Quando se fala em “resistência” em Salvador, a associação é sempre feita com os blocos afro, muitos surgidos em plena ditadura militar e portanto isto é amplamente justificável.
Mas, com a devida permissão, não há como classificar de outra forma o movimento roqueiro local encabeçado pelo produtor Rogério BigBross e seu festival BigBands, que amanhã chega à sua décima edição.
Independente por qualquer ângulo, o festival é só o capítulo mais recente da trajetória que se iniciou há cerca de 30 anos do produtor e DJ, tendo deixado sua marca em praticamente todos os festivais de rock mais significativos da soterópolis underground.
E este ano não é diferente: “Esse ano foi 100% na parceria entre produtores, casas de show e bandas. Todos chegaram junto. Estou bem feliz com o resultado, posso dizer que minha fortuna são meus amigos”, afirma.
“Em dez anos, somente duas edições tiveram apoio para acontecer: em 2009, por um edital da SecultBA e 2012, por um prêmio Funarte. Nas edições que tivemos apoio fizemos o BigBands Vai a Escola, com atividades voltadas para cultura hip-hop em escolas municipais. Hoje, ele é feito do tamanho que a perna alcança, ocupando pubs e casas de show”, conta BigBross.
Rapaziada de Dubai: Nervecell, foto C Sharp Productions |
Este ano, o BigBands está bem definido em seus três dias de shows, sempre no Groove Bar.
O primeiro dia é do metal, com Nervecell (Dubai), Nervochaos (SP), Behavior e Gigito. O segundo é do indie rock, com The Honkers, Rosa Idiota, Iorigun e Soft Porn. E o domingão traz duas bandas icônicas dos anos 1990: Maria Bacana e Úteros em Fúria.
“Tudo começou com a tour do Nervecell e Nervochaos passando por aqui, isso ajudou. A Behavior tá na parceria nos últimos três anos, o vocalista produz bastante shows e a banda é muito articulada. O Groove Bar chegou junto e facilitou a realização, pois a casa tem boa estrutura de som, luz, etc. Gigito agrada todo mundo e toca no hall de entrada para aquecer mesmo”, conta.
“O segundo dia foi curadoria da Bigbross, (com as produtoras) NHL e Estopim e eu curti bastante, são bandas que tem circulado muito, bens distintas uma da outra. O ultimo dia foi um presente, Úteros em Fúria e Maria Bacana”, afirma Big.
Além dos shows, haverá outras atividades nos próximos dias, como o Cine Clube BigBands (dias 18 no Mercadão CC e 21 na Freedom Soul) e o evento Faça Você Mesma: Produção Feminina no Underground (dia 17 no Mercadão), com participação de coletivos como a banda Eskröta (SP), Calcinhas do Metal (Belém) e Metaleiras Negras (RJ).
“O rock e o metal vem sendo tachado de conservador, então quando sugeri esse dia foi pra dizer: ‘Perai, tem gente de todo tipo. Não bota todo mundo do mesmo bolo, não!’”, diz.
Úteros, Honkers, Gigito
Um dos shows mais esperados, certamente é o da Úteros em Fúria, que retorna cinco anos após sua última aparição para comemorar os 25 anos do seu único álbum (Wombs in Rage, 1993) e de quebra, se divertir com a rapaziada.
“(Esse show) Tem a mesma finalidade do de 2013, que é comemorar, ver os amigos das antigas, ficar bêbado e terminar a noite abraçando a privada”, afirma o baterista Mario Jorge Heine.
Além de domingo, com a contemporânea Maria Bacana, a Úteros volta a se apresentar dia 3 próximo, no Portela Café. Depois volta ao sarcófago pelos próximos cinco anos.
Iorigun, banda que toca no sábado. Veio sem crédito |
Outra banda local histórica, a The Honkers aproveita o festival para celebrar seus 20 anos de formação com um show especial: “Separamos vinte músicas, que vão desde o primeiro EP (2003) até a faixa nova que gravamos esse ano”, conta o vocalista Rodrigo Sputter.
Conhecido por terminar os shows nu em pelo, Sputter já avisou que não vai rolar strip- tease desta vez: “Podem ficar tranquilos, não vão ter o desprazer de ver meu decrépito corpo detonado de 20 anos de rock louco, pois o batera tem reclamado do meu visual despojado dos últimos shows, pediu pra eu ir nos trinques, como nos velhos tempos. Então tirei o pó do velho coturno, paletó e calças do meu avô e vou de visual clássico”, conta, para alívio da famílias tradicionais.
“Se não me engano essa é a segunda vez que tocamos no BigBands. É um prazer tocar nesse tipo de evento que não tem rabo preso com ninguém, não espera verbas pra ser realizado, é feito na cara e na coragem, na parceria que faz o underground mover e não morrer”, acrescenta.
Quem estreia no festival é Gigito, o banjoísta baiano que faz sua própria versão do bluegrass, o gênero folclórico caipira norte-americano. Ele vai recepcionar a galera que chegar para o dia do metal, amanhã.
Uma das melhores bandas da cena local hoje. Foto Fernando Gomes |
“Acima de tudo estaremos no Big Bands, um festival que preza pela diversidade, que respeitamos e temos admiração”, conclui Gigito
X Festival BigBands / De amanhã a domingo, 20 horas / Groove Bar / R$ 20 / Passaporte para os três dias: R$ 50 / Amanhã: Gigito, Behaviour, Nervecell (EAU) e NervoChaos (SP) / Sábado: Soft Porn, Iorigun, Rosa Idiota e The Honkers / Domingo: Úteros Em Fúria e Maria Bacana / Info: www.facebook.com/bigbross.bigs
ENTREVISTAS
ROGÉRIO BIGBROSS BRITO
Dez anos de BigBands. Qual a avaliação que faz da trajetória?
Alô? É, meia calabresa, meia peperoni! |
Como viabilizou o festival esse ano? Ano passado teve rifa. Teve que criar alguma forma criativa de levantar a verba ou rolou alguma ajuda?
RBBB: Esse ano foi 100% na parceria entre produtores, casas de show, bandas. Todos chegaram junto. Estou bem feliz com o resultado, posso dizer que minha fortuna são meus amigos.
São três dias mais ou menos bem definidos, um de metal (o que Gigito está fazendo ali?), um indie e um de bandas dos anos 90 que retornam. Como foi essa curadoria? Quem você destaca em cada dia?
NervoChaos na igreja de ossos em Kutna Hora, República Tcheca |
Como aconteceu de trazer uma banda de metal de Dubai?
RBBB: A tour deles é bem grande e todos os produtores racham as despesas o que deixa os custos mais leve para todos. Assim foi com as outras bandas estrangeiras que já tocaram no Bigbands.
Além dos shows, o festival se estende em bate-papos e sessões de exibição de documentários. O bate papo das mulheres é especialmente importante neste momento, não?
RBBB: O Bigbands no começo era feito por mim, Cassia Cardoso e Theo Filho. Tinha palestras, oficinas, cinema/documental, teatro, noite instrumental, sempre foi tudo diluído na programação. Já o “Faça você mesma” veio realmente num momento especial. O rock e o metal vem sendo tachado de conservador, quando sugeri esse dia aos coletivos Mosh like a girl e Crust or die label and collective foi pra dizer: “Perai, tem gente de todo tipo. Não bota todo mundo do mesmo bolo, não!”. Então, quis mostrar gente que tai há a um bom tempo que ainda tá no rock, no metal e tem gente nova legal, também. Esse ano ainda teremos o Bigbands Kids, com data e local a confirmar, para pais e filhos do rock. Quero para fomentar a nova geração.
Mário Jorge Heine, baterista da Úteros em Fúria
O que difere este show do de 2013? Além do repertório do álbum, podemos esperar alguma surpresa? Outras músicas, convidados?
Nariga! Apu! Mário Pitu! Mauro Lelê! Maçarico! 5 velhos muito rabugentos! |
Serão dois shows, este e o dezembro no Portela. Serão exatamente iguais?
MJH: Não devem ser iguais. Este é um show de festival, e é muito bom tocar no BigBands, Rogério nosso amigo de 30 anos, então estamos em casa. Mas o show no Portela será um pouco maior, até porque deve ser mais longo, com um repertório um pouco mais obeso.
Como estão sendo os ensaios?
MJH: Como sempre, muito divertidos. A logística ficou um pouco mais complicada, já que estamos com menos tempo, especialmente pra mim e Mauro (Pithon, vocalista) já que saímos da ativa. Tocar bateria exige rotina. Em 2013, acho que estávamos mais afiados. Mas dane-se, nunca fomos tããão afiados assim. (risos)
Vocês vão tocar com a Maria Bacana, que é mais ou menos da mesma geração. Deixa mais à vontade tocar com outra banda de contemporâneos?
MJH: Na verdade, a Maria Bacana veio um pouquinho depois, surgiu no ano em que acabamos (1995), então não chegamos a tocar juntos. Mas são caras amigos, tudo gente boa. E depois somos puta veia, qualquer bordel que entramos, nos sentimos a vontade. Vamos tocar, se divertir, é uma comemoração, um motivo pra se embriagar e viver o rock n roll.
Rodrigo Sputter Chagas, vocal The Honkers
O que estão preparando para este show de vinte anos? Além do repertório de maiores sucessos, vai ficar nu de novo?
Tripa 77! Brust! T612! Gagliano! Sputter! Uma turminha do barulho! |
Vinte anos? E ninguém da banda morreu? Como conseguiram isso?
