sexta-feira, setembro 29, 2017

MÚLTIPLO URUGUAI

Viagem: O pequeno grande vizinho ao Sul oferece muitas opções de passeios e paisagens – e quer conquistar de vez os brasileiros

Plaza Matriz, centro de Montevidéu. Fotos: Chico Castro Jr.
Uma vez perguntaram ao ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica sobre o trabalho que então exercia.

“Para mim é um emprego qualquer. Tomo banho e vou trabalhar”, respondeu, com o estoicismo que o tornou famoso. Visitar o Uruguai é experimentar um pouco desse estoicismo in loco.

Habitado por um povo trabalhador, mas que não se deixa escravizar – não a toa, detentor do melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da América Latina –, o pequeno / grande vizinho ao Sul  guarda muito mais surpresas do que sua bela capital Montevideu deixa transparecer.

Até porque a indústria do turismo é hoje uma das principais fontes de renda do país, tendo recebido grandes aportes de investimento, tanto público quanto privado.

O resultado se reflete numa valorização e numa procura cada vez maior do “destino Uruguai” – como se diz no jargão turístico –, competindo de igual para igual com os outros destinos preferidos dos brasileiro na América do Sul, como  Argentina, Chile e Colômbia.

Palacio Salvo, marco arquitetônico da capital
Razões para isso não faltam. Apesar de pequeno, o Uruguai dispõe de uma enorme diversidade de atrações e paisagens. Das cosmopolitas Montevidéu e Punta Del Este, à histórica Colonia de Sacramento, passando pelo turismo rural e de aventura nas estancias, o enoturismo nas vinícolas e as termas ao norte do país, o Uruguai parece oferecer um pouco de tudo para todos.

Junte a isso o ótimo atendimento nos hoteis, restaurantes e estabelecimentos em geral com a acolhida calorosa do povo e o resultado será sem dúvida uma viagem inesquecível para os brasileiros.

Uma estrela para Ghiggia

Uma coisa é certa: é inevitável começar por Montevidéu (a não ser que se vá até lá de  carro). Fria e enevoada no inverno, agradável e ensolarada no verão, Montevidéu é uma típica grande capital sul-americana: grande e multifacetada, pois é histórica e moderna ao mesmo tempo.

O ponto certo para começar é onde a Avenida 18 de Julio (a principal da cidade) e a Plaza da Independencia se encontram: o impressionante Palacio Salvo, símbolo da arquitetura eclética que marca muitos prédios históricos locais.

A estrela do famigerado (para os brasileiros) Ghiggia, na Peatonal Sarandí
Lá mesmo está o pequeno porém adorável Museu do Tango, uma homenagem da cidade ao gênero musical que nasceu ali – e não na Argentina como se costuma pensar.

Depois de ouvir La Cumparsita em 300 versões (homenageada este ano pelo seu centenário) e comprar lembranças na lojinha, bote o pé no caminho, pois há muito a se explorar nas proximidades.

Só nesta região do centro histórico há o centenário Teatro Solís, a Catedral Basílica (do século VXIII), diversos museus, lojas e a adorável Peatonal Sarandí, uma rua só para pedestres (como o nome indica), cheia de restaurantes de parrilla (churrasco) e lojinhas, além de uma calçada da fama com direito a estrelas para grandes uruguaios – entre eles (Alcides Edgardo) Ghiggia, herói do Maracanazo de 1950.

Uma surpresa a cada atração

Casa Pueblo, arquitetura alienígena e vista de tirar o fôlego 
Localizada em Punta Ballena, a 15 quilômetros de Punta Del Este está, provavelmente, o lugar mais apaixonante de todo o Uruguai – e olha que a concorrência é forte: Casa Pueblo, a majestosa habitação / escultura / museu / hotel erguida pelo artista plástico Carlos Paez Vilaró (1923-2014).

Meio grega (toda branca), meio alienígena, a Casa Pueblo está, na verdade, mais para uma cidadela do que para uma casa, tamanho o seu gigantismo e as labirínticas passagens, plataformas, varandas, escadas, salões, corredores.

Encarapitada no topo de um penhasco, debruça-se sobre uma infinita visão do Atlântico Sul, de onde se avista um pôr do sol de tirar o fôlego.

Além da casa em si e da paisagem, há uma vasta mostra permanente da obra e da impressionante história da vida de Vilaró – que visitou a Bahia nos anos 1950 e era amigo de Jorge Amado, Vinícius de Moraes e Pelé, como atestam suas placas em homenagem.

O cassino do Conrad Punta del Este
Pegue a estrada em direção a Punta Del Este, ali perto, e aproveite para conhecer o mais rico e cosmopolita dos balneários latino americanos.

Frequentado por ricos e famosos do mundo inteiro, conta com muitos hoteis de luxo, restaurantes chiquérrimos, o maior cassino da América Latina (no hotel Conrad), boates luxuriantes, belas praias  e shows com artistas do circuito internacional, que são uma rotina local. Um point obrigatório  do turismo de luxo.

Colonia de Sacramento

Menos ostentatória e mais cultural, mas igualmente atraente é a cidade histórica de Colonia de Sacramento.

Conhecida entre nós, brasileiros, como “a Paraty brasileira”, a cidade, fundada em 1680 pelo português Manuel Lobo (então governador da Capitania do Rio de Janeiro), tem todo o seu centro antigo tombado pela UNESCO como patrimônio da humanidade.

Localizada onde o Rio Uruguai encontra o mar, Colonia foi objeto de disputa durante séculos por portugueses e espanhois, chegando a fazer parte do Brasil após a independência, em 1822.

Foi só com a independência do Uruguai, em 1828, que Colonia passou a fazer parte do novo país ao sul de nossa fronteira.

As casinhas de pedra de Colonia de Sacramento
As heranças portuguesa e espanhola, que dominaram a cidade por séculos, se faz sentir na arquitetura das casas, nas ruínas dos fortes  e também nos azulejos (tipicamente lusitanos) que adornam as ruas.

As encantadoras ruazinhas de paralelepípedos do  centro histórico oferecem uma vasta oferta de restaurantes, bares, lojas, museus e pousadas.

Preste atenção na Calle de los Suspiros (Rua dos Suspiros), uma das mais antigas da cidade, do período português, com casinhas típicas muito coloridas e bem conservadas.

