Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
Em constante reinvenção, Gal Costa traz o show do novo álbum A Pele do Futuro à Sala Principal do Teatro Castro Alves, com ingressos esgotados
Gal ao vivo, foto Teca Lambroglia
Quadragésimo álbum de Gal Costa, A Pele do Futuro (Biscoito Fino) tem seu show de lançamento amanhã, no Teatro Castro Alves – já com ingressos esgotados.
Em grande fase desde Recanto (2011), Gal optou em A Pele... por sonoridades de disco music, soul e samba, privilegiando compositores de várias gerações.
Aí ela vai desde a poesia erudita de Jorge Mautner (Minha Mãe) até a sofrência pop de Marília Mendonça (Cuidando de Longe), passando por Gilberto Gil (a inédita Viagem Passageira), Djavan (Dentro da Lei), Hyldon (Vida Que Segue), Erasmo Carlos e Emicida (Abre-Alas do Verão), Silva (Palavras no Corpo), Dani Black (Sublime) e outros.
No show, as canções novas ganham a companhia de clássicos da carreira que há muito ela não apresentava ao vivo: Sua Estupidez (Roberto e Erasmo Carlos), Oração de Mãe Menininha (Dorival Caymmi) e Festa do Interior (Moraes Moreira e Abel Silva).
“Além do repertório do disco, eu escolhi alguns sucessos da minha carreira e trazendo elas para a sonoridade do álbum, com novos arranjos para que houvesse uma unidade musical”, conta Gal, em entrevista por email.
A tarefa de dar essa unidade, diga-se, está nas mãos mais do que capazes de Pupillo, o baterista da Nação Zumbi que já há alguns anos é um dos mais requisitados diretores musicais do Brasil.
Com Gal à frente e Pupillo atrás da bateria, a banda desta turnê ainda conta com Pedro Sá (guitarra), Chicão (teclado), Lucas Martins (baixo) e Hugo Hori (sax e flauta).
Com dois singles já lançados em vídeo – Sublime e Palavras no Corpo – o que mais surpreendeu no novo trabalho de Gal foi a pegada disco music da primeira, com direito a vídeo do grupo FITDance ensinando a coreografia no You Tube.
“Eu sempre sonhei em gravar um disco com essa sonoridade, com essa pegada disco music, com uma estética anos 70. E o Marcus Preto, diretor artístico e produtor do álbum, foi montando pra mim o repertório do jeito que eu queria”, conta.
Surpreender, aliás, não poderia ser mais natural para Gal, uma cantora com um longo histórico de inquietude e reinvenção.
“Eu gosto de ousar, de mudar, criar novos caminhos e dar saltos dentro da minha carreira. Foi assim com Recanto, com Estratosférica (2015) e tinha que ser assim com esse novo álbum”, afirma.
“Sou uma artista que não tem medo de buscar uma linguagem nova, de me arriscar, me jogar em um trabalho que pode ou não dar certo. Sair da zona de conforto, pra mim, é algo normal”, acrescenta.
Em constante reinvenção desde Recanto (que não por acaso foi produzido por Caetano – e Moreno – Veloso), Gal sabe que, na verdade, essa inquietude não é bem uma fase: é coisa dela, mesmo.
“Concordo. Como eu disse, eu gosto de ousar, de criar coisas novas para a minha carreira. Não é um período (iniciado em Recanto), acho. É uma característica minha, que tenho tentado aplicar nos trabalhos que eu lanço”, diz.
Coração de Mãe Menininha
Gal no estúdio, foto Bob Wolfenson
Com DVD ao vivo já garantido para ser lançado ainda este ano (segundo o colunista do G1 Mauro Ferreira), o show A Pele do Futuro tem um de seus momentos mais emocionantes durante a icônica Oração de Mãe Menininha, apresentada em um fôlego só com a já citada Minha Mãe.
“Essa música uniu a minha voz e a de Maria Bethânia nos anos 70, cantando pra Mãe Menininha do Gantois. Nesse disco novo, cantamos juntas para nossas próprias mães (a minha e Dona Canô), uma música feita por Jorge Mautner e Cesar Lacerda”, conta Gal.
“A ideia de cantar as duas músicas juntas no show é fazer lembrar da beleza da voz de Bethânia, minha irmã da vida toda, além de homenagear nossas mães e Mãe Menininha, que nos guiou e nos inspirou enquanto esteve aqui e até hoje”, acrescenta.
A emoção, claro, tem sido a tônica na reação da galera da audiência. “Tem sido muito bonito ver a emoção da plateia. Estou muito feliz com a repercussão do disco”, diz.
Feliz por um lado, perplexa por outro: “A visão que eu tenho do país hoje, e do mundo também, é que parece que o apocalipse quer chegar. O mundo anda muito violento, tá esquisito”, percebe.
“No Brasil, com as eleições, houve uma radicalidade muito negativa, muito perigosa. E espero que as coisas caminhem para um entendimento melhor”, conclui.
Gal Costa: A Pele do Futuro / Amanhã, 21h / Sala Principal do Teatro Castro Alves (Praça Dois de Julho, s/n - Campo Grande) / Ingressos esgotados / Classificação indicativa: 16 anos
Com shows no Pelô, Mercadão CC e Concha Acústica, Digitália é a pedida da semana
Com Ultrassom nas listas de melhores do ano, o rapper Edgar. Ft Pedro Ladeira
Tranquilamente um dos principais eventos deste verão – quiçá deste ano – em Salvador, o Digitália só poderia mesmo ter saído da mente febril e repleta de ideias de Messias Guimarães Bandeira.
Diretor do IHAC (Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos) da Ufba, pioneiro do indie rock E da cultura digital, Messias une no Digitália seu interesse pelos ambientes virtuais com produção acadêmica com música.
Enfim: é um cruzamento de simpósio com festival de música. Ou uma conferência festiva. Talvez seja melhor deixar o próprio Messias explicar.
Fala, professor: “O Digitália é um ecossistema de circulação de ideias sobre cultura digital, assentada em três eixos: a) uma rede de estudos interdisciplinares da Internet e da Cultura Digital; b) um festival / congresso / observatório de música e cultura digital; c) um ambiente de articulação para pesquisadores, artistas e sociedade civil. Instalado no IHAC/UFBA, o grupo se espraia em diversas iniciativas, a exemplo do festival e debates ao longo do ano”, detalha.
"Creio que isto seja uma das principais virtudes do evento: um mix de festival e produção acadêmica, mas sempre com uma conexão plena com a sociedade, por entender que produzimos conhecimento de diversas formas, orientados pelas demandas culturais e políticas da sociedade. Neste sentido, é bem provável que você encontre, numa mesma sessão de apresentações, pesquisadores, artistas, estudantes e produtores, amparados por temas transversais que conformam interesses comuns, sem os muros entre academia e sociedade", acrescenta.
Como aqui na coluna o espaço é curto e o assunto é música, recomendamos atenção à programação de shows do Digitália, que está supimpa.
De quarta a domingo
A banda sensação Afrocidade, foto Rafael Kent
Abre amanhã, com Bayo (projeto novo do ex-Scambo Graco), no Pátio do Goethe Institut. Na quinta-feira todos os caminhos levam ao Largo Pedro Archanjo, com shows de Nancyta (oi, sumida!), Livia Nery, Radiomundi, Ronei Jorge e DJs.
Sexta, no mesmo bat-local, mais uma maratona de responsa com Versu2, Luê, Rebeca Matta, Giovani Cidreira, Duo B.A.V.I e DJ Riffs.
Sábado é Iemanjá no Mercadão CC (casa do próprio Messias), com Dj AnderBio & UBart Suadera, Grupo Underismo, Roça Sound, Visioonárias, Lurdez Da Luz, Búfalos Vermelhos & A Orquestra de Elefantes, Tom Trujillo e Mendiguz Du Bruklin.
Domingão fecha com chave de ouro na Concha Acústica, com Sonora Amaralina, Afrocidade e o rapper Edgar.
Messias explica como as atrações são selecionadas: "Fazemos uma chamada pública para o envio de propostas, considerando a singularidade de cada artista, seu contexto de atuação e seu papel irradiador. Isto vale para artistas emergentes e aqueles já consagrados, independentemente de gênero musical ou estatura da carreira. Por isso há gente muito nova e uma turma cujo percurso se mostra consolidado. Uma curadoria faz a seleção das propostas, e também temos alguns artistas e conferencistas convidados. Neste sentido, somos muito gratos pela generosidade dos artistas e todos que participam do Digitalia, especialmente pela compreensão da lógica do festival e de suas condições de realização".