RSC: Pois é, acreditem no que a vóvó dizia "Vaso ruim não quebra", nós somos o exemplo vivo disso. Até tentamos, teve show que Dona Morte vou tomar uma água de côco e esqueceu de mim, que já subi até em muro com cerca elétrica durante show (que eu achei de boa, mas soube por outros que os membros da banda acharam que ali mesmo seria meu último dia), já pulei de palco de alguns metros pro público, já despenquei de cima das coisas pro chão, já torci pé, joelho, pularam em minha costela e quase quebraram, já caiu pedaço de muro em cima de minha perna e subiu uma laranja na batata da perna numa tour e tivemos a sorte que só perdemos um show, tive que ficar uma semana de molho, a perna pareceu um arco-íris nesses dias, roxa, amarela, verda...uma maravilha, essa cena pode ser vista nesse doc nosso de 2003 sobre nossa 1ª tour. E tou falando só de mim né? Tem membro da banda que já passou dos 50 (PJ o guitarra original da banda e que tá voltando pra banda), fora Brust e T612 que tão indo pros 50 daqui uns aninhos...acho que o álcool conservou eles...heehhehe. Tem horas que penso que é mentira, que não se passaram 20 anos...que nós estamos contando errado, que de 1998 pra cá não se passou tudo isso...e olha que contamos quando começamos a ensaiar e tocar, que foi com a entrada de Brust há 20 anos...porque ele foi o último, alguns membros entraram em 1997, mas a banda era só uma lenda... só de papel e imaginária... Só espero que a caretice, o conservadorismo, essa terrível onda reaça não acabe conosco... que seja ao contrário, dê forças ao underground, que essa banda de 2 décadas continue fazendo seu rock sujo, anárquico e revolucionário, sempre indo de contra a maré e desconstruindo esse povo retrógrado...o rock que ouvimos e fazemos sempre foi contra tudo isso: Preconceito e conservadorismo. Sempre foi mal visto pelas "pessoas de bem" da sociedade, como diria o Cramps "eu gosto do tipo de rock and roll que não salva almas", se ser bonzinho é fazer parte desse mundo cheio de ódio, preconceitos e gente tacanha, prefiro ser sujo, malvado e chutar o traseiro desse planeta engomadinho & cheio de caretice.
Como vê a importância do BigBands no cenário atual do rock local?
RSC: Se não me engano essa é a 2a vez que tocamos no BigBands, a ultima foi exatamente há 10 anos, é um prazer tocar nesse tipo de evento, que não tem rabo preso com ninguém, não espera verbas pra ser realizado, é feito na cara e na coragem, na parceira com as pessoas que fazem o underground mover e não morrer...não importa se são 10, 100, 1000 ou + pessoas, o importante é chutar o marasmo pra lá e fazer acontecer. Já tem coisas que nos jogam pra baixo no dia-a-dia, não podemos deixar de fazer as coisas que gostamos, de ficarmos mais melancólicos em nossas casas e deixar que a depressão nos engula, temos que ser fortes e fazer sempre, até quando tivermos forças e quando ela fraquejar juntar forças e realizar, mesmo que não saia como não planejamos, nós tentamos, quem sabe um dia o evento pode render mais frutos pra todas pessoas envolvidas...mas o frutos que se colhem nesses anos já estão nos saciando de qualquer forma, como diziam os poetas "um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar" e "pedra que rola não cria musgo", então vamos fazendo e fazendo e fazendo..."a vida é o que passa enquanto você faz planos", Lennon disse, pode parecer frase de auto-ajuda, mas vamos fazer, senão tudo passa e você fica aí perdendo seu tempo só vendo fake news no whatspp...e nós estamos aí...há 20 anos...fazendo planos, muitos que não se realizaram, mas também nos divertimos e fizemos barulhos pacas...e espero que façamos mais ainda...enquanto tiver energia e distorção em nossas véias!
Gigito
Te escalaram no dia do metal. E aí?
Gigito e Daniel pegam um ar na foto de Mardou Monzel |
Como vê a importância do BigBands no cenário atual do rock local?
G: Acho que só o fato de ser o décimo ano de festival, já diz muita coisa! O Big Bands, além dos shows, promove palestras, discussões, já foi até as escolas, este ano vai ter exibição de filmes, uma parte dedicada a formação de público infantil.. vejo tudo isso como algo além de um festival de música, mas como um grande evento que está muito bem acordado, com os dois olhos abertos no que se refere a toda uma cultura alternativa e suas diversas manifestações. É um festival naturalmente colaborativo, como o próprio Big diz, que nos dá a oportunidade para conversar, criar redes, conexões, divulgar, conhecer os trabalhos das bandas e pessoas e fortalecer uma cena que precisa desse espírito para seguir viva!
Um comentário:
vai ser lindo!!!!!
let´s rock!!
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