Outro ponto curioso são os farois. Há dois: um todo de pedra, desativado. E um mais novo, no qual é possível subir, pagando-se módica quantia, para apreciar a vista.

Um passeio pela orla de Colonia de Sacramento
Em  noite clara é possível avistar as luzes de Buenos Aires, logo ali, do outro lado do braço de mar entre o Uruguai e a Argentina.

Não a toa, todos os dias, ferry boats vindos da capital portenha chegam todos os dias de manhã ao terminal marítimo, trazendo centenas de turistas, que vão embora no barco que sai de tardinha.

Então, não esqueça: ao visitar Buenos Aires, reserve um dia para conhecer a mais importante cidade histórica uruguaia. É pertinho, não é cara -   e vale muito a pena.

Pegue a estrada à Casita

La Casita de Chocolate e seu clima mágico
De carro, de ônibus ou de van, é uma delícia percorrer as estradas uruguaias, quase sempre em ótimo estado - pelo menos pelas que a reportagem de A TARDE percorreu.

Postos Ancap (estatal uruguaia) e da brasileira Petrobras surgem volta e meia pelo caminho, garantindo combustível, banheiros e conveniências aos viajantes.

Mas o melhor mesmo são as surpresas que as estradas nos reservam.

Uma das mais interessantes é La Casita de Chocolate, uma ultrapitoresca casa de chá localizada em uma estradinha de terra em Pueblo Edén, departamento de Maldonado, próximo à Punta del Este.

O Uruguai, assim como a França, é dividido em departamentos, e não em estados.

A Casita, uma casinha mesmo, é fofa por dentro e por fora. Literalmente, é uma casa de família, que colocou sua força de trabalho e a tradição culinária da região à serviço de chás (muitos da flora local e super aromáticas), chocolates quentes, bolos, doces, tortas e sanduíches para comer rezando.

Todo decorado com livros, louças e peças de arte, e com blues e jazz suaves de trilha sonora, parece um lugar à parte, fora do tempo. Este é o  Uruguai, país cheio de surpresas para levar na memória.

A PRIMEIRA VINÍCOLA

Os parreirais de Juanicó no frio de agosto
A apenas 30 minutos de carro de Montevidéu ergue-se uma espécie de Santo Graal para enófilos do mundo todo: a primeira (e maior) vinícola uruguaia. O Estabelecimiento Juanicó, parada obrigatória para apreciadores da bebida dos deuses, botou o Uruguai no mapa mundial do vinho com a esplêndida, (quase) exclusiva  e ultra seca uva tannat

É no departamento de Canelones, a meros 38 quilômetros da capital Montevidéu, que se localiza uma das vinícolas mais importantes das Américas: é o Estabelecimiento Juanicó, fundada em 1830 por um imigrante  espanhol chamado Francisco Juanicó.

“Ao se mudar aqui para a região, ele percebeu que as pessoas bebiam muito vinho, mas não havia vinícolas na região”, conta Pedro Pohlmann Griboni, o simpático enólogo e guia gaúcho que recebe e instrui visitantes no local e durante as degustações.

Francisco rompeu com a tradição essencialmente pecuária da região: construiu uma cave e começou a vinícola, aproveitando-se do seu clima ameno e do seu solo argiloso-calcário ondulado, o que  favorece a drenagem da água e a produção de vinhos.

Na cave  histórica, vinhos repousam em barris de carvalho francês
“Por cinco gerações, a vinícola permaneceu propriedade da família Juanicó, até que, ali em meados do século 20, ela se torna estatal. Só em 1979 ela foi adquirida por  Juan Carlos Deicas”, narra Pedro caminhando entre os parreirais, ainda vazios no frio de agosto, quando a MUITO visitou o local.

Cheios de planos, Deicas e sua família resolveram levar a vinícola a  patamares de excelência ainda não experimentados por qualquer outra similar uruguaia.

“Nos anos 1970, os vinhos do Novo Mundo (Estados Unidos, Austrália, Chile, Argentina, África do Sul)  começaram a chamar atenção das comunidades enófilas, mas o Uruguai ainda não tinha uma vinícola que o representasse”, lembra o guia.

Foi preciso mais de uma década de investimento, estudos de especialistas internacionais contratados e muito trabalho para, finalmente, o Estabelecimiento Juanicó oferecer ao mundo seu primeiro vinho de padrão mundial.

Foi em 1992 que a família Deicas lançou o vinho Preludio – o nome, emprestado do jargão musical, não foi a toa: trata-se da introdução, do começo de uma peça erudita.

Preludio, o vinho que botou Uruguai no mapa
“Feito com seis uvas (Tannat, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e Marselan),  o Preludio ‘92 foi muito bem recebido pela mídia especializada mundo afora. Até hoje ainda está no mercado. Foi neste momento que o Uruguai foi reconhecido como um grande produtor de vinhos”, relata.

Aberta a porteira, a vinícola lança quatro anos depois, em 1996, o vinho que é o seu  maior sucesso: Dom Pascual Tannat Roble.

“Até hoje, uma em cada quatro garrafas de vinho abertas no Uruguai é Dom Pascual”, afirma Pedro.

Com mais de 200 hectares em Juanicó (há mais dois vinhedos da empresa em outras regiões do Uruguai), o Estabelecimiento produz diversos tipos de uvas, mas é mais conhecido pela especialidade da região, a Tannat.

Nativa do sudoeste da França (região de Madiran), a Tannat foi levada para o Uruguai por colonizadores bascos e hoje ocupa 1/3 dos vinhedos do Uruguai, um total duas vezes maior do que o produzido na própria França.

Sua principal característica é sua enorme carga tânica, ou seja: é tanino que não acaba mais. O tanino é um polifenol de origem vegetal que ajuda a proteger as plantas do ataque de herbívoros e microorganismos.

Nos vinhos, os taninos se concentram na casca da uva e são os responsáveis pela sensação de secura que ataca a boca logo no primeiro gole.

Para diminuir a agressividade da sensação, há várias técnicas que amenizam e integram os taninos ao vinho.

Uma das muitas edificações históricas de Juanicó
No Estabelecimiento Juanicó, o Preludio (por exemplo) descansa por três anos em barris de carvalho franceses e norte-americanos. E depois, mais três já engarrafados.

Pesquisas mais recentes apontaram os vinhos puxados no tanino como os mais saudáveis, graças às suas propriedades anti-oxidantes, auxiliando principalmente na redução dos níveis do colesterol.

