sexta-feira, maio 30, 2014

O HOMEM DO CACHIMBO E SOBRETUDO

Companhia das Letras relança coleção de Georges Simenon desde o primeiro romance do Inspetor Maigret

Georges Simenon: criador ou criatura?
“Entenda, e não julgue”.

Foi com esse lema que o Inspetor Maigret, um belga de sobretudo e cachimbo inseparáveis, se tornou um dos mais populares personagens da ficção ocidental.

Agora, suas primeiras missões, relatadas em 1931, chegam às livrarias em novas edições, via Companhia das Letras.

Jules Maigret é a criação mais célebre de Georges Simenon (1903-1989, natural de Liège, Bélgica), um escritor cuja qualificação “prolífico” é a mais comumente associada ao seu nome.

Não é para menos: o homem escreveu mais de 400 livros. 100 deles protagonizados pelo citado inspetor.

A editora paulista Companhia das Letras acaba de lançar as três primeiras aventuras do bom Jules: Pietr, o letão, O Cavalariço da Providence e O enforcado de Saint-Pholien, todos de 1931.

É uma jogada duvidosa. A editora gaúcha L&PM já estava lançando, com boa regularidade, parte do vasto catálogo de Simenon na coleção Pocket.

Anunciada em dezembro de 2012, essa coleção da Companhia, que tem contrato com Penguin, a editora europeia do belga, gerou reação da L&PM, que tinha direitos sobre o autor até 2016.

“A casa gaúcha diz que ‘é passível de sério questionamento’ a decisão dos agentes de passar a obra à Companhia por esta ser associada à Penguin”, noticiou a blogueira da Folha de S. Paulo, Raquel Cozer.

“’Tentaremos todas esferas judiciais para garantir nossos direitos’”, informou a editora gaúcha”, citou Raquel.

Sai o quem, entra o por que

O tempo passou e eis que chegam às livrarias os romances-gênese de Maigret e do próprio Simenon como romancista, já que só a partir de Pietr, o letão, ele deixou de assinar seus livros com pseudônimos.

Stresses entre casas editoriais à parte – melhor para os leitores.

A despeito de qualquer tipo de preconceito que a academia ainda possa ter contra a literatura policial, a verdade é que Simenon, além de produzir à razão de mais ou menos um livro / semana, era admirado por um panteão de insuspeitos ícones da intelectualidade ocidental, como André Gide, Charles Chaplin, Henry Miller, William Faulkner e Federico Fellini – para ficar nos mais famosos.

A razão da admiração de tão ilustres fãs, além dos milhões de leitores anônimos espalhados pelo mundo, são várias. Mas há uma que se sobressai.

Até o surgimento de Simenon, os romances policiais se concentravam muito no que, em inglês, é chamado de “whodunnit?”, corruptela de “who done it?”, ou seja: quem matou?

Simenon mudou o jogo ao imbuir Jules Maigret por um interesse maior no “por que?”.

Para ele, detetive meio psicólogo, é preciso antes, entender. E não, como está lá no primeiro parágrafo, julgar.

Pietr, o Letão / Georges Simenon / Companhia das Letras / 168 p. / R$ 24 / E-book: R$ 17

O Enforcado de Saint-Pholien / 136 p. /  R$ 24 / E-book: R$ 17

O Cavalariço da Providence / 136 p. /  R$ 24 / E-book: R$ 17 / www.companhiadasletras.com.br









terça-feira, maio 27, 2014

PODCAST ROCKS OFF DISSECA SLOWHAND - PARTE 1

Primeiro programa (de dois, até segunda ordem) em que Osvaldo Slowhand Não Erra Braminha Silveira Jr., Nei Bahia e Miguel Cordeiro discutem (e louvam) a obra de Eric Deus Clapton.











BÔNUS: Eric Clapton - Slowhand [Full Album] 1977


ANDALUZ, BANDA PARALELA DO BATERA DA LO HAN, LANÇA SEGUNDO EP

Thiago Brandão (de camisa branca) e Andaluz. Foto: Camila Félix
Baterista do combo hard rock Lo Han (lançando o primeiro CD em breve, produzido por Álvaro Assmar), o jovem Thiago Brandão flexiona outros músculos criativos nas horas vagas.

É quando ele larga as baquetas e assume o violão e os vocais principais de sua própria banda, a Andaluz.

Com alguma estrada já percorrida em solo soteropolitano, a Andaluz lança seu segundo EP com um show nesta sexta-feira no Dubliner’s com os colegas da Tabuleiro Musiquim.

“É um trabalho completamente diferente da Lo Han”, avisa Thiago.

“Desde 2005 que eu venho compondo algumas músicas que não se encaixam nas banda onde toco. Com as gavetas cheias, tive um tempo em 2012 para grava-las”, conta.

“Ali eu tive contato com os meninos das bandas Expresso Libre e Lunata, ambas já extintas. Na época  toquei duas músicas em um show com eles. E foi daí que surgiu a Andaluz”, diz. 

O resultado pôde ser ouvido no EP Passos Tranquilos, lançado em 2013. O novo EP que será lançado nesta sexta, Troque Uma Peça de Lugar, foi gravado numa fase de transição.

“Foi entre a formação antiga e a nova. Tínhamos um tecladista, o Gustavo Guanaes (Ex-Lunata) que foi embora fazer um curso em Los Angeles. Mas não queríamos perder as ideias que tive com ele para a banda. Aí transferimos toda as ideias de teclado para a guitarra de Danilo Arcodaci”, conta.

“Então agora temos uma formação nova e um novo conceito sonoro, com uma presença maior do violão. Agora  as composições são sempre pensadas para violão”, diz Thiago.

Pink Floyd, Caetano, Gil

Com um som de acento mais intimista e acústico, a Andaluz é uma forma de Thiago expressar seus sentimentos, de forma quase terapêutica: “O ato de compor é sempre uma hora especial de conversar comigo mesmo. Me ajuda a entender o que está acontecendo na minha cabeça, nos meus sentimentos. A música revela muitas coisas pra mim”, conta o músico.

“Comecei a compor ouvindo muito Cazuza e Ronei Jorge, mas claro que dependendo do que vivo e ouço, as coisas brotam de forma diferente”, observa.

“Posso dizer que, como banda, temos um pé no rock progressivo do Pink Floyd nos arranjos meticulosos. Mas também gosto muito da poesia de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Então  há essa mistura aí”, diz.

Para conferir o som da Andaluz é facinho: basta ir no Soundcloud da banda (endereço mais abaixo), que ambos os trabalhos (Passos e Troque Uma Peça) estão disponíveis tanto para streaming, quanto para download.

Além de Thiago (voz e violão) e o já citado Danilo Arcodaci (guitarra), a Andaluz ainda conta com Danilo Figueiredo (contrabaixo) e Allan Villas Bôas (bateria).

“Allan é um  baterista muito bom, admiro bastante”, destaca Thiago.

Andaluz e Tabuleiro Musiquim / sexta-feira, 22 horas / Dubliners Irish Pub (Rio Vermelho) / R$ 15

Ouça: www.soundcloud.com/andaluz-banda




NUETAS

Beatles Social is Ten

Garotas de Liverpool. Foto: Timóteo Lopes)
Mr. Postman, Garotas de Liverpool, Gurgel e os Flanelinhas, Du Txai & Banda e o DJ Roger 'n' Roll fazem a edição comemorativa de dez anos do Beatles Social Clube. Hoje, na Companhia da Pizza, 20 horas, grátis.

Declinium: EP novo

Uma joia perdida (ou achada) no underground, a banda camaçariense Declinium lança o EP Marte (Brechó - Big Bross Records) com show no Teatro Alberto Martins (Camaçari). A night ainda conta com The Honkers, Pancreas e Foursome. Sábado,  às 2oh30, R$ 20 (com EP), R$ 10.



Neto, Irmão, Squadro

Domingo tem mais um Faustão Falando Sozinho, com as bandas Squadro, Neto Lobo & A Cacimba e Irmão Carlos & O Catado. No Espaço Dona Neuza, das 15 às 20 horas, grátis.

segunda-feira, maio 26, 2014

OUTER SPACE CONCERTO ATERRISSA NO TCA - E VOCÊ NÃO PAGA PARA VIAJAR JUNTO

Grupo barroco e DJ da Alemanha fazem concerto gratuito na Sala Principal do Teatro Castro Alves

O grupo barroco hamburguês Elibipolis, em foto de Marco Maas
Parece mentira, mas a música erudita e a música eletrônica tem um longo namoro – mais de um século.

Amanhã, o público terá a oportunidade de testemunhar mais um momento deste relacionamento, no Outer Space Concerto, evento gratuito no Teatro Castro Alves.

Promovido pelo Instituto Cultural Brasil-Alemanha como encerramento da  Temporada da Alemanha no Brasil 2013-14: Quando Ideias Se Encontram, o concerto traz à Sala Principal do TCA o grupo de música barroca alemão Elbipolis, de Hamburgo, tocando em conjunto com o DJ berlinense Brezel Göring. Juntos, DJ e grupo formam o projeto Baroque Lounge.

“Contamos com o indispensável apoio do Teatro Castro Alves, através da SeCult, e da Escola de Música da Ufba”, agradece Wiebke Kannengiesser, coordenadora de programação cultural do ICBA.

“Foi a primeira vez que precisamos arrumar um cravo, instrumento raro hoje. Parece que existem apenas dois ou três cravos na cidade, e um deles estará conosco nesta terça”, conta.

Casamento afinado

Mesmo quem estranha a mistura, pode acreditar: funciona.

“Quem conhece (o hit) Golden Brown, dos Stranglers (clássica banda punk inglesa),  faz uma ideia de como o som do cravo casa bem com música contemporânea. Além dele, contamos com flauta doce, violinos, viola, violoncelo e percussão”, diz.

“Sem falar das intervenções eletrônicos do DJ Brezel Göring, radicado em Berlim e à frente do duo pop brega Stereo Total, muito conhecido na cena indie europeia”, acrescenta Wiebke.

Göring uniu-se ao Elbipolis há sete anos e, nesse trabalho, “ele busca inspiração nos primórdios da música eletrônica – a chamada ‘era espacial’, nos anos 1950 e 1960’, conta.

Com o encerramento desta temporada, o ICBA volta sua atenção para a Copa do Mundo: “Exibiremos muitos jogos no Pátio, não só da Alemanha e do Brasil. O Berlim Café oferecerá um cardápio diferenciado, inspirado pelas culinárias dos países em campo. Programação no nosso site”, convida Wiebke.

Baroque Lounge: Outer Space Concerto / Amanhã, 20 horas / Sala Principal do Teatro Castro Alves  / Evento gratuito



EXTRA: ENTREVISTA COMPLETA

Wiebke Kannengiesser, coordenadora de programação cultural do ICBA - Instituto Goethe Salvador

Como surgiu a oportunidade de trazer o grupo Elbipolis com o DJ Brezel Göring à Salvador?

Wiebke Kannengiesser: Dentro do âmbito da Temporada da Alemanha no Brasil 2013-14: Quando Ideias Se Encontram, a colaboração e a articulação entre os cinco Institutos Goethe no Brasil, com suas sedes em São Paulo, Rio, Curitiba e Porto Alegre, além de Salvador, foi ainda mais intensa do que de praxe, o que nos permitiu organizar algumas turnês pelo país, junto aos nossos respectivos parceiros locais. O concerto do grupo Elbipolis constitui a última etapa desta Temporada. O grupo de sete músicos, junto com o DJ Brezel Göring, já se apresentou, com muito sucesso, nas demais cidades e chega à capital baiana nesta segunda-feira. Aqui, contamos com o indispensável apoio do Teatro Castro Alves, através da SeCult, e da Escola de Música. Foi a primeira vez que precisamos arrumar um cravo, instrumento raro hoje em dia, mas cuja sonoridade eu acho sublime; parece que existem apenas dois ou três cravos na cidade toda, e um deles estará conosco nesta terça.

A senhora pode nos falar um pouco sobre essa mistura original que eles fazem, de música barroca com sons eletrônicos?

O DJ Brezel Göring, em foto de Marco Maas
WK: Quem conhece Golden Brown, dos Stranglers, faz ideia de como o som do cravo casa bem com música contemporânea. Além dele, contaremos com flauta doce, violinos, viola, violoncelo e percussão, sem falar das intervenções eletrônicos do DJ Brezel Göring, radicado em Berlim e à frente do duo pop brega Stereo Total, muito conhecido na cena indie europeia e aclamado por bandas como The Strokes. Quer dizer, ele vem de um contexto completamente diferente, mas não obstante contraria qualquer ideia apressada que se faça de um DJ. Costuma gravar suas músicas em fitas cassete, prefere sintetizadores fora de moda e não usa computadores. “Trabalhar com uma orquestra barroca foi só um passo à frente na minha habitual negação das tendências atuais”, diz o berlinense. Ele se uniu ao Elbipolis há sete anos e juntos criaram o Baroque Lounge: “Não é uma festa dançante nem um evento tecnologicamente avançado, nem uma situação de relaxamento em que a música seja pano de fundo”, descarta Göring. “O propósito é fazer com que as mentes dos ouvintes trabalhem ao serem expostas a algo incomum”, acredita. A inspiração dele vem dos primórdios da música eletrônica – a chamada “era espacial”, nos anos 1950 e 1960. “De certo modo, o Baroque Lounge é uma viagem nostálgica a uma ideia de futuro que nunca aconteceu”, diz o DJ, “uma viagem no espaço, no tempo e por diferentes estados de espírito”.

O concerto marca o encerramento das atividades de um ano de diálogos culturais entre Brasil e Alemanha. Qual o balanço que a senhora faz deste período?

WK: A Temporada da Alemanha no Brasil nos deu a oportunidade de estreitar nossas relações tanto com os demais Institutos Goethe no Brasil como com os agentes culturais locais, e ainda para cobrir um território significativamente maior do país por meio de atividades itinerantes, tais como a atual turnê ou, certamente o melhor exemplo, a KulturTour: um caminhão da VW transformado em centro cultural ambulante que passou o ano em sua íntegra viajando pelo Brasil e que chegou até os mais remotos lugares, oferecendo lá uma vasta programação cultural interativa. Ainda nos permitiu trazer mais pessoas de fora a Salvador para dialogar com os artistas e experts baianos e levar consigo as experiências feitas aqui, os estímulos, debates, as tendências... Para mim, esta é a alma de nosso ‘negócio’, seja no âmbito deste ou de outros, passados e futuros, projetos: reunir pessoas, viabilizar encontros, trocas, diálogos.

O ICBA costuma oferecer uma programação cultural muito diferenciada e interessante ao público baiano. A senhora pode nos adiantar alguma atração a seguir, já confirmada para este ano?

WK: Agora que a Temporada da Alemanha no Brasil está chegando ao fim, não ficamos parados. Até o final do ano corrente, ainda haverá uma série de atividades, sempre em estreita colaboração com nossos parceiros baianos, como de costume. Nos próximos três meses, gostaria de destacar nosso envolvimento na Bienal da Bahia, na Flipelô e no Interação e Conectividade, além das habituais sessões de cinema às terças-feiras. No período da Copa, exibiremos diversos jogos de futebol em nosso Pátio. Não apenas aqueles da Alemanha e do Brasil, como também das seleções de muitos outros países (confira programação no site). Pretendemos ser a melhor alternativa para quem não tiver acesso à Fonte Nova e quiser vivenciar a Copa enturmado, ao ar livre e regado a companheirismo multicultural. O Berlim Café oferecerá um cardápio diferenciado, inspirado pelas culinárias dos países em campo. Esperamos que o ICBA possa fazer jus a sua boa fama de ser um local tanto para comemoração quanto diálogo e reflexão.


domingo, maio 25, 2014

SEXO, DROGAS & HQ

Produção antológica da Circo Editorial é recuperada em edição de luxo. O editor Toninho Mendes e o cartunista Laerte falam da experiência na época e do livro

Em outubro de 1985, uma revista de quadrinhos underground se materializou nas bancas de revista do Brasil.

Como uma maçã proibida, ela transformou todos que provaram do seu sabor ácido – e dividiu a história do cartum brasileiro em antes e depois de si.

A revista era a Chiclete Com Banana, pontapé inicial da produção em bancas da Circo Editorial, cuja história, fundamental para entender aquele período de redemocratização, é agora contada no livro Humor Paulistano – A Experiência da Circo Editorial (1984-1995).

Organizado por Toninho Mendes, editor-chefe da Circo, o volume em tamanho grande e papel cuchê recupera parte da produção antológica da Chiclete e das revistas que vieram a reboque do seu sucesso, como Geraldão (de Glauco Villas-Boas), Piratas do Tietê (de Laerte Coutinho) e Circo, que publicava HQs de vanguarda de vários autores do Brasil e do mundo.

Cada capítulo conta com um texto de abertura que narra a trajetória de cada publicação, todos assinados por especialistas, como o jornalista Ivan Finotti e mestres da academia como Waldomiro Vergueiro (USP), Nobu Chinen (Faculdades Oswaldo Cruz), Paulo Ramos (Unifesp) etc.

Em 11 anos, a Circo e suas revistas se tornaram mania entre jovens e adultos graças às  provocações e a troça que faziam de conservadores, esquerdistas, igrejas, a família tradicional, o rock nacional, hippies, punks, burgueses, feministas, machistas, paulistas, cariocas, mineiros, baianos, presidentes – de qualquer um.

Para isso, recorriam a tiras, HQs mais longas, fotonovelas, textos corridos – o que pintasse.

Na memória, deixaram personagens inesquecíveis como Bob Cuspe, Rê Bordosa, Os Skrotinhos, Bibelô, Meiaoito (Angeli), Piratas do Tietê, o Síndico, Os Gatos (Laerte),Geraldão, Doy Jorge e Casal Neuras (Glauco) entre vários outros.

“Esse livro é uma conquista”, avalia Toninho Mendes, que os leitores da Chiclete devem lembrar das fotonovelas da revista na pele do personagem O Pequeno Lobatinho, um típico mané trabalhador (e corno) da classe-média paulistana.

“É difícil uma geração tão recente ter a oportunidade de contar sua história como de fato  foi”, diz.

