terça-feira, janeiro 29, 2019

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Planet Hemp: Mantenha o Respeito detalha a trajetória e a época da icônica banda de Marcelo D2. Autor está na cidade e faz hoje e amanhã dois lançamentos 

Planet Hemp 1994, foto Daniela Dacorso
Há quem se chateie com a afirmação, mas é inevitável: os anos 1990 foram a última década de relevância do rock brasileiro. Agora, uma das principais bandas da época, o Planet Hemp, ganha alentada biografia, assinada pelo jornalista carioca Pedro de Luna.

Hoje e amanhã, Pedro está em Salvador para lançar seu livro Planet Hemp: Mantenha o Respeito.

Hoje é no Bardos Bardos.

Amanhã, ele faz a palestra Planet Hemp e a causa da liberdade de expressão dentro do festival Digitália, no Icba - Goethe Institut (Vitória).

"O Planet Hemp está presente desde o meu primeiro livro, Niterói Rock Underground (1990-2010), lançado em 2011, e apareceu novamente nos livros Brodagens (2016) e coLUNAs (2017). Até que, enfim, tomei coragem para encarar o desafio de escrever sobre uma banda tão polêmica, corajosa e contraditória", conta Pedro.

Além de ser – muito provavelmente – a primeira biografia de fôlego de uma das principais bandas da geração ‘90, há pelo menos duas outras razões para ler Mantenha o Respeito, fruto de dois  anos de trabalho do jornalista.

A primeira é que é uma leitura muito envolvente. Íntimo dos seus personagens, de suas obras e caminhos, Pedro pega o leitor pela mão e  o transporta direto para a década do grunge, hip hop pré-ostentação e surgimento do  mangue beat.

A outra é o detalhismo: com quase 500 páginas e mais de 60 fotos, além muito material gráfico da época, Mantenha o Respeito começa em meados dos anos 1980 e termina com o lançamento do filme Legalize Já: Amizade Nunca Morre (2018), sobre o relacionamento entre Marcelo D2 e Skunk (morto em 1994), os fundadores da banda (ao lado do guitarrista Rafael Crespo).

1997: rapeize do Planet no camarim em Fortaleza, foto acervo Apollo Nove
“Desde o início, meu interesse era contar a história completa, com o máximo de informações inéditas e nos mínimos detalhes, incluindo as revelações de bastidores, mas sempre mantendo a isenção e o respeito. Cada músico foi entrevistado individualmente, com a garantia de que o seu depoimento seria preservado na íntegra. O único que não consegui conciliar agenda foi o BNegão”, conta Pedro.

"Aliás, o primeiro a deixar o Planet Hemp foi o BNegão, em 1996. Desde então ele já entrou e saiu, passou anos brigado com o Marcelo D2, e olha aí, cantando novamente com eles. O guitarrista Rafael foi demitido em 1997, um pouco antes do grupo ser preso em Brasília, e convidado a retornar para o terceiro disco. Entre idas e vindas, chegou a processar a produtora que agencia a banda. O primeiro baterista, Bacalhau, foi demitido em 1998, e deu a volta por cima gravando discos e viajando pelo mundo tocando com a banda Autoramas. Em alguns casos, existia sim uma ponta de mágoa ou rancor, mas nada que o tempo não cure. Agradeço ao editor, Marcelo Viegas, que também foi muito cuidadoso na revisão, para evitarmos os famosos mimimis, que não agregaria em nada ao livro. O resultado está aí. Apesar de ter saído no finzinho de 2018, a biografia já aparece em listas de melhores livros do ano", comemora.

Talvez hoje o impacto do surgimento do Planet Hemp no cenário não seja devidamente dimensionado, mas em 1993, quando o grupo surgiu gritando a plenos pulmões “legalize já”, o escândalo foi inevitável.  E não fazia nem dez anos que a ditadura havia acabado.

O fanzine Undergraff (CE) quadrinizava letras do PH
Com o imenso sucesso do primeiro álbum, Usuário (1995) e depois do segundo (Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para, 1997), o inevitável aconteceu: a banda toda foi presa em Brasília, naquele mesmo ano de 97.

"Um dos grandes desafios do jornalista, e nesse caso do biógrafo, é manter o distanciamento crítico. Eu já havia biografado um quadrinista (Marcatti), um pintor (Filipe Salvador) e um professor e parlamentar (Chico Alencar). Principalmente neste último caso, é difícil não cair na tentação da admiração e evitar perguntas mais perniciosas ou fazer um livro chapa branca. No caso do livro sobre o Planet Hemp, tive a preocupação de escrever para todo o tipo de leitor, mesmo o que conhece pouco da banda", afirma.