Notas inescrutáveis 

Considerações enófilas à parte, visitar o Estabelecimiento Juanicó é um passeio encantador mesmo para quem não é exatamente adepto da bebida.

Rodeada de uma natureza exuberante, a vinícola conta com vários prédios históricos erguidos pelos índios guarani, incluindo a cave aberta por Francisco Juanicó em 1830, perfeitamente conservada.

Não a toa, o Estabelecimiento foi nomeado Monumento Historico Nacional pelo governo uruguaio.

Pedro, o guia gaúcho que sabe tudo de vinho
Durante a visita, o guia nos conduz pelos vinhedos e depois pelos prédios, passando pela área industrial e em seguida pelas caves, dando uma verdadeira aula sobre as uvas, suas variedades, os processos de vinificação, de envelhecimento e finalmente, a degustação, onde identifica todas aquelas notas – “couro, ameixa em estado de geleia, frutas vermelhas, chocolate, café” etc – inescrutáveis aos pobres mortais.

Na verdade, não é que haja todos esses ingredientes nos vinhos. “Algumas moléculas presentes no vinho são as mesmas presentes nesses elementos  citados pelos enófilos, daí a sugestão das notas”, esclarece Pedro, já à mesa do restaurante da vinícola.

O almoço, no amplo salão aquecido por lareira, segue o esquema clássico: entrada, prato principal, sobremesa.

A cada passo, um vinho diferente para harmonizar (fora o espumante oferecido nas boas-vindas). O prato principal, claro, não poderia ser outro: parrilla (churrasco).

Só que há pelo menos dois diferenciais na parrilla uruguaia. O primeiro é que o gado (do Estabelecimiento, mesmo) é criado em uma pasto essencialmente plano. Sem subir ou descer encostas (ou seja, sem se exercitar), a  carne permanece macia, macia.

O salão de jantar aquecido pela lareira 
O segundo diferencial é o preparo: a parrilla uruguaia é assada à lenha – e não no carvão, como se costuma fazer.

Resultado: o melhor churrasco que o humilde repórter já teve o prazer de devorar. Destaque para a molleja, nada mais que o rim do gado, que simplesmente derrete na boca e não se encontra para preparar no Brasil.

Após a sobremesa, vale aquela passada na lojinha na loja da vinícola para trazer ao Brasil algumas garrafas de vinho e do azeite de oliva da casa, outra preciosidade, além das lembrancinhas de sempre.

Só não faça como o repórter, que perdeu a noção do valor dos seus poucos Pesos após algumas taças e saiu ligeiramente endividado da casa...

A propósito, sim, eles aceitam cartão de crédito internacional, claro.

Comer, ficar, ver, curtir, lembrar: dicas rápidas

Teatro Solís, o principal palco de Montevidéu
Enjoy Conrad: O hotel, símbolo de Punta Del Este, tem cassino e tudo o que famílias e casais  apreciam

The Grand: De arquitetura curiosa, é a opção mais descolada para ficar em Punta

Regency Way: Bem no coração do bairro de Pocitos, é ótima opção mais em conta para ficar em Montevidéu

Garcia: Parrilla de primeira, no charmoso bairro Carrasco 

La Casita de Chocolate: Nos confins de uma estradinha em Pueblo Eden, uma  adorável casa familiar de chá, doces, bolos. Clima inexplicável, só indo

Carlos Gardel o aguarda à porta do Bar Facal, reduto dos intelectuais
Bar Facal: Tradicional ponto dos intelectuais da capital, tem estátua de Gardel, fonte, chivitos,  garçons divertidos e o melhor sorvete de doce de leite

Estabelecimiento Juanicó: Mais antiga vinícola uruguaia, a 2,5 horas de Montevidéu. O restaurante oferece harmonização dos vinhos da casa com a parrilla. Inesquecível

Puro Verso: Livros, música, HQs: a cultura uruguaia floresce na Peatonal Sarandí

Pulperia de Los Faroles: Excelente opção para almoçar ou jantar em Colonia de Sacramento

Francis: Sofisticado restaurante da capital, nos bairros de Carrasco e Punta Carretas. O matambrillo de porco dá para um casal

A Casa Pueblo nunca é demais
Casa Pueblo: Escultura gigantesca, casa de um grande artista. Ir ao Uruguai e não ver a Casa Pueblo é como não ir ao Uruguai

Teatro Solís: Com 161 anos, o principal palco da capital. Necessário

Catedral Metropolitana: Majestosa, de 1720. Tem que ver

O repórter viajou ao Uruguai (representando o jornal A TARDE) a convite do Ministerio de Turismo de Uruguai

quinta-feira, setembro 28, 2017

FIM DE JORNADA

PERDA: Guido Araújo, ícone baiano do chamado “cinema de resistência”, morre aos 83 anos. A TARDE relembra trajetória marcante

Um dos maiores guerreiros do cinema baiano se foi na manhã de ontem: Guido Araújo, idealizador das Jornadas Internacionais de Cinema da Bahia e documentarista, morreu internado no Hospital Português, de causas não reveladas.

Um dos últimos remanescentes de sua geração, Guido tinha 83 anos e foi de importância fundamental para o cinema não apenas baiano, mas também brasileiro.

Em 1972, em plena vigência do famigerado AI-5, Guido realizou a primeira Jornada de Cinema da Bahia, que ainda não era “Internacional”, mas tinha perfil francamente de esquerda – ele chegou mesmo a ser membro do Partido Comunista –, trazendo sempre filmes de conteúdo social e humanista, documentários, muitos deles de países do bloco socialista ou de países do Terceiro Mundo – América do Sul e África, principalmente.

“Guido era  uma figura emblemática. Saiu da Bahia antes do golpe (de 1964) e voltou no periodo do AI-5, mesmo sendo do Partidão. E certamente sabia negociar, por que a ditadura aceitou ele fazendo a Jornada todo ano”, observa o jornalista e articulista de A TARDE  Raul Moreira, que também milita na seara cinematográfica.