Toninho conta que conheceu Angeli ainda na infância. "Esta história está contada em detalhes no livro. Sou amigo de infância do Angeli. Fui uma pessoa que, por questões políticas instintivas, fui trabalhar na imprensa independente, no jornal Versus que era de um cara que teve uma influência forte sobre mim como homem e jornalista, que foi o Marcus Faerman. Através dele, conheci o Laerte, o Chico Caruso, o Luiz Gê e o Paulo Caruso. Aí criei uma reação de amizade consistente com eles. Isso foi o embrião da Circo. Era instintivo. Eu não era exatamente politizado", conta.

Além de contar a história de sua geração, o livro também serviu para Toninho desenvolver sua tese do humor paulistano – em oposição ao humor carioca, que “permeava o humor gráfico elaborado por artistas brasileiros desde o início do século XX até os anos 1970”, nota Toninho em texto assinado no livro com o professor Roberto Elísio dos Santos (USP).

“Até o fato do livro ter saído pela editora do SESI-SP é muito significativo. Desfaz um pouco a aura underground da Circo. Por que eram revistas que iam para as bancas e vendiam muito. Todo tipo de gente lia. Artistas, médicos, advogados”, conta.

A conclusão a que Toninho e Elísio chegam, no fim do livro, pode parecer pretensiosa, mas, para além de qualquer revisionimo, é muito difícil de ser negada.

“A experiência da Circo Editorial e o surgimento do humor paulistano têm para a década de 1980 e as seguintes os mesmos peso e significado que O Pasquim teve para os anos 1960 e 70: são dois marcos decisivos na história da imprensa, do humor e das histórias em quadrinhos no Brasil”, escrevem.

Fazendo história em HQ

Um dos vetores criativos da Circo, Laerte conta que, na época, ele mesmo não tinha noção da importância do trabalho que realizavam.

“Eu não tinha essa noção. O que me tomava era um sentimento de euforia por ter deixado de fazer vários trabalhos chatos e – graças ao Toninho Mendes – estar me dedicando à ficção em quadrinhos. Nunca achei que estávamos criando mais do que víamos ser produzido ali”, diz, via email.

“Nem acho que esteja fazendo história hoje. Mas sempre estamos, não?”, acrescenta.

Ao mesmo tempo em que o trio de cartunistas atuava na grande imprensa, havia (ainda há) um indefectível tempero underground no trabalho deles - tanto em termos estéticos, quanto temáticos. Como era, para Laerte, andar nesse fio de navalha?

"São limites claros - pra mim, criatura de poucas audácias, nunca chegaram a ser opressivos. Publicar no próprio veículo era, evidentemente, um jogo muito mais livre do que em jornais e revistas de mídias com compromissos comerciais e ideológicos complexos", reflete.

Para Toninho, são "duas coisas diferentes: primeiro, nós todos já tínhamos uma experiência grande na imprensa independente e lutado contra ditadura. Na época da Circo, o pessoal já estava na grande imprensa, já tinha uma carreira. A Circo não só consolidou essas carreiras para eles e para mim, já que desovamos um material fabuloso, são quase 8 mil páginas de HQs, tiras, fotonovelas e porraloquice. Foi muita coisa. Então, sim, eu principalmente tinha, sim, noção. Eu sabia: a editora nasceu no dia das votações da emenda das diretas no Congresso. Ganhando ou não no Congresso, eu tinha noção que aquele dia mudaria o país. Mas nenhum de nós tinha noção do que ia virar com o passar dos anos. Ainda tinha o risco de apreensão (das tiragens) e ameaças. Eu sabia que era uma área de risco. Em outubro de 1985 você botar o 'Bob Cuspe para presidente' na capa da revista era testar os limites da abertura. O logo da Coca no tapa-olho do Pirata do Tietê (na capa do número da revista do Laerte) é dessacralizar a logo da Coca - que não era boba, portanto, e não falou nada", relata Toninho.

Apesar de feliz com o resultado do livro, Laerte, como quase todo artista, não curte muito olhar para trás: “Acho ótimo e muito oportuno, mas, pessoalmente, ver trabalhos que já fiz me dá um não-sei-quê. Olhar pra frente, pra falar a verdade, me dá outro não-sei-quê. Difícil explicar. Prefiro olhar pra já”.

"Não éramos um grupo tão grupal assim. O Angeli e o Toninho eram da Casa Verde, o Glauco e eu vínhamos de outras plagas. Só vim a me sentir parte de um coletivo na época de Los 3 Amigos; o filme do John Landis funcionou como uma citação, um pretexto", acrescenta Laerte.

Há cerca de dois anos, Laerte, como se sabe, decidiu desafiar a “cultura de gênero”, passando a vestir-se de mulher e referindo-se a si mesmo no feminino, como se vê nessa reflexão sobre a influência de sua geração.

“As influências sempre são cumulativas. Nossa geração ainda está em atividade; até mesmo em movimento, em transformação. Eu mesma estou acompanhando e me deixando seduzir pelo trabalho de jovens autores, ou por aquilo que os seduz hoje, em trabalhos de todas as partes do mundo“, afirma.

“Vejo muito mais jovens que se influenciaram pelo grafismo do Angeli (do que por mim ou Glauco). De todo modo, acho que você tem razão quanto a uma época que foi marcante. Fico feliz de ter feito o que fiz”, diz.

Enquanto a turma da Circo tocava o terror em São Paulo, do outro lado da Via Dutra, no Rio de Janeiro, um outro grupo bem animado e irreverente também estava fazendo sua própria revolução humorística. Eram dois grupos, na verdade: um fazia o jornal satírico O Planeta Diário. E o outro, a revista Casseta Popular. Havia alguma relação entre esses núcleos paulista e carioca?

"Rolava a camaradagem de sempre - eram duas experiências bem distintas e nada conflitantes. O Cláudio Paiva (Planeta Diário) nos chamou para integrar a redação da TV Pirata e do Sai de Baixo", conta Laerte.

"Sim, o pessoal da Circo foi convidado pelo pessoal da Casseta que foi para a TV", lembra Toninho.

"Cheguei a editar três ou 4 edições da Casseta. Bicho, eu sou um empreendedor. Não sou empresário, entende? É diferente. Não sou gerenciador de grana. Por pura falta de entendimento econômico, desfiz a sociedade", continua.

"E eu não quis fazer por falta de visão econômica, mesmo. Dinheiro não é meu negócio. Mas todo mundo sobreviveu. Ninguém ganhou rios de dinheiro, mesmo com números altos de vendagem. Não dava dinheiro por que não tinha publicidade. E com aquela inflação da época, o trabalho que dava para acertar o preço distribuir... Chegamos a ter 16 empregados na Circo: boys, estoquistas etc. Dava para pagar as contas sempre. E gerenciávamos da maneira mais eficiente que podíamos. A qualidade das revistas saiu melhor que esperávamos. A gente fazia umas putas revistas, o também demandava um puta tempo", explica Toninho.

No segundo semestre, pós-Copa, o editor pretende fazer uma pequena turnê por algumas capitais do país, para promover o livro.

"Uma meta minha é fazer um evento no segundo semestre aí em Salvador, até pela importância que a cidade tinha na época da revista. A gente recebia muitas cartas de Salvador", conta.

"Eu sou uma pessoa muito simples, prática e objetiva para trabalhar. O resto da minha vida é uma confusão. Eu devia ter editado minha vida como editava essas revistas", ri Toninho.

"Eu não tinha essa necessidade (de organizar o trabalho com os cartunistas da Circo) por que era um trabalho de todo mundo. As pessoas adoravam fazer. Com o tempo, perdeu a periodicidade, a carga ficou menor. As periodicidades foram vacilando, a Chiclete deveria ter tido 35 números (em vez das 24 publicadas). A Geraldão começou mensal, virou bimensal, depois trimestral", lembra.

"Eu não só juntava as pessoas: eu dava ideias, escrevia, atuava. Era um autor diferenciado no meio nossa relação, sempre de muita camaradagem. Tem as historias, né? Num dado momento, para viabilizar, eu quebrei uma lavanderia, abri uma sala e passei a pagar a eles todo mês. Eu abri uma conta corrente que foi o que permitiu que o Laerte produzisse de maneira afrontosa e de forma experimental. Somos pré-humor politicamente correto e só fazíamos o queríamos. Não era com menor intuito de nada. Fazíamos por que era o que tinha que ser feito. Não era só para provocar", relata.

"A coisa que mais destruiu a Circo foi o descontrole econômico da época. Lancei cinco revistas com o Brasil passando no mesmo período por cinco moedas diferentes. Era uma insanidade econômica aquilo que acontecia entre 1985 e 1990. A situação econômica e´uma das grande responsáveis pelo fim da Circo. Nunca tivemos publicidade, eram revistas que viviam da venda em banca - o que dificulta qualquer controle econômico. Entre o dia que a revista vai para a banca e o dia que recebo o pagamento das vendas são 40 dias. Imagina isso com inflação de 97% ao mês. O Angeli ficou sem fazer charge política para a Folha de S. Paulo por quase dez anos por que não tinha como, produzindo daquela maneira louca para a Chiclete. Então, havia uma conta a pagar a ele", conta o editor.

“Foram quase 8 mil páginas de HQs, fotonovelas e porraloquice em revistas feitas com muito suor, sangue, cocaína, cerveja, sexo e tesão, em um período em que o Brasil teve cinco moedas diferentes. Não é um livro chapa branca. É tarja preta”, conclui Toninho.

Humor Paulistano: A Experiência da Circo Editorial (1984-1995) / Toninho Mendes (Organizador) /  SESI-SP / 432 p. / R$ 120


quinta-feira, maio 22, 2014

DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO FAZ LIGAÇÃO ENTRE TRILOGIAS DOS FILMES X


Prestem atenção naquele rapaz ao fundo. Ele está prestes a roubar a cena
Deveras curiosos são os caminhos da cultura pop.

Chega hoje às telas dos cinemas o filme X-Men: Dias de um Futuro Esquecido. Trata-se de uma adaptação da HQ de mesmo nome, de 1981.

Criada por Chris Claremont (roteiro) e John Byrne (desenhos), até hoje ela é considerada uma das melhores histórias dos mutantes da Marvel em 51 anos de cronologia.

A curiosidade é que, em 1984, o diretor James Cameron lançou o filme O Exterminador do Futuro, que parecia conter várias ideias da HQ publicada três anos antes – ainda que Cameron nunca tenha admitido a fonte de inspiração.

Mas as semelhanças são inegáveis. Vejam: no futuro próximo, a humanidade está oprimida por um regime despótico, no qual robôs gigantes caçam e exterminam dissidentes (mutantes, no caso do filme de hoje). Os poucos sobreviventes são confinados em campos de concentração.

Em meio ao caos, um grupo de rebeldes identifica o momento histórico exato em que aquela realidade começou a se desenhar, anos antes.

Eles enviam, através do tempo, um heroi com a missão de impedir aquele momento e assim, redefinir o futuro, impedindo a derrocada da humanidade.

Descrita assim, esta trama poderia tanto ser de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, quanto d’O Exterminador do Futuro.

Hank McCoy, o Fera (Nicholas Hoult), se refresca avec Magneto em fonte de Paris
A boa notícia é que a semelhança da HQ, criada antes e filmada depois d’O Exterminador, não influiu em nada no resultado nas telas.

A nova aventura dos X-Men, novamente comandada pelo diretor original Bryan Singer (dos dois primeiros filmes) é uma diversão dos diabos.

Dupla função

Sequência da retomada dos filmes X iniciada em X-Men: Primeira Classe (2011, de Matthew Vaughn),  Dias de um Futuro Esquecido tenta não só fazer a ligação entre esta série de filmes e a anterior, como também consertar alguns erros cometidos em seu ato final, X-Men 3: O Confronto Final (2006, de Brett Ratner).

O tema de viagem no tempo, portanto, cabe como uma luva para ambas as funções.

Aqui, vemos os mutantes sobreviventes do futuro distópico já descrito enviando o eterno macho-alfa Wolverine (Hugh Jackman) ao passado.

Sua missão é impedir que a mutante transmorfa Mística (Jennifer Lawrence) assassine o industrial Bolivar Trask (Peter Dinklage, de Game of Thrones), mentor do plano de implantação dos robôs exterminadores de mutantes, denominados Sentinelas.

Mística não sabe, mas é justamente o assassinato do baixinho que leva a adoção dos Sentinelas pelo governo, levando ao futuro sombrio que se quer evitar.

Enviado aos anos 1970, Wolverine busca a ajuda do jovem Professor Xavier (James McAvoy), em depressão após o trágico desenlace de Primeira Classe.

Contar mais é estragar as surpresas do filme.

Magneto é sempre aquela coisa: o cara é amigo? Inimigo? Que porra ele quer?
Para além de toda a ação, pancadaria, correria, tiroteios  e efeitos especiais, há que se destacar o charme especial que a ambientação nos anos 1970 deu à bem cuidada produção, especialmente na trilha sonora e nos figurinos.

Não chega a ser aquele desfile de moda vintage ostentado em Trapaça (American Hustle), de David O. Russell, mas funcionou bem na tela.

Outro destaque é o personagem Mercúrio (Evan Peters), que estreia nos filmes X. Com o poder da super velocidade e um carisma e tanto e um gosto pelo Pink Floyd (quão irônico), ele protagoniza a cena mais impressionante do filme, tornando-se, surpreendentemente, o personagem mais comentado,a grande revelação. Sério, o cara rouba a cena de todo mundo. Não pisque, não perca.

Ah! Claro que tem cena pós-créditos. Como todo mundo já sabe, ela já faz referência ao próximo filme da franquia, X-Men: Apocalipse. Estreia em 27 de maio de 2016. Até lá....

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido / Dir.: Bryan Singer / Com Hugh Jackman, James McAvoy, Jennifer Lawrence, Peter Dinklage, Michael Fassbender, Ian McKellen, Patrick Stewart, Evan Peters / UCI Orient Barra, UCI Orient Iguatemi, Cinemark, Cinepolis Bela Vista e Norte Shopping, Bradesco Glauber Rocha


terça-feira, maio 20, 2014

TUZÉ DE ABREU & GANGUE PARTEM PARA "NOVAS AVENTURAS NO PAÍS DO SOM"

Tuzé de Abreu. Foto: Paula Carneiro
A coluna O blog está honrada(o) em trazer hoje uma verdadeira lenda viva da música baiana (e brasileira): Tuzé de Abreu.

Músico e médico por formação acadêmica em ambas as atividades, este simpático senhor de 66 anos já teve composições gravadas e tocou com todos os grandes: Doces Bárbaros, João Donato, Walter Smetak, Moraes Moreira, Luís Melodia, Cauby Peixoto, Chico Buarque e... a lista vai longe.

Neste mês de maio, Tuzé está a mil com a temporada do seu novíssimo show Novas Aventuras no País do Som no Teatro Gamboa Nova, todas as quintas-feiras.

Três  já foram (1º, 8 e 15), mas ainda há mais duas: esta quinta e a próxima (29).

Sempre ligado em experimentalismo e inovação, Tuzé conta com uma trupe no palco: Greice Carvalho, Mateus Dantas, Orlando Pinho, Heitor Dantas, Edbrás e Antenor Cardoso.

“O show tem várias linguagens, além  de canções novas e velhas, costuradas com certo experimentalismo e  o canto que tenho desenvolvido – apesar de não ser baseado em meus dotes vocais, que não são exatamente maravilhosos”, conta Tuzé.

“Teve uma moça que assistiu e descreveu assim no Facebook: ‘É pré-tropicalista e pós-tropicalista, sem esquecer o tropicalismo’. Soa grande, mas acho que é por aí mesmo”, conta.

Na verdade, o espetáculo marca um novo momento para o músico: sua maturidade artística – a qual, curiosamente, o encontra cercado de jovens.

Pessimista, otimista

Heitor, Tuzé, Greice, Orlando e Antenor Cardoso. Foto: Rosa Abreu
“Eles me levaram a fazer isso. Especialmente o Mateus Dantas, que faz a direção musical e toca instrumentos tradicionais e outros criados por ele mesmo. Minha esposa, Greice, faz a cenografia, canta alguns instrumentos e minha filha, Rosa, faz as projeções de imagens no fundo do palco”, descreve.

"No repertório tem desde coisas novissimas, que fiz este ano, até coisa que fiz antes dos 20, como Meteorango Kid, que o cineasta André Luiz Oliveira se inspirou para fazer seu filme. Era para eu ter feito a trilha sonora, mas tivemos um desencontro, eu estava viajando na época, aí não saiu", conta Tuzé.

"Tem ainda o Heitor Dantas (Laia Gaiatta), que é um puta guitarrista, construiu muitos arranjos, e o Orlando Pinho, que além de incentivador, está sempre presente. É meio mentor, meio coringa, permeando tudo: canta, faz intervenções poéticas e toca instrumentos experimentais", acrescenta.

”Ontem (quinta, 15) fiquei muito feliz. Estavam lá  Edgar Navarro, Fernanda & Luisão (Dois Em Um), Giovani Cidreira (Velotroz), Jonga Lima, uma galera. Todos elogiaram muito”, conta.

“Foi o melhor dia de todos até agora, apesar de alguns erros. Mas a energia era tão boa que superou tudo”, acrescenta.

Tuzé está tão entusiasmado com o show que pretende continuar com ele, levando-o para outros palcos e, talvez, até outras cidades.

“Estou tão estimulado que até fazendo mais uma música, que talvez apresente até o ultimo show”, conta.

“Este show é uma mistura de obra em progresso com obra realizada. Tenho a impressão de que ele ainda é uma criança, que tem a possibilidade de crescer e ficar melhor. Isso é até estranho para mim,  que sou pessimista, soar tão otimista”, admira-se.

Tuzé de Abreu: Novas Aventuras no País do Som / Quintas-feiras (22 e 29), 20 hs / Teatro Gamboa Nova / R$ 20 e R$ 10

NUETAS

Chope, frango e rock 'n' roll 

O espaço alternativo The Other Place (R. Ariston Betinho de Carvalho, 247, Brotas) faz happy hour nesta sexta-feira com o rock ‘n’ roll acústico do paulista Kessller blues acústico da banda Restgate Blues, regado a chope artesanal tipo red pilsen, cervejas com rótulos de bandas (Sepultura, Iron Maiden) e o típico frango frito à moda americana. 20 horas, R$ 5. Veja mais.
 
Lily e a transformista

A banda Lily Braun faz show quinta-feira no Commons Studio Bar, com ilustres convidados: a transformista Rainha Loulou, que abre a noite, e os cantores Andrea Martins (Canto dos Malditos) e Silvio de Carvalho (Tabuleiro Musiquim). 22 horas, R$ 15 (na lista amiga) e R$ 20 (na hora).

Raimundos detonam

No gás total, em boa fase (a primeira após a saída de Rodolfo), os Raimundos voltam com o show do  CD Cantigas de Roda. O duro é o local (Wet ‘n’ Wild) e aturar O Rappa depois. Sábado, 20 horas, ingressos nos balcões Ticketmix.

sexta-feira, maio 16, 2014

GILBERTO GIL CHEGA AO TCA COM A TURNÊ GILBERTOS SAMBA

Gil: o que resta da elegância baiana no show de estreia (Rio). Foto Vera Donato
Homenagem a João Gilberto, a turnê do disco Gilbertos Samba, de Gilberto Gil, chega amanhã e domingo ao palco da Sala Principal do Teatro Castro Alves, após estrear, há pouco mais de um mês, no Rio de Janeiro.

Acompanhado do filho Bem Gil (violões, guitarra, percussão, flauta e MPC), Domenico Lancellotti (bateria, percussão) e Mestrinho (sanfona, percussão), Gil vai executar todo o repertório do CD, mais algumas canções que ficaram de fora.

“Toco o disco todo, todas as 13 músicas, mais algumas outras, alguns sambas. Além de sugestões de meu filho e de Moreno (Veloso, coprodutor do álbum ao lado de Bem Gil), como Mancada, que é um samba antigo meu e Meio de Campo, uma música  de 1973”, conta Gil, em entrevista exclusiva por telefone para o A TARDE.

No ano do centenário de Dorival Caymmi, o baiano reservou um momento especial do show para homenageá-lo – sempre via João Gilberto.

“De Caymmi, eu faço Rosa Morena, que escolhi para o disco e podia ter feito, mas acabei não gravando. E que é uma recriação de João também. É uma recriação minha sobre uma recriação de João sobre uma criação de Caymmi”, ri Gil.

“Estou (ligado) com todas as vertentes de interesse da obra e da pessoa dele, o artista multitalentoso que ele foi. O Caymmi poeta, o Caymmi pintor, o Caymmi músico, cronista, pai de família, amigo da turma, do Rio, da Bahia”, enumera.



O eterno retorno

Aos 72 anos incompletos, a sensação de tocar canções tão antigas é, para Gil, uma espécie de retorno aos seus primórdios como artista.

“São canções muito sedimentadas. No meu coração, no meu panorama, no meu universo musical. Canções que me marcaram muito, que me fizeram e me tornaram compositor, artista e violonista”, afirma.

“Foi por causa de João e dos seus primeiros discos que eu me animei a me tornar um semelhante, um igual, um artista, enfim.  Então, voltar a essas canções é como voltar a uma infância musical”, acrescenta.

Em termos de poder influenciador, João Gilberto só encontra paralelo, em Gil, com outro ídolo anteriormente homenageado por ele: Luiz Gonzaga.

“São canções fundadoras para mim, como só Luiz Gonzaga e Caymmi já tinham sido. Sendo que nesse caso, houve o acréscimo do violão. Por que até então, eu só tocava acordeom com aquela forte influência de Luiz Gonzaga. Eu resolvi tocar violão por causa dessas gravações de João. Então tem esse sabor essa volta a essas canções. Sabor de um frescor juvenil, de descoberta de uma vocação”, observa.



Será que João gostou?


Gil e Mestrinho, acordeonista sergipano. Foto Vera Donato
Com o experiente Domenico Lancellotti no palco, quem viu o último show de Gal Costa (Recanto), pode até imaginar que este desempenha, no show de Gil, o mesmo papel de diretor musical, mas o cantor diz que não é bem assim.

“Não, não chega a ser diretor musical, a direção é compartilhada entre todos nós. É que a Gal não tem alguém a frente, um arranjador / instrumentista, como é meu caso, onde há uma indução permanente na direção da melhor arrumação harmônica, rítmica e tal”, afirma.

“Eu tenho, historicamente, esse papel de band leader. Que a Gal tem um pouco também, mas menos que eu, por que ela não tem esse drive (orientação) de instrumentista a frente da banda. No meu caso, eu tenho. A tendência sempre tem sido a de compartilhar as concepções de arranjo, ritmo etc”, reflete.

Outro destaque do próprio Gil é “Mestrinho, que é um acordeonista sergipano jovem, muito talentoso, da escola dos grandes acordeonistas mais recentes, como Dominguinhos”, diz.

Lançado há menos de dois meses, Gilbertos Sambas tem recebido boa acolhida da crítica e do público. Só quem não se manifestou ainda foi, justamente, o homenageado.

“Não, não sei (se João Gilberto ouviu o disco). Não sei nada, não tive notícia. Mandei (um CD) para ele, até antes de lançar, mas não tive nenhuma resposta”, conta Gil.

Músico generoso, que gosta de homenagear os mestres que o influenciaram, Gil já prestou tributo – seja em álbuns temáticos ou em canções – a Luiz Gonzaga, Bob Marley, Dorival Caymi e agora, a João, entre outros.

Diante desta lista, fica a pergunta: há algum outro que ele gostaria de homenagear algum dia?

“Não sei, não sei. Talvez. É possível”, despista, antes de se despedir e mandar “aquele abraço  a todos na redação”.

Gilberto Gil: show Gilbertos Samba / Amanhã (21 horas) e domingo (20 horas) / Sala principal do Teatro Castro Alves / Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (filas A a Z), R$ 80 e R$ 40 (filas Z1 a Z11) / Vendas: bilheterias do teatro e SACs dos shoppings Barra e Bela Vista

SALMAN RUSHDIE EM SOTEROCITY

Escritor indiano-britânico visita a cidade para conferência e concede coletiva à imprensa local

Salman. Foto Nick Vacarro / Columbia University
Salvador recebeu ontem um ilustre visitante: o escritor indiano-britânico Salman Rushdie.

Ele proferiu palestra à noite, no Teatro Castro Alves, para o projeto Fronteiras Braskem do Pensamento.

Algumas horas antes, ele concedeu uma breve entrevista coletiva para a imprensa local, no Salão Ônix do Sheraton da Bahia Hotel.

Ele, que é meio britânico, pode até ser pontual, mas infelizmente, a aviação brasileira não o é.

Marcada para as 14 horas, a coletiva só teve início às 15h30, devido ao atraso em seu voo proveniente de Porto Alegre, aonde também fez a conferência.

“Nela, eu falo sobre a interação entre política e literatura no mundo moderno e os riscos apresentados a esses profissionais (os escritores)”, adiantou.

Como é público e notório, Rushdie sabe bem do que está falando, já que teve sua cabeça posta a prêmio pelo Aiatolá Khomeini (1900-1989), líder espiritual do Irã, em fevereiro de 1989, por conta de supostas blasfêmias contra o Islã e o Profeta Maomé em seu livro Os Versos Satânicos (1988).

Perguntado pela reportagem de A Tarde se ele se sentia seguro hoje em dia, rolou os olhos (‘Sempre essa pergunta”) e disse que “não parecia perigoso” estar ali naquele momento.

“Sugiro que leia meu livro de memórias (Joseph Anton: A Memoir, 2010) e você terá mais respostas. Você também não me parece muito perigoso”, gracejou, diante de uma xícara de chá.

Depois que outra pergunta foi feita sobre o mesmo assunto (a vida escondido de possíveis assassinos fundamentalistas), Rushdie quase fechou o tempo: “Já escrevi 16 livros, seria bom que me perguntassem algo sobre literatura, ou podemos encerrar”.

Filme autobiográfico, traduções

O home não é fraco não. SR e esposa, a modelo Padma Lakhsmi. Foto Fishbowl
Perguntado sobre suas influências, Rushdie relaxou e respondeu que cresceu em Bombaim, “uma cidade muito cosmopolita, onde o Ocidente e o Oriente se misturam muito. E toda essa mistura eu pude vivenciar desde cedo”, disse.

“Os livros e filmes que me influenciaram já tinham essa característica. Fora que a Índia é um verdadeiro depósito de literatura fantástica, além de ter também uma indústria cinematográfica muito desenvolvida”, conta.

O professor da Faculdade de Comunicação da Ufba Sergio Sobreira lhe perguntou sobre a dificuldade de intercâmbio cultural entre o Ocidente e o Oriente.

“Não temos acesso a imensa herança literária iraniana, por exemplo”, observou Sérgio.

“As culturas costumam ignorar umas às outras. Na Índia, o conhecimento sobre a cultura da América Latina é ínfimo. Basicamente, só (Gabriel) Garcia Marquez. Mas a literatura pode ser uma ponte. Eu nunca estive em Salvador antes, mas li Jorge Amado, então acho que conheço algo daqui”, revelou Rushdie.

Ele ainda contou que teve “a sorte de conhecer Jorge Amado em um evento da embaixada brasileira em Londres”.

Perguntado sobre uma série de TV em que ele esteve trabalhando – The Next People, para o canal Showtime – Rushdie contou que o projeto não decolou.

Mas revelou que há um filme baseado na sua autobiografia, Joseph Anton (seu pseudônimo na época dos Versos Satânicos),  em desenvolvimento.

“Na Inglaterra, eu fiz uma piada na imprensa, dizendo que Johnny Depp ia fazer meu papel”.

“No dia seguinte, estava em todos os jornais: ‘Salman Rushdie diz que é parecido com Johnny Depp’”, riu.

“Ainda esse ano devemos ter mais notícias sobre esse filme”, prometeu Rushdie.

Sobre a tradução de suas obras em português, ele disse que “por sorte, tenho o mesmo editor desde sempre, além dele (Luiz Schwarcz, da Cia. das Letras) ser um bom amigo. Sei que eles levam isso a sério. E quando viajo, sempre pergunto aos jornalistas locais o que eles acharam da tradução. É que alguns leem as duas versões”, conta.

“Fora que, quando uma tradução é ruim, o livro ‘morre’ nas prateleiras, como aconteceu com um livro meu na Dinamarca. Então é fácil saber quando isso acontece. Uma coisa que eu adoro são as capas dos meus livros no Brasil. São as mais bonitas do mundo. Eu sempre recomendo que usem as capas brasileiras nas outras edições que saem em outros países”, concluiu.

quinta-feira, maio 15, 2014

VAN DER VOUS: NEOPSICODELIA BAIANA LIGADA NOS NOVOS SONS PLANETÁRIOS

Van der Vous: canções sobre isolamento e fuga do real. Foto: João Cardoso
A rapaziada do rock mais esperta, que já está ligada nas boas novas do rock planetário como Tame Impala, Temples e Allah-Las, pode comemorar, pois já temos similar local.

É o Van der Vous, quarteto que bebe mais ou menos nas mesmas fontes das bandas citadas: psicodelia 60’s via Pink Floyd (fase Syd Barret), Mutantes, Jefferson Airplane e The Doors, além das próprias Tame Impala, Temples, Dungen etc.

Uma orelhada no site da banda não deixa dúvidas: os meninos pisam lá embaixo no pedal Flanger e voltam a tona com pequenas pérolas de psicodelia, como nas viajandonas Mind Changes e I Get High.

“Toco por aí desde 2007 e passei por algumas bandas. Em 2012 tive a ideia de criar uma banda com pegada mais psicodélica”, conta Vitor Matos, vocalista e guitarrista.

Recrutados Nal (baixo) e Charles Silva (bateria), o grupo já andou se apresentando pelos inferninhos locais, chapando geral quem assistiu o show.

“Há uma semana incluímos um integrante novo para tocar a segunda guitarra e sintetizadores: Xunga, que era da Você Me Excita”, conta Vitor.

La Fuga a caminho

O quarteto já está com um CD cheio gravado, no momento em fase de mixagem e masterização, a cargo do próprio Vitor.

“O disco chama La Fuga e devemos lançar mês que vem, pelo selo Brechó. E a produtora  NHL está com a gente ajudando com a arte, fotografia e um clipe para a faixa-título”, detalha.

“É um álbum conceitual que trata de fuga da realidade, de isolamento e da busca por uma abertura de visão e paisagens inexploradas”, conta o músico.

Por enquanto ao grupo não tem nenhum show marcado, mas está preparando para breve um pequeno giro pelos bares e casas de show da cidade, além de localidades vizinhas, passando por Camaçari, Feira de Santana e Candeias.

“Vamos caprichar nas projeções e iluminação para criar um clima nos shows”, conclui.

Em tempo: o nome da banda mistura holandês e francês: Van der (Vem de) Vous (Você), conta o vocalista Vitor.

Ouça: www.vandervous.com



NUETAS

Theatro no Calypso! Hein?!?

Há algum tempo na encolha, a banda Theatro de Seraphin anuncia uma volta ao palco do Calypso – sim, isso mesmo que você leu –, ou melhor: três. Trata-se de uma pequena temporada de três datas no lendário CBGB's soteropolitano, que cumpre duas funções. Comemorar dez anos de banda e levantar recursos para bancar a gravação do próximo álbum do quarteto. O esquema é happy hour, começando as 18 horas, com discotecagem. Haverá ainda intervenções de artistas visuais. Na estreia, discotecagem a cargo deste blogueiro e intervenção do predileto da casa. Sim, ele: Miguel Cordeiro. Em tempo: o Calypso não reabriu. Trata-se de uma ocasião especial, cedida pelo atual ocupante do imóvel. Dias 24 de maio e 07 e 28 de junho, sempre às 18 horas. R$ 10.

Lacertae voltando

Agende-se: a lendária banda sergipana Lacertae (25 anos na luta) volta a cidade em show warm-up do festival Big Bands. Além da psicodelia agreste da Lacertae, ainda rola o som industrial da Modus Operandi, o instrumental do Tentrio e DJ Bruno Aziz. Dubliner’s Irish Pub, 21 de junho, 22 horas, R$ 10. 

Rock Rural na Mãe


Renê Nobre (violão e voz, ex-Banda de Rock) e Janah Ferreira (voz) fazem o show Rock Rural. Sábado, na Casa da Mãe. Com Fernando Príncipe (violão) e Nuno Chuck Norris Coelho (baixo). 22 horas, R$ 10.

InsPire com Scracho

Os paulistas da Scracho, Scambo e Canto dos Malditos fazem mais um  InsPire Music, no The Hall. Domingo, 16 horas, R$ 30 nos balcões Ticketmix.

terça-feira, maio 13, 2014

PODCAST ROCKS OFF: ROCK E REFERÊNCIAS LITERÁRIAS

O menino Roberto Z., circa 1964. Foto: Doug R Gilbert/BBC
Com Miguel Cordeiro, Osvaldo Braminha Silveira Jr., Nei Bahia e este blogueiro.

E também com Bob Dylan! (Miguel e Brama dão uma aula mais para o fim do episódio).

Chuck Berry! Bobby Darin! Bertolt Brecht! J.R.R. Tolkien! Led Zeppelin! Treblinka! Cascadura! Garcia Marquéz!
E... esqueci o resto.

MENINOS DE MANCHESTER

Biografia The Smiths - A Light That Never Goes Out, de Tony Fletcher, desvenda a cidade, a cena, a trajetória e o fim da cultuada banda

Os jovens Smiths, circa 1984, quando ainda era só amorzinho. Foto: Paul Slattery
Se as biografias musicais – com ênfase no rock – se tornaram um rentável filão no mercado editorial, a cultuada banda inglesa The Smiths parece ter ganhado um cantinho especial na preferência de editores e leitores, com um tríptico de livros recentes que se complementam.

Primeiro foi a Mozipedia - A Enciclopédia de Morrissey e dos Smiths (de Simon Goddard, editora LeYa), lançada em 2013.

Ainda este ano, a Globo lança Autobiografia, de Morrissey, título arrematado por 100 mil dólares em disputado leilão com outras seis editoras brasileiras.

Entre um e outro, chegou recentemente às livrarias The Smiths - A Light That Never Goes Out, biografia do inglês Tony Fletcher, que saiu pelo selo BestSeller, da editora Record.

Como tudo o que se refere aos Smiths, A Light That Never Goes Out é uma investigação caudalosa. Em suas  630 páginas, o autor não se limita a contar a história da banda.

Fletcher, biógrafo respeitado do REM e Echo & The Bunnymen, vai fundo na história da cidade dos Smiths – a industrial Manchester –, na riquíssima cena musical e artística que lá floresceu e até no estabelecimento do tal “indie rock”, com toda a movimentação de bandas, selos, empresários e jornalistas que povoam este universo.

E é justamente por conta do seu amplo papel no estabelecimento dessa nova estética musical roqueira que os Smiths, não raro, foi apontada como “a última banda de rock original” – título que Fletcher vê como merecido até certo ponto.

“Há um forte argumento para afirmar, ao menos, que os Smiths foram a última banda original de baixo-guitarra-bateria”, aposta o autor, em entrevista por email.

“A combinação das letras únicas com o estilo vocal de Morrissey, aliada à musicalidade inventiva de Johnny Marr (guitarrista), além das influências claramente afirmadas, resultaram em algo que soava familiar (como uma ‘banda de rock’) – e, ainda assim, verdadeiramente novo (no sentido de 'original'). Não houve muito disso desde então”, afirma.

“Mas eu hesito em chama-los de última banda verdadeiramente original, por que eu acho que o rock mudou para algo que passou a abraçar instrumentos e influências eletrônicas. Acho bandas como Arcade Fire e LCD Soundsystem perfeitamente originais. Mas de novo, elas usam muito mais do que a instrumentação convencional dos Smiths”, considera Fletcher.

Manchester City

Manchester em tempos idos, berço da Revolução Industrial
Para quem pretende ler e tem pouca paciência, vale o aviso: a banda mesmo só se forma lá pela página 200.

Porém, para um entendimento mais profundo sobre as origens dos Smiths e a realidade que os cercava em Manchester, a recomendação é ler atentamente cada página.

Até por que, felizmente, Fletcher é um craque – escreve com objetividade, agilidade e total conhecimento de causa, tornando a leitura uma experiência interessante e bem agradável.

Assim ficamos sabendo que Manchester, um centro de produção têxtil desde o século 12, foi um dos berços da Revolução Industrial no século 19, quando começou a receber levas de imigrantes irlandeses – os quais, além de serem considerados uma espécie de sub-raça entre os britânicos, ainda foram devidamente passados no moedor de carne do regime de trabalho pré-sindicalizado da época.

Foi lá que um dos criadores do socialismo, o alemão Friederich Engels (1820-1895), enviado por seus pais à cidade em 1842  para supervisionar o moinho de algodão da família, começou a delinear as bases do seu pensamento, escrevendo o livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1854).

Isso, nota Fletcher, tornou Manchester cidade-berço não apenas do capitalismo moderno, como também do socialismo.

“Costumo pensar que a pesquisa levou algo entre dois anos e uma vida”, reflete o autor.

“Trabalhei muito duro para coletar as informações necessárias, passei um monte de tempo nas bibliotecas de Manchester e li muitos livros”, conta.

Para Fletcher, que é muito interessado em história política, saber de tudo isso “é importante para a história (dos Smiths)”.

"Mas claro, fui criado na Inglaterra, tenho um interesse em história política, e um pouco disso é absorvido por qualquer um de nós que se importa com o passado. Claro que eu conheço a cena musical de alto a baixo. Acho que é importante para a história", acrescenta.

“E eu descobri, desde a publicação, que muitos leitores norte-americanos (e talvez brasileiros) só conheciam a história musical de Manchester, sem o entendimento de sua importância na Revolução Industrial ou os padrões da imigração irlandesa. Quando você entende isto, eu acho que a trajetória dos Smiths faz muito mais sentido”, diz.

O pesadelo dos empresários

Andy e Mike eram mal pagos. Morrissey não queria empresário. Foto: Andre Csillag
Após todos os prêambulos que incluem minúcias sobre a leva da  imigração irlandesa pós- guerra, a chegada dos pais de Morrissey e de Marr à cidade, como eles vieram a casar e ter filhos, Fletcher chega à juventude da dupla.

Período especialmente difícil para Morrissey, que desde tenra idade demonstrou ser um rapaz muito diferente dos de sua vizinhança – que aliás estava em pleno período de mutação, devido a um polêmico programa de “eliminação de cortiços” da prefeitura.

Hoje, as vizinhanças em que Morrissey & Marr foram criados não existem mais.

Quando Marr finalmente bate na porta da casa de Morrissey e o chama para formar uma banda, o último, aos 23 anos, estava em profunda depressão há uns cinco e quase não saía do quarto.

Salvo pelo descoladíssimo Marr, os dois formaram uma das duplas de composição mais bem-sucedidas da história do rock.

Após convocarem o pacato Andy Rourke (baixo), amigo dos tempos de escola de Marr e o ex-punk e meio brigão Mike Joyce (bateria), estava formada a banda The Smiths.

Entre outros detalhes, Fletcher revela que os Smiths nunca conseguiram ter um empresário fixo por muito tempo.

“Joe Moss (o primeiro) caiu fora no fim de 1983 por várias razões, e depois disso, Morrissey jamais confiou em um empresário o bastante para que eles ficassem nesta posição. Neste meio tempo, em parte por conta da velocidade com que as coisas estavam acontecendo, em parte por que ele queria manter seu parceiro (Morrissey) feliz, Johnny Marr se juntou à indecisão de Morrissey.”, conta Fletcher.

“Quando Johnny tentou insistir em manter alguém, próximo do fim, e Morrissey insistia em demitir aquela pessoa, foi para Johnny a gota d'água. O arrependimento de Johnny sobre tudo isto é claro no livro, ainda que ele pudesse ter batido o pé com um pouco mais de firmeza. Johnny acabou voltando para Joe Moss, que tem sido seu empresário por muitos anos. Já Morrissey já passou por, literalmente, dúzias de empresários”, observa.

Perguntado se ele acha que algum dia os Smiths se reunirão - nem que seja para um show só, como o Led Zeppelin, Fletcher é curto e grosso: "Não".

Sobre sua visão a respeito da Autobiografia de Morissey, ele nos indica sua extensa resenha disponível no próprio site: www.ijamming.net.

E agora? O que este intrépido jornalista musical está preparando? "No verão passado eu publiquei minhas memórias, Boy About Town, sobre minha juventude ao redor das cenas punk e pós-punk em Londres nos anos 1970, quando eu tinha um fanzine e uma banda e um assento no carona em um período incrivelmente criativo. Espero realizar uma sequência", conta.

"Também estou preparando uma proposta para um livro sobre o órgão Hammond, que foi o primeiro instrumento elétrico e que verdadeiramente revolucionou a forma como abordamos a música. Estou buscando uma editora no momento. Tendo escrito biografias para The Smiths. R.E.M., e Echo & The Bunnymen, sinto que fechei minha viagem pela cena musical pós-punk dos anos 1980 - pelo menos, por enquanto. Tudo de bom e muito obrigado pelo interesse", despede-se Tony Fletcher.

The Smiths - A light that never goes out / Tony Fletcher / Tradução: Rodrigo Abreu / Editora BestSeller / 630 p. / R$ 70

EXTRA:

JOVEM ESCRITOR PAULISTA ESTREIA COM ROMANCE "QUEM VAI FICAR COM MORRISSEY?"

Além dos livros  que tratam de Morrissey e dos Smiths em si, há outra vertente literária surgindo a partir deles: romances de autores fãs e que se inspiram na obra do grupo – e como esta influi em suas vidas. Ano passado saiu Caro Morrissey... (Ed. Nossa Cultura), de Willy Russell. Agora é a vez de Quem Vai Ficar com Morrissey, do paulista Leandro Leal. Típico romance indie pós-Alta Fidelidade, (Nick Hornby), trata da separação de um jovem casal. Só que agora  ele não “permite” mais que ela siga ouvindo Smiths e Morrissey, por que afinal, foi ele quem os apresentou a ela. Morrissey “é dele”. Ou não? Quem Vai Ficar Com Morrissey? / Leandro Leal / Edições Ideal / 272 p. / R$39,90 / www.edicoesideal.com

quarta-feira, maio 07, 2014

PODCAST ROCKS OFF: NOVAS COM CHEIRO DA CALCINHA QUE VOCÊ ACABOU DE TIRAR DA GAVETA

Lydia Loveless pegou carona para participar do Rocks Off!
Neste episódio, Osvaldo Braminha Silveira, Nei Bahia e este blogueiro indicam e botam para tocar algumas coisa novas que andaram saindo nos últimos dias / meses.

Miguel Cordeiro, sem alternativa, aguenta o tranco e fala mal de todas (ou quase)! Yeah!

Rola Blackberry Smoke, Linda Perhacs, Thee Oh Sees, The Jon Spencer Blues Explosion, Fu Manchu (Fí Manchívis, digo), Lydia Loveless (ao lado, em foto de Ely Brothers) e mais algumas outras coisas que - sorry - dão lembro mais...








Parte 1:



Parte 2:


PAQUITO VOLTA COM O SHOW AUTORAL "BARULHENTO" EM TEMPORADA NA CASA PRETA

Paquito (em foto de Sora Maia) bota os óculos para ler as letras miúdas dos editais
Figura conhecida da música baiana dos últimos 30 anos, Paquito tem estrada.

Aos 50 anos, ainda com cara de garoto, Paq, como é carinhosamente chamado pelos amigos, volta a cena em show autoral – o primeiro desde a temporada do Bossa Trash (2008), seu último CD.

Todas as sextas-feiras de maio, ele estará na Casa Preta, apresentando novas canções e releituras de algumas antigas, no show Barulhento.

Apesar do título, o som é no esquema voz & violão. “Na verdade, prefiro o termo ‘canto & violão’”, corrige o músico.

“É que não é show de barzinho tipo ‘o melhor da MPB’. É um show de canções autorais, minhas e com parceiros como Gerônimo, Ronei Jorge e Capinam”, detalha Paquito.

De certa forma, Barulhento é um desdobramento do Bossa Trash, já que nele o cantor já trabalhava nesse formato acústico. “Nem era para ser canto & violão, mas como estava a fim de gravar, concorri num edital pequeno, de R$ 10 mil. Até por que não dá para fazer nada além disso. E encontrei um caminho bacana nessa estética”, conta.

Cordas de aço e edital

Foi depois de um laboratório com o produtor Arto Lindsay (que ia gravar o Bossa Trash), que Paquito encontrou o caminho que segue agora em Barulhento, partindo apenas de sua voz e do violão com cordas de aço – a princípio incomum na MPB, mas nem tanto.

“Um dos principais LPs de Dorival Caymmi (Caymmi e seu violão, 1959) é todo no violão de cordas de aço, sabia?”, diz.

Depois dessa temporada, Paquito, que também é blogueiro do Terra Magazine, pretende gravar um álbum inédito comemorando seus 50 anos.

“Vou tentar via edital, né? Só gostaria que fosse mais simples. Um formulário que precisa de workshop para ser preenchido... Por que é tão complicado?”, deixa no ar.

Paquito: Barulhento / Sextas-feiras  de maio (09, 16, 23 e 30), 20 horas / Casa Preta Espaço de Cultura / (R. Areal de Cima 40/07, Dois de Julho / R$ 12, R$ 6

NUETAS

Encontros musicais

O colunista blogueiro, a assessora Ana Camila, a DJ Carol Morena e Ana Paula Matos (Mê de Música) participam da segunda edição dos Encontros Musicais, um bate-papo sobre Música & Comunicação. Sábado, 10 da manhã, no Espaço Cultural Dona Neuza. Gratuito, mas se inscreva: espacodonaneuza@gmail.com.

Mancunianos locais

Camaçari, nossa Manchester, envia a capital Declinium (lançando EP novo), Jato Invisível e Pâncreas. Sábado, Dubliner’s, 22 horas, R$ 5.

Honkablues@Grapiúna

Os fabulosos The Honkers, banda do nosso comentarista habitué (1 de 2) Rodrigo Sputter Chagas, pega a estrada rumo Itabuna para um show nesta sexta-feira com a ótima banda local Mendigos Blues. No Grapiúna TênisClube, 22 horas, R$ 15.

Callangazoo@Gamboa

A banda Callangazoo lança o EP Surpresa! com show no Teatro Gamboa Nova. Sábado, 20 horas, R$ 10 e R$ 20.

terça-feira, maio 06, 2014

PANTERAS NEGRAS DO TERREIRO

Aliando tradições afrobaianas à força do hip hop de combate, o trio Opanijé já foi elogiado por Chuck D. (Public Enemy) e se firma como o grande nome do gênero na Bahia

Opanijé: Lázaro Erê, Rone Dum Dum e DJ Chiba. Foto: Filipe Cartaxo
Todo grito de povo oprimido / escravizado comove. Quando esse grito é emitido com sensibilidade artística sofisticada e consciência de sua origem e  história, transcende tudo e se torna a trilha sonora de revoluções.

É imbuído dessa sensibilidade  que trio soteropolitano de hip hop Opanijé surge no cenário: um grito que clama pela revolução, a frente da sua época e ancestral ao mesmo tempo.

O Opanijé vem com um discurso verbal e musical afiado como navalha – Panteras Negras da Soterópolis pós-derrocada da proverbial cortesia baiana, Public Enemy no terreiro.

A referência ao cultuado grupo norte-americano do rap combativo old school não é a toa.

Em junho do ano passado, o MC do Public Enemy, Chuck D., escreveu em sua conta de Twitter: “Excelente isso que o rap pelo mundo a fora tem feito, deixando o mainstream dos EUA parecerem ultrapassado”, seguido do link para o clipe da faixa Se Diz no You Tube (19.498 visualizações até domingo).

Formado em 2005 pelos irmãos Lázaro Erê e Rone Dum Dum com o DJ Chiba D, o Opanijé casa o hip hop de combate com as muitas tradições afro baianas de forma incrivelmente harmoniosa em seu primeiro CD autointitulado, lançado no início de 2014 pelo selo local Garimpo Música, em parceria com o Conexão Vivo (via Fazcultura) e o produtor baiano andré t.

O nome, Opanijé, é tanto um toque quanto uma dança sagrada do candomblé, além de uma sigla criada pelos rapazes: Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente.

“Gostem ou não, o Opanijé é isso. Não estamos aqui para agradar a indústria ou seguir tendências. Somos o que somos”, reivindica Lázaro.



Esclarecimento é essencial

No disco, verdadeira joia da música baiana recente, o trio de discurso forte e trato cortês aborda as questões de sempre (racismo, exclusão, pobreza, violência, fome e até o machismo) com objetividade e virulência poucas vezes vista.

“Ser oprimido não tem poesia como você pensa/ Ideia neonazista que se alastra feito doença/ Pensaram que a gente iria assistir calado na defensiva/ Enquanto vocês transformam mães-pretas em mortas-vivas”, mandam os MCs, em Encruzilhada, faixa que abre o CD com arrepiante cântico para Exu.

Reunidos no estúdio de andré t, o  repórter quer saber o que diz o cântico.

Rone, simpático e circunspecto em seus trajes rituais, assovia e olha para o teto, como se não fosse com ele.

O repórter insiste. Rone ri e cede. “É um cântico que pede permissão para saudar a Exu. Exu diz que o canto é bom e permite. A voz que você ouve é de Mestre Erenilton, o maior alabê da Bahia. Por isso essa música abre o disco”, explica.

Opanijé, foto Antonio Terra
Crias tanto do cursinho do Instituto Cultural Steve Biko, quanto das reuniões do hip hop no Passeio Público, o trio representa no discurso e na postura, o ideal do negro esclarecido em uma cidade cuja burguesia “branca” ainda os vê não como um exemplo a seguir, e sim como ameaça ao status quo.

“Gostamos muito de ler e buscamos escrever bem. Na escola, eu fazia questão de só tirar 10 em Gramática”, diz Rone.

“Essa formação veio através do movimento negro, na sede da Unegro, aonde lemos muito Cuti Silva, Lande Onawale, Agostinho Neto e o próprio Steve Biko”, enumera.

“Teve uma professora, Edenice Santana, que nos incentivou muito. Ela e a galera do Unegro nos botaram para ler as biografias de Malcolm X, Martin Luther King etc”, conta Lázaro.

Esse nível de formação e consciência se traduz nas letras do grupo, rendendo trechos como este, da faixa A Cura: “Sociólogos, antropólogos sempre tentando explicar/ Médicos e até biólogos tentaram inferiorizar/ Eugenia não deu certo nem para quem acreditava”.

Outro dado importante para entender o Opanijé é que o trio teve contato com o hip hop em seu primeiro momento, quando o estilo ainda era, essencialmente, uma forma de expressão de contornos subversivos, e não trilha sonora para clipes “ostentação”.

“Comecei a ouvir rap na virada dos anos 1980 para os 90, com o LP Hip Hop Cultura de Rua (1988), que foi o primeiro do gênero produzido no Brasil”, conta o DJ Chiba.

“Depois foi Public Enemy, Run DMC, Beastie Boys. Isso mudou minha vida. Por que não era só a música, era estilo de vida, era politizado, falava de exclusão social, drogas etc”, acrescenta.

“Ô, saudade”, ri Lázaro.

“O curioso é que o público ligado em rap por aqui na época era o pessoal do rock. Hoje o rock local é que quase não tem público”, percebe andré t, atento ao papo.

Estrada longa

Soraia Oliveira, da Garimpo, conta que até 2007 já tinha ouvido falar no Opanijé, mas que não conhecia.
“Foi Chiba quem entregou um CD demo deles para Pedro, meu sócio. Pedro me disse que era demais e que devíamos ir ao show que ia ter no Pelourinho”, relata.

Depois do show, ela disse que tinha uma proposta para o trio. Levou um ano para se reunirem novamente.

“Mas só começamos a trabalhar mesmo em 2009. Em 2011 passamos no edital do Fazcultura para fazer o CD. Aí sugeri o andré t”, diz.

"Eu pedi referências do que eles queriam no som do disco, aí um dia Chiba veio aqui e me trouxe um HD com 30 gigabytes de música. Aí eu disse, 'pô, peraí, né'? ", ri andré.

"No começo do processo demorou um pouco para a gente se entender. Tivemos muitas reuniões só de conversa, em que não se gravou uma nota sequer", conta o produtor.


A produção do álbum levou mais dois anos, foi trabalhosa, burocrática (por conta da papelada para liberar os samplers utilizados) e envolveu um monte de convidados importantes, mas valeu a pena.

A questão dos samplers foi alvo de acalorados debates entre os músicos, o produtor e a empresária do selo. "Tivemos mil conversas sobre isso. 'Ah, fulano sampleou num sei quem e não deu em nada'. Sim, mas pode dar para você. Tem o selo, o cara manda um advogado bater lá", reflete andré.

"No fim, resolvemos substituir tudo o que fosse possível (com músicos tocando no estúdio, no lugar dos samplers) e acionamos Soraia para arrancar os cabelos e conseguir a liberação do que era imprescindível", relata.

"Teve gente que pediu para mandar um trecho, tipo vai que fulano virou evangélico, entende? Aí fomos enxugando o que dava. Acabou que tem coisa aí que ainda hoje estamos liberando, mas lançamos o CD assim mesmo. Aí botamos no encarte: 'Se alguém se sentir prejudicado com a utilização de sua música, por favor nos procure'", conta Soraia.

Coalhado de participações luxuosas, o CD do Opanijé conta com Ellen Oléria em Aqui Onde Estão; os rapers G.O.G., Aspri e Gomez na faixa Sangue de Angola e Gomez e X em O Que Eu Quiser; Orquestra Rumpilezz, em Deus que Dança; Robertinho Barreto (Baiana System), DJ Márcio Cannibal e Sereno Loquaz na faixa Vamuinvadi, Heider Soundcista em Encruzilhada; e o grande percussionsita e também alabê Gabi Guedes em diversas faixas.

Com passagens sempre elogiadas em vários palcos do Brasil, o Opanijé é uma das maiores promessas musicais da Bahia.


www.facebook.com/OpanijeOficial

Opanijé / Garimpo Música / R$ 22 (aqui) / www.garimpomusica.com.br