Luzes de Niterói, mais uma obra irretocável de Marcello Quintanilha, consolida o autor como um mestre das HQs aos 48 anos
Aos 48 anos, Marcello Quintanilha é, muito possivelmente, um dos maiores artistas brasileiros vivos.
Quadrinista e ilustrador múltiplas vezes premiado no Brasil e no exterior, ele marca mais um golaço em sua nova HQ: Luzes de Niterói (Veneta Editora).
Autor de obras espetaculares como Tungstênio (Veneta, 2014, adaptada para o cinema por Heitor Dhalia em 2017) e Talco de Vidro (Veneta, 2015), Quintanilha volta à sua cidade natal em Luzes de Niterói, uma agitada aventura parcialmente inspirada em fatos da vida do seu próprio pai, jogador de futebol na cidade fluminense durante a década de 1950.
Com sua narrativa ágil, personagens cativantes e diálogos engraçadíssimos, Quintanilha não dá fôlego ao leitor.
A HQ gira em torno dos amigos Hélcio (o jogador de futebol inspirado em seu pai) e Noel, seu melhor amigo, portador da deformidade física popularmente conhecida como “peito de pombo”.
Residentes em uma comunidade de pescadores, Hélcio e Noel um dia percebem um bote pescando com bomba no mar, a alguns quilômetros da praia.
(Curiosamente, Tungstênio, ambientada em plena Baía de Todos os Santos, tem sua trama iniciada da mesma forma: pesca com bombas).
Hélcio e Noel logo imaginam que a área próxima ao bote estará coalhada de peixes mortos boiando, e que o pescador não terá como recolher todo o seu “produto”.
Resolvem pedir um bote emprestado a um dos pescadores da comunidade e se põem a remar na direção do pescador anônimo.
E aí começa uma louca odisseia (no sentido homérico mesmo) dos dois amigos no mar (e também fora dele), envolvendo pescadores, futebol, a histórica vedete Luz del Fuego (1917 - 1967) e o primeiro campo naturista do Brasil, fundado por ela em uma ilha na Baía da Guanabara.
Caudaloso, o texto de Quintanilha às vezes dá uma canseira no leitor: os dois protagonistas da HQ simplesmente não param de discutir e zoar um com a cara do outro.
Mas até isso Quintanilha usa em benefício da obra. As DRs e amolações da dupla são ditas em português de época, com direto a muitas gírias do tempo do guaraná com rolha e referências culturais a fins.
O resultado é muitas vezes hilariante, evidencia a pesquisa do autor em seu esforço para tornar os personagens mais verossímeis e reais.
Por fim, a arte de Quintanilha segue afiada: seu talento para retratar tipos populares bem brasileiros com dignidade, sem reduzi-los a meras caricaturas, é praticamente único no cena das HQs no Brasil.
A narrativa gráfica é outro ponto alto, ora acelerando o ritmo, ora fornecendo respiros, com quadros em silêncio.
A sequência da tempestade que colhe os amigos no bote é um exemplo do primor que é o trabalho desse rapaz.
Unindo comédia, drama, crônica social e suspense, Luzes de Niterói é mais uma obra irretocável de Quintanilha.
Já lançada na Europa – antes da edição brasileira –, angariou entusiasmados elogios da imprensa especializada.
Diálogos de ouvido
Residente em Barcelona desde meados da década passada, Quintanilha vem publicando quadrinhos e cartuns na imprensa desde os 16 anos, no final dos anos 1980, quando ainda assinava com o pseudônimo Marcelo Gaú.
Foi sob o nome artístico que lançou, em 1999, seu primeiro álbum autoral: Fealdade de Fabiano Gorila (Conrad).
Ali já mostrava o talento que vinha maturando na década anterior: os personagens profundamente brasileiros e populares, os diálogos francamente capturados “de ouvido” nas ruas, os desenhos exatos e uma narrativa ágil, muito envolvente.
Logo foi “pescado” pelo mercado europeu, ilustrando a série Sept Balles Pour Oxford (da editora belga Le Lombard).
Mudou-se para Barcelona, passando a fornecer ilustrações para diversos jornais e revistas da Europa.
A partir daí foi só sucesso: Tungstênio, resultado de uma breve temporada em Salvador, foi amplamente saudada pela crítica e premiada no maior festival de quadrinhos da Europa, Angoulême.
Já Hinário Nacional (2015) ganhou um Prêmio Jabuti.
Luzes de Niterói / Marcello Quintanilha / Veneta/ 232 p./ R$ 109,90 / Edição em capa dura, cor
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
bela dica! essa e o livro de chico q li no jornal...fiquei super curioso com a arte q j.borges fez pro projeto
Postar um comentário