“Ele foi um lutador para que a sétima arte se desenvolvesse no Brasil. Trabalhou muito pela Jornada, trabalhou no Rio de Janeiro, no primeiro filme do Nélson Pereira dos Santos, o clássico Rio 40 Graus, estudou fora do pais (na então Tchecoslováquia), voltou, aplicou o que aprendeu aqui. Sempre lutou pelo cinema, foi um cara que fez tudo mesmo pelo cinema”, afirma Roque Araújo, cineasta contemporâneo de Guido, cameraman dos primeiros filmes de Glauber Rocha.

Sua menina dos olhos, a Jornada, com os anos acabou se tornando cada vez mais difícil de ser realizada, pela falta de recursos.

“Guido usava o cinema com instrumento de combate, e a Jornada era isso. Então ele se apegou muito. Apesar de todos os problemas, aquilo era a vida dele, então ele sofreu muito por isso no fim da vida, se sentiu abandonado”, relata Raul.

“Ele lutou pela redemocratização e, quando chegou um governo de esquerda na Bahia (Jaques Wagner, em 2006) a Jornada foi deixada de lado. Muita gente alegava que estava obsoleta, que era coisa do passado. Mas Guido foi um cara importante como Walter da Silveira, ele elevou a Bahia. A respeitabilidade dele lá fora, no meio dos cineastas alternativos, era enorme. O Brasil vai chorar por Guido”, diz .

“Você conseguir fazer um festival de cinema de esquerda em plena ditadura não era para qualquer um. Mas ele tinha isso, era um conciliador. Quando ele fazia a Jornada no início dos anos 70, aquele galera do movimento do Super 8 (Edgar Navarro, Pola Ribeiro) ele achava que não tinha relevância, mas exibia os trabalhos deles assim mesmo. E esse pessoal achava ele um caretão que usava bigode, meio que se batiam de frente, mas depois, com o tempo, foram se aproximando. Acho que seu único desafeto era (o crítico de cinema) André Setaro (morto em 2014), a quem ele chamava de ‘agente do cinema americano’. E Setaro dizia que ele era um intransigente, um radical”, diverte-se Raul.

Guido em série

Cineasta premiado nacionalmente pelo documentário Samba Riachão (2001), Jorge Alfredo conhecia Guido de longa data, mas não era próximo dele até a premiação do próprio filme no Festival de Brasília.

“Guido era aquela figura que estava em todo canto: nos bastidores, na plateia. Era a força da Bahia, vibrando, torcendo pela Bahia. Achei tao bonito, ‘poxa, que figura’. Me chamou a atenção”, lembra.

Mas ainda não foi ali que ficaram amigos. Editor da revista on line Caderno de Cinema (www.cadernodecinema.com.br), Jorge chamou Guido para escrever um artigo em 2013.

“Foi aí que ele veio com o choque sobre o final da Jornada de Cinema. Todos ficaram perplexos, não podemos nos dar ao luxo de jogar para escanteio um evento de quarenta anos. Procurei Guido  para saber mais, aí vi que não tinha mais condição nenhuma mesmo”, lamenta Jorge.

"A Jornada sempre foi muito acanhada, sem luxos, e ficava achando estranho, 'como não tem recurso?' Fui entender que ele era de outra época, era um ponto fora da curva, ele não coube mais (nos novos tempos), tiraram os recursos, e ainda disseram que foi culpa dele perder a Petrobras )(patrocinadora da Jornada por anos", reflete.

Jorge ficou incomodado com aquilo, remoendo, quando resolveu fazer um documentário sobre o próprio Guido.

“Eu disse: ‘topa fazer um doc?’. Ele topou na hora. Aí começamos um namoro: toda sexta de manhã eu ia lá e ele vinha cheio de papel, documentos, fotos fitas Betacam. Percebi que mais do esse agitador cultural, ele era também um puta cineasta, mas que deixou sua obra em terceiro, quarto plano. Era tudo em prol da jornada”, relata.

Inscrito em editais da SecultBA, Jorge acabou conseguindo duas belas realizações com Guido. A primeira foi a  Mostra Guido Araújo em 2015, que exibiu seus documentários em Salvador, Cachoeira,  Ilhéus, Mucuri e Inhambupe.

A segunda e maior realização foi a minissérie em cinco capítulos para a TVE Bahia O Senhor das Jornadas, exibida em junho último.

“Nesse processo todo, passou muito afeto. Aprendi muito com ele. Guido tinha um abraço muito largo, foi importante pra muita gente, para a animação, para os curta-metragens e documentários”, afirma Jorge.

"Aí quando fomos ao Rio, a convite de Nélson (Pereira dos Santos), em 2015, quando ele comemorou os 50 anos de Rio 40 Graus, ele (Guido) lutou muito pela liberação do filme, que chegou a ser proibido na época, foi um bafafá com direito a carta de Jorge Amado. Aí no (filme seguinte de Nelson) Rio Zona Norte, ele já teve uma participação mais forte. Esse encontro no Rio foi genial. Depois a verba (para a série) saiu, mas não foi tão fácil, a verba saía um pedaço aqui, outro ali, e nisso Guido começou a ir definhando, o pique que ele tinha dado (no início do processo) tinha acabado com essas demoras todas. Aí ele começou a usar bengala, lembrei de Carlitos e fiz com que a bengala fosse um personagem, com ele percorrendo os lugares todos que ele filmou", descreve Jorge Alfredo.

“De Sílvio Tendler a Edgar Navarro, Nélson, todo mundo fala que ele foi exemplo mesmo. Era muito personalista também. Isso aos olhos da nova geração era um defeito, porque ele sempre quis fazer a Jornada daquele jeito e pronto. Mas isso é que era genial: era um espaço diferenciado. Gostaria de ter tido mais tempo com ele. Nossos planos eram muito bons ”, afirma.

Professor

Cineasta diretor de filmes como o documentário Rogério Duarte, o Tropikaoslista, Walter Lima também lamentou a saída de cena de Guido.

“É uma perda enorme para a Bahia e o cinema brasileiro. Guido foi uma pessoa muito importante para o cinema baiano ao dar prosseguimento ao trabalho de Walter da Silveira com a Jornada e os cursos de cinema”, afirma.

“Ele teve um papel muito importante para a formação de uma geração: Edgar Navarro, Pola Ribeiro, esse pessoal todo que veio depois da morte do Walter (em 1970). Como realizador, diria que deixou uma obra pequena, mas como professor e animador cultural foi importantíssimo”, afirma.

