Chega ao Brasil o livro Os bastidores de Watchmen, making of do clássico romance gráfico de Alan Moore
Tornou-se lugar-comum, de 20 anos para cá, apontar o romance gráfico Watchmen como A Melhor História em Quadrinhos de Todos os Tempos. Se predicados não lhe faltam para tanto, informações mais acuradas sobre sua criação e feitura eram esparsas e, não raro, pouco confiáveis.
Em tempo para a estreia (no dia 6) da aguardadíssima adaptação cinematográfica, a Editora Aleph solta nas livrarias o livro Os bastidores de Watchmen.
A edição caprichadíssima, e, por isso mesmo, de preço salgado, é assinada pelo próprio co-autor de Watchmen, Dave Gibbons, que desenhou as 12 edições originais da série e colaborou, como se pode depreender da leitura do livro, com o escritor Alan Moore na criação de muitos dos conceitos e detalhes da obra.
Em capa dura (com sobrecapa), papel de primeira e impressão soberba, Os bastidores de Watchmen está, na verdade, mais para um livrão de arte do que para uma análise aprofundada da complexa obra-prima que é a HQ em si.
A impressão de "livro de arte" é reforçada pela assinatura – conjunta à de Gibbons – dos aclamados designers Chip Kidd e Mike Essl, ganhadores de diversos prêmios Eisner (o Oscar dos quadrinhos) pelos seus trabalhos em livros importantes, como Peanuts: the art of Charles Schulz e DC Comics Covergirls, respectivamente.
Arquivos – Gibbons se limita a abrir seus arquivos e demonstrar ao leitor a exaustiva – e também frutífera – tarefa que foi desenhar Watchmen ao longo de pouco mais de dois anos de sua vida, deixando a análise aprofundada para os muitos ensaístas e pesquisadores (sem esquecer os gaiatos) que pululam pelo chamado fandom (ambiente virtual que reúne os fãs de HQ e cultura pop em geral).
O grande barato do livro é ver como o conceito geral de Watchmen foi sendo maturado pela dupla Moore & Gibbons ao longo da confecção da obra, além de diversas curiosidades sobre esta que é a única HQ presente na lista dos 100 Melhores Romances em Língua Inglesa, segundo a revista Time.
Estão lá desde desenhos feitos por Gibbons aos 13 anos de idade de um certo Night Owl – depois reaproveitado por ele mesmo já adulto, na criação do Nite Owl (Coruja) de Watchmen – até os leiautes preliminares de absolutamente todas as páginas da série.
Entre as revelações mais surpreendentes de Gibbons está o visual inicial do personagem Rorschach, o implacável justiceiro com a máscara inspirada nas manchas aleatórias do famoso teste psiquiátrico de mesmo nome. Ao invés do consagrado conjunto de sobretudo marrom e chapéu Stetson que os leitores conhecem, o lunático espancador de criminosos usava inicialmente um traje colante de corpo inteiro, algo mais convencional quando se pensa em heróis de HQ.
Da mesma forma, o azulado Doutor Manhattan, pivô da série e o único personagem a possuir, de fato, poderes sobre-humanos, chegou a ter orelhas pontudas como as do senhor Spock (Jornada nas Estrelas) e um calção preto como uniforme.
Por fim, tanto as orelhas pontudas quanto o calção foram abolidos, com os autores partindo para a nudez frontal assumida pelo personagem.
Ainda há muitas curiosidades e detalhes, como uma pequena HQ de Gibbons, onde ele relata como conheceu Alan Moore em Londres em 1984, além do relato do colorista John Higgins, artes enviadas a Gibbons pelos fãs da série (alguns famosos) e as imagens dos grosseiros bonecos de chumbo que acompanhavam o RPG de Watchmen, lançado no rastro do sucesso da série.
Os bastidores de Watchmen
Dave Gibbons / Chipp Kidd / Mike Essl
Editora Aleph
280 p. R$ 124
http://www.editoraaleph.com.br/
DESCONSTRUINDO UM GÊNERO
Detalhista ao extremo, HQ marcou por várias razões
É difícil escrever alguma coisa nova sobre Watchmen, que é considerada, ao lado de Maus de Art Spiegelman e Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, a HQ que mudou a cara das HQs e concedeu, de uma vez por todas, dignidade artística e profundidade literária a um gênero visto com desconfiança por muitos – até hoje, na verdade.
Para quem ainda não sabe direito do que se trata essa HQ cuja milionária adaptação para os cinemas têm despertado tanta curiosidade e interesse, aqui vai um breve resumo.
Watchmen (a HQ) retrata, com um grau de realismo e apego a detalhes até então nunca visto, como seria o mundo (ambientado na década de 80), se vigilantes e justiceiros mascarados realmente existissem.
