Plaza Matriz, centro de Montevidéu. Fotos: Chico Castro Jr. |
“Para mim é um emprego qualquer. Tomo banho e vou trabalhar”, respondeu, com o estoicismo que o tornou famoso. Visitar o Uruguai é experimentar um pouco desse estoicismo in loco.
Habitado por um povo trabalhador, mas que não se deixa escravizar – não a toa, detentor do melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da América Latina –, o pequeno / grande vizinho ao Sul guarda muito mais surpresas do que sua bela capital Montevideu deixa transparecer.
Até porque a indústria do turismo é hoje uma das principais fontes de renda do país, tendo recebido grandes aportes de investimento, tanto público quanto privado.
O resultado se reflete numa valorização e numa procura cada vez maior do “destino Uruguai” – como se diz no jargão turístico –, competindo de igual para igual com os outros destinos preferidos dos brasileiro na América do Sul, como Argentina, Chile e Colômbia.
Palacio Salvo, marco arquitetônico da capital |
Junte a isso o ótimo atendimento nos hoteis, restaurantes e estabelecimentos em geral com a acolhida calorosa do povo e o resultado será sem dúvida uma viagem inesquecível para os brasileiros.
Uma estrela para Ghiggia
Uma coisa é certa: é inevitável começar por Montevidéu (a não ser que se vá até lá de carro). Fria e enevoada no inverno, agradável e ensolarada no verão, Montevidéu é uma típica grande capital sul-americana: grande e multifacetada, pois é histórica e moderna ao mesmo tempo.
O ponto certo para começar é onde a Avenida 18 de Julio (a principal da cidade) e a Plaza da Independencia se encontram: o impressionante Palacio Salvo, símbolo da arquitetura eclética que marca muitos prédios históricos locais.
A estrela do famigerado (para os brasileiros) Ghiggia, na Peatonal Sarandí |
Depois de ouvir La Cumparsita em 300 versões (homenageada este ano pelo seu centenário) e comprar lembranças na lojinha, bote o pé no caminho, pois há muito a se explorar nas proximidades.
Só nesta região do centro histórico há o centenário Teatro Solís, a Catedral Basílica (do século VXIII), diversos museus, lojas e a adorável Peatonal Sarandí, uma rua só para pedestres (como o nome indica), cheia de restaurantes de parrilla (churrasco) e lojinhas, além de uma calçada da fama com direito a estrelas para grandes uruguaios – entre eles (Alcides Edgardo) Ghiggia, herói do Maracanazo de 1950.
Uma surpresa a cada atração
Casa Pueblo, arquitetura alienígena e vista de tirar o fôlego |
Meio grega (toda branca), meio alienígena, a Casa Pueblo está, na verdade, mais para uma cidadela do que para uma casa, tamanho o seu gigantismo e as labirínticas passagens, plataformas, varandas, escadas, salões, corredores.
Encarapitada no topo de um penhasco, debruça-se sobre uma infinita visão do Atlântico Sul, de onde se avista um pôr do sol de tirar o fôlego.
Além da casa em si e da paisagem, há uma vasta mostra permanente da obra e da impressionante história da vida de Vilaró – que visitou a Bahia nos anos 1950 e era amigo de Jorge Amado, Vinícius de Moraes e Pelé, como atestam suas placas em homenagem.
O cassino do Conrad Punta del Este |
Frequentado por ricos e famosos do mundo inteiro, conta com muitos hoteis de luxo, restaurantes chiquérrimos, o maior cassino da América Latina (no hotel Conrad), boates luxuriantes, belas praias e shows com artistas do circuito internacional, que são uma rotina local. Um point obrigatório do turismo de luxo.
Colonia de Sacramento
Menos ostentatória e mais cultural, mas igualmente atraente é a cidade histórica de Colonia de Sacramento.
Conhecida entre nós, brasileiros, como “a Paraty brasileira”, a cidade, fundada em 1680 pelo português Manuel Lobo (então governador da Capitania do Rio de Janeiro), tem todo o seu centro antigo tombado pela UNESCO como patrimônio da humanidade.
Localizada onde o Rio Uruguai encontra o mar, Colonia foi objeto de disputa durante séculos por portugueses e espanhois, chegando a fazer parte do Brasil após a independência, em 1822.
Foi só com a independência do Uruguai, em 1828, que Colonia passou a fazer parte do novo país ao sul de nossa fronteira.