A cerimônia de cremação será hoje, no Cemitério Jardim da Saudade (Brotas), às 10 horas.

terça-feira, setembro 26, 2017

HOJE: A PSICODELIA LATINA SUAVE DA ANDALUZ LANÇA PRIMEIRO ÁLBUM NO SESI

Andaluz, foto Geovana Cortes
Baterista da banda de hard rock setentista Lo Han, Thiago Brandão desenvolve em paralelo um trabalho totalmente diferente, com sua banda Andaluz.

Hoje, no Teatro do Sesi, o quarteto lança seu primeiro álbum, Perdido em Contos e Sonhos. Pelo título já dá pra pegar um pouco o clima.

No belo álbum produzido por Jorge Solovera, a Andaluz pratica uma curiosa mistura de música latina, psicodelia e a vibração Beatle filtrada pelo Clube da Esquina.

Se você procura um som que seja ao mesmo tempo suave, viajante e bem trabalhado, a Andaluz é uma boa dica.

“Na maioria das vezes o compositor transborda a realidade que vive e ouve. Sempre estive rodeado por pessoas talentosas com grandes corações. Eu como uma esponja absorvi e aprendi muito com os artistas que acompanho. Essa identidade latina-rock-brasileira-psicodélica do disco é fruto das amizades com Fábio Lima (ex-guitarra da Andaluz), Danilo Figueiredo (baixo) e tantos outros músicos queridos. Lembro das noites perdidas ouvindo Clube da Esquina com saudade. Toda a construção da harmonia desse disco mudou muito minha cabeça. Expandiu meus horizontes”, relata Thiago.

Como não poderia deixar de ser, a parceria com o chileno baiano Solovera foi fundamental na construção da sonoridade do CD: “Solovera, além de ser um ótimo produtor e multi-instrumentista, compartilha também do carinho que tenho pela música de Milton Nascimento. Desde o início eu já tinha na cabeça que ia dividir a produção com ele. Toda a estética beatle-psicodélica do Teclas Pretas (parceria com Glauber Guimarães) me deixou com essa certeza. A sonoridade latina que flerta com o rock psicodélico não seria tão rica se não fosse por Jorge Solovera”, confirma Thiago.

"Esse disco da Andaluz tem um pé muito forte nos anos 60 e 70. Muita coisa me inspirou desde O Terno, Giovani Cidreira até Pink Floyd. O surf music dos Retrofoguetes abriu várias portas também. Desde a mistura com a música latina até as partes instrumentais com intensões narrativas. Algumas histórias desse disco são contadas com coros e arranjos do clássico teclado mellotron, marcas que não escondem a forte influência dos Beatles. É muita coisa", acrescenta.

"A canção O Amanhã conta com participação de Gabriela Ferreira cantando. Filipe Castro toca castanhola em Crisálida e Andaluz. Danilo Figueiredo toca baixo em quase todas as faixas. Eu toco violão, bateria e canto em todas. Eu toco guitarra também em Crisálida. O resto foi Solovera", relata.

Sonho e realidade

O clima de sonho que permeia o disco, porém, não delimita os temas das letras.

“A música pra mim sempre foi uma maneira de viajar pela imaginação e me desligar um pouco da realidade. Em Perdido em Contos e Sonhos temos esses dois lados: o sonho e a realidade crua”, conta.

“São canções de descoberta (Andaluz, Cavaleiro Azul) e também de enfrentamento dos problemas que vivenciamos na correria automatizada do cotidiano (Jornada Disfarçada, O Amanhã). Andaluz pra mim é uma ferramenta para permanecer forte, entender melhor o mundo e expandir isso para as pessoas que estão ao meu redor”, acrescenta.

Fica ligado que em breve tem mais show da Andaluz.

"Já estou finalizando um clipe de "Sonho Bom" filmado por Victor Jimmy e Geovana Côrtes que em breve estará nas redes. As pessoas podem esperar por alguns shows de lançamento até o fim do ano. Estamos com muita vontade de mostrar esse trabalho", conclui.

Andaluz - Lançamento: Perdido em Contos e Sonhos / Hoje, 20 horas /  Teatro Sesi (Rio Vermelho) / R$ 20 / www.andaluz.mus.br



NUETAS

Exoesqueleto Hotel

Exoesqueleto e Hotel Mambembe tocam o Quanto Vale o Show? de hoje. Dubliner’ s, 20 horas, pague quanto quiser.

Inimigo Motim Rosa

O Inimigo, Motim 13 e Rosa Idiota fazem o Warm-up Bigbands 2017 nesta sexta. Dubliner’s, 21 horas, R$ 15.

Fridha, Jato, Exo

Fridha, Jato Invisível e Exoesqueleto fecham a edição 2017 do festival Soterorock sábado, na Casa Preta (2 de Julho). 20 horas, R$ 10.

Barulho e Sound

Barulho S/A e Sound Mano animam o VII Moto Passeio do Águia. Domingo, 11 horas, R$ 25, no Wet ‘n’ Wild.

segunda-feira, setembro 25, 2017

MORCEGOS-CÉREBRO NÃO FORAM PÁREO PARA A INQUISIÇÃO McCARTHISTA

Publicadas no pós-guerra, HQs de ficção científica e terror de mestres do gênero  são recuperadas em álbum  capa dura


Comparações entre as versões original (cores) e restaurada (P&B)
Na clima da onda retrô ora em voga – ameaça de guerra nuclear, ameaça de golpe militar, moralismo de padaria, mccarthismo delirante – pelo menos uma luz surgiu em meio à tormenta: as fabulosas HQs dos tempos do ronca recuperadas no álbum Morcegos-Cérebro de Vênus e Outras Histórias (Editora Mino).

Produzidas no período inicial da Guerra Fria, entre 1939 e 1954, essas HQs capturam toda a paranoia e pavor reinantes na época em que ainda se achava que comunistas comiam criancinhas –  ops, peraí...

Voltando ao álbum: esquecidas no tempo e perdidas em revistas empoeiradas, publicadas há mais de 60 anos, as histórias já estavam em domínio público, mas são objeto de culto – e estudo – para inúmeros fãs e pesquisadores ao redor do mundo.

Dois desses alucinados (isto é um elogio) são os brasileiros Carlos Junqueira e Lauro Larsen, fãs de HQs da chamada Era de Ouro dos Quadrinhos, que começa justamente em 1938 e termina em 1956.

