quinta-feira, abril 11, 2019

UMA SAGA HOMÉRICA NA BAÍA DA GUANABARA

Luzes de Niterói,  mais uma obra irretocável de Marcello Quintanilha, consolida o autor como um mestre das HQs aos 48 anos

Aos 48 anos, Marcello Quintanilha é, muito possivelmente, um dos maiores artistas brasileiros vivos.

Quadrinista e ilustrador múltiplas vezes premiado no Brasil e no exterior, ele marca mais um golaço em sua nova HQ: Luzes de Niterói (Veneta Editora).

Autor de obras espetaculares como Tungstênio (Veneta, 2014, adaptada para o cinema por Heitor Dhalia em 2017) e Talco de Vidro (Veneta, 2015), Quintanilha volta à sua cidade natal em Luzes de Niterói,  uma agitada aventura parcialmente inspirada em fatos da vida do seu próprio pai, jogador de futebol na cidade fluminense durante a década de 1950.

Com sua narrativa ágil, personagens cativantes e diálogos engraçadíssimos, Quintanilha não dá fôlego ao leitor.

A HQ gira em torno dos amigos Hélcio (o jogador de futebol inspirado em seu pai) e Noel, seu melhor amigo, portador da deformidade física popularmente conhecida como “peito de pombo”.

Residentes em uma comunidade de pescadores, Hélcio e Noel um dia percebem um bote pescando com bomba no mar, a alguns quilômetros da praia.

(Curiosamente, Tungstênio, ambientada em plena Baía de Todos os Santos, tem sua trama iniciada da mesma forma: pesca com bombas).

Hélcio e Noel logo imaginam que a área próxima ao bote estará coalhada de peixes mortos boiando, e que o pescador não terá como recolher todo o seu “produto”.

Resolvem pedir um bote emprestado a um dos pescadores da comunidade e se põem a remar na direção do pescador anônimo.

E aí começa uma louca odisseia (no sentido homérico mesmo) dos dois amigos no mar (e também fora dele),  envolvendo pescadores, futebol, a histórica vedete Luz del Fuego (1917 - 1967) e o primeiro campo naturista do Brasil, fundado por ela em uma ilha na Baía da Guanabara.

Caudaloso, o texto de Quintanilha às vezes dá uma canseira no leitor: os dois protagonistas da HQ simplesmente não param de discutir e zoar um com a cara do  outro.

Mas até isso Quintanilha usa em benefício da obra. As DRs e amolações da dupla são ditas em português de época, com direto a muitas gírias do tempo do guaraná com rolha e referências culturais a fins.

O resultado é muitas vezes hilariante, evidencia a pesquisa do autor em seu esforço para tornar os personagens mais verossímeis e reais.

Por fim, a arte de Quintanilha segue afiada: seu talento para retratar tipos populares bem brasileiros com dignidade, sem reduzi-los a meras caricaturas, é praticamente único no cena das HQs no Brasil.

A narrativa gráfica é outro ponto alto, ora acelerando o ritmo, ora fornecendo respiros, com quadros em silêncio.

A sequência da tempestade que colhe os amigos no bote é um exemplo do primor que é o trabalho desse rapaz.

Unindo comédia, drama, crônica social e suspense, Luzes de Niterói é mais uma obra irretocável de Quintanilha.

Já lançada na Europa – antes da edição brasileira –, angariou entusiasmados elogios da imprensa especializada.

Diálogos de ouvido

Residente em Barcelona desde meados da década passada, Quintanilha vem publicando quadrinhos e cartuns na imprensa desde os 16 anos, no final dos anos 1980, quando ainda assinava com o pseudônimo Marcelo Gaú.

Foi sob o nome artístico que lançou, em 1999, seu primeiro álbum autoral: Fealdade de Fabiano Gorila (Conrad).

Ali já mostrava o talento que vinha maturando na década anterior: os personagens profundamente brasileiros e populares, os diálogos francamente capturados “de ouvido” nas ruas, os desenhos exatos  e uma narrativa ágil, muito envolvente.

Logo foi “pescado” pelo mercado europeu, ilustrando a série  Sept Balles Pour Oxford (da editora belga Le Lombard).


Mudou-se para Barcelona, passando a fornecer ilustrações para diversos jornais e revistas da Europa.

A partir daí foi só sucesso: Tungstênio, resultado de uma breve temporada em Salvador, foi amplamente saudada pela crítica e premiada no maior festival de quadrinhos da Europa, Angoulême.

Já Hinário Nacional (2015) ganhou um Prêmio Jabuti.

Luzes de Niterói / Marcello Quintanilha / Veneta/ 232 p./ R$ 109,90 / Edição em capa dura, cor

Um comentário:

andre L.R. mendes disse...

bela dica! essa e o livro de chico q li no jornal...fiquei super curioso com a arte q j.borges fez pro projeto