Moore se vale de uma narrativa fragmentada que vai e volta no tempo (na época, outra novidade que hoje é largamente utilizada em tudo que é mídia), mostrando quando os heróis surgiram nas décadas de 30 e 40, homenageando a literatura pulp e a chamada Era de Ouro dos quadrinhos, quando estes eram bem mais ingênuos, dirigidos ao público infantil.
No anos 50, porém, com os McCarthistas caçando bruxas a torto e a direito, os vigilantes foram considerados ilegais e colocados na clandestinidade, fazendo com que a maioria deles abandonasse o colante e as máscaras. É importante notar que todos eles eram meros humanos com certas habilidades de luta e apetrechos especiais. Nenhum deles tinha superpoderes.
Aceleração de partículas – A grande virada de Watchmen ocorre quando um acidente em um campo de pesquisas nucleares americano desintegra um funcionário, preso inadvertidamente numa câmara de aceleração de partículas (algo similar àquela máquina que se temia que criasse um buraco negro na Europa, no fim de 2008).
Poucos dias depois desse acidente, esse funcionário reaparece, totalmente transformado, com a pele azulada (e brilhante) e superpoderes de verdade.
O surgimento dessa criatura, chamada de Doutor Manhattan (referência ao Projeto Manhattan, que resultou na criação da bomba atômica americana) desequilibrou a já frágil balança de poder entre Estados Unidos e União Soviética em plena Guerra Fria. Quando estoura a Guerra do Vietnã, o governo americano não hesita em enviar Manhattan ao campo de batalha.
Resultado: os Estados Unidos ganham a Guerra do Vietnã, Watergate nunca houve e Richard Nixon foi reeleito diversas vezes. Nos anos 80, quando se passa a história, ele está em plena campanha, para ganhar "four more years" (mais quatro anos).
Terrível simetria – Moore parte dessa premissa já complexa e eleva o tom ainda mais, criando, com o auxílio de Gibbons e do colorista John Higgins um mundo alternativo inteiro, onde a cultura, a política, a economia, a filosofia e a religião foram profundamente influenciadas pela presença na Terra de uma criatura de poderes praticamente divinos – e que, por mais parecido que isso possa soar com a possível existência de um Deus, parece se distanciar cada vez mais da humanidade, inclusive da sua própria.
Em paralelo a tudo isso, a narrativa (que está longe de ser linear) ainda consegue estabelecer uma conexão profunda entre o leitor e todos os personagens da história, minuciosamente radiografados ao longo da série em todos os detalhes mais sórdidos (ou não) de suas personas.
Há ainda uma forte simbologia que percorre todas as suas páginas, com ícones recorrentes aqui e ali (atenção para a carinha Smiley), bem como personagens transeuntes que se repetem em um certo cruzamento em Nova Iorque, marcas de produtos e empresas fictícias e até mesmo – o cúmulo da sofisticação – uma edição inteira (o capítulo 5) totalmente simétrica, "planejada para ter o mesmo arranjo de quadros quando vista de trás para frente e de frente para trás", como explica Gibbons em Os bastidores de Watchmen.
Enfim: em Watchmen, nada – absolutamente nada – é por acaso. Tudo tem seu significado e sua função dentro da história. E o que não falta ali é detalhe.
Por tudo isso, Alan Moore sempre se mostrou radicalmente contra a adaptação de suas obras, seja para o cinema ou qualquer outro meio, já que, segundo ele próprio, a obra em HQ tem recursos inerentes ao próprio meio que só podem ser apreciados numa HQ.
Ele chegou mesmo a abrir mão formalmente de todos os lucros (há quem desminta, claro) com os filmes baseados em suas HQs em favor dos artistas que trabalham com ele. Uma coerência raramente vista em qualquer meio artístico.
EDIÇÃO EM CAPA DURA VEM AÍ
Lançada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1986, em doze edições mensais pela DC, Watchmen chegou ao Brasil em novembro de 1988 pela Editora Abril, que optou por lançá-la em seis edições, com cada uma contendo dois capítulos da versão original.
Onze anos depois, em 1999, a mesma Abril a relançou de forma mais fiel à original, em doze edições mensais. Uma terceira edição foi lançada no meio desta década pela Via Lettera, desta vez direto em livrarias e em quatro volumes (três capítulos em cada volume).
Agora, com a estreia do filme já pertinho, a Panini Books se prepara para soltar nas livrarias a quarta edição brasileira de Watchmen, e com certeza, a mais luxuosa, baseada na edição Absolute americana, com capa dura, diversos extras e recolorida digitalmente (pelo próprio John Higgins).
Bastardos venenosos – Sobre o filme e a relação de Moore com tudo o que o cerca, a novidade é que não há novidade. Ele continua, como avisou que ia fazer desde 2007, "cuspindo veneno" na mídia sobre a adaptação.