Depois de  ver algumas coletâneas recentes com republicações de histórias dessa época, a dupla achou que poderia fazer melhor.

“(A coletânea norte-americana) Pareciam páginas simplesmente retiradas da internet e impressas em papel. Por trabalhar com artes gráficas, pensei comigo mesmo, ‘acho que consigo fazer algo melhor que isto’”, escreve Carlos na apresentação.

Após fazer contato com colecionadores, ele teve à sua disposição mais de 30 mil HQs para selecionar e depois restaurar.

Recrutados o editor Lauro Larsen e o tradutor Diego Gerlach, o trabalho correu e eventualmente acharam na Mino a editora disposta a publicar o material

E que material: basta dizer que entre os artistas apresentados estão alguns  dos mais lendários criadores dos quadrinhos em todos os tempos, gente da estatura de Jack Kirby (criador de quase tudo da Marvel, ao lado de Stan Lee), Steve Ditko (cocriador do Homem-Aranha), Alex Toth (designer de todos os personagens Hanna-Barbera), Wally Wood (super influente com seus trabalhos para a Mad e a editora EC Comics), Joe Kubert (outro monstro sagrado via HQs de Tarzan, Sargento Rock e Gavião Negro) e outros.

Picaretagem moralista

Publicadas em revistas  antologia como Strange Worlds, Tomb of Terror e Space Adventures, estas são as HQs que tiraram as Senhoras de  Santana do sério, fizeram educadores arrancarem seus cabelos e demais moralistas de plantão suarem em seus paletós – não a toa, muitos exemplares da época viraram cinzas nas fogueiras da inquisição promovida pela (cof cof) gente de bem.

De fato, HQs como estas – e muitas outras, publicadas em revistas como Mad, Crime SuspenStories,  The Vault of Horror etc – acabaram levando o ilustre senador do Partido Republicano Joseph McCarthy  a convocar editores de HQs a prestar depoimento no Congresso.

A publicação, naquele mesmo ano de 1954, do livro A Sedução do Inocente (do psicólogo picareta Fredric Wertham) concedeu o verniz “científico” que o histérico movimento  anticomunista precisava, levando à criação do Comics Code Authority, uma série de rígidas regras que as editoras deveriam seguir, se quisessem continuar publicando.

Resultado: HQs de terror, crime, ficção científica e paródia foram literalmente varridas do mapa. Voltam à cena os coloridos e inocentes e bidimensionais super-heróis.

Foi o fim da Era de Ouro e o início da Era de Prata dos Quadrinhos, mas aí já são outras histórias em quadrinhos...

Morcegos-Cérebro de Vênus e Outras Histórias / Vários autores / Mino / 208 páginas / R$ 79,90

quinta-feira, setembro 21, 2017

A SONORIDADE PÓLVORA DE UMA JOVEM REVELAÇÃO

Ian Lasserre faz hoje, no Gregório de Mattos, show de lançamento do seu primeiro CD, já lançado na Europa e no Japão

Ian Lasserre, foto Matheus Pirajá
Nome destacado da nova geração de músicos populares baianos, o cantor e compositor Ian Lasserre lança seu primeiro disco com show hoje, no Teatro Gregório de Mattos.

No palco, Ian se apresenta com Alexandre Vieira, Tarcísio Santos e Sebastian Notini, mais participação de Ivan Sacerdote na clarineta.

Revelado na extinta banda Neologia, que teve breve passagem pelo cenário independente local, Ian estreia em álbum cheio em grande estilo, produzido pelo notável Sebastian Notini e já lançado, via selo sueco Ajabu!, na Alemanha, Japão e (claro) Suécia.

Intitulado Sonoridade Pólvora, a obra de oito faixas, de tom essencialmente reflexivo, se expressa em um instrumental quase minimalista, com poucos instrumentos em arranjos quase espartanos para composições que seguem uma certa tradição da MPB à moda baiana / nordestina.

Em mãos menos talentosas  e experientes, o resultado poderia ser simplesmente chato e derivativo.

Ian (aos 29 anos, mais talentoso do que experiente) e Notini, que dispõe de ambas as qualidades, conseguem fazer de Sonoridade Pólvora um manifesto singelo, mas que cresce a cada audição,  característica própria da arte que permanece.

“Mas a gente nunca está satisfeito. Tem que estabelecer uma hora pra parar de mexer (na obra), senão fica eternamente encontrando pequenas falhas, detalhes”, afirma Ian.

Um detalhe importante, contudo, foi uma certa disciplina que ele e Sebastian impuseram ao trabalho para que esse limite de tempo dedicado à produção rendesse ao máximo: “A gente estabeleceu prazos e um workflow para ir concluindo as etapas. E daí aceitar o término daquilo”.

“Mas não fizemos nada correndo. A gente sentava e fazia muitos takes, quantos fosse preciso. Tudo foi feito com muito delicadeza”, acrescenta.

"Tem coisas que a gente já tinha pensado (antes de entrar em estúdio), como a estética da sonoridade, com poucos músicos mas que soasse bem, instrumentos de madeira. Fomos no Sketches from Spain do Miles Davis e pegamos a referência do clarone, então as coisas foram tomando forma no processo. Algumas musicas foram compostas mesmo durante o processo, como Sonoridade Pólvora, Maré e outras, elas foram ganhando sua própria identidade, saindo do campo das ideias para ir dialogando no campo sonoro. Vejo o disco como uma fechada, então pensamos muito em como como amarrar o conceito, como dar uma unidade com início meio e fim, abrir e fechar, dar uma ideia de movimento", observa Ian.

Ian Lasserre, foto Matheus Pirajá
Apesar dessa estética minimal, Ian e Sebastian ainda encontraram espaço para que os músicos fizessem algumas improvisações: "Isso tem a ver com essa porção minimalista mesmo, de poucos elementos, é isso que permite que a expressão desses músicos ganhe volume, por que quando você tem só uma pessoa segurando a harmonia, qualquer coisa que se faça nessa massa de poucos elementos se destaca. Daí o cuidado na hora de chamar os músicos para entrar nesse mantra instrumental que o disco carrega. Tem música que não tem solo, mas tem também o violinista curdo (Pedram Shahlai), que foi escolhido mesmo de última hora. Não ia ter mais nada nessa faixa (Sonoridade Pólvora), mas Seba lembrou desse cara que une erudito com popular árabe. Como ele já tava indo para a Suécia, aproveitou e o gravou no estúdio do próprio cara. Então foi assim, alguns acontecimentos foram surgido na estrada mesmo", relata.

