquer pessoa, qual a sua relação com o biografado? Você chegou a entrevista-lo ou encontrá-lo ainda em vida?

Jotabê Medeiros, foto Renato Parada
Jotabê Medeiros: Cresci ouvindo rádio, no interior do Paraná, e Raul foi um dos artistas da esfera do rock e do pop que conseguiu romper a barreira do hit parade com várias canções populares, além de ter se tornado uma figura midiática muito conhecida em todo o País nos anos 1970. Eu adorava ouvir Ouro de Tolo e adorava o deboche dele, o jeito rebelde. Como crítico de música, já o conheci na fase decadente, em shows capengas em São Paulo, a partir de 1986, 1987. Fui a uns dois shows na época, não tive boa impressão, estava muito ligado no rock britânico, no desenvolvimento técnico da sonoridade de uma época. Me arrependo: era um momento trágico da vida de Raul que poderia ter sido melhor acompanhado. Eu falei com Raul para reportagens sem importância na época, coisas protocolares.

Como foi sua pesquisa em Salvador? Você veio à cidade? Com  quem falou? Foi sempre bem recebido?

JM: Estive em Salvador para conversar com o baterista dos Panteras, para conhecer o antigo Cine Roma, as casas onde Raul viveu, mas principalmente para fazer algo que considero fundamental numa pesquisa: ir aos lugares onde tudo aconteceu. Para que a narrativa tenha credibilidade, é preciso palmilhar os percursos que os protagonistas percorriam, descobrir quanto tempo levava da casa de Waldir Serrão até a de Raulzito, onde vivia Edith, onde ficavam as lojas de discos, os pontos de encontro. Percorri de Uber todos esses lugares, conversei com as pessoas na Vila Operária. Enfim, tentei compreender a geografia daquela revolução. Não houve grandes problemas para falar com as pessoas, elas recebem bem qualquer contribuição à memória de Raul Seixas, ele deixou um legado de portas abertas.

Passada a polêmica da possível delação de Paulo Coelho, que teria sido feita por Raul aos militares, como você encara o episódio? O que você, pessoalmente, acredita que ocorreu? E mesmo que tenha de fato ocorrido, seria possível condenar Raul?

Os Panteras. Raul é o segundo da esq. p/ a dir. Crédito DR Os Panteras
JM: Bom, eu acho que a centelha da suspeição foi utilizada de forma meio mórbida por certa parte das pessoas, como se houvesse uma exumação em curso. O importante para mim, como autor, é ter sido fiel aos fatos que apurei, tê-los registrado no livro sem fazer juízo de valor, de forma a clarear a história. Eu só tenho uma convicção pessoal: houve algo grave naquele episódio. Outras pessoas foram presas a partir do interrogatório, por exemplo, da então namorada de Paulo Coelho. Não é algo que a gente diga “ah, vou pular essa parte, ela vai me trazer problemas”. É preciso encarar os fatos, saber separá-los da questão artística, entender as pessoas como falíveis, as circunstâncias como incontornáveis. Eu acho impossível fazer qualquer julgamento de Raul a essa altura, ele e Paulo Coelho viviam no inferno do regime de exceção nos anos 1970 e eram alvos recorrentes da censura e da importunação. O que aconteceu a cada um deles? O que fizeram a Raul e à sua família? Não encontrei elementos que pudessem clarear essa última questão, então não dou palpites.

Apesar de genial, visionário e de ter marcado e influenciado a MPB  e o rock brasileiro para sempre, tenho a impressão de que Raul ainda é menos reverenciado do que merece. Entre os MPBistas, nunca está no mesmo patamar do trio Chico / Gil / Caetano. E entre os roqueiros, sempre há a ala que o considera superado e até brega. O destino de Raul, mesmo pós-morte, é esse eterno limbo?

O jovem Raul toca para pescadores em Amaralina. Foto Juvenal Pereira 
JM: Acho que a incompreensão a respeito do real papel que Raul representou e representa na cultura brasileira tem muito a ver com o fato de que o mito sobrepujou os fatos. Então, o Maluco Beleza é maior do que o talentoso produtor, exímio compositor, fascinante intérprete que ele foi. Quanto mais formos ajudando as pessoas a entenderem que ele não era apenas um doidão excêntrico, portador de histórias pessoais mirabolantes (embora também fosse um doidão excêntrico), maior dimensão sua arte atingirá. Eu acredito, e já disse isso em várias ocasiões, que ele é um dos mais completos artistas da música que já tivemos na História.

Ao longo de todo o livro você aponta todos os plágios / "empréstimos" / adaptações que Raul fez em sua carreira. Na época isso passava batido? Ao mesmo tempo, há toda aquela discussão de autoria na arte contemporânea. E vale lembrar que o rock está cheio de plagiadores geniais, a começar por Jimi Page. Conclusão: até para plagiar direito é preciso ter talento?

JM: Raul encarava a apropriação, a meu ver, também como um ato de sublevação, de enfrentamento do status quo. Ele ria do copyright, ria de todos os conceitos de propriedade. Não tinha necessidade de copiar, era mais inventivo, em geral, do que aquilo que tinha copiado. Mas a contracultura teve também esse aspecto, que Raul transformou em música, de contrapor-se às normas industriais, de selos, carimbos, rótulos. De todo modo, eu tento não passar pano para essa faceta de sua obra, que é muito diversa. Não se pode naturalizar o comportamento de rapinagem, embora se possa compreender. Eu gosto muito de todos os plágios dele, são maravilhosos.

Outro ponto sempre polêmico a respeito de Raul são os 50 shows que fez em turnê com Marcelo Nova, pouco antes de morrer. Acredita que foi isso que "apressou" sua partida ou ele já estaria condenado devido às décadas de abuso e negligência à própria saúde?

Sergio, Wagner, Leno, Raul e Tom. Ft Dan Dickason
JM: Marcelo Nova cuidou de Raul como ninguém mais cuidaria. Isso sem subestimá-lo, sem tratá-lo como um estorvo. E olha que Raul não era um cara fácil, tinham dificuldade para fazer com que tomasse remédios, por exemplo. Marcelo fez isso por uma admiração legítima, e sem esperar por algum tipo de recompensa. Era sua própria vida em movimento. Nos shows, ninguém exigia mais de Raul do que o que ele pudesse apresentar. Ele só usava a voz quando podia, só tocava a guitarra quando podia. E assim foi até onde podia. Sua morte foi decorrência de um final de semana de negligência pessoal, isso está descrito no prontuário médico. Raul tinha suas próprias ideias de autopreservação.

Em tempos tão estranhos, a pergunta me parece inescapável: como o senhor acha que seria a posição de Raul hoje em dia? Se manteria à margem, ainda que libertário, ou sucumbiria ao fascismo, que já abriga tantos roqueiros tradicionais? Sei que o senhor não é adivinho, mas...

JM: Raul execrava a ação do Estado na tutela da sociedade. Então, ele estaria contra o que se apresenta hoje no Brasil, é evidente. Ele era vítima da censura cotidianamente; então, ele ficaria puto com a reinvenção da censura por um governo de conformação religiosa e conservadora, moralista. Raul era livre em sua expressão de costumes, de comportamento; então, ele ficaria em guerra contra um Estado que prega abstinência sexual, que estigmatiza o pensamento contrário, que persegue ou destila preconceito contra índios, nordestinos, gays e lésbicas. Não é nenhum segredo que Raul estaria em guerra contra esse arremedo de governo que temos, é apenas uma questão de analisar sua atitude.

Raul, a exemplo de Jesus, Jim Morrison, Bob Marley e outros, é muitas vezes apontado como um daqueles casos "ele é ótimo, o que estraga são os fãs". O raulseixismo enquanto fenômeno social é um elogio ou um desserviço à obra e à memória do artista?

JM: Rapaz, aí vou discordar: tenho visto manifestações maravilhosas dos raulseixistas, que são sempre bem-humorados e debochados, que não se levam a sério demais, mas que nutrem por Raul um amor verdadeiro, sincero, além do tempo e das interpretações. Há radicalismos, é claro, mas quem tem medo de cara feia é passarinho, que foge do espantalho. Lancei o livro em Fortaleza, Belo Horizonte, São Luís e João Pessoa, e a recepção tem sido maravilhosa, todo mundo tem coisas pra perguntar e inquirir. É um dos contingentes de fãs mais bem-preparados do star system.

Qual seu próximo livro / biografia? Pode adiantar algo?

JM: Por enquanto, ainda não posso. É um trabalho de imersão absoluta, creio que já poderei falar sobre ele no final desse ano.

Raul Seixas: Não Diga Que a Canção Está Perdida / Jotabê Medeiros / Todavia/ 416 páginas/ R$ 69,90 / E-book: R$ 39,90

quarta-feira, fevereiro 19, 2020

PRETO, PESADO, NORDESTINO E VIRADO NA PORRA

Boa promessa do rock baiano, Agrestia estreia no Palco do Rock neste domingo

Agrestia em ação, foto Cycero Tavares
O fatídico 31 de agosto de 2016 – data do golpe jurídico-parlamentar que nos legou um país em estado de desmonte e vale-tudo institucional – foi também o dia em que o guitarrista Adrian Knock Down se reuniu pela primeira vez para tirar um som com Jiraya (baterista) e Paulo Porciúncula (baixo).

“O Agrestia nasceu num clima de tensão política”, percebe Adrian. Não à toa, as letras da banda são todas no estilão “dedo na ferida”.

Neste domingo, o quarteto soteropolitano se apresenta no festival Palco do Rock, podendo muito bem fazer um dos melhores shows desta edição – a categoria demonstrada em singles como Força!, Curandeiro e Tragédia Em Todo Gueto os credencia para isso.

Reformada em 2018 com Adrian, Alesandro Colonnezi (bateria), Daniel Moura (baixo) e o ex-baixista Paulo assumindo os vocais, a banda parece ter encontrado um bom caminho ali entre o Sepultura (Paulo manda muito bem na linha Derrick Green) e sua veia rebelde negra e nordestina.

" Com essa formação, desde janeiro de 2019, o Agrestia deu um salto qualitativo, amadurecendo a sonoridade numa crescente e constante evolução. Nosso lance regional tem muito mais a ver com a atitude, o discurso, o texto das letras, e a identificação com a cultura nordestina. Somos uma banda de rock pesado da Bahia, Nordeste, e as conexões com elementos musicais regionais surgem de forma natural nas nossas jams experimentais, não há uma obrigação em ter que soar de tal forma, mas esse sotaque é quase inevitável, é espontâneo”, conta Adrian.

“Apesar de todos os integrantes terem mais de 40 anos, somos uma banda muito nova. Iremos lançar nosso primeiro EP este ano. O que a Agrestia quer é ter relevância com seu som e as mensagens. Podemos ser um Raimundos mais sério, uma Nação Zumbi mais pesada, um Faith No More nordestino, um Sepultura mais leve, um Zé Ramalho distorcido ou tudo  junto”, emenda o baterista Alesandro.

Olodum agreste

O quarteto na selfie do batera Alesandro Colonnezi
Fortemente politizada, a banda reflete em suas letras o pensamento dos seus integrantes sobre o atual momento sócio-político do Brasil.

"O país está sendo governado pelo que existe de pior. O presidente foi eleito à custa de fake news, ódio e ignorância. É claro que não poderia dar certo. O resultado tá aí pra todo mundo ver. Cresce a intolerância, o desrespeito, o radicalismo e a estupidez. Há uma legião de brasileiros que se auto intitulam cidadãos de bem e patriotas, se sentindo cada vez mais à vontade para agirem de forma cretina e violenta. O judiciário se tornou um partido político de extrema-direita, as instituições públicas estão cada vez mais desacreditadas. A economia em estado de crise permanente - não há diretrizes, planejamento, nada. Reformas foram feitas em nome e benefício do poder econômico e são verdadeiras tragédias para o trabalhador e os desvalidos. A educação, um caos completo e absoluto. Cultura ganhou status de peçonha e malefício. Recorde de queimadas na Amazônia, óleo nas praias, desemprego, crescimento da fome e da pobreza, um pandemônio. A impressão que se tem é que ninguém ali tem a mínima noção do que está fazendo. Desconhecem completamente o que é o Brasil e seus gigantescos problemas. O ministério é um congraçamento de sabujos e beócios. Some-se a isso os casos obscuros envolvendo o presidente e seus filhos. Acho que podemos dizer em claro e bom tom que somos governados por milicianos do escritório do crime. Só Sérgio Moro não vê isso. O comportamento humilhante desse sujeito é praticamente um espelho para o 'cidadão de bem'. Inclusive, estamos na fase final de gravação de uma música com esse tema, em breve estará disponível nas principais plataformas digitais. Ao menos pra ser ridicularizado o cidadão de bem' tem serventia", analisa Colonnezi.

No PdR, o quarteto promete um show surpreendente, com direito a uma homenagem ao Olodum – algo inusitado, em se tratando de PdR, mas muito bem-vindo.

“O Palco do Rock é uma oportunidade de nos apresentarmos para um público maior, estamos ansiosos para sentir como essa galera vai responder ao nosso som. Tocaremos oito músicas: sete autorais e uma versão completamente diferente de um clássico do Olodum! Vamos aproveitar para gravar o show com o intuito de lançar nosso primeiro material audiovisual ao vivo. Na nossa visão este festival poderia ser bem maior e melhor, algo até de nível internacional, mas com o recurso disponibilizado para o projeto, uma verba ridícula”, afirma Adrian.

“Sem dúvida, será uma experiência de grande valor para a Agrestia. É a nossa primeira vez no Palco do Rock, e queremos deixar nossa marca. Preparamos um set list enxuto, mas bastante vibrante, pesado e agreste (risos). O tempo de apresentação é curto, vai ser uma porrada atrás da outra. O público pode se preparar pra receber aquele tapão de mão aberta no pé do ouvido, no bom sentido, é claro. O Palco do Rock é uma grande vitrine. Muita gente já passou por ali, é uma espécie de ritual e requisito pra quem quer fazer rock pesado em Salvador e na Bahia. Tem que passar pelo Palco do Rock, que antes de qualquer coisa, é representação de resistência. Um festival que já está aí há 25 anos fazendo um contraponto ao axé em pleno Carnaval na terra do axé. Isso tem grande significado e importância. Claro que existem  críticas, mas preferimos elogiar”, conclui Colonnezi.

Agrestia no Palco do Rock / Domingo,  17h / wwwfacebook.com/agrestia.rock



NUETAS

Alopre-se no BB

O Circuito Tony Lopes – leia-se Bardos Bardos – bota na avenida o Grito de Carnaval da casa com show do Professor Doidão & Os Aloprados. Quinta-feira, 19 horas, colabore.

Destaques PdR ‘20 

Então é Carnaval, e o Palco do Rock ressurge em meio aos coqueiros de Piatã. Infelizmente, até o  fechamento da coluna, a produção ainda não havia divulgado a grade completa das 40 atrações previstas. Pouco mais da metade foi anunciada. Vamos ao que interessa. Além da Agrestia aí do lado, recomendamos Dona Iracema (uma das melhores coisas do rock baiano recente), Drearylands, Marília Gabriela (SP), Electric Poison, Maldita (RJ), The Cross, Bruma. Oxalá daqui até sexta-feira sai a grade completa. De sábado até terça-feira de Carnaval, no Coqueiral de Piatã, 17 horas, gratuito.

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

LeGAL NA CONCHA

Com participação de Silva, Gal Costa traz de volta à cidade a bem sucedida turnê A Pele do Futuro

Dona Maria das Graças no show de 2019 no TCA, foto Mila Cordeiro
Verão em Salvador sem shows de Gal, Gil e Caetano deve ser bem ruim – felizmente ainda não conhecemos estação tão cinzenta.

Se na semana passada os dois últimos bateram ponto (brilhantemente, como sempre) nas dependências do Teatro Castro Alves, amanhã é a vez de Maria nos conceder a Graça de sua voz e presença no palco da Concha Acústica do mesmo TCA.

Esta é segunda apresentação que Gal faz em Salvador da turnê do seu álbum mais recente, A Pele do Futuro.

A primeira foi justamente há pouco mais de um ano, no dia 1º de fevereiro de 2019, na Sala Principal do Teatro Castro Alves.

Transferido na apresentação de amanhã para o ambiente mais descontraído da Concha Acústica, o show deve ganhar ainda mais animação, dado que traz vários momentos festivos no repertório.

Além da mudança de ambiente, outra novidade é a participação do cantor capixaba (cada vez mais baiano) Silva.

“É o mesmo show, a turnê do A Pele do Futuro que já rodou o país todo e o show está cada vez mais lindo. A única novidade é a participação do Silva”, confirma Gal, por email.

A relação entre Gal e Silva decorre de ele ter participado da turnê Ela Disse-Me Assim (aquela só com repertório do Lupicínio Rodrigues) e de ser dele uma das faixas de A Pele...: Palavras no Corpo, parceria com o poeta Omar Salomão (filho do vulcão tropicalista jequieense Waly).

“Com certeza cantaremos juntos Palavras no Corpo e o resto é surpresa, não quero estragar”, provoca.

Se esbanja talento na sua arte / profissão, dona Maria das Graças é bem econômica nas palavras e nas informações.

Cantora lendária, ótima banda, grande show. Foto Mila Cordeiro
Evita contar se a parceria com Silva renderá outros frutos: “Isso vamos deixar o tempo dizer. Ele é muito talentoso, adorei conhece-lo primeiro como músico do show de Lupicinio comigo, depois como lindo compositor e intérprete”.

E evita também dar qualquer pista sobre o que planeja fazer em seguida, finda a fase d’A Pele do Futuro: “Já estou pensando no próximo trabalho, mas também é surpresa ainda”.

Osso duro, mas OK. Ela pode.

Conexão sem explicação

Aos 31 anos, Silva vem aos poucos se tornando um dos nomes mais quentes da música brasileira: suas canções, muitas compostas com seu irmão Lucas, tem rendido gravações e duetos com nomes como Marisa Monte (Noturna [Nada de Novo na Noite]),  Ivete Sangalo (Pra Vida Inteira) e Ludmila (Um Pôr do Sol na Praia).

Seu álbum mais recente, Bloco do Silva, traz repertório só de sucessos da axé (e pré-axé) music, identificadíssimo que é o rapaz com a Bahia.

Silva, queridinho delas. Foto Breno Galtier
“Não sei explicar exatamente da onde vem essa conexão que tenho com Salvador, mas é muito forte. Deve ser alguma coisa de destino. E é muito bom saber que é recíproco, sempre recebo muito carinho dos amigos que são daí e vejo muita gente me acompanhando com amor”, conta.

Tudo isto posto, é fácil imaginar seu entusiasmo para o show de amanhã.

“Estou ansioso por isso, Gal é uma das minhas vozes favoritas do mundo. Passei bons momentos da vida ouvindo suas músicas. Tô muito feliz em cantar com ela em Salvador, na Concha Acústica”, afirma.

Axezeiro com orgulho, só falta ao Silva agora puxar um trio elétrico no circuito Barra - Ondina.

“Estamos fechando toda a agenda de Carnaval, mas vou dar um jeitinho de passar por Salvador”, garante, com aquele despiste de praxe.

Bom aluno, vai longe.

Gal Costa: A Pele do Futuro / Amanhã, 19h / Concha Acústica do Teatro Castro Alves / R$ 80 e R$ 40 / Camarote: R$ 160 e R$ 80 / Classificação: livre

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

PAGA AÍ, QUE EU TÔ DOIDÃO

Professor Doidão & Os Aloprados pisam fundo na Kombiruta em turnê com Marília Gabriela (a banda)

Aloprando: Cícero, Juliana, Isaac e Lucas, em foto de Dan Borges
Atenção, crianças! Silêncio na sala! Esta semana, o Professor Doidão está de volta às aulas, portanto, vamos prestar atenção.

Mestre em rock ‘n’ roll, Isaac Fiterman, o Professor Doidão, e seus assistentes, Os Aloprados, fazem mais um giro por Salvador e outras cidades, desta vez acompanhados de... Marília Gabriela?!? É isso mesmo, produção?

É isso mesmo: a banda paulista Marília Gabriela (que tem licença da titular para usar seu nome) se apresenta com o Professor Doidão & Os Aloprados sexta-feira (no Portela Café), dia 27 no Cultura Bacana Music Lounge Bar (Vitória da Conquista), dia 28 no Green Music Hall (Itabuna) e  no dia 29 em Itacaré (a confirmar).

Mas espera, não acabou ainda. As duas bandas ainda tocam no Palco do Rock 2020.

Achou muito? Que nada, maluco. Se tem uma coisa que o Professor & Os Aloprados conhecem bem são as estradas dessa Bahia. À bordo de sua (palosíssima) Kombiruta, o quarteto vem espalhando seus eflúvios psicodélicos por terras baianas e além.

“Ano passado rodamos bastante, divulgando nosso trabalho. Fizemos shows em Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, Serrinha, Jequié, Vitória da Conquista, Itabuna, Uruçuca (Serra Grande), Lençóis, Palmeiras (Vale do Capão) e também em Belo Horizonte. Atualmente não temos um produtor fixo. O que tem acontecido são pessoas pontuais das diversas regiões que nos contactam e fazem a roda girar. Lula Palmeira, por exemplo, tem feito a nossa produção na região sul da Bahia e tem se arriscado em outras áreas também“, conta Isaac / Professor Doidão.

“Na sua maioria os shows tem as despesas (alimentação, hospedagem e transporte) bancadas pelos contratantes. A partir daí, cachê ou bilheteria – ou seja, risco só de ganhar. Em alguns casos (eventos solidários e novos espaços da grande Salvador), fazemos shows do próprio bolso”, diz.

Morda-se de inveja, Ken Kesey! Foto de Dan  Borges
Projeto em execução

Com dois EPs já gravados, a banda lançou no último dia 2 o single Eu e Você no Vale do Capão. “Foi gravado no Estúdios WR, e o clipe já está no forno. A ideia é  lançar mais uns três ou quatro singles e daí formar o terceiro EP”, conta.

Divertido e alto astral, o som do Professor Doidão tem sua contraparte gráfica perfeita na Kombiruta, um projeto ainda em execução: “Temos que finalizar o projeto da Kombiruta, nosso quinto elemento, com palco, gerador e equipamentos de som, para podermos levar nosso som aloprado para os quatro cantos da Bahia e do mundo”, ameaça Isaac.

“Vivemos tempos difíceis e a música precisa ter um papel diferenciado. Entreter é a palavra do momento.  Fazemos um som irreverente e dançante para quem quer se divertir mas também com letras para refletir. Bem-vindos à classe do Professor Doidão & os Aloprados”, conclui.

Marília Gabriela com Professor Doidão & Os Aloprados / Sexta-feira, 22 horas / Portela Café / (R. Itabuna, 304, Rio Vermelho) / R$ 20



NUETAS

Sintonize Pessoa

O cantor Pessoa faz show de lançamento do seu novo single, Sintonize. É sexta-feira, 21 horas, no Tropos Gastro Bar (Rua Ilhéus, 214, Rio Vermelho), R$ 10 (com direito a uma bebida).

Rock Baiano na Casa Ninja Bahia

Neste sábado, um evento muito legal rola na Casa Ninja Bahia (Largo da Mariquita, Rio Vermelho): é o Subterrâneo: Uma Homenagem ao Rock Baiano. Primeiro, roda de conversa com Ednílson Sacramento (autor do livro Rock Baiano: História de uma Cultura Subterrânea), Cairo Melo (NHL), Irmão Carlos, Ivana Vivas (pesquisadora), Maíra Morena (produtora), Rogério BigBross (o rock baiano em pessoa), Sandra de Cássia (Palco do Rock) e Sora Maia (fotógrafa). Na sequência, shows das bandas Bagum, Colibri, Tangolo Mangos e Astral Plane. 19 horas, R$ 10.

quinta-feira, fevereiro 06, 2020

SONGS OF OUR LIVES

Grande banda nordestina, a sergipana Snooze sai de cena com belo álbum-tributo

A Snooze em ação em 2019, em um dos últimos show. Foto Saulo Coelho
Formada em 1993, em Aracaju, a banda Snooze foi, durante muito tempo, uma das principais representações do indie rock no Brasil, ao lado de outras pioneiras como a baiana brincando de deus, as paulistas Killing Chainsaw e Pin- Ups, a carioca Second Come e a brasiliense Low Dream, entre outras.

Encerrada no ano passado depois de mais de 25 anos de atividades e cinco álbuns gravados, a Snooze é agora homenageada pelo álbum-tributo Snoozing All This Time, já disponível nas plataformas de streaming.

Organizado pelo músico Gus Machado, via Noise Floor Records, o tributo traz bandas importantes do cenário indie, como Wry (SP), Renegades of Punk (SE), a baiana Pastel de Miolos e cantores solo como o próprio Gus, Panço (RJ) e o potiguar Dimetrius Ferreira.

“O tributo surgiu a partir de um post de Facebook onde o Gus Machado reverenciava a banda e tinha muito comentário bacana, e alguém (na verdade, o próprio Gus) deu essa ideia lá e ele resolveu levar a  adiante. Contactamos vários amigos da cena e bandas que já nos relacionávamos, de Aracaju e do Brasil. Basicamente pessoas que gostavam dos nossos discos ou se diziam influenciados. Depois apareceram mais bandas e artistas novos que nem tínhamos muita relação, e isso foi ótimo”, relata o baterista Rafael Jr., que junto com seu irmão Fabio Snoozer (baixo, voz) são os únicos remanescentes desde o início.

“Escrevi esse post depois de amanhecer com uma música do Snooze na cabeça. Eu dizia o quanto eles não eram apenas a minha banda sergipana favorita, mas sim uma das minhas bandas favoritas da vida. E que, graças a eles, por me fazerem sentir representado  - aos 12 anos de idade - no show de lançamento do Let My Head Blow Up (2002) -  pude entender que mesmo estando fora dos grandes centros, era possível fazer música e ‘soar como uma banda grande’, acrescenta Gus Machado.

Coletivo, o trabalho envolveu Gus, os irmãos Snooze, Wilson Santana (PdM) e Dimetrius.

“Foi criada uma lista de emails com orientações gerais, uma lista enorme de músicas e um prazo razoavelmente longo para a entrega da gravação. Não tínhamos dinheiro nenhum e cada banda arcou com sua gravação. É um trabalho coletivo, portanto, mas com algumas pessoas encabeçando. Formamos um grupo de Whatsapp com o Gus, Dimétrius de Natal (RN), que ajudou bastante na parte do site, o Wilson da banda Pastel de Miolos com várias ideias boas advindas de sua experiência com selos independentes, e eu e meu irmão Fabinho da banda, como 'curadores' do projeto. Cada banda escolheu sua música e ai riscávamos da lista geral. Gus fez as ilustrações de cada banda, e há depoimentos de cada artista no site, sobre a escolha da música e como conheceu a Snooze”, relata Rafael.

O cantor potiguar Dimetrius, foto José TM
"Eu não contava com a adesão imediata do Snooze ao meu projeto (que hoje nem é só mais meu), mas com a participação deles eu tive acesso a outras bandas que eram contemporâneas deles - Sem eles, eu nunca chegaria a bandas que dividiram a estrada com eles quando eu ainda era uma criança. Então, naturalmente Rafael e Fabinho assumiram o papel de curadores sugerindo e me colocando em contato com bandas que tinham vínculos emocionais com o Snooze. A seleção de bandas foi completamente parcial e guiada pela memória afetiva. Eles sugeriram artistas com quem eles dividiram a cena e eu sugeri artistas com quem eu dividi a cena", acrescenta Gus

O resultado está no site snoozingallthistime.com, com todas as músicas, links, fotos e textos. Infelizmente. não haverá um evento para marcar o lançamento do projeto, mas Gus não descarta gerar novos filhotes a  partir deste trabalho. “A cena tem mudado e hoje existe a música e todo o conteúdo gerado ao redor dela. Hoje é uma coletânea, amanhã pode ser um livro, e depois de amanhã, quem sabe, uma exposição”, aposta.

Uma conclusão

Indie rock "raiz", a Snooze ainda assim foi abraçada no projeto por artistas da geração mais nova do indie contemporâneo, que, como sabemos, é mais brasileiro, menos triste e mais tropical.

"Tento assimilar e entender o indie atual brasileiro, mas tenho dificuldades. Gosto de algumas coisas, mas cheguei à conclusão que sou mesmo 'old school' (risos). Acho ótimas as mudanças, mas não é muito meu gosto pessoal. Nossa posição nesse cenário é que fomos old school até o fim das atividades... Não sei se isso é bom ou ruim, apenas éramos 'de verdade', sempre fizemos o som que quisemos fazer, sem qualquer tipo de concessão", afirma Rafael.

"Fiz um caminho longo para chegar a música brasileira. Acho que nisso eu e o indie rock temos algo em comum. Acho sensacional essa redescoberta de influências brasileiras (e por que não latinas?) e a sua incorporação no indie rock. Acredito que isso vai fazer a música produzida aqui cada vez mais única. Concordo com o Rafael que a mudança é positiva. Discordo dele apenas pelo fato de gostar muito do que tem surgido. O Snooze é uma banda noise e oldschool, porém quem houve Má Love, do LMHBU vai ver uma deixa de ritmos mais brasileiros. (Será que foi o inconsciente?) Em tempo, acho que uma das vantagens de ser independente é não ter que ser fiel a nada, nem se quer ao seu trabalho prévio", observa Gus.

Valeu, Snooze! Viva o rock sergipano! Foto Saulo Coelho
Enfim, a banda acaba, mas o som fica.

"Essa é a notícia triste: tínhamos novas músicas e uns demos, tocamos em alguns festivais importantes em Sergipe em 2019, tinha o plano de fazer um disco novo já há algum tempo, mas sucumbimos e não sei dizer a razão exata. Apenas chegou a hora de fechar o ciclo depois de mais de 25 anos de atividade, e todos concordaram. Salvador sempre foi nossa segunda casa e bastava uma ligação pro Wilson, Tony ou Rogério Big Brother, e teríamos uma data. Fizemos muitos amigos na cena baiana e foram mais de 20 shows em Salvador e alguns no interior da Bahia. Sempre recebemos as bandas baianas em Aracaju também, desde os anos 90", conclui Rafael.

"Vamos ficar órfãos da Snooze. Eu desejo a cada um deles, dos irmãos Snooze aos membros da última formação, que continuem produzindo música autoral. De repente, deste fim, vem uma multiplicação de projetos e muito material bacana para se ouvir", conclui Gus.

Por fim: ouça o disco, visitem o site: http://snoozingallthistime.com/



NUETAS

Retrofoguetes X 2

Os fabulosos Retrofoguetes fazem duas sessões de seu show Surf Carnival nas próximas duas quintas-feiras (HOJE e 13), sempre às 20 horas. É no Teatro Sesc Senac Pelourinho, R$ 10 ou R$ 8 (cliente Sesc).

Metal no Teatro sábado

Behavior, Drearylands e Inner Call e Beyond The Evollution fazem a primeira edição do ano do evento Metal no Teatro. É sábado, 17 horas, no Cine Teatro Solar Boa Vista (Brotas), R$ 25 ou antecipado a R$ 15 + um kg de alimento não perecível.

BB sexta e sábado

O country rock do Only Cash - Johnny Cash Tribute na sexta-feira e o guitar noise de Os Reids e Célula Mekânika no sábado. Sempre às 19h no  Bardos Bardos, R$ 10.

quarta-feira, janeiro 29, 2020

RUMO AO ESQUECIMENTO

O Homem Sem Talento, de Yoshiharu Tsuge, é o mangá com menos cara de mangá que já foi publicado no Brasil. Clássico, é um périplo ao Japão dos grotões, longe da modernidade à luz neon de Tóquio

Quando se fala em mangás, logo nos vem à mente uma profusão de personagens de olhos enormes e espadas em punho, em meio à muitos efeitos de movimento e cenários fantasiosos.

Felizmente, nem só de Dragon Ball e Pokemon vivem os quadrinhos japoneses.

Um excelente exemplo que foge totalmente à estética e às temáticas usuais das HQs produzidas no Japão, O Homem Sem Talento, de Yoshiharu Tsuge, pode ser uma das melhores coisas que você vai ler neste início de 2020.

Semiautobiográfica, a HQ acompanha a vida nada interessante de Sukegawa, um homem de meia idade, casado e com um filho pequeno, que é desenhista de mangás mas desiste de trabalhar para a indústria, passando a exercer atividades absolutamente infrutíferas e desnecessárias – tentativas contínuas de auto-sabotagem.

Ele começa vendendo pedras, algo que parece completamente sem sentido para nós, ocidentais, mas que, de fato, existe como atividade comercial e espiritual no Japão.

Lá, a observação de pedras – ou suiseki – retiradas de lagos são encaradas como atividades de relaxamento e espiritualidade elevada.

Porém, as pedras catadas no rio próximo à sua casa simplesmente não tem valor.

O direito de desaparecer

Nos capítulos seguintes o loser nipônico tentará vender pássaros e câmeras fotográficas velhas, entre outras inutilidades – sempre para dar com os burros n’água e seguir na pobreza com sua mulher mal-humorada e seu filho choroso e catarrento – uma vida miserável que, no entanto, lhe parece bastante conveniente, já que ele insiste em não fazer nada realmente efetivo para tirar o pé da lama.

Descrito assim, parece horrível. No entanto, é uma das HQs mais belas já produzidas no Japão.

Sua consistência temática – e constância narrativa –, além dos desenhos belíssimos de Tsuge, constituem uma obra definida pela crítica internacional como nada menos que uma obra-prima – termo gasto, porém plenamente justificado aqui.

Em seus périplos, Sukegawa conhece tipos ainda mais excêntricos e tristes do que ele, como os participantes de um leilão de pedras, o dono de uma loja de pássaros que insiste em só comercializar aves japonesas de difícil criação doméstica e um livreiro de aspecto cadavérico e passado obscuro.

A cada parada em sua jornada rumo ao nada, Sukegawa – e os leitores – ouvem considerações e histórias extraordinárias que muito nos revelam do Japão dos grotões, muito longe da modernidade à luz neon de Tóquio, um país desconhecido, onde se contemplam pedras e pessoas podem se tornar andarilhas por livre e espontânea vontade.

O capitulo final, sugestivamente intitulado Desaparecer, é especialmente belo, quando o livreiro esquisitão vende à Sukegawa um livro de Inoue Seigetsu, poeta errante do século 19 e cuja trajetória parece amarrar com perfeição esta ode – não ao fracasso, mas à liberdade absoluta, inclusive à liberdade de não querer ser alguém ou fazer algo.

Aqui, a ode é ao direito de se desvanecer em meio à bruma, rumo ao esquecimento.

O que não deixa de ser irônico, visto que tanto Seigetsu quanto Tusge são idolatrados no Japão e fora dele.

Enfim, até para ser um fracasso é preciso talento, é preciso ter arte.

Em tempo: a edição da Veneta, primorosa, como de costume, é em capa dura e traz dois textos: um do editor Mitsuhuro Asakawa e outro do premiado brasileiro Marcello Quintanilha (Tungstênio, Luzes de Niterói), que faz um bem humorado paralelo entre a HQ, Dodeskaden (1971, o clássico de Akira de Kurosawa) e a obra-prima brasileira Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

O Homem Sem Talento / Yoshiharu Tsuge / Veneta / Tradução: Esther Sumi / 240 p. / R$ 64,90

terça-feira, janeiro 28, 2020

ELECTRO ABSTRACT

Duo eletrônico Aurata faz temporada de três datas com convidados no Cabaré dos Novos 

Aurata, foto Ananda Brasileiro
Referência em música eletrônica indie, o duo Aurata faz temporada de três datas às quartas-feiras no Cabaré dos Novos do Teatro Vila Velha a partir de amanhã.

A cada dia, um convidado, abrindo com o trio psicodélico Bagum, seguido pelo coletivo feminino Fenda (dia 5) e a banda Suavv fechando (dia 12).

Surgido em 2014 em uma leva de novas bandas indie / psicodélicas que contava com nomes como Mapa, Soft Porn e Van Der Vous, o Aurata é o experimento multimídia / pseudônimo artístico do artista visual, poeta, músico e produtor musical Ramon Gonçalves.

No ano passado, reconfigurou-se em um duo, com a efetivação do multi-instrumentista e produtor Pedro Oliveira Barbosa.

“Essa temporada surgiu muito pelo vínculo gerado entre a gente e o Vila por conta d'A Tempestade”, conta Ramón, que é diretor musical da adaptação de Shakespeare  em cartaz no TVV.

“Assinamos parte da direção musical do espetáculo e durante o processo surgiu a possibilidade de nos apresentarmos durante algumas semanas. O Vila é uma potência e estamos muito felizes em poder experimentar nossa música em diversos formatos, durante as próximas semanas”, acrescenta o artista.

Não-lugar

Coletivo Fenda, foto Milena Abreu
Essencialmente eletrônico e experimental, o som da Aurata é inclassificável sob termos convencionais, já que – pelo menos em seus trabalhos mais recentes, como o álbum Satori (2018, lançado na gringa pelo selo holandês Whirling Wolf) –, o que se ouve é uma série de peças abstratas mais para o erudito contemporâneo (descontado o academicismo) do que para canções pop.

“No começo do projeto eu estava tentando entender como produzir música sozinho, mas ainda assim refratando muito de uma lógica de ‘banda’”, conta Ramón.

“Existe um fio condutor em minha produção e alguns anos e registros depois, sinto que temos nos aproximado desse aspecto ‘não-lugar’ que talvez eu tenha buscado desde sempre, utilizando de  texturas e a elaboração de pequenas camadas para que o aspecto circular da música crie seu próprio corpo, atmosfera”, descreve.

Bagum, foto Milena Abreu
Interessante e hipnótico, o som da Aurata vale aquela conferida – ao vivo ou no streaming. E ainda rola  as bandas convidadas.

“A cada semana iremos nos apresentar e dividir algumas faixas com cada um dos projetos. Estamos ansiosos para ver quais lugares (ou não-lugares) as próximas semanas nos guiarão”, conclui.

Aurata Convida / Amanhã (com Bagum) e dias 5 (com o Coletivo Fenda) e 12 de fevereiro (com Suavv), 20 horas / Cabaré dos novos do Teatro Vila Velha / R$ 10 e R$ 5



NUETAS 

Persie no Zungu hoje

DJ e ícone fashion do underground baiano, Persie era figura recorrente na night do Rio Vermelho até alguns atrás. Residente em São Paulo desde 2011, Persie começou a desenvolver um interessante trabalho por lá, com dois EPs lançados e um terceiro chegando agora em fevereiro. Hoje ela apresenta este trabalho em um show no Zungu Iyagbá com os convidados Alex Tico (guitarra) e Jeronimo Sodré (programação). 21h30, colabore quando chapéu passar.


Game Over quinta

A ótima Game Over Riverside lança o registro ao vivo Live no Bardos Bardos – mesmo local onde foi gravado. Quinta-feira, 19 horas, R$ 10.

Finde gordo no BB

E vale o registro: a casa da Travessa Basílio da Gama caprichou demais na programação para a festa de Iemanjá. Sábado tem sarapatel (R$ 20) ao som de Chocolate com Blues, Todo Meu Ódio e outros a partir das 14 horas. E no domingo (2) tem feijoada (R$ 20) com Casapronta, Calafrio, Meus Amigos Estão Velhos, Banda de Rock e outros. 14 horas, no Bardos Bardos.

quarta-feira, janeiro 22, 2020

BOMB THE BASS

Sábado tem encontro de blueseiros na Varanda do Sesi e a noite é dos baixistas

Jerry, foto Angela Pereira
Instituição do blues na Bahia, a banda Água Suja promove neste sábado a oitava edição do seu evento anual Encontro de Blueseiros.

Desta vez, sob a temática Noite dos Baixistas, tendo à frente a lenda viva local Jerry Marlon, sujeito de larga experiência no underground desde os tempos da Delirium Tremens, depois 14º Andar, bandas antológicas do rock baiano.

No palco, além de Jerry, Oyama Bittencourt (guitarra e vocal), Zito Moura (teclado) e Brian Knave (bateria), grandes baixistas convidados: Américo Paim (Banda Spectro), Humberto Batalha (Mil Milhas), Keko Pires, Luciano Calazans, Octávio Américo e Tony Duarte (Gerônimo).

Aí quem ficou se perguntando, “noite dos baixistas, como é isso?”, merece essa resposta: “Com muito ritmo e groove, logicamente. Experimenta tirar o baixo das músicas pra ver o que acontece”, diz Jerry.

“O formato será com cada um deles se presentando com a banda e depois comigo,  juntos. Com dois baixos. Vai ser bom demais”, garante.

E tem mais: mané achando que o blues só prestigia guitarrista e gaitista, se liga só no tanto de baixista lendário que o gênero legou. “Willie Dixon (pioneiro), Donald Duck Dunn (The Blues Brothers), Jack Bruce (Cream), Abraham Laboriel (lenda viva, tocou com Deus e o mundo), Jerry Scheff (Elvis, Bob Dylan), Tommy Shannon (Stevie Ray Vaughan), enfim... (essas influências) é algo muito pessoal, até porque muitos músicos possuem conceitos sobre blues que muitas vezes incluem o jazz, que veio diretamente do blues. Longa história, assunto pra muito, muito tempo”, enumera Jerry.