Na sua última entrevista sobre o assunto, para a revista britânica Total Film (noticiada no Brasil através do site Omelete), o barbudão de Northampton chegou a negar a própria obra, associando o gênero de super-heróis com a conhecida deslealdade americana: "Na época em que escrevi Watchmen, eu ainda acreditava nos bastardos venenosos [os super-heróis], eu tinha uma opinião diferente sobre quadrinhos de super-herói norte-americanos e o que eles significavam (...). Os EUA têm uma afeição desmedida por lutas desleais. É por isso que armas são tão populares lá – porque você pode atacar de supresa, atirar pelas costas, lutar de forma bastante covarde. O que lá chamam de fogo amigo, no resto do mundo a gente chama de fogo americano", disparou.
Conhecido não apenas pela genialidade e complexidade que imprime em cada quadrinho que cria em sua vasta obra, mas também por ser um praticante assumido de bruxaria, Alan Moore ainda é um mito oculto, um enigma a ser descoberto por futuras gerações.
Até já existe um documentário sobre ele, The Mindscape of Alan Moore (2003), de Dez Vylenz e Moritz Winkler.
17 comentários:
polêmica sempre ajuda na promoção do filme. sendo um clássico do tamanho de watchmen sair frustrado da sala tb não é difícil. vamos ver, no entanto.
so' uma observação Chico; a questão da narrativa temporal fragmentada (e não-linear) ja' ta' presente no movimento "nouveau romain" dos anos 50, de nomes como Alain Robbe-Grillet e Marguerite Duras, depois retomada na "nouvelle vague" francesa da década de 60, nos filmes de Alain Resnais, como Hiroshima Mon Amour e O ano passado em Marienbad (L'Année Dernière à Marienbad).
talvez Watchmen seja o responsável, mesmo, pelo revival do artifício.
É verdade, Marcão. Na verdade, desde Cidadão Kane (se não me engano) isso já rolava.
Nos quadrinhos mainstream é que, realmente, se tratava de novidade.
Só depois, com a matéria já rodando, foi que me dei conta da falha.
Só tava esperando alguém levantar a bola...
Quem nunca leu Watchmen, mas gostaria e não dispõe de R$ 120 para pagar na edição em capa dura que a Panini está publicando, pode recorrer a versão "capa mole" que vai para as bancas, pelo módico preço de R$ 28.
Vejam o release recebido há pouco:
O AGUARDADO TÍTULO WATCHMEN CHEGA ÀS BANCAS E LIVRARIAS PELA PANINI
O lançamento da publicação acontece juntamente com a estréia do filme homônimo adaptado para as telonas por Zack Snyder, com estréia em março.
Os fãs de quadrinhos e de suas adaptações para o cinema terão, a partir desta semana, a recompensa após tanta expectativa. A Panini lança, dia 06 de março, nas bancas e livrarias de todo País Watchmen, a edição definitiva – graphic novel do renomado autor Alan Moore com arte de Dave Gibbons. Nas livrarias estará disponível o formato capa-dura, com 456 páginas recheado de extras - como prontuário médico de um dos personagens, recortes de páginas de jornal e capítulo de um livro fictício. As bancas oferecerão as duas edições brochura, com 208 páginas. O título chega aos leitores juntamente com o filme adaptado por Zack Snyder, que estréia dia 6 de março nos cinemas.
A graphic novel publicada pela DC Comics em 1986 é um dos primeiros trabalhos importantes de Alan Moore, que se recusou a dar qualquer opinião na adaptação do filme. Um herói impotente (Coruja) e um pseudo-psicótico, o mascarado Rorschach são alguns dos personagens que fazem de Watchmen a obra precursora no estilo “cruel e implacável” de muitas HQs atuais de super-heróis. A publicação, dividida em 12 partes, é considerada por muitos a mais importante graphic novel dos últimos tempos.
O tema central da história é o misterioso assassinato de um agente do governo, o ex-vigilante conhecido como Comediante. Quais as razões que teriam motivado a sua morte? Rorschach tentará descobrir. Além disso, o autor Alan Moore resgata na história a tônica de dar sentimentos e problemas humanos aos super-heróis tornando-os falíveis e incoerentes, recurso já utilizado por Stan Lee, na década de 1960.
O autor explora todas as nuances dos principais personagens: os Minutemen, um grupo de super-heróis forçados a se aposentar; Ozymandias, o empresário milionário; Dr. Manhattan, o semidivino que aparece com a pele azul; Spectral a reprimida e sensual namorada do Dr. Manhattan (interpretada na tela pela atriz Malin Akerman), além do Coruja, Comediante e Rorschach - o personagem mais popular de Watchmen.
Com os incríveis desenhos de Dave Gibbons, que funcionou como consultor na elaboração dos storyboards do filme, Watchmen desconstruiu e revolucionou a linguagem das HQs da época, algo que perdura até hoje. Certamente este foi o grande desafio de Snyder para adaptar a trama para a imperdível superprodução com 3 horas de duração e que custou 100 milhões de dólares.
CAPA DURA
WATCHMEN: EDIÇÃO DEFINITIVA
18,5 x 27,5 cm
04 páginas 4/4 cores - Capa Dura com reserva
456+4 páginas 4/4 Couche 90 grs
Lombada Quadrada
R$ 120,00
Distribuição: Livrarias (nacional)
CAPA BROCHURA
WATCHMEN – Edições 1 e 2
18,5 x 27,5 cm
04 páginas 4/4 cores - Capa Cartão
208+4 páginas 4/4 Pisa
Lombada Quadrada
R$ 28,90
Distribuição: Bancas – principais praças (nacional)
WATCHMEN - Edição 2
18,5 x 27,5 cm
04 páginas 4/4 cores - Capa Cartão
208+4 páginas 4/4 Pisa
Lombada Quadrada
R$ 28,90
Distribuição: nacional
e quem quiser conferir antes de comprar, a antiga versão da Abril:
http://www.4shared.com/file/5945507/42e40f2/Watchmen_1_a_4_BR.html?s=1
http://www.4shared.com/account/file/56631706/bfa3f433/Watchmen_5_a_8_BR.html
http://www.4shared.com/file/5945505/ea2021de/Watchmen_9_a_12_BR.html?s=1
mas depois comprem, viu? ;)
Até por que ler quadrinhos no computador é chato paca. Só o faço ém última instância, se não tiver jeito mesmo.
Quarta-feira...faltam dois dias...parem de me deixar ansioso!
"Drama político multi-camadas com um perdoável toque de cosplay".
Essa impagável é do influente colunista Rich Johnston, que assina a coluna Lying in the Gutters do site Comic Book Resources e publicou suas rápidas primeiras impressões sobre o filme, após uma premiere.
Segue trecho:
The likes of Jonathan Ross and Mark Millar had lowered my expectations. I was expecting something laborious, dull in places and a bit too worthy. And I was feeling rather down. I don't think I actually wanted to be there. But I got an intriguing, absorbing, multi-layered, political drama with a forgivable touch of cosplay. Something as enjoyable as “The Wire" or “State Of Play," but, you know, with bones sticking through arms. A couple of melodramatic lines and a Spitting Image Nixon aside, I thought it was consistently wonderful throughout. It's not the comic, but it does a remarkable impression of certain aspects. It's a film to fall in love with. I was transported.
Although I did spend some time wondering how certain characters managed to pay their mortgages.
http://www.comicbookresources.com/?page=article&id=20265
chicão,
esqueceu will eisner?
2 dias...tic-tac...tic-tac...
GLAUBER
Pô, Glauber, era o que sobre o W.E., mesmo? Esqueci mesmo, foi mal.
Tô até com uma matéria sobre um livro dele que saiu recentemente pela Devir engatilhada. Para breve.
spiegelman, miller, mas não esqueçamos eisner! "o edifício" é das coisas mais lindas ever! aguardo a matéria.
GLAUBER
Esse é o show que dará um novo significado à expressão "rock louco".
SHOW DA ESTRADA PERDIDA E JAYME FYGURA
PRAÇA TERESA BATISTA - PELOURINHO
SEXTA-FEIRA 13 DE MARÇO AS 20 HRS
ENTRADA FRANCA
minha nossa...
Quem é doido?
O "efeito Watchmen" toma conta das ruas no primeiro mundo:
Grafites de Watchmen começam a aparecer nas ruas de Nova York
E em Toronto os amantes de Hiroshima, Spectral e Coruja, chamam atenção
http://www.omelete.com.br/cine/100018398/Watchmen.aspx
Parece que é o fim do Tim. O Festival.
Tim suspende patrocínio a prêmio e festival anuais
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u529769.shtml
chicão,
dá uma olhada
http://lh3.ggpht.com/_NW08z5Og1Oc/SaikgcLVTNI/AAAAAAAAHVM/zbxNIcrZBGI/watchpac[3].png?imgmax=800
http://g2b2.files.wordpress.com/2008/08/charles_schulz__s_watchmen_by_docshaner.jpg
http://www.timemachinego.com/linkmachinego/wordpress/wp-content/uploads/2008/12/groening-watchmen.jpg
vou ver o filme de dr. manhattan, hahahaha
GLAUBER
Demais, Glauber! É foda como o negócio virou referência, mesmo, né?
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