Atravessar oceanos, rodar

Da  cidade de Malmö, no sul da Suécia, o selo Ajabu! já lançou, além de Ian Lasserre, dois álbuns de outro baiano: Tiganá Santana.

“Quando fizemos o video de Rio Bahia (ainda na gravação do EP demo Ideias e Pedaços), Pether, o cara da gravadora, viu o vídeo na timeline do Sebastian”, conta Ian.

“Aí ele entrou em contato com Seba. ‘Pô, vamos trabalhar junto e tal’. Isso foi em 2014. Foi um processo longo. Uma gravidez de 27 meses, que agora chegou nesse fechamento”, relata.

Se a relação com o selo gringo vai levar a alguma incursão por terras estrangeiras, isso ainda está por ser visto. No momento, Ian já está bem feliz em poder levar o trabalho ao público de sua cidade.

“O disco já tem uma trajetória. Foi lançado no Japão em fevereiro e em alguns países da Europa em junho. Uma série de críticas já saíram em vários veículos desses países, o que foi bem interessante, de poder ver como um mesmo trabalho repercute em diferentes partes do mundo”, observa.

“Mas com certeza, pela própria natureza dos acontecimentos, ele (o disco) aponta um caminho para atravessar oceanos, rodar o Brasil. Meu sonho é ir para todos os lugares que eu puder”, faz fé.

Combustível para a arte, rodar pelo mundo sempre foi. E Ian tem plena consciência disso: “É uma forma de dividir isso com o mundo. Isso me impulsionou muito  a trabalhar tão intensamente esse projeto: pegar esse show de quinta-feira (hoje) e levar pra África, pra Ásia, pro Norte e Sul do Brasil, todo canto”, conclui.

Lançamento: Sonoridade Pólvora, de Ian Lasserre / Hoje, 20 horas / Teatro Gregório de Mattos / R$ 30 e R$ 15

terça-feira, setembro 19, 2017

TRIBALISTAS O CARALHO! O QUE LIGA É OS TRABALHISTAS!



Ronei, Nancy, Cury, Jadsa e mais uma galera em estado de graça.

MAIS E MELHORES BLUES

Breno, Gigito, Daniel, Tácio e Mardou. Foto Maurício D'Ávila
A espantosa diversidade da música baiana (a de verdade, não aquela folclórica que te vendem na TV) ganhou mais uma ótima novidade: é a banda Muddy Town, um grupo de country blues (ou bluegrass) em plena Salvador.

Em suas fileiras, alguns rostos já mais ou menos conhecidos de frequentadores da cena blueseira / underground local: Gigito (no banjo) e Breno Pádua (gaita), mais a cantora e band leader Mardou Monzel, Daniel Ianini (contrabaixo) e Tácio Lima (percussão).

"Esta formação da Muddy Town se iniciou em janeiro de 2015, a partir do momento em que comecei a tocar quase todos os finais de semana com Breno, Gigito, Flash, Zet e depois Daniel, numa jam de country que acontecia no Porto da Barra. Tácio Lima entrou na  banda após nossa última apresentação" (no infelizmente extinto Hot Dougie's), conta Mardou.

O quinteto já gravou um EP, On The Grass, con cinco faixas, ainda à espera de lançamento oficial – mas que já pode ser ouvido no Soundcloud da banda.

“Foi autoproduzido, mas contamos com Tadeu Mascarenhas (Casa das Máquinas) na gravação e na mixagem”, conta.

“Gravamos o Ep ao vivo e procuramos captar os instrumentos da maneira mais acústica possível para preservar a sonoridade da banda e manter-se fiel ao que soamos numa apresentação, até porque esse tipo de música que fazemos parece funcionar melhor assim”, acrescenta.

Família Buscapé

Ao ouvir o som da Muddy Town, a sensação imediata é de estar em um episódio de A Família Buscapé (ou Os Gatões): uísque caseiro, cigarro de palha e um velho trabuco.

A voz poderosa de Mardou e a gaita de Breno se sobressaem na cama arrumada pelo banjo de Gigito – por sua vez, bem firme sobre as bases de Daniel e Tácio. Um conjunto e tanto.

“Nosso estilo tem sido classificado como country blues, e vem da mistura de influências e gostos entre os membros. Nossos estilos musicais têm relações próximas, estamos aprendendo muito com isso e criando canções novas e divertidas numa pegada bluegrass, e outras mais sérias em arranjo de jazz e blues”, conta.

Neta de um trombonista, Mardou ficava pilhada quando ouvia o avô tocando. Volta e meia, cantava para que ele a avaliasse.

Mardou Monzel. Foto Maurício D'Ávila
“Minha formação curricular musical é de Graduação de Licenciatura em Música com habilitação em violão pela UCSal, mas abandonei o curso no início de 2016. Quando eu era criança, ouvia muita música em casa, a influência maior veio do meu avô que era trombonista. Ele me instigava com sua energia musical quando pegava o trombone e tocava pela casa. Por muitas vezes me colocava para cantar na frente dele para analisar a minha voz, ele dizia que eu cantava bem para minha idade – eu devia ter uns 9, 10 anos. Muitas vezes ele fazia críticas para que eu melhorasse e eu me esforçava para surpreendê-lo. Mas o que me inspirou mesmo a cantar foi quando ouvi Just You And Me Darling de James Brown. Achei aquilo maravilhoso, a energia da música, a voz de James... eu ouvia essa música repetidas vezes e queria cantar igual a ele. Eu achei esse disco de James no quarto do meu tio – quando CD ainda era uma coisa rara, este disco fazia parte de uma coleção de soul music onde também tinha Wilson Pickett... Eu devia ter uns 11 anos. Aprendi muito sobre blues com um amigo chamado Marcelo Cabral, ouvi muito Sonny Boy Williamson, Little Walter, Big Mama, Howlin Wolf, Muddy Waters – inclusive o nome da banda faz referência a ele. Depois migrei para o country, folk tradicional, bluegrass, work songs e prison songs, Karen Dalton, Jim Croce, Leadbelly, Bob Dylan, Doc Watson, Odetta e sobretudo, Ray Charles. Todas essas coisas me inspiraram, me ensinaram e me ensinam a cantar e a compor as músicas para a banda”, relata.

