segunda-feira, outubro 15, 2018

É O FIM DO MUNDO

Sinal dos tempos: a ficção pós- apocalíptica nunca pareceu tão popular. Aqui, duas grandes obras: Oryx & Crake, de Margaret Atwood (O Conto da Aia) e A Terra dos Filhos, de Gipi

A Terra dos Filhos, de Gipi
A ficção especulativa pós-apocalíptica deve  ser hoje o subgênero mais popular da cultura pop.

De The Walking Dead a’O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale), o fim do mundo como o conhecemos nunca pareceu: a) tão apreciado e b) tão próximo, que medo.

Duas excelentes obras ambientadas no pós-apocalipse vem engrossar essa mitologia: Oryx & Crake, romance de Margaret Atwood (mesma autora de Handmaid’s) e a HQ A Terra  dos Filhos, do italiano Gipi.

Apesar de serem de autores completamente diferentes, que utilizam suportes diferentes (palavra escrita versus narrativa sequencial), as duas obras dialogam de forma razoavelmente interessante.

Ambas as narrativas se desenvolvem em um ambiente arrasado e completamente modificado pela ação do homem.

Os personagens tanto do livro quanto da HQ vivem em andrajos, lutando para sobreviver um dia por vez.

As perspectivas de retorno à normalidade de quem ainda tem memória do mundo pré- apocalipse são nulas.

Além desses, há também os filhos do apocalipse, nascidos após a hecatombe e desprovidos de traços básicos de humanidade.

Para além das similaridades narrativas, ambas as obras refletem ainda pontos em comum entre os autores: seu profundo humanismo, suas preocupações com o futuro e um senso de humor bizarro.

O Homem das Neves

Margaret Atwwod, foto Jean Malek / Divulgação
Primeiro livro da chamada Trilogia Maddadão, Oryx & Crake é mais uma amostra da imensa criatividade da escritora canadense Margaret Atwood.

Só um aviso: quem achava a distopia de The Handmaid’s Tale horripilante, ainda não viu nada.

Em um futuro não-determinado mas certamente próximo, acompanhamos as andanças do único sobrevivente humano de uma peste que dizimou a humanidade.

Vestido apenas com um lençol, ele vive entre os novos habitantes da Terra: uma raça de pessoas geneticamente modificadas, os Crakers, que o chamam de Homem das Neves.

No passado, o Homem das Neves se chamava Jimmy e vivia com seus pais em um mundo dominado pelas megacorporações.

Mundo este que se dividia entre  cidades fortificadas construídas pelas empresas e o resto: a Plebelândia, onde não havia  governos, só a lei do mais forte.

Em seu mundinho à parte, o pai de Jimmy trabalhava como engenheiro genético desenvolvendo novas espécies de animais e vegetais para alimentar o planeta.

Obviamente, todo tipo de monstruosidade resultava dessas experiências. Quem protestava ou sumia, ou era exilado.

Com absoluta habilidade, Atwood conduz o leitor entre o presente do Homem das Neves e a vida de Jimmy, desde a infância até se tornar um trapo humano vestido de lençol.

Acompanhamos Jimmy fazer amizade com um colega de escola, Glenn, que mais tarde veio a se chamar Crake, identidade que costumava assumir nos games on line que os dois meninos jogavam juntos.

E juntos, já adolescentes, os dois conhecem a menina que veio se tornar Oryx, também on line, só que à venda, em um site ilegal de prostitutas menores de idade.

Nas idas e vindas da narrativa, Jimmy, Crake e Oryx acabam, de forma muito infeliz, se tornando um triângulo amoroso.

Contar mais seria estragar a história, mas o fato é que o trio tem tudo a ver com a peste que acaba por eliminar o que restava de  humanidade no planeta, liberando-o para as novas espécies artificiais.

Visão aterradora de um futuro cada vez mais verossímil, Oryx & Crake é obra cheia de questionamentos éticos com a marca da prosa refinada e irônica de Atwood, hoje cultuada graças ao fenômeno The Handmaid’s Tale, livro e série.

Obviamente, Oryx & Crake e suas continuações, O Ano do Dilúvio e Maddadão, já tiveram seus direitos de adaptação para a TV adquiridos pela Paramount Television. Agora é ler o livro e aguardar a estreia.

Crueza e esperança

Conceituadíssimo na Itália, o quadrinista, cartunista e cineasta Gian Alfonso Pacinotti, o Gipi, finalmente chega ao Brasil com sua obra A Terra dos Filhos, uma HQ tão bela quanto cruel sobre a vida de um pai e seus dois filhos em um ambiente pós-apocalíptico inundado (provavelmente pelo degelo polar, mas a HQ não entra nesses detalhes).

O pai tenta ensinar os filhos a sobreviver em um mundo absolutamente hostil, sem demonstrar afeto: algo que, ele crê, poderá enfraquece-los.

Muito visual e com poucos diálogos, A Terra dos Filhos é um show de narrativa sequencial de Gipi, dono de traço muito rico e expressivo.

Apesar da dureza (e crueza) de muitas situações, Gipi consegue concluir sua fábula sobre paternidade com um aceno de esperança, um alívio mínimo em dias tão duros.

Oryx e Crake / Margaret Atwood / Rocco / Tradução: Léa Viveiros de Castro / 352 p. / R$ 39,90

A Terra Dos Filhos / Gipi / Veneta / Tradução: Michele Vartulli / 288 p. / R$ 99,90

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