“Eu queria, antes de tudo, contar uma boa história. A história de jovens artistas que foram perseguidos e presos por cantar a legalização da maconha e defender a liberdade de expressão. O Planet Hemp amargou cancelamentos de shows e pegou vários dias de prisão. Isso sem falar no público, que também apanhava, era extorquido e de vez em quando acabava no xadrez também”, lembra Pedro.

"Claro que o fato de eu ter acompanhado tudo de pertinho facilitou bastante, mas eu sempre lembrava que a pessoa poderia morar num rincão do Brasil e precisava ser didático, explicar em detalhes. Por isso decidi colocar um mapa do Rio, com os lugares mais frequentados pela banda nos anos 1990, para situar o leitor geograficamente, entender os seus deslocamentos pela cidade. Tenho essa preocupação de ser 'professoral', inclusive escrevendo muitas notas de rodapé e inserindo referências. Teve gente que me escreveu dizendo que conheceu vários artistas a partir disso. Por que a pessoa foi na internet e buscou o som do artista pra ouvir", conta.

Contexto é tudo

10 de janeiro de 1996: o PH estreia em Salvador, Foto Sora Maia
Completíssima, a biografia de Pedro para o Planet detalha não apenas a trajetória da banda – como toda biografia de respeito, ele contextualiza todo o ambiente em que a banda estava inserida, detalhando a intensa movimentação de bandas, festivais, produtores, fanzines, rádios, emissoras de TV e casas de show da época.

Dois exemplos são as trajetória do Garage Art Cult, histórico inferninho carioca, e da banda pernambucana Jorge Cabeleira & O Dia em Que Seremos Todos Inúteis, companheira de palco do Planet várias vezes, inclusive no primeiro show do PH em Salvador, em 10 de janeiro de 1996, com a local The Dead Billies.

“O maior desafio foi a pesquisa. Tive que partir quase do zero, apenas com meu acervo pessoal para reconstruir a cronologia da banda e situar os depoimentos no tempo. Foram dezenas de entrevistas com integrantes, ex-integrantes, produtores, jornalistas, músicos, fãs, parentes e amigos. Tudo devidamente registrado em texto, áudio e, em alguns casos, vídeo”, conta.

"Biografar uma banda do início dos anos 1990 é como garimpar uma pedrinha de ouro. Os poucos registros disponíveis estão em vídeos na internet e na imprensa da época, o que é fundamental para montar uma cronologia precisa. Nos panfletos de shows, por exemplo, raramente tem o ano do evento, apenas o dia e o mês. Eu tive que ir de casa em casa recolhendo fotos, flyers, cartazes e reportagens, além de contar com a ajuda de fãs e amigos, que colaboraram pela internet. No livro estão pouco mais de 60 imagens, mas eu tenho centenas delas. Esse material precioso compõe, provavelmente, o maior arquivo sobre o Planet Hemp no Brasil. Foi um trabalho duro e solitário, mas muito recompensador", acrescenta.

Uma coisa interessante é que o próprio Pedro ainda não havia se ocado que o livro dele é (como já disse acima) muito provavelmente a primeira biografia aprofundada de uma banda de rock da geração 90, que ainda está por ter seu valor e sua importância para a música brasileira (e mundial) devidamente avaliada.

Pedro de Luna, foto Elza Cohen
"Olhando a minha estante, achei dois (livros) sobre o manguebeat, mas não são exatamente uma biografia de artista. Também existe um livro sobre o show dos Raimundos em Santos (1997) quando oito jovens morreram na saída da apresentação. Há uma biografia do Marcelo D2 (lançada há mais de 10 anos e fora de catálogo) e uma sobre o Marcelo Yuka, mas nenhuma sobre O Rappa. Então acho que você está certo, pode ser mesmo a primeira de algum artista dos anos 1990, o que é uma grande honra. Obrigado pela observação! A geração do rock nacional dos anos 1990 foi muito importante por várias coisas, mas sobretudo pela fusão de ritmos. Os Raimundos misturavam forró com hardcore, o Planet Hemp mesclou o rap e o rock, Chico Science & Nação Zumbi incorporou a ciranda, o maracatu e outras manifestações regionais. Só para citar alguns casos. O Planet teve, ainda, o mérito de ser a primeira banda de rock (DE ROCK!!! Hip hop não vale) a ter o DJ como integrante oficial e a colocar dois vocalistas cantando sem tocar instrumentos. Em alguns casos, até três: D2, Black Alien e BNegão. Também é importante lembrar que essa geração 90 bradou a todos os pulmões contra o sistema que está aí até hoje: desigual, violento e corrupto. As bandas de rock e hardcore não poupavam os políticos, a mídia e nem a polícia. Na virada do século, com a onda emo, o discurso se amenizou e, ao invés de contestar, as bandas em ascensão falavam de temas leves como o amor e a amizade", observa.

O Planet foi provavelmente uma das bandas / artistas mais perseguidos pelas forças da lei na história da música brasileira. Isso, em plenos anos 90, pós-redemocratização. Mas, quem estava atento na  época deve lembrar que era uma questão que mobilizava mais as instâncias "oficiais": polícia, MP etc. Hoje a repressão parece vir da própria sociedade, um retrocesso (como tantos), que não passa despercebido nem pelo autor, nem pelos músicos.

Fanzine Undergraff, de Fortaleza
"O crescimento do conservadorismo é mundial, vide a ascensão da extrema direita e a xenofobia em vários países do mundo. Talvez, com as redes sociais, os reacionários apenas saíram do armário. É muito triste ver o discurso de ódio de parte da sociedade contra os negros, as mulheres, o público LGBTIQ, os pobres e os ditos maconheiros. Há dois mil anos Jesus já dizia para 'amar ao próximo como a si mesmo', independente das diferenças. Enquanto em países como EUA, Canadá e Portugal, bem como nossos vizinhos da América do Sul estão fortalecendo a economia regulamentando o uso medicinal e recreativo, o Brasil está prestes a sofrer um retrocesso. Acho que o livro vem em boa hora pois é importante respeitar as diferenças e o livre arbítrio de cada um. O Planet inspirou várias bandas canábicas pelo Brasil, como a carioca Korja, e continuará inspirando tantas outras que também acreditam que – como diz a letra da música Legalize Já - 'uma erva natural não pode te prejudicar'. Lançada em 1995 no disco Usuário, ela dizia que 'o álcool mata bancado pelo código penal, onde quem fuma maconha é que é o marginal'. Basta ver as estatísticas de trânsito. Muitos (mas não todos) dos que matam ao volante são os mesmos que frequentam templos religiosos, que batem na esposa e nos filhos, que vestem a camisa da seleção brasileira, que enchem a cara e depois saem de carro. Infelizmente a hipocrisia continua", afirma.

Infelizmente, nem sempre é possível agradar a todos. No finalzinho de 2018, logo depois de o livro ter saído, a Na Moral, produtora do Planet e de Marcelo D2, soltou uma nota desautorizando o livro. Pedro e a editora Belas Letras responderam com outra.

“A exposição pública e pessoal foi desnecessária. Tanto que emitimos uma nota oficial e todos os posts foram removidos das páginas da banda. O próprio Marcelo D2 me ligou no dia em que saiu uma matéria n´O Globo me dizendo que estava triste com aquela polêmica causada pelo empresário, e somente por ele, que ficou com o ego ferido. Claro que a produtora foi importante, mas o Planet Hemp é muito maior que ela. O Planet se tornou mais que uma banda, virou uma causa. Uma causa pela legalização da maconha e a liberdade de expressão. E, mais recentemente, Marcelo D2 virou um ícone de resistência contra o presidente eleito”, rebate Pedro.

Finda a maratona de lançamento de Mantenha o Respeito, o jornalista já pensa em seu próximo livro: "Quase junto ao livro do Planet Hemp lancei Histórias do Porão, sobre os 20 anos do festival Porão do Rock, de Brasília, então estou com dois lançamentos para trabalhar bastante este ano. Claro que não me falta vontade, mas preciso avaliar por que escrever um livro exige tempo, disciplina e sacrifica a vida familiar, sem necessariamente dar um bom retorno financeiro", afirma.

"O pessoal que já leu Planet Hemp: mantenha o respeito está pedindo para eu escrever outras biografias. Entre os mais votados estão Raimundos, Charlie Brown Jr e Chico Science & Nação Zumbi. São ótimos nomes, mas para encarar preciso de uma boa proposta e da anuência dos envolvidos. Mesmo sem a autorização formal, é mais bacana escrever quando o biografado está remando junto no mesmo barco, conclui o autor.

Lançamentos: Hoje, 19 horas, no Bardos Bardos (Rio Vermelho) / Amanhã, 17 horas, no Digitália (Instituto Goethe) / Entrada gratuita

Planet Hemp: Mantenha o Respeito / Pedro De Luna / Belas Letras/ 497 p./ R$ 69,90/ www.livrodoplanet.com.br

2 comentários:

Pedro de Luna disse...

Chico obrigado pelo espaço e o apoio. Grande abraço!

Franchico disse...

Foi um prazer, Pedro! Seu livro tá bom demais de ler! Abraço!