Do James para o blues e o country foi um pulo. O resultado está na rede (e nos palcos da cidade) para apreciarmos.

"Para um futuro próximo, temos planos de lançar o EP On the Grass e fazer um clipe divertido. Em dezembro desejamos gravar mais um EP com mais 5 faixas de canções autorais. Temos músicas para gravar um álbum, mas não temos pressa. A banda tem feito inscrição em alguns festivais e na corrida diária de pautas em casas de show e pubs pela cidade e fora da cidade", conclui.

www.facebook.com/muddytownband



NUETAS

Not Names, Via Sacra

Punk rock raiz hoje na session Quanto Vale o Show?, com as bandas Not Names (de Catu) e Via Sacra. Dubliner’s, 19 horas, pague quanto quiser.

Neila, Larissa, Laila

Sexta-feira tem a cantora Neila Kadhí convidando as colegas Larissa Luz e Laila Rosa. É o festival Sonora Salvador 2017 no Espaço Cultural da Barroquinha. No sábado é a vez de Coletivo A Intêra, Marília Sodré e Alexandra Pessoa. 19 horas, R$ 10 e R$ 5.

Malefactor e Dreary

A galera do metal vai descer em peso  sábado para o  show de duas das melhores bandas baianas de todos os tempos: Malefactor (lançando disco novo!) e Drearylands. Groove Bar, 22 horas, R$ 20 (antecipado), R$ 25 (lista),  R$ 30 (na porta).

THE SONG REMAINS THE SAME - AGAIN

Quem não tem The Who  caça com Led Zepagain, banda californiana que se apresenta na Estrada do Coco neste mesmo sábado à noite em que os dinossauros ingleses tocam no Rock in Rio.

Mais fiel banda cover dos gigantes liderados por Jimmy Page, o Led Zepagain percorre o mundo levando o santo som da banda original há quase 30 anos.

O negócio é tão caprichado que já ganhou elogios do próprio Page e jam session com Jason Bonham, baterista herdeiro do titular John.

Nos shows, além do visual e figurino bem próximo dos membros originais, todo esforço é pouco para reproduzir seu peso e a sonoridade: “o mesmo tipo de equipamento, já tínhamos familiaridade com a forma que eles gravavam seu material no estúdio, com as técnicas de microfonação e a abordagem mais próxima possível dos tons, algo que implementamos a cada show e gravação”, conta o vocalista Swan Montgomery.

"Sim, temos todas as guitarras, amps, baterias e baixos de diferentes fases do Led. Infelizmente, nesta turnê, não pudemos trazer todo o equipamento conosco, mas estamos fazendo o melhor que podemos para deixar o show tão próximo quanto possível", acrescenta.

Reações no show

Além de Swan, o Led Zepagain conta com Anthony David (guitarra), Jim Wootten (baixo) e Derek Smith (bateria).

Na estrada, Swan e parceiros já viram muita gente ir às lágrimas diante da fidelidade de suas apresentações: “Algumas pessoas choram quando alguma música remete a memórias de como conheceram suas esposas (ou maridos) em um show, ou mesmo pela nostalgia que trazemos à tona, até mesmo em pessoas que gostariam, mas nunca tiveram a oportunidade de ver banda original ao vivo”, conta.

"Damos às pessoas essa oportunidade de experienciar aquilo que o próprio Jimi Page declarou ser tão 'próximo quanto possível'. Basicamente eu acho que (nosso show) traz às pessoas de todas as idades uma viagem a um tempo mágico, quando havia magia no ar, o que era muito bom, porque as pessoas precisam se sentir bem nos dias de hoje. Então me sinto honrado em poder fazer isso por elas", conclui.

Na abertura da night, o trovador urbano Marconi Lins toca ao violão músicas próprias e de Bob Dylan, Lou Reed, David Bowie, T. Rex e outros.

Led Zepagain / Sábado, 21 horas / Point Norte (R. Pérola Negra, 179, Lauro de Freitas, próximo à Torre de Pizza) / R$ 120 e R$ 60 / Vendas: www.sympla.com.br e no local

quinta-feira, setembro 14, 2017

NOITE VERMELHA

Esgotada, a festa Campari Red Experience acontece amanhã no Terminal Náutico, com show de Karina Buhr e experiências sensoriais do artista Luiz Martins

Karina Buhr, foto Andrea Possari
A noite desta sexta-feira na cidade está agitada como sempre, mas dificilmente outro lugar estará tão interessante como a festa Campari Red Experience, que ocupará o Pier 4 do Terminal Náutico no Comércio com show de Karina Buhr, instalações sensoriais do artista Luiz Martins e a discotecagem dos DJs Renata Dias e Jerônimo Sodré, além de performances de artistas circenses.

Promovida pela multinacional italiana de bebidas, a festa, que tem entrada gratuita, disponibilizou os ingressos para quem se cadastrasse no seu site. Resultado: as entradas estão esgotadas há semanas.

Explica-se: a data original da festa era 25 de agosto, mas foi adiada para hoje, por conta da tragédia com a lancha da travessia Salvador - Mar Grande, ocorrida justamente no dia 24.

Festa itinerante, a Campari Red Experience é parte de uma gigantesca ação de marketing global que começou no início do ano em Roma, quando a fabricante do bitter vermelho lançou o curta-metragem Killer in Red, dirigido por Paolo Sorrentino (do oscarizado A Grande Beleza) e estrelado por Clive Owen (Closer - Perto Demais).

Na festa, a cor vermelha segue como o tema do evento, especialmente nas instalações interativas do premiado artista Luiz Martins, que proporá aos participantes experiências sensoriais ousadas e misteriosas aos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.

Com mostras em países como Itália, Polônia, Áustria, Lituânia e Venezuela, além das principais capitais brasileiras, Martins é um dos principais artistas contemporâneos brasileiros. Na Red Experience, suas instalações se valem de espelhos, bolas, sons, luzes, poemas e outros elementos, inseridos em diferentes ambientes.

A atração musical da festa não deixa por menos em ousadia. Baiana de nascimento, pernambucana de criação, Karina Buhr é uma das cantoras mais destacadas de sua geração, com um trabalho sempre provocativo, uma mistura de MPB, rock, vanguarda e ritmos regionais.

No show, ela e sua banda apresentarão o show do seu último álbum, