sexta-feira, julho 29, 2016

MONSTROS GAÚCHOS DE VOLTA

Com Monstro, De Falla, que não lançava disco há 14 anos, retorna com uma rara obra relevante no cenário atual

De Falla e suas sombras: Castor, Carlo, Biba e Edu K. Foto Raul Krebs
Metamorfose ambulante do rock brasileiro, a banda gaúcha De Falla nunca fez um álbum parecido com outro desde sua fundação, em 1985.

Em Monstro, seu oitavo disco, mantém a tradição de não cultivar tradição.

Com três membros originais (Edu K nos vocais, Biba Meira na bateria e Castor Daudt na guitarra) e um contemporâneo (Carlo Pianta, ex-Graforreia Xilarmônica, no baixo) o redivivo quarteto acabou cometendo um raro disco de rock relevante em um cenário combalido para o gênero no Brasil.

Em suas 14 faixas, Monstro traz um pouco de tudo que fez o som da banda: hard rock, funk, soul, psicodelia, pós-punk, disco, folk, indie – sem perder a unidade da obra.

“A gente gosta de um monte de tipo de música, então esse processo é bem natural”, conta Edu K.

“E como eu atuei também como produtor, a gente trabalhou até o fim em cima das músicas, até cada  uma ficar com sua própria sonoridade”, acrescenta.

"As foram acontecendo, eu não faço muito ideia de como acontece. A gente tinha pensado inicialmente como um disco conceitual. Aí surgiu a letra do Mario Bortolotto (Monstro) e a gente 'puta, isso é o tema do disco!'. Nos tocamos que a banda era um monstrinho e com a ilustração da capa e a letra do Bortolotto, amarrou o tema, que é sobre a monstruosidade humana. As pessoas estão vivendo de forma cada vez mais brutal. O processo da loucura acontece cada vez mais rápido", afirma Edu.

"Como em todo processo criativo do De Falla, a gente não pensa muito. Deixa o lado esquerdo do cérebro trabalhar, sente o momento e traduz em som, letras e tal. O grosso do processo é esse, trazer o inconsciente para a superfície", descreve o cantor.

As sombras são as figuras da esquerda. Foto Raul Krebs
Pitty, Humberto e Beto 

Agregador, Edu convidou três pesos-pesados do rock para cantar em dueto: Pitty (em Delírios de um Anormal), Humberto Gessinger (em Dez Mil Vezes) e o Cachorro Grande Beto Bruno (em Timothy Leary).

“Ah, essas participações rolaram do mesmo jeito orgânico do disco. Com Beto, demos uma revisitada na cena dos nos 90, aquela união do rock inglês com o eletrônico, via psicodelia”, conta.

“Com a Pitty, a gente achou que música era a cara dela – e ela pirou quando convidamos, inclusive ela mexeu um pouco na letra. Já com o Humberto, a gente tinha um relacionamento meio antagônico, estilo Stones e Beatles, mas sempre fomos amigos nos bastidores, admiro muito o trabalho dele”, conta Edu.

Fruto de um show de reunião da formação original em Porto Alegre, em 2011, esse álbum de retorno do De Falla levou quatro anos para ficar pronto.


"Na verdade, demos um tempo mais longo do que imaginávamos. Aí em 2011 rolou um show em que tocamos o primeiro LP na íntegra. Vimos que a magia tava lá ainda. 'Porra, vamos gravar!' Mas demorou quase cinco anos pro disco sair por questões de logística mesmo. Mas tivemos interesse em fazer quando rolou a oportunidade e mandamos bronca. Foi um processo longo e bem louco", conta.

Agora, Edu & cia esperam levar seu show pelo país: “Quero rodar o Brasil inteiro com esse show. Subir no palco e se comunicar com as pessoas ao vivo ainda é a melhor coisa de ser músico”, conclui.

 Monstro / De Falla / Deck /  Preço do CD não divulgado / Disponível no iTunes

quarta-feira, julho 27, 2016

PODCAST ROCKS OFF E ALGUMAS NOVIDADES - PARTE 1

A deusinha brit-paquistanesa Natasha Khan AKA Bat For Lashes: The Bride 
O podcast Rocks Off sai debaixo das cobertas neste rigoroso inverno baiano trazendo novidades quentinhas em um programa em duas partes.

A primeira está aí embaixo. A segunda será postada em alguns dias.

Mea (nossa) culpa: talvez alguns achem o som em BG meio alto em alguns trechos, dificultando a audição do papo.

A falha técnica foi detectada e corrigida no segundo programa.

Neste, comentamos materiais novos de Jake Bugg, Jeff Beck, Steven Tyler, Bat For Lashes, Red Hot Chili Peppers e até Janis Joplin, a propósito do seu documentário etc.

terça-feira, julho 26, 2016

EX-ADÃO NEGRO, DUDA SPÍNOLA LANÇA CD SOLO DE ROCK SEXTA NO TAVERNA

Duda Spínola em foto de Uanderson Brittes
Você pode até não saber quem é Duda  Spínola, mas se mora em Salvador e é fã de reggae, é bem capaz de já te-lo visto no palco.

Duda é ex-guitarrista da querida banda local Adão Negro.

Saiu dela em 2013, para se dedicar ao projeto solo.

Sozinho, deixou o chacundum jamaicano de lado para se dedicar à sua primeira paixão musical, o rock.

Nesta sexta-feira, ele participa do evento mensal Rockambo, com as bandas Clube de Patifes (Feira de Santana) e Du Txai & Os Indizíveis para lançar o álbum Direto Ao Ponto.

“Eu comecei na música no início da adolescência, depois descobrir com mais cuidado o trabalho do Barão Vermelho, já com Frejat nos vocais. E me lembro bem do impacto que aqueles solos causaram em mim. Ali eu decidi o que queria fazer pra sempre”, conta.

“Então, minha relação de proximidade com a música sempre se deu através do rock, muito por causa da guitarra. O que me aproximou do reggae, no final dos anos 90, foram trabalhos como o de Sine Calmon e do próprio Adão Negro, que eram carregados de solos de guitarra e obviamente influenciados por banda de rock. Só aí eu despertei pro reggae”, relata Duda.

Os anos na Adão deram estrada e cancha ao rapaz que, com o tempo, sentiu a necessidade de retornar às raízes roqueiras e realizar um trabalho próprio: “Em 2013, veio a necessidade de me dedicar exclusivamente a esse trabalho e por isso decidi sair do Adão. Hoje, depois de 3 anos, eu consigo ver com muito mais clareza o que eu quero do meu som, e o resultado é o ep Direto ao Ponto”, afirma Duda.

"Comecei na adolescência nas tradicionais "bandas de garagem" com amigos da msm rua. No início dos anos 2000 tive uma banda de reggae chamada Jaive, e logo depois veio o convite pra tocar no Adão. Depois disso só a carreira solo", conta.

Rock acessível

Duda. Foto Uanderson Brittes
No EP, Duda apresenta cinco faixas inéditas, mais quatro de bônus: Espelho, que saiu na (excelente) coletânea Outro Jeito - Da Bahia Pro Mundo, produzida pelo Irmão Carlos, e mais três destacadas do CD demo A vida Me Chama Lá Fora,  gravado em 2013.

No palco, ele se apresenta em formação power trio, acompanhado do irmão Luca Spínola na bateria e de  Daniel Santos no baixo.

“Meu irmão sempre me acompanhou, foi a escolha mais certa. Daniel  chegou por indicação de um amigo e se encaixou como uma luva”, conta o músico.

Com letras em bom português e som acessível, sem muito experimentalismo, misturas ou mudernidades, o rock de Duda tem pegada pop radiofônica influenciada pelo rock brasileiro dos anos 1980.

"Eu me autoproduzi. O processo de concepção desse EP foi um pouco longo, até o momento em que eu decidi que queria, de fato, que o EP soasse diferente do primeiro cd, e que o calor de uma apresentação ao vivo fosse preservado no audio. O máximo possível! Então, eu resolvi entrar com os meninos e gravar tudo de forma mt rapida e eu mesmo acabei dirigindo todo o processo", conta.

“Tudo me inspira, e estou sempre atento e aberto a isso, porque as experiências comuns do cotidiano podem e acabam inspirando músicas. E quando a inspiração vem é preciso estar atento e aberto a ela. Minhas grandes inspirações na musica são Barão Vermelho, Paralamas, Gary Moore, Led Zeppelin, Whitesnake, Guns... isso tudo na questão da sonoridade. Os anos 80 no Brasil e 70/80 lá fora são onde minhas influências estão. Como letristas Raul, Cazuza, Zé Ramalho e Gil estão entre os meus preferidos”, afirma Duda.

"Vejo a cena local hoje de forma bastante animadora. Primeiro porque há muitas bandas boas, e segundo muita gente na cena entendeu que a cena precisa se fortalecer, e que isso só vai acontecer se a gente se apoiar. E estão acontecendo uma série de movimentos nesse sentido que tem me deixado bastante animado", afirma.

“Sobre as bandas locais, Raul Seixas e Cascadura foram os que mais fizeram minha cabeça. Ouvi muito e ouço ainda no carro, em casa, no mercado. Das bandas atuais, Lo Han e Ronco. Do interior, tem Novelta, Calafrio e Inventura entre as que mais ouço e curto”, conclui Duda.

Rockambo com Duda Spínola, Du Txai e os Indizíveis e Clube de Patifes / Sexta-Feira, 22 horas / Taverna Music Bar (Rua da Paciência 127) / R$ 15 e R$ 10 (lista amiga) / www.dudaspinola.com.br



NUETAS

Caru e Marcelo Soir

Os cantores Caru e Marcelo Soir são as atrações da Noite Instinto Coletivo, no Quanto Vale o Show? de hoje. Dubliner’s 19 horas, colaborativo.

Versalle na city

Destaque do programa SuperStar, a banda rondoniense Versalle se apresenta em Salvador neste sábado. A banda local Avalore abre a night. Portela Café, 23 horas, R$ 20 (no site Sympla). Na porta sai por R$ 35. Antecipado no Portela Café: R$ 25.

Drearylands sábado

Grande nome do metal baiano, a banda Drearylands lança neste sábado seu evento Some Dreary Nights. Na primeira night, Leão & Cia dividem o palco do Dubliner’s com Indominus e Awaking. 21 horas, R$ 25 (R$ 20 no Sympla).

segunda-feira, julho 25, 2016

ESCRITORES EM QUADRINHOS

As HQs biográficas Carolina e Burroughs tem tiveram tarde de autógrafos com autores hoje sábado passado, na Livraria Boto Cor de Rosa

Arte de João Pinheiro para Carolina
Além do ano de nascimento, há outras coisas em comum entre Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e William S. Burroughs (1914-1997): ao seu modo, ambos foram escritores marginais.

E agora, ambos tiveram suas vidas e universos literários vertidos aos quadrinhos pelo mesmo artista, o paulista João Pinheiro.

Ambas as HQs, Carolina de Jesus – escrita pela professora Sirlene Barbosa – e Burroughs, tem teve lançamento com tarde de autógrafos hoje sábado passado em Salvador, na Livraria Boto Cor de Rosa.

Carolina era uma brasileira preta, pobre e favelada. Escritora por pura teimosia, foi descoberta por um jornalista e, em 1960, lançou um clássico: Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.

William S. Burroughs era um norte-americano branco, rico, homossexual, viciado em drogas, que matou a esposa brincando de Guilherme Tell e foi um dos principais nomes da Geração Beatnik.

Apesar dos perfis diversos, tanto Carolina quanto Burroughs documentaram em suas obras as vidas dos marginalizados. Carolina, a dos favelados, como ela. Burroughs, a dos adictos, como ele.

Sobre as HQs, ambas compartilham um forte ponto em comum – além da arte de João Pinheiro: elas evitam traçar um mero perfil biográfico.

Ao invés disso, Carolina e Burroughs mergulham nos universos dos seus personagens, apresentando-os ao leitor por meio de texto e imagem.

Ele já havia feito algo similar em outra HQ: Kerouac (Devir, 2011), sobre Jack Kerouac (1922-1969).

“Meu método nos dois casos foi exatamente o de um mergulho em suas obras (mais ainda no caso do Burroughs), e de outros autores que funcionam como subtexto de suas ideias”, conta João, por email.

“A partir dessa submersão, vou criando cenas e desenvolvendo o roteiro. Tem muito de intuição, mas também um processo constante de construção e desconstrução. Parece meio caótico, mas prefiro não trabalhar com um roteiro fechado”, acrescenta.

Carolina e a “meritocracia”

Sirlene Barbosa. Foto divulgação Veneta
Professora de língua portuguesa e doutoranda em Educação pela PUC-SP, Sirlene Barbosa constatou em sua pesquisa que quase nenhum professor da rede pública paulista tinha acesso à obra de Carolina.

"A ideia veio da Sirlene que, em seu ambiente escolar, percebeu a importância da obra de Carolina Maria de Jesus na formação dos estudantes e também constatou o quanto sua obra é pouco conhecida e utilizada por meio de uma pesquisa realizada, em 2014, com os Professores Orientadores de Sala de Leitura da Diretoria Regional de Educação de Itaquera (PMSP): aferiu que de 39 docentes, apenas seis conhecem Carolina, superficialmente, e nenhum deles realizou leituras de sua obra nas salas de leitura que coordenavam", relata Sirlene, por email.

"Mais adiante, analisando o acervo digital das bibliotecas paulistanas, com o objetivo de averiguar se a obra de Carolina faz parte da coleção, os autores constataram que todas as unidades disponibilizam para empréstimo pelo menos um livro Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960), a obra mais conhecida da escritora; já Diário de Bitita (1986), obra póstuma, está disponível em apenas uma unidade, na Biblioteca Milton Santos, localizada na Zona Leste da cidade. Com apenas uma unidade de Quarto de despejo em cada biblioteca e único volume de Diário de Bitita em toda rede, nos perguntamos: como a escritora será mais estudada e, portanto, conhecida, se as bibliotecas da metrópole de São Paulo não disponibilizam sua obra para os usuários? Soma-se a isso o fato de haver uma lacuna de representação negra nas HQs nacionais", prossegue Sirlene.

“A partir desses dados, propomos contar a vida e parte da obra de Carolina, por meio de uma HQ. E objetivamos que o livro chegue às bibliotecas e escolas de todo o país. Nosso intuito é alcançar todo o Brasil, ir além de São Paulo”, diz.

João Pinheiro. Foto Dvulgação Veneta
“Desse modo, queremos dar nossa colaboração para que o nome de Carolina continue sendo lembrado. Não como um objeto estranho, como foi tratada na época de sua aparição, mas como potencial humano e a escritora que foi”, afirma Sirlene.

Negra empoderada 50 anos antes do próprio termo “empoderada” virar moda, Carolina é vista pela autora também como um símbolo: “É um ícone importante para a luta das mulheres, as negras, principalmente. Para o movimento negro e para lembrar que todos temos o direito à literatura – desde à sua leitura, bem como à sua escrita. Carolina se empoderou porque dominava a arte da escrita, porque sempre soube o que era – escritora”, afirma.

A HQ chega em momento apropriado, quando muito se discute uma tal de “meritocracia”: "Sua trajetória nos faz pensar quão falha é a ideologia da meritocracia. Não é possível usar Carolina como exemplo do ‘quem quer, vence’. Não é verdade. Ela continuou trabalhando como recicladora, mesmo quando estava prestes a lançar seu livro. E para o bem ou mal, quem lhe abriu as portas da publicação, não da escrita, porque escritora ela já era, foi um homem branco, de classe média”, lembra.

“Quero dizer com isso que muitas oportunidades estão trancadas do lado de dentro e quem está dentro não são os negros, indígenas, povos oprimidos que muito fizeram e fazem pela nação e pouco tem de garantias. Tanto que Carolina morreu na pobreza. Ela foi esquecida, depois de perder a graça como objeto exótico dos ricos e de ‘metida à besta’, por parte dos pobres”, relata.

"Como já antecipado acima, porque ela deixou de ter graça e porque os ditadores não queriam ver estampado a verdadeira realidade brasileira; quiseram abafar a miséria pelo qual o povo passava, diferente do que os generais queriam mostrar, haja vista que Salazar (ditador português) não permitiu a entrada de Quarto de Despejo no seu país. Como já dizia Carolina: é típico de ditador querer calar a voz do povo", afirma Sirlene.

Carolina foi a primeira HQ de Sirlene, que pretende escrever outras, tendo como tema a representação negra: "Sim, foi (minha primeira HQ)! E pretendo escrever outras, sim, com temas voltados para a população negra e pobre brasileira ou apresentar outro grande nome da literatura e da luta contra a escravidão, como Luís Gama – o grande abolicionista que não teve tempo de ver o processo de escravização “abolido”, pois faleceu seis anos antes (1882), bem como outros nomes geniais da literatura como Lima Barreto e Maria Firmina dos Reis (autora de Úrsula – talvez a obra que introduz a literatura negra brasileira)", conta.

"Acredito que a literatura negra ainda não alcançou o espaço que deveria ocupar, mas está crescendo muito. Trabalhos de décadas atrás, como a coleção Cadernos negros, ainda se encontram em evidência. Nomes como Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Conceição Evaristo, Oswaldo de Camargo, Cuti, Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa, Ana Maria Gonçalves (tenho certeza que deixei de citar tantos muitos outros – perdão pela memória fraca) e um que me  dá força, me empodera e precisa aparecer mais: o grandioso Lima Barreto", afirma Sirlene.

Arte de João Pinheiro para Burroughs
João e os Beats

Fã da geração beat, João Pinheiro já lançou duas HQs dedicadas aos agitadores culturais norte-americanos: Kerouac e Burroughs. "Conheci a Geração Beat através de um artigo que o Cláudio Willer publicou na revista Chiclete com Banana lá pelos idos de 1996. Eu tinha uns 15 anos. Pirei com aquilo, com a imagem daqueles caras viajando de carona de uma ponta a outra da América, procurando um sentido para as suas vidas e escrevendo sobre tudo isso de modo intensamente existencial. A crítica ao consumismo e a louvação da vida acima de tudo. O deboche à caretice e consumismo americano do pós-guerra, tudo me fascinou", conta João.

"Mas eu não consegui encontrar nenhum livro beat em nenhuma biblioteca e na periferia não existem livrarias, então não encontrei nada por um bom tempo. Anotei os nomes dos livros e dos escritores, que o Willer citava na matéria, e guardei na carteira. Aos 16 anos comecei a trabalhar como office boy no centro de São Paulo. Andava por todo centro de São Paulo, em todos os cartórios e bancos e logo comecei a vasculhar os sebos em busca do On the road. Depois de muito procurar, finalmente encontrei. Me custou o olho da cara, porque, naquela época, estava fora de catálogo, mas meti um foda-se e comprei. Foi provavelmente o melhor investimento que fiz na minha vida. Fiquei duro, mas o livro mudou o meu modo de ver o mundo. Desde então leio tudo o que me cai nas mãos sobre essa turma: Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Corso, Ferlingheti etc", conclui.

Em Burroughs, João dialogou não apenas com a vida e obra do autor, mas também com outras obras sobre ele, como o filme Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991), de David Cronenberg: "Foi uma das referências. Assisti esse filme várias vezes durante o trabalho além de outras películas que lembrassem o universo Burroughiano", conclui.

Carolina de Jesus / Sirlene Barbosa e João Pinheiro/ Editora Veneta/ 128 páginas/ R$ 39,90

Burroughs  / João Pinheiro/ Editora Veneta/ 128 páginas/ R$ 39,90/ www.lojaveneta.com.br

sexta-feira, julho 22, 2016

OS BONS COMPANHEIROS

Fórmula hollywoodiana consagrada, subgênero do policial, o buddy movie ganha fôlego renovado em Dois Caras Legais

Primeiro eles brigam, depois ficam amiguinhos: a dinâmica buddy movie em ação
O diretor Shane Black, aliás, é uma autoridade: é dele o roteiro de Máquina Mortífera (1987), um dos maiores clássicos do buddy movie (filme de parceiros).

Em Dois Caras Legais, Black segue à risca as regras  do estilo: os protagonistas se detestam, mas tem de trabalhar juntos e, eventualmente, aprendem a apreciar a companhia um do outro, ou ao menos, a se respeitar – tudo isso, enquanto combatem criminosos entre cenas de tiroteio, brigas e perseguições.

A boa notícia é que, aqui, todo esse roteiro pré-determinado é temperado com muitas cenas absurdamente cômicas de humor negro em um ambiente de época – no caso, Los Angeles em 1977.

A dupla em questão é formada por Jackson Healy (Russell Crowe) e Holland March (Ryan Gosling).

O primeiro é um pé de cana pouco afeito ao diálogo e bom de briga, que ganha a vida "resolvendo" problemas para quem o contrata por (não muito) dinheiro.

O segundo é um detetive fracassado, meio atrapalhado, com uma filha pré-adolescente, Holly (Angourie Rice), claramente mais esperta do que ele.

Juntos, Healy, March e, eventualmente, Holly, se embrenham em uma trama meio intrincada, envolvendo uma jovem atriz pornô desaparecida, um grupo de terroristas e um caso de corrupção na indústria automobilística, cheio de ecos com o recente escândalo da Wolkswagen nos Estados Unidos.

Na verdade, os detalhes da trama em si pouco importam neste filme.

A menina Angourie Rice, como Holly: mais esperta que os adultos
Sua força reside na excelente química entre os protagonistas – com destaque para Ryan Gosling, cujo personagem parece incapaz de abrir uma porta sem causar um acidente, e a jovem Angourie Rice, que rouba várias cenas como a filha deste.

Russel Crowe também está a vontade como o brucutu de bom coração, que sempre surge no último momento para salvar a pátria.

Como filme de época, Dois Caras Legais também cumpre o que se espera: ambientado em pleno estouro da disco music, sucessos do gênero são ouvidos a todo momento na trilha, além da óbvia cena de festa típica do período, ou seja, extra-extravagante, com direito a muito sexo e drogas. A cena da festa, não por acaso, é uma das melhores sequências do filme.

Subjacente à trama, há um comentário ferino sobre a decadência da indústria automobilística norte-americana, aquelas coisas que só a perspectiva do tempo deixam entrever.

O final deixa aberta a porta para sequências. Ótimo entretenimento.

Dois caras legais (The nice guys) / Dir.: Shane Black / Com Russell Crowe, Ryan Gosling, Matt Bomer e Angourie Rice / Cinemark, Cinépolis Bela Vista, Cinépolis Shop. Salvador Norte, UCI Orient Shop. Barra, UCI Orient Shop. da Bahia, UCI Orient Shop. Paralela / 14 anos


Bônus: a Warner também produziu um ótimo trailer animado no estilo "desanimado" da Hanna-Barbera nos anos 60 / 70. Infelizmente, não achei a versão legendada.

quarta-feira, julho 20, 2016

SE TALENTO NÃO É DADO GENÉTICO, ERIC ASSMAR É A EXCEÇÃO À REGRA

Eric Assmar Trio lança hoje, com um show gratuito no Teatro do Irdeb, seu novo álbum, Morning. Novo trabalho confirma talento inegável do rapaz e banda

Thiago Brandão, Eric e Rafael Zuma, em foto de Uanderson Brittes
Engana-se quem pensa que talento é traço genético, passado de pai pra filho. Julian Lennon (quem?) e Edinho (filho de Pelé) que o digam.

Mas sempre há uma exceção que confirma a regra: em Salvador temos Eric Assmar, que parece ter herdado o dado genético do talentoso pai, o pioneiro bluesman baiano Álvaro Assmar.

E se ainda haviam dúvidas de tal fato, o segundo álbum do seu Eric Assmar Trio, Morning, acaba de chegar, mandando-as direto pra Rodésia.

Pop sem perder a veia bluesy, afiado nos riffs e solos – mas sem abusar da paciência do ouvinte – Morning acena aos mestres e bota o pé na estrada, em direção ao futuro do gênero. Uma jóia de disco.

“O processo (de gravação) e a equipe envolvida é a mesma do primeiro disco”, conta Eric.

“Com exceção do baterista Thiago Gomes, que foi morar em São Paulo. Quem gravou esse foi Thiago Brandão, que tem tocado comigo nos últimos três anos, além do Rafael Zumaeta no baixo”, diz.

O novo batera, além de bater pesado, também contribuiu para enriquecer o som: “Ele fez alguns vocais também, pela primeira vez tenho backing vocals. A produção é minha com meu pai, mais Márcio Portuga na técnica”, elenca.

Gravado há um quase um ano no Estúdio Casa das Máquinas (leia-se Tadeu Mascarenhas), o álbum foi registrado em um fim de semana, com a banda tocando junta, ao vivo.

“Depois acrescentamos violões e lap steel (a guitarra deitada). Jelber Oliveira também gravou com um  órgão Hammond em duas faixas”, diz.

“Leva tempo pra sair por que somos uma equipe pequena, mas acompanhamos tudo com muito esmero e cuidado. É importante dar um passo de cada vez. Fiquei muito feliz com o resultado final”, acrescenta.

Quem conhece algo de blues poderá notar influências claras de mestres contemporâneos, como Stevie Ray Vaughan (1954-1990) e  Robert Cray.

O primeiro nos timbres e no estilo de solar. E o segundo, no desenho vocal melodioso, ainda que rasgado.

“Sempre recorro a eles. Todo mundo que gosta de blues e é mais jovem não teve como escapar da  influência de Stevie  e Robert Cray”, confirma.

"A sonoridade é mais comprometida com o blues do que no primeiro, os elementos de blues estão mais claro, eu acho. Mas também flertando com um pouco de soul, pop e rock 'n' roll, afinal é um blues diluído em nossas referências", observa Eric.

"Além disso, levamos muito em conta o conceito de power trio. Penso muito no Grand Funk Railroad, que Thiago também adora. Fica mais fácil a conversa quando se tem referências em comum com a pessoa com quem você toca. Então pensamos muito na linha do Grand Funk. Se você reparar, o disco está cheio de dobras vocais, onde exploramos a energia dessa formação, essas três peças juntas", afirma.

Doutor em blues

Eric em seu elemento natural. Foto do Facebook Eric Assmar Trio
Apesar da ascendência privilegiada, nem tudo é genética para Eric Assmar.

Estudioso, ele não se contentou com a formação pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia e seguiu a vida acadêmica, engatando  mestrado e agora, doutorado, pela mesma instituição.

“Penso na pós-graduação como uma forma de dialogar com próprio eu musical e minha história. No mestrado, pesquisei sobre a pratica do blues na Bahia. Fiz entrevistas, perfis históricos etc”, conta.

“Já o doutorado é no campo da educação musical, sobre o ensino da guitarra blues. Já dou aulas de guitarra há uns dez anos. Estou com 28 agora”, conta Eric.

"Comecei a tocar com 9, 10 anos, com um violãozinho que meu pai me deu. Depois de alguns meses ele me deu minha primeira guitarra, uma Stratocaster Squire, que é mais barata do que a Fender. Mas pra mim foi primordial, devo muito a aquela guitarra. Com o tempo, fui trocando de equipamento. Ganhei uma Gibson Invader de um tio, fiquei um tempão com ela. Depois que comecei a trabalhar, fui ronvando. De oito anos pra cá, fico mais com essa Fender que tá na capa do disco e as guitarras de Jorge Marinho, um luthier baiano e com os equipamentos de T Miranda, que faz pedais e amps customizados", relata.

Hoje, Eric, Rafael e Thiago lançam Morning com um show no Teatro do Irdeb que será gravado e, posteriormente exibido na TVE como um programa especial.

“Depois disso, temos datas fora da Bahia. No dia 2 de agosto tocamos em São Paulo e no dia 6 no Festival Blues de Londrina (Paraná). Na volta, tem mais algumas datas em Salvador e outras propostas em andamento. O plano é fazer o disco circular ainda mais que o primeiro”, afirma.

Show de lançamento: Morning, de Eric Assmar Trio / Hoje, 20 horas / Teatro do IRDEB (Rua Pedro Gama 413, Federação) / Entrada franca / www.facebook.com/ericassmartrio

Morning / Eric Assmar / Starblues / Produzido por Álvaro Assmar e Eric Assmar / R$ 30

terça-feira, julho 19, 2016

AJOELHAI-VOS, HEREGES! E RESERVAI O DOMINGO PARA OUVIR AS PALAVRAS DE SALVAÇÃO DO REVERENDO T.

O Reverendo conhece todos os seus pecados Ft Tom Lopes
Enquanto a república dos boçais segue destilando ódio, intolerância e obscurantismo, o Reverendo T, da Santa Igreja dos Elefantes Elegantes, reúne sua congregação neste domingo, para lançar seu novo evangelho: Puta B​.​O​.​C​.​A. Santa.

Neste novo catecismo, o Reverendo, também conhecido como Tony "São Rock" Lopes, contou com o auxílio do coroinha Heitor Dantas, notabilizado por ser o organizador do culto mensal Dominicaos e da banda Laia Gaiatta, objetos de adoração nos meios vanguardistas locais.

Heitor musicou e produziu quatro de cinco faixas de Puta B​.​O​.​C​.​A. Santa, tornando-se mais um na já longa lista de músicos ungidos pela poesia sacro-erótica do Reverendo.

“Conheço Heitor há muito tempo, desde as suas primeiras aparições na cena alternativa e venho acompanhando de longe o seu crescimento artístico. No ano passado nos reaproximamos quando ele me convidou para uma participação com a Laia Gaiata, um de seus muitos projetos. Aí foi só deixar o barco correr e na primeira oportunidade sentamos para formatar esse trabalho”, conta.

“Eu já tenho uma persona definida, o Reverendo T, que foi se fazendo aos poucos dentro de mim, daí passei algumas letras e conversamos sobre os rumos a tomar. Como as músicas (4) são dele o diálogo foi ficando mais intenso. E brotaram excelentes canções. Creio”, afirma.

Inspiração, respiração

O Reverendo aguarda um sinal divino. Foto Tom Berbert Lopes
Nas canções, os arranjos sofisticados e espartanos de Heitor dialogam em alto nível com a lírica explícita de Tony, rendendo faixas que desafiam o ouvinte, como No Abandono (com o violoncelo de Caio de Azevedo), o blues Pai & Mãe e o rock Pirulitos Lisergicos.

“A minha inspiração vem da respiração. Não penso muito, apenas escrevo bastante e depois vou tentando dar saída à produção. Aprendi a algum tempo atrás que o meu melhor está na quantidade e não na qualidade, as vezes acerto outras não”, diz o Reverendo.

Neste domingo, Tony e a congregação do Dominicaos se reúnem para lançar o trabalho: "Faremos umas experiências sonoras baseadas no EP dentro do Dominicaos, quando estaremos oficialmente lançando o EP físico, com pouquíssimas cópias pela trinca (São Rock / Brechó Discos / BigBross Records) e virtualmente (Selo Netlabel). Além de disponibilizá-lo em uma coletânea nas plataformas digitais com o nome de (s)obras (in)completas. Nela, além das músicas desse EP, estão outras de várias fases".

Antes de Heitor, ele teve parcerias com Pastel de Miolos, Heyder Carvalho e Felipe Britto.

“A história do Reverendo T começou por acaso e ao contrário. Primeiro gravei um CD (Pequenos Milagres) e depois fui moldando o personagem. Descobri o jeito de me expressar e também a usar alguns elementos com mais intensidade. O blues se tornou o meu norte e é a partir dele que tudo começa para depois se transformar. Costumo ter sorte com os meus parceiros, é a lei da compensação, e cada um deles colocou um tijolo na formação da minha música. Apesar de terem estilos bem diferentes são basicamente guitarristas e isso cola com o que eu quero e acrescenta algo mais forte ao trabalho. Além disso unimos bases eletrônicas (as vezes com maior ou menor intensidade) e neste EP adicionamos a percussão acústica (Antenor Cardoso) que deu um tempero muito especial a mistura e era algo que eu procurava desde o EP anterior (Azul Profundo) que era bem mais cru”.

Dominicaos / Reverendo T & os Discípulos Descrentes, Paquito e Andrea May a.k.a. Happy Downlady / Domingo, 17 horas / Casa Antuak (Rua Democrata, 17, Dois de Julho)



NUETAS

Ronco e Motrícia

O Quanto Vale o show? de hoje  tem as bandas Ronco e Motricia, que tocam dentro da Noite Home Pocket (leia-se Clipoems e Estúdio casarão). 19 horas,   Dubliner’s. Pague quanto quiser.

Eric Assmar grátis

O menino prodígio Eric Assmar e seu trio lançam seu segundo álbum, Morning, amanhã, com show gratuito no Teatro do Irdeb. O CD estará à venda no local. 20 horas.

Skanibais com Pali

A banda Skanibais e a cantora e trombonista Pali fazem o animado Baile do Ska nesta sexta-feira, no Commons Studio Bar. Separe o modelito Two Tone (preto & branco), que é Guns of Navarone na cabeça. 22 horas, R$ 15 e R$ 20.

segunda-feira, julho 18, 2016

CONEXÃO AFROBEAT LAGOS - SSA

Trazida a Bahia pelo Instituto Sacatar, a cantora nigeriana Okwei Veronny Odili gravou com I.F.Á. Afrobeat, com a qual se apresenta nesta sexta-feira. Conheça sua história e sua música

Okwei. Foto do blogueiro
A histórica conexão da Bahia com a África ganha um forte elo a mais com a cantora e compositora nigeriana Okwei Veronny Odili.

Residente na Bahia, a artista se apresenta nesta sexta-feira, em participação especial, no show da big band local I.F.Á. Afrobeat.

A participação não é por acaso. O I.F.Á., que também receberá no palco a nobreza baiana de Lazzo Matumbi, gravou e lançou há algum tempo um EP com cinco faixas em parceria com Okwei.

O que se ouve ali é um casamento perfeito do sofisticado suingue afro da banda com a voz quente e aveludada da cantora nigeriana, um poderoso manifesto afrobaiano de musicalidade e liberdade.

“Foi maravilhoso gravar com o I.F.Á. A primeira vez que entrei no estúdio com eles tive até arrepios. O engraçado é que me disseram a mesma coisa, que quando me ouviram cantar no estúdio eles ficaram arrepiados”, conta Okwei.

“Gostaria de leva-los à Nigéria comigo, até por que o pessoal lá adorou o EP, foi recebido como uma revelação artística, os DJs tocam as músicas, que são pedidas nas rádios. Em breve vamos lançar em vinil também”, avisa.

Agora, Okwei conclui a gravação do seu primeiro álbum solo aqui em Salvador, sob a direção musical do trombonista do I.F.Á., Matias Traut.

“Está quase pronto, mas precisamos fazer shows para levantar recursos e lança-lo da forma apropriada. Então ainda não sei quando o disco sai. Mas soltaremos um single em breve. Estamos prontos para começar”, garante a cantora.

Vertigem afrobeat

Okwei canta. Foto: Fagundes
Na agenda, além do show de sexta-feira, uma viagem à Brasília para participar do Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, no próximo dia 30, no Museu Nacional.

Natural de Lagos, a maior cidade do continente africano, Okwei conta que seu interesse por música vem desde criancinha, quando ouviu o som do pai do afrobeat, Fela Kuti.

“Ouvi Fela pela primeira vez aos 5 anos. Me senti como se estivesse 'caindo'”, diz, fazendo um gesto largo de cima pra baixo, um sinal de vertigem.

“Quando tinha oito anos, minha tia me levou em um show do Fela Kuti e foi uma das coisas mais mágicas que vi na vida. Soube ali que era isso que queria fazer na vida. Me juntei ao coral da igreja, a fim de  conhecer mais música”, diz.

Em paralelo, começou a tomar aulas com o renomado saxofonista Peter King.

“Foi a primeira pessoa que tentou me ensinar. Eu não sabia muito. Tive algumas aulas mas depois tive de parar, Minha mãe queria que fosse pra faculdade. Mas era difícil, pois tínhamos muitas greves”, conta.

Aos 14 anos, Okwei saiu do coral e da igreja. “Perdi a fé”, conta.

“Aí um dia vi Funsho Ogundipe (pianista, líder da banda afrobeat Ayetoro) na TV e achei que ele era uma inspiração. Em 2009, eu o encontrei pelo Facebook. Na minha foto de capa, eu aparecia segurando uma guitarra. Aí ele perguntou se era pra tocar mesmo ou só pra tirar onda. Respondi: os dois”, ri Okwei.

Depois de estagiar com Funsho e aprender sobre composição, Okwei soube do concurso do Instituto Sacatar, que selecionava artistas para a residência artística na Bahia.

Ela vai, mas volta

Okwei com a rapaziada do I.F.Á. Afrobeat. Foto: Natália Arjones
No Sacatar, Okwei se desenvolveu, fez amigos e se maravilhou ao descobrir in loco as similaridades entre Bahia e Nigéria.

"Tive muita sorte de vir à Bahia, pois ela me mostrou muitas similaridades com a cultura, a culinária, a espiritualidade nigerianas. A música desta região é muito forte, é fácil ser inspirada quando se encontra com tantos músicos que acreditam na música", afirma.

“No Sacatar, mostrei aos outros artistas minhas composições gravadas na Nigéria. Era uma produção bem barata, mas eles foram capazes de ver que havia algo de bacana naqueles rascunhos. Mas no Sacatar eu tive acesso ao melhor estúdio que já vi. Qualquer um que entra ali vira músico instantaneamente. Fiz ótimas sessões ali. A energia dos artistas no Sacatar era muito boa também. Éramos todos pessoas muito diferentes, mas todo mundo acabou amando um ao outro. Fiquei muito amiga da cineasta Nerize Portela”, conta.

"É que não é fácil gravar na Nigéria. A infraestrutura é muito pobre, incluindo a geração de energia, muito dependente de geradores alimentrados por combustível. Se você tem um estúdio, precisa ter um gerador. Se você tem um gerador, ele faz muito barulho, o que atrapalha as gravações", relata.

“Um dia, viemos a Salvador e conheci aqui o pessoal da I.F.Á. Eles disseram: 'vamos fazer um som'. Começamos a ensaiar para fazer shows e gravar um EP. Gravamos cinco canções: três deles e duas minhas. Quando voltei à Nigéria eles concluíram o EP. Depois do Sacatar voltei a Nigéria trabalhei um tempo como roteirista de TV e cantando com a Ayetoro, a banda do Funsho Ogundipe. Fizemos shows e comecei a gravar meu próprio material”, relata.


Após concluir seu álbum solo, Okwei voltará à Nigéria. “Mas voltarei á Bahia periodicamente”, avisa. Okwei, você já é de casa.

IFÁ Afrobeat Convida Lazzo e Okwei V Odili / Sexta-feira, 22 de julho, 21 horas / Largo Pedro Archanjo, Pelourinho / R$ 30 e R$ 15

I.F.Á. Afrobeat + Okwei V. Odili / Produção: André T e IFÁ Afrobeat / Capa: Lemi Ghariokwu / Ouça: www.ifafrobeat.bandcamp.com



sábado, julho 16, 2016

BRIGANDO COM ETs

FC: Separados por um século, A Guerra dos Mundos e Guerra do Velho tem como tema o conflito com alienígenas

Ilustrações clássicas de Henrique Alvim Corrêa para AGdM
Não é de hoje que autores de ficção científica se valem da metáfora da invasão e do combate aos alienígenas para tratar de mazelas humanas.

O primeiro foi o pioneiro Herbert George Wells (1866-1946), que certamente será lembrado no próximo 21 de setembro, quando se completam 150 anos do seu nascimento.

Sua obra fundadora dessa vertente tão popular, A Guerra dos Mundos (1898), acaba de ganhar uma bela reedição em capa dura da Suma de Letras, com alguns extras preciosos.

Obra mais recente, Guerra do Velho (Editora Aleph), do norte-americano John Scalzi, certamente não existiria sem a base fornecida por Wells.

Apesar disso, Guerra do Velho, uma ficção científica do subgênero militar, dialoga mais diretamente com o clássico fundador deste ramo: Tropas Estelares (1959), de  Robert A. Heinlein, popularizado no cinema pela subestimada adaptação cinematográfica de 1997, dirigida pelo holandês Paul Verhoeven (Robocop).

Marte ataca

Esqueça aquela adaptação rasa e milionária de Steven Spielberg para  A Guerra dos Mundos de 2005 – o livro é bem mais interessante (e assustador)  do que aquela sequência de cenas com Tom Cruise correndo com cara de parvo.

Não a toa, Orson Welles levou milhares de americanos ao pânico com sua  adaptação da obra como um noticiário radiofônico, em 1938.

Narrado em primeira pessoa por um personagem sem nome, A Guerra dos Mundos relata uma invasão marciana à Terra – mais especificamente, à Inglaterra natal do autor.

Meticuloso, o narrador é um alterego de Wells: um homem da ciência e da razão, astrônomo amador, apaixonado pelo seu país e politicamente consciente.

Seu relato da invasão é preciso e, inicialmente, até meio frio. Com o avançar do flagelo marciano, a narrativa ganha contornos dramáticos, tornando o livro difícil de largar antes do ponto final.

Com a roupa do corpo, o narrador foge pelas estradas e bosques ingleses, desviando-se dos raios de calor dos invasores e de refugiados desesperados, em busca de abrigo e alimento.

A edição da Suma é um primor, com prefácio da autoridade brasileira em FC  Braulio Tavares, introdução do cultuado autor inglês (e vice-presidente da H. G. Wells Society) Brian Aldiss, uma rara entrevista com H. G. Wells e Orson Welles juntos e as ilustrações do brasileiro Henrique Alvim Corrêa (1876-1910).

Radicado na Bélgica, Corrêa era fã do livro e entrou em contato com Wells, oferecendo-se para ilustrar sua edição em francês.

Essa edição de luxo publicada em 1906 teve apenas 500 exemplares, numerados e assinados pelo artista.

Ilustração de Alexey Volyinets (Cyberrebic), para edição estrangeira de GdV
Soldados vovôs

Mais recente, Guerra do Velho (lançado em 2005 nos EUA) também tem como ponto de partida o embate entre terráqueos e alienígenas e é a primeira obra do norte-americano John Scalzi a sair aqui.

Demorou, por que é bem possível que este seja o melhor lançamento de FC este ano no Brasil.

No futuro delineado por Scalzi, a humanidade partiu para colonizar e explorar planetas distantes, entrando muitas vezes em disputa com diversas raças alienígenas.

Para entrar em combate, as Forças Coloniais de Defesa recrutam apenas pessoas a partir dos 75 anos, as quais são preparadas para se tornar soldados de elite e enviadas para os confins do universo.

O por que de recrutar apenas idosos e como eles se tornam super soldados é parte das muitas surpresas do livro, portanto não serão contadas aqui.


Quem narra o livro em primeira pessoa é um desses soldados, John Perry, que detalha todo o seu processo, desde sua apresentação voluntária.

Ágil, acessível e bem-humorada, a narrativa de Scalzi se desenrola como um filme na cabeça do leitor, oferecendo um entretenimento de alto nível, enquanto discute temas como o envelhecimento e  prolongamento artificial da vida, militarismo e imperialismo.

O sucesso de Guerra do Velho levou o autor a escrever diversas sequências.

The End of All Things, de 2015, já é o sexto livro da série. A Aleph sinaliza que publicará os próximos livros até 2017.

Em 2014, o canal SyFy anunciou que produziria uma série baseada nos livros de Scalzi intitulada Ghost Brigades (título do 2º livro), mas até agora o projeto não saiu do papel.

A guerra dos mundos / H. G. Wells/ Suma de Letras/ Tradução: Braulio Tavares/ 296 páginas/ R$ 54,90

Guerra do Velho / John Scalzi/ Editora Aleph/ Tradução: Petê Rissatti/ 365 páginas/ R$ 39,90

quinta-feira, julho 14, 2016

ROCK: COISA DE DINOSSAURO?

Debate: No Dia do Rock de 2016, os livros parecem ganhar mais importância do que a música, enquanto os ídolos vão morrendo 

Da série “coisas que não fazem sentido”: hoje comemora-se no Brasil – e somente aqui, diga-se de passagem – o Dia Mundial do Rock, instituído por duas rádios paulistas em homenagem ao festival Live Aid, realizado nesta data, em 1985.

Consta que Phil Collins disse no show que gostaria que aquele dia fosse consagrado ao rock.

Maldito Phil Collins.

Antes o careca surdo tivesse ficado calado. Talvez o rock não estivesse relegado à irrelevância que hoje amarga, especialmente no Brasil.

Notícia velha: em seu relatório anual de 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras, a empresa Crowley Broadcast Analysis, que monitora as transmissões, não listou uma faixa sequer do rock nacional em 2015.

E do rock internacional, apenas duas, das bandas Maroon 5 e Magic, que são pop de festa.

E não só no Brasil: no último dia 6, a revista musical norte-americana Spin noticiou em seu site que, segundo a empresa de monitoria Nielsen Music, o primeiro semestre de 2016 foi o pior em vendas de álbuns (CDs, LPs e downloads pagos) desde 1991.

Outro fator é o inevitável desaparecimento da geração de músicos sobreviventes de excessos que deu estatura artística ao rock, hoje na casa entre os 70 e 80 anos.

Recentemente, foram-se David Bowie, Lemmy Kilmister (Motörhead) e Prince, entre outros.

Conclusão: não há o que comemorar no “Dia do Rock”.

Ou há? Na verdade, o que há são muitas dúvidas e controvérsias.

Por que, ao mesmo tempo em que este cenário desolador está estabelecido, há uma curiosa (e bem-vinda) invasão de livros – biografias, na sua maioria – e camisas de bandas clássicas, vendidas às baciadas nas lojas de departamentos.

Livros versus discos

Marcelo Viegas, da Edições Ideal. Foto do Linkedin
A impressão que fica é que a estética e a mitologia do rock permanecem, enquanto a música parece ter cada vez menos relevância.

Enquanto a venda física de música cai – substituída pelo ainda duvidoso sistema de streaming – a oferta de livros, relatando a vida e a carreira de grandes roqueiros e bandas, parece subir.

É como se a história – e  histórias – do rock fossem hoje mais importantes do que o rock em si.

Marcelo Viegas, editor da Edições Ideal, primeira editora especializada em rock do Brasil, concorda em parte: “Em alguns poucos casos isso acontece, sim. Por exemplo, no caso do Steven Adler, ex-baterista do Guns ‘n’ Roses. Lançamos no Brasil a autobiografia dele, Meu apetite por destruição: sexo, drogas e Guns N’ Roses. A música produzida pelo Steven pós-GnR é insignificante, comparada ao seu legado com a banda”, observa.

“Todavia, também lançamos livros de artistas que continuam produzindo em alto nível e arrastando multidões, como Dave Grohl, Slayer, Travis Barker (Blink 182) e Pitty. Nesses casos, não acho que dá pra dizer que as histórias são maiores que a música. Pelo contrário, a música continua ocupando papel central. Se os fãs buscam  livros para saber mais sobre seus ídolos é porque a música segue inspirando, cativando e emocionando”, diz.

"Acho que sou mais otimista (risos). Acredito na capacidade de renovação do rock – mesmo que seja muitas vezes a partir da apropriação de elementos sonoros e estéticos de outros períodos – combinada com essa tendência que você citou de cultuar o passado, seja ele glorioso ou não. Valorizar e preservar as raízes para seguir construindo essa história de música alta e inspiradora", acrescenta Viegas.

"Usando como exemplo o trabalho aqui da editora, nós buscamos exatamente essa mistura de épocas e estilos: tentamos ir do clássico (Jerry Lee Lewis, Hendrix) ao alternativo (Fugazi, Bikini Kill e todas as bandas retratadas no livro “Dance of Days: duas décadas de punk na capital dos EUA”), do punk (Ramones, DK) ao metal (Slayer, Pantera), do indie (The Cure, Joy Division) ao rock nacional (Pitty, Supla), do pop punk (Travis Barker) ao grunge (Alice in Chains), e acho que isso revela também a riqueza, a diversidade e a atualidade do rock. Posso dar mais um exemplo: estou editando neste momento um livro de entrevistas com bandas de metal alternativo que estão criando, experimentando e construindo suas respectivas trajetórias agora. Nomes como Labirinto (Brasil), Marriages (EUA), Metz (Canadá), Mars Red Sky (França) e Boris (Japão), para citar apenas alguns dos entrevistados no livro. E só podemos lançar um livro como este (estou falando do volume 2 do “Nós somos a tempestade”, do jornalista Luiz Mazetto) porque existem pessoas produzindo essa música nova e outras tantas consumindo, indo aos shows, baixando os discos (ou ouvindo no Spotify), comprando as camisetas etc. E também buscando informações sobre esses artistas, seja em blogs, sites, zines, revistas ou... livros", relata o livreiro.

Sobre os livros, há também uma  questão óbvia: “As pessoas compram livros e camisetas porque música é de graça (e isso é um conceito definitivo). No caso dos livros que falam de rock, havia uma demanda reprimida enorme, pois esse tipo de literatura não chegava no Brasil, com raríssimas exceções”, lembra o químico e roqueiro Nei Bahia, do podcast local Rocks Off e ex-parceiro de Fábio Cascadura em algumas composições.

“Acho também que o rock passou a entender a importância de ter memória, registro. Pois, se não for assim, o futuro será de Safadão, Los Hermanos e bateristas tocando em aplicativos de celular, acrescenta Nei.

Baterista da veterana banda punk local Pastel de Miolos e à frente do selo underground Brechó Discos, Wilson Santana também percebeu a predominância da procura por camisetas sobre os discos: “Camisas e adesivos vendem mais que os discos. Produzo merchans de bandas e percebo isso”.

Outro fator é o evidente desinteresse dos jovens no Brasil pelo rock. A juventude “esclarecida”, que não segue a tríade sertanejo-arrocha-pagode, virou as costas para o gênero, identificando-se mais com o hip hop e a MPB hipster de artistas como Tulipa, Marcelo Jeneci e Céu, entre outros.

“A última banda brasileira a causar burburinho foi Chico Science & Nação Zumbi – que, aliás, deu direcionamento para essa galera que hoje renega o rock. Depois dele ouvimos algo de novo?”, diz Wilson.

Líder da antológica banda local Maria Bacana, André LR Mendes também vai nessa linha de raciocínio: “Todos nós matamos a industria fonográfica, que era o grande vilão, mas também o grande mecenas. Que banda hoje chegará aos 30, 40 anos de carreira? Que grande banda pareceu depois disso? Cada download que fizemos ajudou nesse cenário. Foi o talento que acabou? com certeza não”, diz.

Roqueiros reaça

Um fenômeno recente e curiosíssimo que vem emergindo das profundezas nos últimos anos é também o "roqueiro de direita", ou "roqueiro reaça". Na verdade, isso não é tão novo assim: Ted Nugent é militante do NRA e até Neil Young já apoiou Ronald Reagan.

Aqui no Brasil, a campanha anti-PT encampada pela grande mídia foi apoiada por nomes bem conhecidos (Lobão, Roger) e ilustres desconhecidos a buscar holofotes e surfar na onda da polêmica.

Sem fazer patrulha ideológica - cada um é que sabe de sua consciência - mas não chega a ser um contrasenso ser "do rock" e da direita conservadora ao mesmo tempo? Afinal, o rock não surgiu como um grito de liberdade - dos quadris, das mentes, dos espíritos? Será esta guinada à direita mais um sinal da decadência da cultura roqueira?

(Só para deixar claro, não sugiro aqui que o rock tenha a obrigação de assumir posição ideológica alguma, afinal, sabemos que tanto a direita quanto a esquerda, em seus espectros mais extremos, rejeitam a liberdade inerente à manifestação artística).

"Tenho que admitir que também acho estranho essa coisa do “roqueiro conservador”. Mas sei que não é um fenômeno recente, temos casos notórios no passado. Você citou Neil Young e Ted Nugent, e posso acrescentar também o Johnny Ramone nesse rol. Ainda mais estranho por ser no universo do punk rock. É bizarro, mas acontece... Entretanto, não sei se enxergo isso como um sinal da decadência da cultura roqueira, como você sugeriu. Creio que essa onda neoconservadora é um fenômeno muito mais amplo e que acaba respingando no universo do rock. Esse espectro neoconservador está em todos os lugares, saindo da escuridão e mostrando as garras, antes sorrateiramente, agora de modo mais descarado. Mas enxergo o rock mais como foco de resistência do que propriamente como um exemplo vigoroso desse processo. Noutras palavras, acho que esse avanço neoconservador está mais evidente em outros setores da sociedade do que entre as pessoas ligadas ao rock. É claro que existem certas tendências históricas (o metal tem uma conexão maior com a direita, o punk/hardcore tem mais conexão com a esquerda e uma tradição até mesmo anarquista), mas no geral acho que os roqueiros são menos conservadores do que a maioria da população", reflete Marcelo Viegas.

Quem? Roger? Diga que não estou. Ft Rafael Flores 
"Roqueiro reaça é bom, no sentido de mostrar a cara e saber exatamente quem é quem, isso é ótimo. Você ouve hoje Ultraje a Rigor e entende o por que de Inútil. Agora entendo sua música, não era protesto: era você (Roger) de verdade. Ele era o rebelde sem causa mesmo, por que seus pais o tratavam muito bem, deram carro, deram tudo e hoje ele acha que todo mundo tem que aprender a pescar. Acho ótimo que mostrem a cara e tomem partido. Pô, salvo exceções, o metal em geral é reaça pra caralho, de Bolsonaro pra baixo, todo mundo sabe disso", dispara Big Brother.

"Você vê uma banda como Garotos Podres, que se dividiu ao meio por que metade se assumiu de direita e agora briga com a esquerda. Tenho amigos de bandas punk que viraram de direita total, e eu 'como assim, cara'? Os caras que tavam na rua no 26 de maio de 2000, protestando contra ACM e levando bomba de gás da polícia na Ufba e agora é de direita, virou carlista. Um dia ele apanha da policia e no outro é carlista. Não entendo o que acontece, é o caos. E quem se mantém de esquerda na postura voltou ser visto como 'comedor de criancinha', que vive nas tetas do governo. Um  cara veio me acusar disso, que por isso eu defendia o PT. Eu, que não voto há vinte anos. Mas agora vou voltar a votar", avisa Irmão Carlos.

Sem tempo para ícones

Produtores na linha de frente do rock local, Rogério Big Bross Brito e Irmão Carlos seguem acreditando, apesar de tudo.

"Eu vejo que essa geração, que hoje está entre os 30 e os 60 viveu entre a fita cassete que a gente rebobinava com caneta e o MP3 muito rápido, o que foi meio assustador. A gente tinha poster dos ídolos no quarto e hoje não dá mais tempo. Num clique você ouve um disco inteiro sem nem sentir o cheiro da capa. O velho mainstream parecia ser mais real, de verdade, hoje tudo parece ainda mais descartável. É uma mudança de comportamento do mundo do mesmo. A gente faz (música) por amor, mas a juventude, os novos consumidores que ainda saem para ver show não estão interessados nisso", observa Irmão Carlos.

“Essa coisa do ícone do rock já foi, é da época em que  entrar numa gravadora era quem nem passar num concurso público. Hoje você grava com muita facilidade e tem muita banda acontecendo, não dá mais tempo de  reconhecer alguém como ícone, toda hora aparece algum artista mais ‘retado’ que o outro”, vê Carlos.

Irmão Carlos rebobinava fita cassete com caneta. Ft Denisse Salazar
“Veja Liniker: um sucesso instantâneo. O disco dele só tem três músicas e o ingresso do show no Pelô foi 60 paus. Aí você vê bandas com vinte anos que não atraem mais ninguém. Como funciona isso? É caos, transição”, percebe.

Para Wilson, o rock perdeu a rebeldia de vez, virou produto e bem barato. Qualquer pessoa usa camisa dos Ramones por quem tem um desenho fodão. Perdeu a essência, a aura. Não é que tem que ser marginalizado. Mas é que hoje você grava um disco em uma hora, vira sucesso no dia seguinte e depois de amanhã já era. Essa necessidade de descobrir, de encontrar não existe mais. É culpa da internet? Também, mas não só, as pessoas não sabem fazer uma triagem por si mesmas, absorver o que é interessante, até por que o que é certo pra você pode não ser pra mim".

O excesso de informação não ajuda nem um pouco, percebe Big: “O cara passa tanto tempo baixando tanta coisa que não tem tempo de virar fã. Por isso o fã mesmo ainda é o cara que ouve Bowie, Ramones, Motörhead, o cara que veste a camisa”, afirma.

Para Wilson, a própria estética da guitarra distorcida - essencial para o rock - foi banalizada também: "A gente é de uma época que quem usava distorção na guitarra era, de uma forma geral, o rock. Michael Jackson talvez tenha sido o primeiro no pop a utilizar, com Beat It".

"Hoje, a MPB, axé e pagode usam, banalizou. A própria juventude - e os mais velhos também vão muito de acordo com o que mídia divulga como sendo da hora. Quando Bowie morreu, Nélson Mottta vai no Jornal da Globo, faz uma matéria bonita e bem diluída pra mídia, pras pessoas entenderem. Mas (ouvir) a discografia mesmo de Bowie é só pra quem gosta mesmo. Só vai curtir quem conhece. Aí quando ele morre, todo mundo, gato e cachorro publica foto do cara só para estar no meio daquele movimento de milhões. Por que o pessoal não fala do Iggy Pop? Por que só vão falar quando morrer", afirma Wilson.

“Fora que você não vê mais qual é a banda de rock popular no Brasil. Ainda é Barão, Titãs, Legião. Se banda de rock hoje é o Malta, puta que pariu, me deixe com os véios de 70 anos mesmo”, dispara Big Bross.

E aí voltamos ao início: o que comemoramos no Dia do Rock? “O passado, o presente e o futuro. Você pode celebrar o Dia do Rock ouvindo um disco dos Stooges e na sequência o novo álbum do DIIV. Não concordo com o discurso caduco de ‘na minha época era melhor’. Temos que viver o presente e valorizar  bandas novas. Tem muita gente fazendo muita música boa por aí. Basta manter os ouvidos e a mente aberta”, conclui Viegas.

Tim-tim.

terça-feira, julho 12, 2016

CRONISTA DA SOCIEDADE DO SMART PHONE, ANDRÉ LR MENDES LANÇA SEXTO SOLO NESTA SEXTA

André Mendes 2016, foto Cíntia M.
Bem-vindos ao capítulo seis da saga: André LR Mendes grava um disco por ano.

Título 2016: Todas as Cores. Nos episódios anteriores, Arquipélago (2015) e Surfbudismo (2014), André passou a lançar mão do aplicativo Garage Band e do iPad para se autoproduzir.

Em Todas as Cores, ele segue com a estratégia: “É uma solução pra continuar produzindo”, afirma André.

“Não é o ideal, é o que dá pra fazer, pra continuar lançando um álbum por ano e escoar minha produção. Em um estúdio convencional, custaria R$ 20 ou R$ 30 mil pra gravar um álbum desses”, calcula.

Cantor e compositor, André, para quem ainda não sabe, liderou nos anos 1990 a banda local Maria Bacana.

Revelação do rock nacional na época, chegou a ser apadrinhada por Dado Villa-Lobos e lançar um álbum pelo seu selo, Rock It!.

No novo trabalho, o artista reafirma sua veia de inspirado cronista da sociedade do iPhone em letras inteligentes como “Não me chame pra lugares / em que  botam o ego na mesa / e o penteiam lentamente / enquanto a festa durar”.

Ou então: “Nunca estamos satisfeitos / quem mora na Bahia quer ir embora pra Amsterdã / e quem é de lá / sonha em viver sob o sol daqui / Quando a gente consegue o que quer / consegue também o vazio / de conquistar e não mudar o vazio na gente”, canta André, em Amsterdã.

Abrindo um precedente

Prestes completar 40 anos (no dia 15, quando libera o álbum para streaming e download), André define Todas as Cores como “o disco da aceitação da vida como ela é”.

“Confesso que estava meio desanimado, cheguei a pensar em fazer só um compacto virtual com duas músicas e pronto. Depois pensei ‘porra, vou fazer 40 anos, tenho que fazer um álbum completo’”, conta.

“Então nesse disco falo disso, de maturidade e aceitação. Sempre pensamos: ‘ah, se eu fosse gringo eu seria mais feliz’, ‘se eu fosse rico’ e tal. Mas minha realidade é essa. Por isso gravo no iPad: é uma questão de aceitar a realidade. E fazer o melhor que puder com isso”, afirma.

E ele faz – e consegue mudar pequenas coisas.

Exemplo: ele disponibilizou o download para venda (R$ 5) no site Mercado Livre.

O site tirou a oferta do ar. Razão: “pirataria”.

“Liguei pra eles e disse que era minha própria música. A atendente passou pro jurídico, que não resolveu. Encaminharam pra sede, na Argentina, resolver, por que  ninguém nunca vendeu download no site. O jurídico de lá liberou e eu abri um precedente”, conclui.

Ouça: www.andreLRmendes.com.br 



NUETAS

Jimmy Six, Noides

Jimmy Six e Os Noides estão hoje no Quanto Vale o Show?. Dubliner’s, 19 horas, pague quanto quiser.

Led Zep e Pink Floyd

Celebration Day e Jugband fazem tributo  ao Led Zeppelin e Pink Floyd sábado, no Dubliner’s. 22 horas, R$ 20.

Inner Call calling...

A banda  heavy Inner Call faz campanha de pré-venda com várias recompensas no Kickante para viabilizar o próximo CD. Clique aqui e participe.

Domingão punk

Feijoada com HC: Pesadelo, Confusão Fusão, Tarja Preta, Proliferação, Autópsia Social e Bosta Rala tocam domingo no Bukowski Porão. Meio-dia.

quarta-feira, julho 06, 2016

SUA MAJESTADE DO TRÁFICO

Brasileira Alice Braga protagoniza série norte-americana sobre mulher que lidera império de narcotráfico. A Rainha do Sul estreia amanhã, no canal Space

Alice Braga já encarou vampiros (Eu Sou a Lenda), enfrentou alienígenas caçadores de cabeças (Predadores) e até exorcizou demônios (O Ritual).

Agora, em A Rainha do Sul, a atriz brasileira sensação em Hollywood vai lidar com os monstros da vida real, ao liderar um império  no tráfico de cocaína.

Baseado no livro A Rainha do Sul, do escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte, a série homônima estreia amanhã, às 22h30, no canal Space.

Antes dessa série produzida pelo canal norte-americano  USA Network, A Rainha do Sul ainda foi adaptada como La Reina del Sur, uma novela falada em espanhol e transmitida nos Estados Unidos e México pelo canal  Telemundo.

Com a atriz mexicana Kate del Castillo no papel da protagonista, a novela fez imenso sucesso  entre o público hispânico, o que animou os produtores americanos a bancar a versão em inglês, desta vez com a atriz brasileira no papel de Teresa Mendoza, A Rainha do Sul.

“Assisti a poucos episódios (da novela), na verdade. Mas isso não preocupou muito, por que (a série) é bem diferente, os americanos decidiram fazer uma história bem diferente da do livro”, contou Alice durante conferência telefônica para a qual A TARDE foi convidado.


“Mesmo eu sendo apaixonada pelo livro, embarquei nessa jornada e tentei ao máximo honrar a Teresa do livro, do Arturo Pérez-Reverte. Cada coisa nova que eles (os roteiristas) criam para a personagem, eu tento responder como o ser humano que ela é retratada no livro”, afirma a atriz.

Mesmo assim, ela acredita que sua interpretação será bem diferente da de Kate del Castillo: “A jornada da Kate é uma personagem que vive exatamente o que acontece no livro. Como eu vivo uma outra história completamente diferente, uma história recriada, é uma outra Rainha do Sul. Mas a personagem em si é a mesma. Ela tem uma leitura, eu tenho outra”, afirma Alice.

Sobre a dificuldade de atuar em inglês, Alice diz que "Falar em inglês, atuar em inglês é bem difícil, mesmo. Como já trabalho por lá há muito anos, me acostumei. Mas é quase uma malhação, por que é completamente diferente. O movimento da língua é completamente diferente, tem que se acostumar com a "música", com a linguagem, mesmo. Então eu estudo bastante os textos, a fala, e hoje em dia até consigo improvisar um pouco. Mas estudo muito as falas, a pronúncia, a dicção, para conseguir ser entendida. Por que se o público não entende, não tem como pedir pra repetir, 'por favor, fala de novo'. (Risos). Eu me divirto, é quase uma matemática, um exercício que eu gosto".

Já razoavelmente conhecida no mercado hollywoodiano, Alice não se furta em passar por testes para conseguir papeis: "Sim, faço bastante teste. Acho que é bom, vários atores que são reconhecidos fazem. Não é uma questão de que você é bom ou ruim, é mais pra ver se você casa ou não com o personagem. Neste projeto especificamente, os roteiristas me chamaram pra conversar. Tivemos algumas reuniões, batemos um pouco de bola e surgiu dessa forma. O engraçado é que eu já conhecia esse livro há uns oito anos, então foi um casamento de ideias e paixões".

A jornada de Teresa

Na série, acompanhamos a saga de Teresa Mendoza, uma mulher mexicana de origem pobre que, após perder o namorado traficante assassinado, foge para os Estados Unidos.

Lá, por força das circunstâncias, começa a atuar no submundo do tráfico e a galgar posições de comando, até se tornar uma espécie de Pablo Escobar de saias.

Com treze episódios na primeira temporada, a série ainda conta com atores de certo renome no elenco, como o português Joaquim de Almeida (O Xangô de Baker Street), Veronica Falcón (Sr. Ávila) e Justina Machado (A Sete Palmos).

“O que é interessante em A Rainha do Sul é que ela é uma série que segue a personagem, segue a vida e a jornada da Teresa Mendoza. A diferença entre Narcos (série sobre Pablo Escobar estrelada por Wagner Moura) e a Rainha do Sul é que Narcos, além de ser baseada em fatos reais,  segue a cocaína”, acredita Alice.

“O José Padilha (diretor) resolveu fazer essa série seguindo a cocaína, por que, no devido momento, o Pablo Escobar vai morrer, então é um relato sobre a cocaína. Já o Rainha do Sul é muito focado na jornada dela como personagem, como mulher, como força. Então existe essa preocupação, minha e dos roteiristas, de não enaltecer a cocaína. O foco é Teresa, tendo a cocaína como um personagem secundário, coadjuvante”, acrescenta.

"Acredito que esse tipo de personagem são de certa forma distantes do nosso mundo real, cotidiano - independente de você viver em uma cidade violenta ou não -, então eles causam uma curiosidade muito grande. São histórias que tem um potencial de entretenimento muito grande e que tem maneiras e maneiras de serem feitas. Podem ser dramáticas, ou com bastante ação", observa.

Mulher forte

Uma coisa que a preocupa é, através de papeis como o de Teresa Mendoza, é o de não fortalecer o estereótipo do cucaracha bandido, tão comum para atores de origem latina em Hollywood: "Com certeza me preocupou e me preocupa. A principal razão de ter aceitado participar foi o livro do Arturo Pérez-Reverte, foi minha paixão pela Teresa, pela jornada dela. A segunda preocupação é a questão do mundo hoje. Esse mundo das drogas está destruindo o México como país. A violência que dominou lá é muito triste, é muito bruta. Então eu vivo numa batalha constante, uma conversa constante com os roteiristas para não glamourizar. Mesmo o projeto (episódio) abrindo com uma cena dela toda poderosa e tudo mais, eu acho que não pode ter essa coisa com a cocaína especificamente, colocando a cocaína como uma coisa incrível".

Outro fator que atraiu Alice foi o fato de a personagem não depender de homem para se afirmar, apesar de não classifica-la como feminista: “Não diria feminista, mas é uma personagem feminina forte, que vive em um mundo totalmente dominado por homens”, diz.

“O problema é que, geralmente, quando pegamos um personagem feminino em uma novela ou em um filme, ela está sempre em busca de um homem, ou se separando de um homem. Não é simplesmente um personagem que é um ser humano e que poderia ser interpretado por um homem (como Teresa)”, observa.

“A principal razão de ter aceitado participar foi o livro do Arturo Pérez-Reverte, foi minha paixão pela Teresa, pela jornada dela”, conclui.

A Rainha do Sul / Amanhã, 22h30 / Canal Space