Sectos e conchavos

Água Suja: Jerry, Brian, Oyama, Zito, foto Angela Pereira
Conhecidos pelo vasto repertório de standards, o Água Suja chega em 2020 com uma grande novidade: em breve, lançam seu primeiro álbum autoral.

“Estamos em pleno desenvolvimento do nosso disco e estamos nos dedicando pra ele até com cautela demais”, pondera Jerry.

Então tá combinado: sábado é a noite de Jerry Marlon na Varanda do Sesi – até porque é também aniversário da figura. Então é ele quem manda, tá OK?

“O nome (desse show) poderia ser Encontro de Baixistas Amigos de Jerry Marlon. Uma vez que tudo é feito com sectos e conchavos, eu faço o meu”, provoca.

“Ainda mais no meu aniversário. Até porque,  desses que aí estão no cast do show, apenas Octavio Américo (ex-Mojo Blues Band, do saudoso Álvaro Assmar) tem algum feedback na história do blues local. Os outros são grandes músicos e profissionais pelos quais tenho o maior apreço”, conclui.

8º Encontro de Blueseiros de Salvador: Edição especial Noite dos Baixistas / Sábado, 22h / Varanda do Sesi / R$ 35 / Informações e Reservas: 71 99686-9963 | 8164-9058

NUETAS

Falaschi na sexta

Ex-vocalista das bandas Angra e Almah, Edu Falaschi traz à cidade seu show Moonlight Celebration. Apresentação acústica, para apreciar cedo e sentado. Sexta-feira, 20 horas, no Teatro Isba, R$ 120, R$ 60. Ingresso solidário: R$ 62 + um quilo de alimento. Vendas: ingressorapido.com.br.

Heitor no Bardos

O som experimental de Heitor Dantas fecha temporada aos sábados de janeiro no Bardos Bardos. 17 horas, valor sugerido: R$ 20.

Terráqueos sunset

Liderada pelo bluesman Lon Bové, a Banda Terráquea faz o pôr do sol deste domingo na Varanda do Sesi. Atenção para a gaita de Luiz Rocha e a seção de sopros dos Skanibais, todos no palco. Domingo, 17h, R$ 30. Doando camisa usada ganha ecobag de graça.

terça-feira, janeiro 14, 2020

EM CASA, DE BOA

Com álbum novo no forno, André Mendes solta EP “de verão” e quer tocar na sua rua

André, foto Cintia M.
Sujeito com uma história sui generis no rock baiano, André Mendes prepara uma volta marcante à carreira solo em 2020, após o breve retorno de sua banda original, Maria Bacana, em 2018.

Vale lembrar que naquele ano a MB lançou seu segundo disco, o adorável A Vida Boa Que Tem os Dias que Brincam Leves, fez alguns poucos shows e retornou ao estaleiro.

Há alguns meses, André tem gravado seu sétimo (!) álbum solo, já intitulado O Rei dos Animais, com lançamento previsto para “os próximos meses”, no Estúdios WR,  produzido por Apu Tude (que também produziu A Vida Boa...).

Porém, menino irrequieto, André não se segurou e soltou nos últimos dias de 2019 um EP com seis faixas, gravado em casa mesmo, via iPad: Casas Brasileiras.

“Casas Brasileiras é meu EP de verão... Um disco relaxado, um ‘ao vivo na sala de uma casa brasileira’, no caso, a minha. Um disco pra comemorar o verão. O disco novo pra valer é o Rei dos Animais, gravado com toda atenção e produzido por Apu Tude”, conta André.

“Gravei no dia 16 de dezembro. Tudo num take só, uma voz e um instrumento em cada faixa. Compus a faixa-título na hora e decidi que ela teria uma sonoridade diferente do resto, é voz e violão de nylon numa canção estilo Felicidade, de Lupicínio Rodrigues e letra inspirada em Guimarães Rosa. Apontando pro passado e pro (meu) futuro”, relata.

Como se vê, um prato cheio para fãs de registros despojados e lo fi, mas nem por isso desprovidos de pretensão artística – quem nunca, né?

"Sabe que esse disco rolou numa naturalidade tão grande que não teve uma racionalização prévia, tipo 'que tipo de som vou gravar? que disco/artista vou ter como referência?' Eu simplesmente tava tocando guitarra e cantando em casa algumas das minhas composições preferidas. Aí eu pensei 'como O Rei dos Animais ficou pra 2020, vou gravar essas musicas, como estão soando aqui, agora, na energia rústica, pra lançar o quanto antes e celebrar o verão'. Eu só sabia que queria aquelas musicas e que a capa seria amarela. Só", relata.

Aproveita a oportunidade

Caseiro por natureza, punk de coração, André não costuma fazer muitos shows.

Mas está tão de boa com essa brisa de verão que tem soprado nesta província besta e bela, (beijo, Franciel Cruz), que é capaz de aparecer uma hora dessas na esquina da sua casa, violão em punho e peito aberto.

“Quero muito tocar ao vivo nesse verão. Já me inscrevi em todas as feiras que rolam por agora em Salvador. Tô pronto com minha guitarra e meu violão pra tocar aonde me chamarem”, afirma.

Sobre a Maria Bacana, ele diz achar muito improvável uma nova reunião.

"'Nunca diga nunca', mas acho extremamente difícil que a Maria Bacana volte a tocar o disco A vida boa... Funcionou como celebração e ponto final na nossa história. Cada um foi pra um lado conceitual de levar a vida e acho que agora esse final consensual é definitivo. Foi uma ótima história pessoal e musical e os discos estão aí pra quem quiser ouvir", afirma.

Fora isso, ele aguarda o momento de mostrar ao mundo seu novo trabalho, O Rei dos Animais.

“É muito diferente de tudo que já fiz. Se o foco da minha carreira sempre foi letra e melodia, esse foco está ainda mais intenso. É a oportunidade de gravar num estúdio profissional com um produtor sensacional, que eu não sei quando terei outra igual”, afirma.

“Tô muito fascinado pela labuta, pelo refinamento no processo da criação. Ao mesmo tempo que estamos lidando com música pop, três minutos pra passar a mensagem. A brincadeira é tentar balancear a vontade de refinar e a vontade de comunicar”, observa.

E  o que mais, André?

"Queria convidar todos que gostam de música a ouvir meus discos nas plataformas de streaming e me seguir no Instagram (@andrelrmendes ) pra ficar por dentro das novidades e das minhas ideias.
Viva a arte brasileira! Viva a arte brasileira!", conclui.

Ouça: www.andreLRmendes.com.br



NUETAS

STU sex, sab, dom

Rapeize gente fina da Vivendo do Ócio, foto sem autor (se alguém souber avisa)
STU Festival chegando bonito, com três dias free no Parque Costa Azul. Entre outros, tem Vivendo do Ócio (sexta-feira), Nação Zumbi (sábado) e Ministereo Público Sistema de Som convida BNegão (domingo). 16 horas, gratuito.