“O Digitalia se junta a outras importantes iniciativas na cidade que projetam a nova cena baiana, conjugada a um olhar mais prospectivo do papel da cultura, da música e da tecnologia como agentes transformadores”, afirma.
“Pode soar pretensioso, mas ficaria feliz se alguma coisa mobilizasse as pessoas para acelerar nossa rota de colisão com este país em transe. Daí a capilaridade dos artistas e pesquisadores que participam do festival e a diversidade da programação”, acrescenta.
Dono de belo trabalho próprio (solo e na brincando de deus), o próprio Messias é a única falta na programação: “Não sou lá grande coisa. Nunca vão me chamar. A curadoria do evento armou um complô contra mim. Não tenho chance de passar na seleção”, ri.
Seu 2 de fevereiro é mais rocker na Lavagem da Casa da Trinca (Bardos Bardos). O negócio começa na sexta-feira, 18 horas, com Gigito, Jato Invisível e Stereopolitanos. E segue a partir das 14 horas de sábado com V-Road, Antiporcos, Pastel de Miolos, The Doc’s, Búfalos Vermelhos & A Orquestra de Elefantes e Professor Doidão & Os Aloprados. Os shows são free. A feijoada doidona sai a R$ 18.
Toco Y Me Voy indo
Enquanto o bicho pega no Rio Vermelho, a banda local Toco Y Me Voy segue seu giro baiano, desta vez passando por Itacaré (sexta-feira, 20 horas, na Praça São Miguel), Serra Grande (sábado, 20 horas, na Praça de Serra Grande) e Ilhéus (domingo, 17 horas, na Sapetinga. O grupo completa 10 cidades percorridas de van, com apoio do Edital Setorial de Música da Funceb.
Planet Hemp: Mantenha o Respeito detalha a trajetória e a época da icônica banda de Marcelo D2. Autor está na cidade e faz hoje e amanhã dois lançamentos
Planet Hemp 1994, foto Daniela Dacorso
Há quem se chateie com a afirmação, mas é inevitável: os anos 1990 foram a última década de relevância do rock brasileiro. Agora, uma das principais bandas da época, o Planet Hemp, ganha alentada biografia, assinada pelo jornalista carioca Pedro de Luna.
Hoje e amanhã, Pedro está em Salvador para lançar seu livro Planet Hemp: Mantenha o Respeito.
Hoje é no Bardos Bardos.
Amanhã, ele faz a palestra Planet Hemp e a causa da liberdade de expressão dentro do festival Digitália, no Icba - Goethe Institut (Vitória).
"O Planet Hemp está presente desde o meu primeiro livro, Niterói Rock Underground (1990-2010), lançado em 2011, e apareceu novamente nos livros Brodagens (2016) e coLUNAs (2017). Até que, enfim, tomei coragem para encarar o desafio de escrever sobre uma banda tão polêmica, corajosa e contraditória", conta Pedro.
Além de ser – muito provavelmente – a primeira biografia de fôlego de uma das principais bandas da geração ‘90, há pelo menos duas outras razões para ler Mantenha o Respeito, fruto de dois anos de trabalho do jornalista.
A primeira é que é uma leitura muito envolvente. Íntimo dos seus personagens, de suas obras e caminhos, Pedro pega o leitor pela mão e o transporta direto para a década do grunge, hip hop pré-ostentação e surgimento do mangue beat.
A outra é o detalhismo: com quase 500 páginas e mais de 60 fotos, além muito material gráfico da época, Mantenha o Respeito começa em meados dos anos 1980 e termina com o lançamento do filme Legalize Já: Amizade Nunca Morre (2018), sobre o relacionamento entre Marcelo D2 e Skunk (morto em 1994), os fundadores da banda (ao lado do guitarrista Rafael Crespo).
1997: rapeize do Planet no camarim em Fortaleza, foto acervo Apollo Nove
“Desde o início, meu interesse era contar a história completa, com o máximo de informações inéditas e nos mínimos detalhes, incluindo as revelações de bastidores, mas sempre mantendo a isenção e o respeito. Cada músico foi entrevistado individualmente, com a garantia de que o seu depoimento seria preservado na íntegra. O único que não consegui conciliar agenda foi o BNegão”, conta Pedro.
"Aliás, o primeiro a deixar o Planet Hemp foi o BNegão, em 1996. Desde então ele já entrou e saiu, passou anos brigado com o Marcelo D2, e olha aí, cantando novamente com eles. O guitarrista Rafael foi demitido em 1997, um pouco antes do grupo ser preso em Brasília, e convidado a retornar para o terceiro disco. Entre idas e vindas, chegou a processar a produtora que agencia a banda. O primeiro baterista, Bacalhau, foi demitido em 1998, e deu a volta por cima gravando discos e viajando pelo mundo tocando com a banda Autoramas. Em alguns casos, existia sim uma ponta de mágoa ou rancor, mas nada que o tempo não cure. Agradeço ao editor, Marcelo Viegas, que também foi muito cuidadoso na revisão, para evitarmos os famosos mimimis, que não agregaria em nada ao livro. O resultado está aí. Apesar de ter saído no finzinho de 2018, a biografia já aparece em listas de melhores livros do ano", comemora.
Talvez hoje o impacto do surgimento do Planet Hemp no cenário não seja devidamente dimensionado, mas em 1993, quando o grupo surgiu gritando a plenos pulmões “legalize já”, o escândalo foi inevitável. E não fazia nem dez anos que a ditadura havia acabado.
O fanzine Undergraff (CE) quadrinizava letras do PH
Com o imenso sucesso do primeiro álbum, Usuário (1995) e depois do segundo (Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para, 1997), o inevitável aconteceu: a banda toda foi presa em Brasília, naquele mesmo ano de 97.
"Um dos grandes desafios do jornalista, e nesse caso do biógrafo, é manter o distanciamento crítico. Eu já havia biografado um quadrinista (Marcatti), um pintor (Filipe Salvador) e um professor e parlamentar (Chico Alencar). Principalmente neste último caso, é difícil não cair na tentação da admiração e evitar perguntas mais perniciosas ou fazer um livro chapa branca. No caso do livro sobre o Planet Hemp, tive a preocupação de escrever para todo o tipo de leitor, mesmo o que conhece pouco da banda", afirma.
“Eu queria, antes de tudo, contar uma boa história. A história de jovens artistas que foram perseguidos e presos por cantar a legalização da maconha e defender a liberdade de expressão. O Planet Hemp amargou cancelamentos de shows e pegou vários dias de prisão. Isso sem falar no público, que também apanhava, era extorquido e de vez em quando acabava no xadrez também”, lembra Pedro.
"Claro que o fato de eu ter acompanhado tudo de pertinho facilitou bastante, mas eu sempre lembrava que a pessoa poderia morar num rincão do Brasil e precisava ser didático, explicar em detalhes. Por isso decidi colocar um mapa do Rio, com os lugares mais frequentados pela banda nos anos 1990, para situar o leitor geograficamente, entender os seus deslocamentos pela cidade. Tenho essa preocupação de ser 'professoral', inclusive escrevendo muitas notas de rodapé e inserindo referências. Teve gente que me escreveu dizendo que conheceu vários artistas a partir disso. Por que a pessoa foi na internet e buscou o som do artista pra ouvir", conta.
Contexto é tudo
10 de janeiro de 1996: o PH estreia em Salvador, Foto Sora Maia
Completíssima, a biografia de Pedro para o Planet detalha não apenas a trajetória da banda – como toda biografia de respeito, ele contextualiza todo o ambiente em que a banda estava inserida, detalhando a intensa movimentação de bandas, festivais, produtores, fanzines, rádios, emissoras de TV e casas de show da época.
Dois exemplos são as trajetória do Garage Art Cult, histórico inferninho carioca, e da banda pernambucana Jorge Cabeleira & O Dia em Que Seremos Todos Inúteis, companheira de palco do Planet várias vezes, inclusive no primeiro show do PH em Salvador, em 10 de janeiro de 1996, com a local The Dead Billies.
“O maior desafio foi a pesquisa. Tive que partir quase do zero, apenas com meu acervo pessoal para reconstruir a cronologia da banda e situar os depoimentos no tempo. Foram dezenas de entrevistas com integrantes, ex-integrantes, produtores, jornalistas, músicos, fãs, parentes e amigos. Tudo devidamente registrado em texto, áudio e, em alguns casos, vídeo”, conta.
"Biografar uma banda do início dos anos 1990 é como garimpar uma pedrinha de ouro. Os poucos registros disponíveis estão em vídeos na internet e na imprensa da época, o que é fundamental para montar uma cronologia precisa. Nos panfletos de shows, por exemplo, raramente tem o ano do evento, apenas o dia e o mês. Eu tive que ir de casa em casa recolhendo fotos, flyers, cartazes e reportagens, além de contar com a ajuda de fãs e amigos, que colaboraram pela internet. No livro estão pouco mais de 60 imagens, mas eu tenho centenas delas. Esse material precioso compõe, provavelmente, o maior arquivo sobre o Planet Hemp no Brasil. Foi um trabalho duro e solitário, mas muito recompensador", acrescenta.
Uma coisa interessante é que o próprio Pedro ainda não havia se ocado que o livro dele é (como já disse acima) muito provavelmente a primeira biografia aprofundada de uma banda de rock da geração 90, que ainda está por ter seu valor e sua importância para a música brasileira (e mundial) devidamente avaliada.
Pedro de Luna, foto Elza Cohen
"Olhando a minha estante, achei dois (livros) sobre o manguebeat, mas não são exatamente uma biografia de artista. Também existe um livro sobre o show dos Raimundos em Santos (1997) quando oito jovens morreram na saída da apresentação. Há uma biografia do Marcelo D2 (lançada há mais de 10 anos e fora de catálogo) e uma sobre o Marcelo Yuka, mas nenhuma sobre O Rappa. Então acho que você está certo, pode ser mesmo a primeira de algum artista dos anos 1990, o que é uma grande honra. Obrigado pela observação! A geração do rock nacional dos anos 1990 foi muito importante por várias coisas, mas sobretudo pela fusão de ritmos. Os Raimundos misturavam forró com hardcore, o Planet Hemp mesclou o rap e o rock, Chico Science & Nação Zumbi incorporou a ciranda, o maracatu e outras manifestações regionais. Só para citar alguns casos. O Planet teve, ainda, o mérito de ser a primeira banda de rock (DE ROCK!!! Hip hop não vale) a ter o DJ como integrante oficial e a colocar dois vocalistas cantando sem tocar instrumentos. Em alguns casos, até três: D2, Black Alien e BNegão. Também é importante lembrar que essa geração 90 bradou a todos os pulmões contra o sistema que está aí até hoje: desigual, violento e corrupto. As bandas de rock e hardcore não poupavam os políticos, a mídia e nem a polícia. Na virada do século, com a onda emo, o discurso se amenizou e, ao invés de contestar, as bandas em ascensão falavam de temas leves como o amor e a amizade", observa.
O Planet foi provavelmente uma das bandas / artistas mais perseguidos pelas forças da lei na história da música brasileira. Isso, em plenos anos 90, pós-redemocratização. Mas, quem estava atento na época deve lembrar que era uma questão que mobilizava mais as instâncias "oficiais": polícia, MP etc. Hoje a repressão parece vir da própria sociedade, um retrocesso (como tantos), que não passa despercebido nem pelo autor, nem pelos músicos.
Fanzine Undergraff, de Fortaleza
"O crescimento do conservadorismo é mundial, vide a ascensão da extrema direita e a xenofobia em vários países do mundo. Talvez, com as redes sociais, os reacionários apenas saíram do armário. É muito triste ver o discurso de ódio de parte da sociedade contra os negros, as mulheres, o público LGBTIQ, os pobres e os ditos maconheiros. Há dois mil anos Jesus já dizia para 'amar ao próximo como a si mesmo', independente das diferenças. Enquanto em países como EUA, Canadá e Portugal, bem como nossos vizinhos da América do Sul estão fortalecendo a economia regulamentando o uso medicinal e recreativo, o Brasil está prestes a sofrer um retrocesso. Acho que o livro vem em boa hora pois é importante respeitar as diferenças e o livre arbítrio de cada um. O Planet inspirou várias bandas canábicas pelo Brasil, como a carioca Korja, e continuará inspirando tantas outras que também acreditam que – como diz a letra da música Legalize Já - 'uma erva natural não pode te prejudicar'. Lançada em 1995 no disco Usuário, ela dizia que 'o álcool mata bancado pelo código penal, onde quem fuma maconha é que é o marginal'. Basta ver as estatísticas de trânsito. Muitos (mas não todos) dos que matam ao volante são os mesmos que frequentam templos religiosos, que batem na esposa e nos filhos, que vestem a camisa da seleção brasileira, que enchem a cara e depois saem de carro. Infelizmente a hipocrisia continua", afirma.
Infelizmente, nem sempre é possível agradar a todos. No finalzinho de 2018, logo depois de o livro ter saído, a Na Moral, produtora do Planet e de Marcelo D2, soltou uma nota desautorizando o livro. Pedro e a editora Belas Letras responderam com outra.
“A exposição pública e pessoal foi desnecessária. Tanto que emitimos uma nota oficial e todos os posts foram removidos das páginas da banda. O próprio Marcelo D2 me ligou no dia em que saiu uma matéria n´O Globo me dizendo que estava triste com aquela polêmica causada pelo empresário, e somente por ele, que ficou com o ego ferido. Claro que a produtora foi importante, mas o Planet Hemp é muito maior que ela. O Planet se tornou mais que uma banda, virou uma causa. Uma causa pela legalização da maconha e a liberdade de expressão. E, mais recentemente, Marcelo D2 virou um ícone de resistência contra o presidente eleito”, rebate Pedro.
Finda a maratona de lançamento de Mantenha o Respeito, o jornalista já pensa em seu próximo livro: "Quase junto ao livro do Planet Hemp lancei Histórias do Porão, sobre os 20 anos do festival Porão do Rock, de Brasília, então estou com dois lançamentos para trabalhar bastante este ano. Claro que não me falta vontade, mas preciso avaliar por que escrever um livro exige tempo, disciplina e sacrifica a vida familiar, sem necessariamente dar um bom retorno financeiro", afirma.
"O pessoal que já leu Planet Hemp: mantenha o respeito está pedindo para eu escrever outras biografias. Entre os mais votados estão Raimundos, Charlie Brown Jr e Chico Science & Nação Zumbi. São ótimos nomes, mas para encarar preciso de uma boa proposta e da anuência dos envolvidos. Mesmo sem a autorização formal, é mais bacana escrever quando o biografado está remando junto no mesmo barco, conclui o autor.
Lançamentos: Hoje, 19 horas, no Bardos Bardos (Rio Vermelho) / Amanhã, 17 horas, no Digitália (Instituto Goethe) / Entrada gratuita Planet Hemp: Mantenha o Respeito / Pedro De Luna / Belas Letras/ 497 p./ R$ 69,90/ www.livrodoplanet.com.br
Apesar de falho, Creed II mantém viva a chama da franquia Rocky no cinema, ao confrontar o dilema da vingança versus redenção em filme que fala alto aos fãs da mitologia da série
"Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de coisas quem nem posso acreditar"
Tinha tudo para ser uma simples história de vingança.
Creed II, porém, acertou ao evitar o caminho mais fácil, optando por transformar o embate entre os filhos de Apollo Doutrinador Creed e Ivan Drago em uma jornada de autoconhecimento e superação do ódio.
Continuação de Creed (2015), que vem a ser uma continuação da franquia Rocky, de Sylvester Stallone, Creed II se conecta mais diretamente à Rocky IV (1985).
Neste filme, Apollo (Carl Weathers) é morto em pleno ringue por Ivan Drago (Dolph Lundgren), o super lutador soviético, então símbolo do regime “inimigo”, na época da Guerra Fria.
Stallone, com seu olhar de peixe morto e uma peruca invocada
Apollo é então vingado pelo seu melhor amigo: Rocky Balboa, que viaja a Moscou e, depois de muito apanhar, claro, derruba Drago.
30 e poucos anos depois, Ivan Drago ressurge na Filadélfia (onde vive Rocky), acompanhado pelo filho, Viktor (o lutador romeno Florian Munteanu), para desafiar o herdeiro de Rocky e Apollo: Adonis Creed (a estrela em ascenção Michael B. Jordan).
O jovem lutador, claro, aceita o desafio. Como poderia recusar? É o filho do homem que matou seu pai ao vivo, diante das câmeras, dando a cara para bater (literalmente).
Conflito estabelecido, Creed busca Rocky, já aposentado, para treiná-lo. Rocky recusa e aconselha o jovem lutador a evitar a luta, já que há tanto sentimento envolvido.
Em meio a tudo isso, Bianca (Tessa Thompson), esposa de Adonis, aceita seu pedido de casamento e revela estar grávida. E quem quiser saber mais, que vá ao cinema.
Viktor e Ivan Drago: personagens de potencial, mas mal aproveitados
Olhar de peixe morto
Dirigido por Steven Caple Jr., Creed II está longe de ser um filme perfeito.
Para começar, a história da ruína de Ivan Drago e filho após a derrota para Rocky poderia ser bem melhor detalhada – daria um outro filme, praticamente.
Ivan, aliás, é tranquilamente o personagem mais subestimado e mal aproveitado pelo filme.
Quando o filme começa, Ivan e Viktor estão na Ucrânia dos dias de hoje. À medida que Viktor vai ganhando lutas, a elite russa volta a cortejar o velho lutador e seu filho.
Este, porém, demonstra imensa mágoa pela forma como seu pai foi escorraçado por esta mesma elite nos anos 1980.
Tessa Thompson, a Valquíria de Thor Ragnarok, é a esposa grávida e surda
Mas tudo fica por isso mesmo. O roteiro também não aprofunda o que aconteceu ou por que Ludmilla Drago (Brigitte Nielsen) abandonou pai e filho, entrando muda e saindo calada em duas cenas.
O drama da gravidez de Bianca, que é deficiente auditiva e teme que sua filha também seja, é apenas arranhado pela superfície.
A própria luta definitiva entre Adonis e Viktor, enfim, apesar de belamente filmada, é também resolvida de forma brusca e convencional.
Tudo isto leva a conclusão de que, na verdade, o maior adversário de Adonis em Creed II não é Viktor: é ele mesmo.
Ao encarar de frente o trauma da morte trágica do pai, Adonis – beneficiado pela boa atuação de Jordan, que não tem aquele eterno olhar de peixe morto de Stallone – cresce na tela, tornando-se um personagem de grande empatia junto ao público.
Creed dando marretada no deserto durante a inevitável "training montage"
Como não poderia deixar de ser, a redenção de Adonis é precedida por uma fantástica sequência de treinamento sob trilha sonora tonitruante – filme da franquia Rocky sem a motivadora training montage não é filme de Rocky, certo?
De alguma forma, porém, mesmo com todos os defeitos, Creed II acaba conquistando os espectadores, especialmente os que já são fãs da franquia, dada sua profunda conexão com a mitologia original: Apollo Creed, Viktor Drago, Rocky (e seu olhar bovino).
Mais do que mais uma vitória (banal) no ringue, o que vale é a jornada até ela.
Creed II / (Idem, 2019) / Dir.: Steven Caple Jr. / Com Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Sylvester Stallone, , Dolph Lundgren, Phylicia Rashad, Florian Munteanu / Cinemark, Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha, Mobi Cine Salvador, UCI Orient Shopping Barra, UCI Orient Shopping da Bahia, UCI Orient Shopping Paralela
Nei Bahia e Osvaldo Braminha Silveira Jr. destrincham Let It Bleed (1969), o imorredouro clássico dos Rolling Stones que trouxe arrasa-quarteirões como Gimme Shelter, Love in Vain (de Robert Johnson), You Can't Always Get What You Want, Midnight Rambler e a faixa-título.
Considerado o álbum que inaugura a fase criativa mais áurea da banda - afinal, foi sucedido pelas obras-primas Sticky Fingers e Exile on Main Street - Let It Bleed está no centro desta conversa entre os dois rock snobs mais queridos deste blog.
Ao lado, um raro poster que circulou com algumas edições americanas do álbum na época de seu lançamento.
Trilha sonora da apatia e desesperança adolescentes nos anos 1980 / 90, o indie rock, nos últimos dez, 15 anos, desistiu de ser “rock triste”: vestiu um calção e foi à praia, se “tropicalizou”.
Saíram as paredes de guitarra saturadas de distorção, entraram riffs limpinhos de axé music. Porões escuros deram lugar às ensolaradas “micaretas indie” e ao hedonismo de Instagram.
Descrito assim, parece até um bom negócio. Talvez. Pena que a música mudou do vinho pra água.
Eis porque a banda feirense Iorigun é excelente notícia: seu EP Skin é indie rock à vera: sem alegria artificial nem pretensões bestas, à base de guitarras sujas, melodias sombrias, algum desespero.
Mas calma, não é o caso de requentar o cadáver do Jesus & Mary Chain: em suas seis faixas há ecos de pós-punk clássico (In the Edge of Something Big), My Bloody Valentine (Under my Skin), Pixies (Fight To Forget) e até da referência soteropolitana brincando de deus (Hold On) – sem deixar de lado as influências de boas bandas atuais do gênero, como DIIV e Wild Nothings.
“É por aí mesmo, Chico. Mas não que a gente tenha racionalizado, meio que surgiu dessa forma”, confirma Iuri Moldes, vocalista.
“A gente quis fazer um som que, apesar de beber de influências do movimento pós- punk lá dos anos 80, trouxesse um pouco de contemporaneidade também. O objetivo era um som que tivesse um 'feel' familiar mas com um 'look' moderno. O engraçado é que nenhum de nós viveu de fato essa eferverscência dos anos 80, mas por influência dos pais ou curiosidade, meio que crescemos ouvindo”, acrescenta.
Certamente, um bom ponto de partida para entender o som do quarteto é o revival pós-punk de alguns anos atrás.
“Acho que as influências diretas foram o ponto de partida conceitual da banda. Nesse caso bandas como Diiv, The Cure, Wild Nothings, dentre outras. A gente sempre buscou tanto beber da onda revival do post- punk quanto dos 'originais', por assim dizer”, conta.
Lariú se ligou
Iuri Moldes vai pra galera, foto Maíra Morena
Prova que os meninos não são fracos é o selo que lançou Skin: o pioneiro carioca Midsummer Madness, de Rodrigo Lariú, patrono do indie no Brasil.
“Luciano (Ferreira) do site Urge (urgesite.com.br), que já acompanha nosso trabalho e tem certa proximidade com a banda, entrou em contato com Lariú e apresentou nosso som pra ele. Com isso trocamos uma ideia e ele se mostrou interessado em por a Iorigun no catálogo de bandas da Midsummer Madness, o que deixou a gente pra lá de satisfeito”, conta Iuri.
“Curtimos muita coisa em comum e é bom saber que estamos com gente que pensa o som da mesma forma que nós”, observa.
"Todos nós já tocamos em outras bandas da cena feirense, então meio que todo mundo já conhecia os projetos um do outro. Eu (Iuri, vocalista/guitarrista) conheci Moysés (baixista) por um embrião de outra banda idealizada por um amigo em comum. Mas aí percebemos que nossos gostos musicais batiam de uma forma maravilhosa e começamos a idealizar a IORIGUN. E isso foi lá em 2015. Passamos dois anos compondo, aprendendo a gravar, a produzir melhor e de fato encerrando nossas participações em todos os outros projetos musicais pra se jogar de cabeça nesse. Leonel (baterista) e Fred (guitarrista) tocavam juntos em outros projetos e foi uma escolha natural chamá-los pra compor nosso Dream Team", relata.
Formada por Iuri (guitarra, voz), Moysés Martins (baixo), Fredson Henrique (guitarra) e Leonel Oliveira (bateria) a Iorigun já é uma das bandas preferidas deste colunista.
NUETAS
Rock de Brasília
As bandas brasilienses Cadibode e Agressivo Pau Pôdi fazem a Terça Independente! hoje, no Bardos Bardos. A banda local Chocolate com Blues faz as honras da casa. 19 horas. Jazz na Avenida X 2
O evento Jazz na Avenida comemora cinco anos com dois dias de show. Na quinta-feira a banda B. B. Blues recebe o gaitista convidado Luiz Rocha. E na sexta o esquema é com Mariella Santiago e o saxofonista argentino Remo Bianco. Na Associação Projeto Jazz Na Avenida, na orla da Boca do Rio. 18 horas, grátis.
Hype em Stella
Márcio Mello, Restgate Blues, Tabuleiro Musiquim e outros tocam sábado no Hype Festival. Na praça em frente ao Gran Hotel Stella Maris.
HQ Contos dos Orixás, belo projeto do artista Hugo Canuto, traz as divindades africanas sob a estética do lendário Jack Kirby. Lançamento hoje, no Teatro Sesi
Em 1962, os magos da Marvel Comics Stan Lee (roteiros) e Jack Kirby (desenhos) resolveram adaptar a mitologia nórdica para lançar um novo personagem. Nascia assim a versão cultura pop de Thor, deus que os antigos vikings acreditavam controlar os trovões.
Em 2016, o arquiteto e artista visual Hugo Canuto uniu sua admiração pela arte de Kirby com sua paixão pela mitologia iorubá. Nasceu assim a HQ baiana Contos dos Orixás, uma vibrante aventura estrelada por antigos deuses africanos, a partir da estética pop de Jack Kirby.
Com lançamento amanhã no Teatro do Sesi, a graphic novel de Canuto nasceu a partir de uma série de 16 pôsteres unindo os dois mundos: o das HQs e o dos orixás.
Cada poster reproduzia alguma capa icônicas de Kirby para a Marvel. The Orixas, por exemplo, reproduz a capa de The Avengers (Vingadores) nº 4, de 1966 (arte ao lado).
Publicadas nas redes sociais, as artes de Canuto chamaram a atenção dentro e fora do Brasil, sendo inclusive expostas em galerias nos Estados Unidos (Fowler Museum, da UCLA, Universidade da Califórnia) e na Inglaterra (Fashion Gallery, em Londres).
Com a ótima repercussão, Hugo partiu para a criação de uma HQ com todos aqueles personagens fascinantes.
Abriu uma campanha de crowdfunding (via plataforma Catarse) e acabou angariando o triplo da meta pretendida. A HQ, que inicialmente teria apenas 60 páginas dobrou de tamanho, com 120.
“Os Contos dos Orixás são parte de um projeto que adapta os mitos e lendas sobre as divindades provenientes da África Ocidental, através das histórias em quadrinhos – dentro de uma linguagem artística, respeitando as tradições”, conta Hugo.
“O início da jornada deu-se a partir de uma convergência de paixões. A primeira delas, pelo legado das civilizações africanas que moldaram minha terra de origem: a Bahia e sua ancestralidade, representadas aqui pelos Itan, conjunto de narrativas ligadas aos Orixás, arquétipos milenares de força, coragem e sabedoria”, acrescenta.
A outra paixão, óbvio, são os quadrinhos e a arte do “Rei”: Jack Kirby: “Acrescento o encanto pela força narrativa das Histórias em Quadrinhos, linguagem global que reinterpreta os mitos nos dias atuais. Em 2016, reuni os dois mundos em uma homenagem ao ‘Rei’ Jack Kirby, artista, escritor e criador de personagens icônicos cuja narrativa épica de composições dinâmicas, permeadas por paisagens cósmicas, ainda hoje encanta gerações de leitores”, afirma.
Em sinal de respeito à religião, Canuto fez uma grande pesquisa sobre os orixás, tanto em livros de referência (citados em bibliografia no final da HQ), quanto assessorado pessoalmente.
“Ao longo de dois anos e meio, estive com sacerdotes, acadêmicos e autores que, com generosidade, compartilharam um pouco de sua sabedoria, leram o material e nos acompanharam, como o Mawô Adelson S. de Brito, que conheci no curso de língua e Cultura Yorubá”, conta.
Continua na próxima edição
Na HQ, acompanhamos as lutas de Xangô, Senhor do Trovão – nada mais adequado do que ter a contraparte africana de Thor como protagonista –, Oxum, Elegbá e os guerreiros do Orum (o mundo espiritual) contra os Ajogum, adversários da humanidade, a qual vive no Aiyê (o mundo físico).
Que não se espere a profundidade psicológica de uma HQ do Alan Moore (Watchmen) ou a fluidez narrativa de Brian Michael Bendis (Alias: Jessica Jones): o que vale, ao menos nesse primeiro momento, é o encanto visual da arte, que é espetacular –e o dinamismo das páginas.
Canuto, de fato, é um aluno aplicado de Kirby: como nas melhores HQs do Rei, seus personagens parecem estar sempre prontos a saltar da página – majestosos em seus trajes detalhados, com armas características e envoltos em energias cósmicas insondáveis.
Para um primeiro volume, já está de muito bom tamanho. Sim, por que haverá outros: “Sim, planejamos mais dois volumes, com certeza. Mas como costumo fazer uma pesquisa profunda antes de cada projeto, então não há uma previsão (de lançamento) ainda”, conta Hugo.
“Começamos a tradução em inglês e francês, e em breve anunciaremos novidades. Se puder, coloque meus agradecimentos a Mãe Carmen, Ialorixá do terreiro do Gantois, Mãe Angela, Iá Kekerê, que nos deu apoio ao longo do trabalho, e a comunidade do terreiro”, conclui.
Lançamento: Conto dos Orixás, de Hugo Canuto / Hoje, 19 horas / Teatro Sesi Rio Vermelho / Evento gratuito Conto dos Orixás / Hugo Canuto / Independente - Catarse / 120 p./ R$ 45/ Vendas: www.facebook.com/ContosdosOrixas
Baixista com vasta folha de serviços prestados na Bahia e no Brasil, Fernando Nunes se apresenta com trio e convidados
Fernando Nunes e seu Hofner
O som grave do contrabaixo elétrico é a pedida de hoje na Varanda do Sesi Rio Vermelho. Mas não qualquer baixo: é o show do Fernando Nunes Trio, liderado por um dos maiores representantes vivos do instrumento no Brasil.
Atualmente integrante da banda de Zeca Baleiro, Nunes tem uma vasta folha corrida de serviços prestados à música popular brasileira: aos 53 anos (incompletos), ele é músico desde os 12, quando começou em Alagoas.
Aos 19, veio à Bahia em plenos anos 1980.
Aqui participou dos primórdios – e do auge – da axé music, tocando e gravando com grandes nomes do gênero, como Sarajane , Luís Caldas, Banda Beijo e Margareth Menezes, entre outros.
Em 1993, mudou-se para São Paulo, onde reside até hoje.
Tocou com um verdadeiro ABC da MPB, que vai de Armandinho a Zeca Baleiro, passando por Caetano, Baby, Ivan Lins, Erasmo, Cássia Eller, Chitãozinho & Xororó, Sandra de Sá, Frejat e por aí vai.
“O show tem músicas minhas e também faz uma homenagem, celebrando minha carreira e os artistas com quem toquei , que me transformaram no músico que sou hoje”, conta Fernando.
Músicos alta performance
No repertório, clássicos como O Eterno Deus Mú Dança, de Gilberto Gil, e músicas autorais, como Bairro da Levada.
No show de hoje, apreciadores da arte do baixo em particular e da música em geral poderão curtir o talento versátil deste experiente músico, que se apresentará acompanhado de outras duas feras: Tony Augusto (guitarra) e Igor Galindo (bateria).
Outros dois músicos pioneiros da axé, contemporâneos de Fernando, participam da sonzeira: Cesário Leoni (baixo) e Luizinho Assis (teclados).
“Quando morei aqui, numa época pré-axé music, via Cesário tocar nos bares e festivais Instrumentais e logo minha admiração foi instantânea. Ficamos amigos e chegamos a fazer um duo, gravado na TV Educativa”, conta Fernando.
“É uma amizade musical já antiga, que fica longe de um duelo (de baixos) e mais perto de uma conversa musical grave entre amigos. Outro amigo que também participará é Luizinho Assis, meu mestre musical”, acrescenta.
Cobra criada no celeiro de músicos de alta performance gerado na indústria do axé, Nunes afirma que, de fato, o fenômeno tem sua importância: “Acho o axé de uma extrema importância, pois bebi dessa fonte mágica e me transformei em um músico melhor depois que passei pela Bahia”, diz o músico.
“Tocar música baiana não é para os fracos. Primeiramente, tem que ter muito suingue”, acrescenta.
Djavan cai no reggae
Nunes, foto Marcos Hermes
Além de músico de palco e estúdio, Nunes também atua como produtor fonográfico.
Seu último trabalho, em parceria com o produtor BiD (Funk Como Le Gusta) é um dos xodós da estação em certos círculos descolados: “Acabei de produzir um disco em homenagem ao Djavan em ritmos jamaicanos chamado JAHVAN: Djavan Goes Jamaica, cada faixa tem uma estrela da nossa música brasileira”, conta.
“Tem Arnaldo Antunes, Seu Jorge, Zélia Duncan, Criolo, Chico César, Ivete Sangalo, Fernanda Abreu, Zeca Baleiro, Black Alien, Rincon Sapiência, Dada Yute, Zé Ricardo, uma verdadeira constelação. Está sendo bem tocada no verão”, enumera Fernando.
Além desse, ele em breve começa a trabalhar também em seu primeiro álbum solo: “Finalmente”, percebe.
“Me sinto agradecido por ter passado pela Bahia e conhecido tanta gente generosa e me contagiado por essa terra que me trouxe e traz tanta alegria à minha alma, na minha música e que me faz feliz em saber que sou também baiano de coração”, conclui.
Fernando Nunes Trio: Lavagem Instrumental / Participações: Cesário Leoni e Luizinho Assis / Hoje, 22 horas / Varanda do Sesi / R$ 30 / Infos e Reservas: 71 99247-7844 / 99686-9963
Hoje na Sala do Coro: Paquito apresenta novo repertório cheio de altas parcerias
Paquito, foto Uanderson Brittes
Músico, compositor e produtor de enorme talento, Paquito andava meio deprê em 2016. Acontece.
Entra em cena Cândido Amarelo Neto, músico e produtor local também muito querido no meio, que resolve dar uma mão ao amigo, levando-o ao estúdio, onde começam a trabalhar as últimas composições de Paquito.
O primeiro fruto da parceria é o show Paquito Simplesmente, que o ex-Flores do Mal apresenta hoje, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves.
“Sou eu com meu violão de cordas de aço e talvez, em algumas canções, eu toque piano. Por isso, Paquito Simplesmente: a canção sem adereços, desnudada”, afirma.
"Como tem muito tempo que não faço show autoral, o repertório é inédito, com exceção de Brisa, minha 'parceria' com Manuel Bandeira, gravada por Bethânia. Por outro lado, como é um show despojado, se houver pedidos pra que eu toque alguma canção de outros trabalhos, posso fazê-lo", avisa.
Mas como dizia o outro lá, “antes amigos na praça do que dinheiros no banco”.
E que amigos tem Paquito.
Ao longo do trabalho com Amarelo – e depois com André T. –, dois nomes do primeiro time da MPB se juntaram ao trabalho: Caetano Veloso e Chico César.
Com o primeiro, gravou em dueto a canção chamada Barulhento.
E com César compôs O Monstro, já liberada no You Tube, em clipe dirigido por Marcondes Dourado.
Pensa que acabou? O não menos ilustre Gerônimo assina com Paquito a faixa Porto de Chegar, homenagem ao inescapável Porto da Barra.
Nada mal para quem curtia uma fossa.
“A fossa passou, gravamos um bom material. Mas Amarelo não pôde continuar, e agora quero terminar o que faltou e mixar, mas faltou dinheiro. Me inscrevi em vários editais, sem ter sido contemplado”, conta.
“Caetano gravou uma participação em janeiro de 2018, o que me deixou emocionado. E tenho que dizer que as canções que gravei e vou cantar no show estão azeitadas por conta do trabalho com Amarelo. Trabalhamos duro. O resultado de disco e show devo à parceria com ele”, relata.
Profundamente baiano
"Faz aquela coisa engraçada com a voz?" Foto Anna Amélia de Faria
Jequieense de nascimento, soteropolitano de coração, Paquito exercita neste novo repertório uma veia de cronista do cotidiano.
O Monstro é sobre vocês sabem quem.
"Eu e Chico (César) somos amigos há anos e tínhamos feito uma canção, 'Crença', gravada por Renato Brás. Em 2015, escrevi a letra de O Monstro e mandei pra ele ano passado. Ele pôs a melodia e eu quis gravar logo", conta.
“O conceito do disco é difuso, a partir da diversidade das canções. Melô do Aquecimento Global e Eu Quero Ser Fruta, minha e de Álvaro Lemos, dialogam com O Monstro por serem temas de agora. Já Barulhento trata de poluição sonora, um assunto muito baiano, de maneira poética. E tem, como sempre, minhas canções de amor e desamor, pois sou eminentemente um romântico ácido”, conta.
“Porto de Chegar, com Geronimo, nós fizemos para o Porto da Barra, meu maior amor da Bahia, meu símbolo vivo de pertencimento. Compor com Geronimo me faz sentir profundamente baiano. Já temos quatro parcerias”, diz.
Como o disco não tem previsão de lançamento, o conselho pra quem ficou curioso é: vá ao show de hoje.
"(Em 2019) Quero lançar esse disco, pois há 10 anos não lanço nada autoral. E que vençamos o monstro", conclui Paquito.
Paquito Simplesmente / Hoje, 20 horas / Sala do Coro do Teatro Castro Alves / R$ 30 e R$ 15
NUETAS
Fernando Nunes Trio
Baixista renomado, Fernando Nunes (Cássia Eller) faz quinta-feira o show Lavagem Instrumental com seu trio e participação do igualmente lendário Cesário Leone. Varanda do Sesi, 22 horas, R$ 30.
A Horda chegando
A banda baiana Horda faz pocket show para lançar o single e o clipe Santo Forte. Sexta-feira, 20h30, na Sport House Motorcycle (Estrada do Côco, Km 4.5). Entrada gratuita.
Exoesqueleto no BB
Exoesqueleto faz som no Bardos Bardos. Sábado, 19 horas, pague quanto puder.
Lazzo no Goethe
Mestre Lazzo Matumbi faz show sábado no evento Toca!. 20 horas, Pátio do Goethe-Institut, R$ 25 e R$ 50.
Projeto do maestro Hugo Sanbone, a Sanbone Pagode Orquestra lança primeiro álbum com show de lançamento amanhã
Hugo (centro) e a SPO, foto Tayyla de Paula
Se você acha que conhece o pagode porque seu vizinho curte um “paredão”, prepare-se para rever seus conceitos.
Idealizada e liderada pelo maestro Hugo Sanbone, a Sanbone Pagode Orquestra oferece uma outra abordagem ao som das ruas de Salvador em seu álbum de estreia, Sinfonias de Pagode.
Amanhã, o grupo faz show de lançamento da obra à preços populares.
À moda da Orkestra Rumpillez, que uniu o jazz aos tambores do terreiro, Sanbone (que não por acaso, já integrou o grupo de Letieres Leite), foi bastante bem-sucedido em sua alquimia de união do popular pagodão baiano em chave sinfônica / jazzística.
No álbum, já disponível digitalmente, é possível identificar perfeitamente características tanto do pagode (o peso e a quebradeira da percussão, os ruídos de sintetizador), quanto do jazz sinfônico (desenhos melódicos complexos, harmonias em contraponto).
De fato, um feito e tanto. “O fator principal é respeitar a música”, resume Sanbone.
“Dessa maneira, como me atrai música de concerto, pagode e jazz, disponho nesse trabalho toda essa referencialidade: estudo, leitura, dedicação, entrega, suíngue, balanço, festa e disciplina e respeito pela música como sustentáculo fundamental para toda essa manifestação”, detalha o maestro.
Dessa forma, as oito faixas de Sinfonias de Pagode se prestam ao que o ouvinte bem entender: “Dá pra unir todos os fins: dançar, contemplar, ler partitura, groovar. O Brasil é um pais multicultural, somos plurais, a Bahia é multifacetada. Temos de tudo de bom por aqui”, afirma Hugo.
Concertos de verão
Sergipano residente na Bahia há 20 anos, Sanbone conta que a ideia da Pagode Orquestra lhe veio naturalmente, da vivência mesmo: “Vem do ambiente de filarmônicas, orquestras, big bands, fanfarras, charangas e grupos de sopros, todos muito comuns no nordeste”, conta.
“A disposição instrumental desses grupos influenciou e contribuiu muito para essa configuração, tanto no conceito das obras inspiradas nas concepções da música erudita, bem como pela expansão e potencialidade que a música afro-baiana dos guetos de Salvador apresenta”, detalha.
Disco lançado, agora é a correria para toca-lo nos palcos.
“Estamos estudando propostas de ensaios e Carnaval. Já temos atividades confirmadas com o Popelô (Polo de Orquestras do Pelourinho), corpo que temos a honra em compor desde 2007”, conta Hugo.
Em tempo: disco e show da SPO foram viabilizados pelo edital Gregórios, da Fundação Gregório de Mattos / Prefeitura de Salvador;
Sanbone Pagode Orquestra: Sinfonias de Pagode / Amanhã, 19 horas / Espaço Cultural Barroquinha (Igreja da Barroquinha) / R$ 8 e R$ 4
O cantor pernambucano Johnny Hooker traz à Caixa Cultural seu show Maldito!, com repertório só de canções clássicas que o influenciaram desde a infância
Johnny vai á guerra! Fotos Luca Oliva
O estilão visceral do cantor pernambucano Johnny Hooker aplicado em canções clássicas que o influenciaram: assim se pode resumir Maldito!, o show / tributo que ele traz à cidade neste fim de semana, em quatro sessões a partir de amanhã, na Caixa Cultural.
As canções que Johnny incluiu no repertório passam pela MPB “marginal” de Jorge Mautner (Lágrimas Negras), Jards Macalé (Movimento dos Barcos e Vapor Barato) e Sérgio Sampaio (Botar Meu Bloco na Rua), homenageiam Caetano Veloso (Esse Cara) e Monsueto (Mora na Filosofia) e ainda dá um voo rasante no pop rock internacional, com canções de Madonna (não divulgada), Prince (Purple Rain) e David Bowie (Heroes).
Enfim, é um show de memória afetiva (mas não só). Ainda assim, como mexe com afetos, é sempre complicado montar um repertório para este tipo de show.
“Exatamente. Quando você para pra pensar o leque de referências, de músicas que marcaram a sua vida, é muita coisa. Mas, acredito que conseguimos fazer uma seleção que, embora não inclua todo mundo que eu gostaria, representa bastante do universo que me ‘construiu’, por assim dizer”, conta Johnny, em entrevista por email.
“Quando eu canto Vapor Barato, estou cantando Jards, mas também estou referenciando Gal, então em algumas músicas dá para abarcar o universo em torno das canções também e, assim, incluir mais coisas”, acrescenta.
Salvo raras exceções (aqueles que não tem gosto), costumamos desenvolver nosso gosto musical em dois momentos: primeiro, ouvindo o que nossos pais ouvem em casa.
Depois, desenvolvemos nosso próprio imaginário, descobrindo aquilo com o que nos identificamos – via TV, rádio, internet e dicas dos amigos.
No show, Johnny dividiu esses dois momentos em três: passado, presente e futuro.
“Primeiro, passeamos pela infância, meus primeiros anos no Recife, meus pais, a efervescência cultural que se deu na cidade nos anos 90 e que eu pude experienciar”, conta.
“Depois, partimos para um bloco mais de comentário político e de como o Brasil, por não encarar de frente suas principais questões, como a desigualdade e o racismo, tropeça em si mesmo permanentemente. É um comentário sobre o autoritarismo e o conservadorismo, que são duas coisas extremamente presentes na nossa sociedade desde sempre”, afirma.
A terceira parte é a utopia, o futuro projetado que nunca chega, mas o qual jamais devemos deixar de desejar.
"Olhe nos meus olhos. Você está com sono, muito sono"
“A terceira parte imagina um novo futuro possível, um novo desenho, ou como gostaríamos que fosse esse desenho. Nesses tempos a utopia, o sonhar, são mais necessários do que nunca. Quis fazer um show com o título de Maldito!, mas que, na verdade, fala sobre família, amor, resistir, sonhar. Ninguém solta a mão de ninguém”, exorta.
Johnny está atento
No palco, Johnny se apresenta acompanhado de quatro músicos: Joana Cid (baixo), Artur Danta (teclado), Tiago Duarte (bateria e percussão) e Felipe Rodrigues (guitarra).
Feliz por se apresentar em Salvador, Johnny parece estar mais ligado na produção musical contemporânea local do que muita gente por aí: “Eu amo a Bahia e a cidade está muito presente no imaginário do meu segundo disco, Coração (2017)”, afirma.
“Estou sempre atentíssimo a produção musical do estado, que como Pernambuco, também está sempre revelando novos artistas incríveis. Tenho escutado Luedji Luna, Xênia França, Hiran, Majur... É muita gente talentosa e com muita coisa a dizer”, afirma.
Para concluir, segue um apelo do artista: “Seria um sonho participar do Carnaval de Salvador este ano ainda! Nunca participamos do Carnaval daí, apesar dele fazer parte do nosso imaginário da maneira mais linda possível! Será que tem um palco pra gente?”. Com a palavra, os produtores.
Johnny Hooker: Maldito! / De hoje à domingo / 20 horas (De hoje à sábado) e 19 horas (domingo) / CAIXA Cultural Salvador / R$ 30 (Inteira) e R$ 15 (Meia) / 12 anos
A trinca de selos lança Anuário Rock Baiano Vol. 2, resumindo o que de melhor saiu ano passado. Ouça djá!
Big, um limão, Tony e Wilson. Foto: Wilson
Se o underground baiano ainda respira, boa parte da culpa (não toda, claro) é desses três senhores da foto: Rogério "BigBross" Brito, Tony "Reverendo T" Lopes e Wilson "PDM" Santana.
Velhos chapas do rock local, cada um deles tinha – tem – seu próprio selo fonográfico: BigBross Records, São Rock (de Tony) e Brechó Discos (de Wilson).
Há alguns anos, começaram a unir forças em torno do que passaram a chamar de Trinca de Selos.
Agora, lançam juntos o Anuário Rock Baiano Vol. 2, no qual fazem um resumo de tudo o que a Trinca lançou ao longo de 2018.
“É uma coletânea com uma música de cada banda / artista. Tive essa sacada em 2017, pessoal sempre perguntava o que havíamos lançado, aí resolvi soltar essa coletânea”, conta Wilson.
“O volume 1 teve uma repercussão muito boa, saiu em vários blogs, revistas e vlogs. Rodou festivais, congressos e exposições através do card music que fizemos. Quem recebia o card poderia baixar o álbum que fica hospedado no (site) Bandcamp”, acrescenta.
"Na real, somos 3 selos (Brechó Discos, Bigbross Records e São Rock Discos), aí eu costumava, em todas as postagens que fazia sobre artistas/bandas da Bahia, usar a hashtag #aquitemrockbaiano. Há alguns anos atrás fiz um adesivo com essa hashtag e coloquei as 3 logomarcas. A partir disso a galera começou a nos citar como 'a trinca'. Como nos mantemos? Com muito trabalho, muita coragem e a necessidade de manter a cena ativa", relata.
Programando 2019
Depois da lata d'água na cabeça, o chope no juízo. Foto: Tony
Com 29 faixas, o Anuário reúne desde o pop rock radiofônico de Duda Spínola e Nalini ao HC irado de bandas como Antiporcos, Pastel de Miolos e Jacau, passando por rock em vários estilos (Declinium, Doutor Doidão & Os Aloprados, Tryxx Bomb, Organoclorados), blues (Casapronta), sons experimentais (Exoesqueleto, Reverendo T, Elefantes Elegantes) e até jazz (Itapuã Jazz).
“Qualquer um que esteja na cena, em plena atividade, produzindo, que realmente queira ver seu trabalho chegar nas mãos de pessoas formadoras de opinião e que não tenha uma postura ‘reaça’ (pode lançar seu trabalho pela Trinca)”, afirma Wilson.
“Sempre que alguma banda / artista nos procura, tenho essa preocupação de verificar esse posicionamento. Ouço as músicas, procuro me informar sobre a banda e explico como trabalhamos: a banda não tem nenhum vínculo contratual conosco, não fica ‘presa’. Deixamos claro a forma que trabalhamos e que o ‘sucesso’ não dependerá dos selos. Somos apenas parte dessa engrenagem. A força motriz mesmo é a banda/artista”, afirma.
"Estamos nessa por que acreditamos na arte / música. Se a música é boa, feita com sinceridade, pode ser qualquer estilo dentro nicho 'alternativo'. Temos desde bandas de música instrumental, até metal extremo", detalha.
Sempre ativa, a Trinca está com várias novidades no forno para 2019, ideais para quem prefere sua música sempre independente e sem jabá.
“Tem muita coisa boa vindo por aí, 2018 foi um ano bem produtivo, foram mais de 30 lançamentos (bandas baianas e 3 bandas do Ceará). Para 2019, temos os trabalhos solo de Cadinho (ex-Cascadura) e Artur Ribeiro (ex-Theatro de Seraphin), o novo EP da Pastel De Miolos gravado/lançado na gringa e que terá distribuição nossa aqui no Brasil. A Declinium tá com material pronto pra gravar, eles fizeram uma campanha de financiamento coletivo pra arrecadar uma grana. Meus Amigos Estão Velhos e Tryxx Bomb vão lançar um single por mês até fechar um EP. Os Tios soltará disco novo com mix de Irmão Carlos, que também está produzindo o novo da banda Vovó do Mangue. O próprio Irmão Carlos soltará um álbum acústico com shows previstos a partir de março. Antiporcos já tem material e nome do próximo EP: 'O bagulho é Torcida'. A nova banda Space Rovers do veterano Jorginho King Cobra está com EP pronto pra soltar por esses dias. Exoesqueleto até junho lançará novo álbum. Os cearenses do Thrunda gravaram novo álbum somente com músicas de bandas importantes da cena Cearense e do Nordeste, entre elas, uma música da Pastel De Miolos. O Bando do Mar vem com novo EP, 'Enquanto o mundo dorme'. Além dos lançamentos, temos o desafio de continuar com o Bardos Bardos Casa da Trinca, e faremos um evento dentro da programação da festa de Yemanjá, tipo uma 'lavagem da Casa da Trinca' comemorando 1 ano de existência da casa”, conclui.
NUETAS
Buenas na área
Baiano residente em São Paulo, Tarcísio Buenas lança seu segundo livro: No Canto da Quadra. Quinta-feira, 19 horas, no Bardos Bardos, com discotecagem do próprio. Buenas é velho chapa do underground local, recomendo.
Sexta instrumental
Mahmed (RN), Taco de Golfe (SE), Ivan Motosserra e Soft Porn são as atrações do primeiro Festival NHL Instrumental. Sexta, 19 horas, no Club Bahnhof. R$ 15 e R$ 20.
Saco de Vacilo Fest
Ordinals (SE), Motim 13 (Pojuca), Derrube o Muro, My Friend is a Gray, Antiporcos, Kalmia, Holocausto R.C., 288, Antiprofeta e Soqueira com Pimenta fazem o Festival Saco de Vacilo 2019. Sábado, 13 horas, no Buk Porão. R$ 10.
Em O Deus da Sacanagem, Gonçalo Junior resgata vida e obra do quadrinista Carlos Zéfiro, o grande pornógrafo responsável pela educação sexual dos jovens nos anos dourados
Se hoje em dia falar de sexo por aí tá dando problema, imagina nos anos 1950 e 60, quando a repressão era muito maior.
Mas como se diz por aí, proibido é mais gostoso.
Daí o imenso sucesso das revistinhas pornográficas de Carlos Zéfiro (1921-1992), responsável pela edução sexual de gerações inteiras de brasileiros.
Agora, o premiado jornalista baiano Gonçalo Junior resgata a figura, a obra e a época do cultuado quadrinista carioca na biografia O Deus da Sacanagem: A Vida e o Tempo de Carlos Zéfiro.
Gonçalo, pode-se dizer, é um especialista no assunto – quadrinhos e mercado editorial, bem entendido.
Ele é autor de duas obras de fôlego, já consideradas clássicas: A Guerra dos Gibis: A Formação do Mercado Editorial Brasileiro e a Censura aos Quadrinhos, 1933 - 1964 (Cia. das Letras, 2004) e A Guerra dos Gibis 2: Maria Erótica e o Clamor do Sexo: Imprensa, Pornografia, Comunismo e Censura na Ditadura Militar, 1964 - 1985 (Peixe Grande, 2010).
Difícil, portanto, pensar em nome mais adequado para biografar Carlos Zéfiro.
O fato é que, em uma época em que as moças não davam antes do casamento, gays e lésbicas não ousavam sair do armário e a pornografia era proibida, qualquer informação sobre sexo – literária ou visual – era muito preciosa.
Nesse contexto, Zéfiro, além de ter ajudado a “aliviar” a tensão sexual da rapaziada abafada, também mostrou a muitos, que até então nunca viram uma mulher pelada (ou um homem nu), a como se comportar na hora do proverbial “rala & rola”.
Outro fator de atração por Zéfiro foi o mistério acerca da própria identidade do pornógrafo: somente em 1991, graças a uma reportagem do consagrado Juca Kfouri para a revista Playboy, os brasileiros ficaram sabendo que Zéfiro era o pseudônimo de Alcides Caminha, um pacato funcionário público, pai de cinco filhos.
“Zéfiro, creio, foi mais que um desenhista de quadrinhos pornográficos. Ele se inseriu no imaginário sexual masculino nas décadas de 1950 e 60 como um artista transgressor da moral e dos costumes, ao mesmo tempo em que serviu de orientador sexual e amoroso”, afirma Gonçalo.
“Some-se a isso todo o mistério que rondou sua identidade. Daí a decisão de biografa-lo”, conta.
Identidade secreta
Como em qualquer outro de seus livros, Gonçalo não se limita a contar, de forma cronológica, a vida do seu biografado.
Em Deus da Sacanagem, ele já começa buscando as origens de Zéfiro no Brasil Império, época de fundação da Farmácia Granado, onde o pai dele, Aurélio Caminha, arrumou emprego.
Nascido em 1921, Alcides / Zéfiro sempre demonstrou jeito para a arte: desde pequeno, enchia cadernos com mulheres e homens pelados em ação.
Ligeiramente hiperativo, jogava futebol (quase se profissionalizou), consertava eletrodomésticos e chegou mesmo a tentar a carreira de cantor.
Em 1948, um amigo que sabia de suas habilidades de desenhista lhe pediu que copiasse os desenhos de uma revistinha erótica italiana.
Ele e o amigo gostaram tanto do resultado que, em breve, ele estaria criando e desenhando as próprias historinhas de sacanagem – depois rodadas em gráficas clandestinas e distribuídas pelas bancas do Rio de forma discreta, para não chamar a atenção da polícia.
Em questão de poucos anos, suas revistas seriam distribuídas para todo o Brasil, para a alegria de jovens e velhos, solteiros e casados.
Ainda assim, sua identidade permaneceria oculta por décadas – e até mesmo um outro artista, Eduardo Barbosa, chegou a assumir seu nome.
No entorno da história de vida de Zéfiro, Gonçalo vai construindo também a história da indústria da pornografia no Brasil, a qual se confunde com a própria evolução do comportamento sexual do brasileiro.
“Meu livro tem algo imprescindível ligado à história da sexualidade no Brasil: um inventário inédito sobre a pornografia impressa ao longo do século 20. Isso foi necessário para situar toda rebeldia e ousadia de Zéfiro”, afirma.
Apesar de ligeiramente machistas, suas HQs traziam detalhes importantes: o sexo sempre era consensual, fruto de sedução e carinho.
Mais importante ainda: o prazer da mulher era valorizado.
“Zéfiro orientava a rapaziada a como conquistar uma mulher e a lhe dar prazer. Foi um professor nesse sentido. As feministas que jogam pedra nele nunca leram uma história sua. Hoje, ele passaria em branco, com tanta pornografia ‘mais atraente’ nas rede sociais. De qualquer modo, nossa moral é hipócrita”, pontua Gonçalo.
Nada mal para um funcionário público que escondia de todo mundo – inclusive da própria família – o que fazia na calada da noite em um quartinhos dos fundos de sua casa.
Simbólico de Brasil, sem dúvida. “Sim. Sem dúvida. Mas ele vivia sob o temor e o risco de ser descoberto e preso. Parece contraditório quando lembramos que ele levou a pornografia ao limite máximo de provocação”, sustenta.
Outro dado muito curioso sobre Caminha / Zéfiro é que ele é coautor (com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito) de um clássico da música popular brasileira, A Flor e o Espinho, aquela dos imortais versos “Tire o seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor”, gravada por grandes nomes da MPB.
A vida de Zéfiro entre os bambas do samba nos botecos do centro do Rio também é ricamente descrita por Gonçalo: “Ele entrou no mundo da música como forma de tentar aumentar sua renda, pois tinha cinco filhos para criar. Com o que passou a ganhar com as revistinhas, deixou a música. Mas ele adorava escrever poesias e letras”, conta.
Hiperativo como seu biografado, Gonçalo tem mais duas biografias imperdíveis programadas para lançar ainda em 2019: “Espero lançar, finalmente, a biografia do Bandido da Luz Vermelha e estou finalizando a de Jacob do Bandolim”, conclui.
O Deus da Sacanagem: A vida e o tempo de Carlos Zéfiro / Gonçalo Junior / Editora Noir/ 384 p./ R$ 59,90/ www.editoranoir.com