As casinhas de pedra de Colonia de Sacramento |
As encantadoras ruazinhas de paralelepípedos do centro histórico oferecem uma vasta oferta de restaurantes, bares, lojas, museus e pousadas.
Preste atenção na Calle de los Suspiros (Rua dos Suspiros), uma das mais antigas da cidade, do período português, com casinhas típicas muito coloridas e bem conservadas.
Outro ponto curioso são os farois. Há dois: um todo de pedra, desativado. E um mais novo, no qual é possível subir, pagando-se módica quantia, para apreciar a vista.
Um passeio pela orla de Colonia de Sacramento |
Não a toa, todos os dias, ferry boats vindos da capital portenha chegam todos os dias de manhã ao terminal marítimo, trazendo centenas de turistas, que vão embora no barco que sai de tardinha.
Então, não esqueça: ao visitar Buenos Aires, reserve um dia para conhecer a mais importante cidade histórica uruguaia. É pertinho, não é cara - e vale muito a pena.
Pegue a estrada à Casita
La Casita de Chocolate e seu clima mágico |
Postos Ancap (estatal uruguaia) e da brasileira Petrobras surgem volta e meia pelo caminho, garantindo combustível, banheiros e conveniências aos viajantes.
Mas o melhor mesmo são as surpresas que as estradas nos reservam.
Uma das mais interessantes é La Casita de Chocolate, uma ultrapitoresca casa de chá localizada em uma estradinha de terra em Pueblo Edén, departamento de Maldonado, próximo à Punta del Este.
O Uruguai, assim como a França, é dividido em departamentos, e não em estados.
A Casita, uma casinha mesmo, é fofa por dentro e por fora. Literalmente, é uma casa de família, que colocou sua força de trabalho e a tradição culinária da região à serviço de chás (muitos da flora local e super aromáticas), chocolates quentes, bolos, doces, tortas e sanduíches para comer rezando.
Todo decorado com livros, louças e peças de arte, e com blues e jazz suaves de trilha sonora, parece um lugar à parte, fora do tempo. Este é o Uruguai, país cheio de surpresas para levar na memória.
A PRIMEIRA VINÍCOLA
Os parreirais de Juanicó no frio de agosto |
É no departamento de Canelones, a meros 38 quilômetros da capital Montevidéu, que se localiza uma das vinícolas mais importantes das Américas: é o Estabelecimiento Juanicó, fundada em 1830 por um imigrante espanhol chamado Francisco Juanicó.
“Ao se mudar aqui para a região, ele percebeu que as pessoas bebiam muito vinho, mas não havia vinícolas na região”, conta Pedro Pohlmann Griboni, o simpático enólogo e guia gaúcho que recebe e instrui visitantes no local e durante as degustações.
Francisco rompeu com a tradição essencialmente pecuária da região: construiu uma cave e começou a vinícola, aproveitando-se do seu clima ameno e do seu solo argiloso-calcário ondulado, o que favorece a drenagem da água e a produção de vinhos.
Na cave histórica, vinhos repousam em barris de carvalho francês |
Cheios de planos, Deicas e sua família resolveram levar a vinícola a patamares de excelência ainda não experimentados por qualquer outra similar uruguaia.
“Nos anos 1970, os vinhos do Novo Mundo (Estados Unidos, Austrália, Chile, Argentina, África do Sul) começaram a chamar atenção das comunidades enófilas, mas o Uruguai ainda não tinha uma vinícola que o representasse”, lembra o guia.
Foi preciso mais de uma década de investimento, estudos de especialistas internacionais contratados e muito trabalho para, finalmente, o Estabelecimiento Juanicó oferecer ao mundo seu primeiro vinho de padrão mundial.
Foi em 1992 que a família Deicas lançou o vinho Preludio – o nome, emprestado do jargão musical, não foi a toa: trata-se da introdução, do começo de uma peça erudita.
Preludio, o vinho que botou Uruguai no mapa |
Aberta a porteira, a vinícola lança quatro anos depois, em 1996, o vinho que é o seu maior sucesso: Dom Pascual Tannat Roble.
“Até hoje, uma em cada quatro garrafas de vinho abertas no Uruguai é Dom Pascual”, afirma Pedro.
Com mais de 200 hectares em Juanicó (há mais dois vinhedos da empresa em outras regiões do Uruguai), o Estabelecimiento produz diversos tipos de uvas, mas é mais conhecido pela especialidade da região, a Tannat.
Nativa do sudoeste da França (região de Madiran), a Tannat foi levada para o Uruguai por colonizadores bascos e hoje ocupa 1/3 dos vinhedos do Uruguai, um total duas vezes maior do que o produzido na própria França.
Sua principal característica é sua enorme carga tânica, ou seja: é tanino que não acaba mais. O tanino é um polifenol de origem vegetal que ajuda a proteger as plantas do ataque de herbívoros e microorganismos.
Nos vinhos, os taninos se concentram na casca da uva e são os responsáveis pela sensação de secura que ataca a boca logo no primeiro gole.
Para diminuir a agressividade da sensação, há várias técnicas que amenizam e integram os taninos ao vinho.
Uma das muitas edificações históricas de Juanicó |
Pesquisas mais recentes apontaram os vinhos puxados no tanino como os mais saudáveis, graças às suas propriedades anti-oxidantes, auxiliando principalmente na redução dos níveis do colesterol.
Notas inescrutáveis
Considerações enófilas à parte, visitar o Estabelecimiento Juanicó é um passeio encantador mesmo para quem não é exatamente adepto da bebida.
Rodeada de uma natureza exuberante, a vinícola conta com vários prédios históricos erguidos pelos índios guarani, incluindo a cave aberta por Francisco Juanicó em 1830, perfeitamente conservada.
Não a toa, o Estabelecimiento foi nomeado Monumento Historico Nacional pelo governo uruguaio.
Pedro, o guia gaúcho que sabe tudo de vinho |
Na verdade, não é que haja todos esses ingredientes nos vinhos. “Algumas moléculas presentes no vinho são as mesmas presentes nesses elementos citados pelos enófilos, daí a sugestão das notas”, esclarece Pedro, já à mesa do restaurante da vinícola.
O almoço, no amplo salão aquecido por lareira, segue o esquema clássico: entrada, prato principal, sobremesa.
A cada passo, um vinho diferente para harmonizar (fora o espumante oferecido nas boas-vindas). O prato principal, claro, não poderia ser outro: parrilla (churrasco).
Só que há pelo menos dois diferenciais na parrilla uruguaia. O primeiro é que o gado (do Estabelecimiento, mesmo) é criado em uma pasto essencialmente plano. Sem subir ou descer encostas (ou seja, sem se exercitar), a carne permanece macia, macia.
O salão de jantar aquecido pela lareira |
Resultado: o melhor churrasco que o humilde repórter já teve o prazer de devorar. Destaque para a molleja, nada mais que o rim do gado, que simplesmente derrete na boca e não se encontra para preparar no Brasil.
Após a sobremesa, vale aquela passada na lojinha na loja da vinícola para trazer ao Brasil algumas garrafas de vinho e do azeite de oliva da casa, outra preciosidade, além das lembrancinhas de sempre.
Só não faça como o repórter, que perdeu a noção do valor dos seus poucos Pesos após algumas taças e saiu ligeiramente endividado da casa...
A propósito, sim, eles aceitam cartão de crédito internacional, claro.
Comer, ficar, ver, curtir, lembrar: dicas rápidas
Teatro Solís, o principal palco de Montevidéu |
The Grand: De arquitetura curiosa, é a opção mais descolada para ficar em Punta
Regency Way: Bem no coração do bairro de Pocitos, é ótima opção mais em conta para ficar em Montevidéu
Garcia: Parrilla de primeira, no charmoso bairro Carrasco
La Casita de Chocolate: Nos confins de uma estradinha em Pueblo Eden, uma adorável casa familiar de chá, doces, bolos. Clima inexplicável, só indo
Carlos Gardel o aguarda à porta do Bar Facal, reduto dos intelectuais |
Estabelecimiento Juanicó: Mais antiga vinícola uruguaia, a 2,5 horas de Montevidéu. O restaurante oferece harmonização dos vinhos da casa com a parrilla. Inesquecível
Puro Verso: Livros, música, HQs: a cultura uruguaia floresce na Peatonal Sarandí
Pulperia de Los Faroles: Excelente opção para almoçar ou jantar em Colonia de Sacramento
Francis: Sofisticado restaurante da capital, nos bairros de Carrasco e Punta Carretas. O matambrillo de porco dá para um casal
A Casa Pueblo nunca é demais |
Teatro Solís: Com 161 anos, o principal palco da capital. Necessário
Catedral Metropolitana: Majestosa, de 1720. Tem que ver
O repórter viajou ao Uruguai (representando o jornal A TARDE) a convite do Ministerio de Turismo de Uruguai