Ronei sexta também

Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta. Show único. Sexta, 21h, no  Commons. R$ 20, uma pechincha pelo show mais f... do verão. Pardon my French.

Serafim, Lacertae...

A banda Serafim & o Nordeste Experimental faz show festivo com vários convidados neste domingo:  Lacertae (SE), Morotó Slim, Marculino e Seus Belezas, Igor Caxixi, Leandro Mellid (Agentina),  Sophia Mídian e Jenny (Potugal). Varanda do Sesi, 17h, R$ 25.

quarta-feira, janeiro 08, 2020

O NÓ DAS RELAÇÕES

Ao cantar a dificuldade das relações em tempos obscuros sob estética despojada, cantora Lara Aufranc produziu um dos melhores discos de 2019, embora pouco badalado

Lara Aufranc em foto de Gal Oppido
Pode-se dizer muitas coisas de 2019 – para começar, foi um ano muito difícil, claro. Mas, ao mesmo tempo, é na dificuldade que a arte parece florescer com mais força e pungência.

Muitos artistas se destacaram neste ano, mas foram tantos que sempre escapa um ou outro que não recebeu a devida atenção. A cantora paulistana Lara Aufranc certamente pode ser incluída neste rol.

Dona de uma voz  arrepiante de tão bonita, Lara lançou em 2019 seu segundo álbum solo, Eu Você Um Nó. Muito elogiado pela crítica, este disco parece marcar  uma virada criativa em sua carreira.

Mais introspectivo e reflexivo que os anteriores, Passagem (2017) e Em Boa Hora (2015) – este último lançado  com sua antiga banda, Lara & Os Ultraleves –, Eu Você Um Nó é um pequeno-porém-precioso tratado sobre as difíceis relações humanas neste lugar e nesta época.

"É uma continuação natural. Eu Você Um Nó é um trabalho diferente, mais denso que o Passagem.  Mas tem suas semelhanças, tanto que tenho tocado músicas dos dois discos nos shows e tá rolando super bem", afirma Lara, por email.

“Vivemos um momento conturbado. As pessoas estão com muita dificuldade de se ouvir, de enxergar o outro. Falta empatia. É a era do eu, do indivíduo autocentrado. A gente precisa começar a pensar em sociedade, cidadania”, acrescenta

De fato, Eu Você Um Nó pode ser definido como um  álbum sintético: tem apenas nove faixas e arranjos quase espartanos, só no baixo, guitarra, bateria e pouco mais.

"(Essa estética mais despojada) Foi uma escolha. Conseguimos aprovar o projeto do disco no Edital de Apoio à Criação Artística da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo – ou seja, dessa vez a gente tinha verba pra gravar. Eu quis fazer um disco cru, um som que funciona ao vivo, que não fica devendo nada pra gravação. Eu Você Um Nó é o resultado dessa escolha. Em paralelo, optei por remunerar muito bem a minha equipe, especialmente os músicos – que já foram parceiros em outros momentos, quando não tinha grana nem edital", conta.

Suas levadas são angulosas, secas às vezes, o que cria um contraste muito interessante com sua voz quente e sensual.

Em alguns momentos, lembra o que se fazia de melhor na cena paulistana dos anos 1980, entre a vanguarda paulista e o pós-punk.

“Eu gosto muito do Itamar (Assumpção) e do Jards (Macalé) – que não é paulista, mas tem a ver em loucura e criatividade. Tem um lance crítico nas letras, de contestação. Isso faz muito sentido pra mim, ainda mais nos dias de hoje”, observa.

“Talvez o momento histórico seja parecido. Tem uma desilusão, quase uma desesperança na humanidade. O som reflete essa angústia. Bowie, Iggy Pop, Nick Cave & The Bad Seeds, Portishead (já dos anos 1990). Tudo isso é muito atual”, acrescenta.



Cara, larguei o emprego

Lara. Foto Gal Oppido
Para produzir o álbum, Lara encontrou no cultuado Rômulo Fróes um valoroso aliado. Diretor artístico do disco, Rômulo ainda assina duas letras: a febril Só Dessa Vez e a contestadora Gritos na Avenida (que Lara canta em dueto com a cantora  Julia Branco).

“O diretor artístico é um cara que pensa não só a parte musical, mas também estética (capa, conceito). Foi a primeira vez que tive essa figura na hora de construir um disco. Me ajudou com a escolha do repertório, participou de todos os ensaios, deu pitaco nos arranjos… Ele foi o nosso norte, meu e da banda”, conta Lara.

Antes de se jogar na carreira musical, Lara trabalhou como editora de vídeo. Largou tudo para se dedicar à sua paixão.

“Minha trajetória não foi linear. Estudei canto e piano, e tinha banda na época da faculdade. Mas era insegura, demorei pra me assumir compositora. A música é um universo masculino, isso me intimidava – e intimida até hoje. Eu estava saindo de uma adolescência difícil e o palco me dava muito medo. Me expor era um sofrimento. Trabalhar com audiovisual foi o jeito que eu encontrei pra levar uma vida tranquila. Eu sou viciada em cinema e era feliz na ilha de edição”, relata.

“Em 2012, eu comecei a pesquisar as origens do rock e descobri várias pérolas do blues. Música do começo do século 20, visceral, feita por descendentes de escravos. Me bateu forte e eu resolvi montar uma banda. Foi aí que surgiu Lara & Os Ultraleves. Pra mim foi importante parar de editar, foi o primeiro passo. O segundo foi assumir a minha identidade, meu nome e sobrenome. Passei a criar sem as amarras de um gênero musical, e sem me esconder atrás de uma banda. E no meio disso tudo, encontrei meu lugar no palco”, conta.

Ousada, Lara não hesita em se mostrar nua tanto na capa do disco novo quanto no clipe Llena de Agua, do álbum anterior. De fato, já passou da hora disso - um corpo nu à vista - ser algo que cause escândalo, quando há tanta coisa - essas sim, indecentes - nos estapeando na cara a todo momento.

"Sim, eu vejo dessa forma. A nudez é natural. Os defensores da moral e dos bons costumes tem o olhar deturpado. Enxergam pecado nos lugares mais absurdos. Um corpo é só um corpo, não tem nada demais. Em tempos de repressão e ignorância, não podemos retroceder", afirma.

Em plena atividade, evoluindo a cada álbum, Lara planeja agora levar seu show para outras plateias, fora de São Paulo.

"2019 foi um ano puxado pra mim. Além do disco e toda a burocracia do edital, eu fiz um curso técnico de teatro. Em 2020, quero gravar três videoclipes do Eu Você Um Nó, e também procurar outras oportunidades de atuar, especialmente no audiovisual. Gostei muito de sair de São Paulo com o disco novo, vou viajar mais no ano que vem. Tenho planos de ir para o Sul e Nordeste, talvez até uma pequena turnê na Europa. E tem outro lançamento previsto, mas ainda é surpresa!”, promete.

Então vem, Lara.

Eu você um nó / Lara Aufranc / YB Music / Disponível nas plataformas digitais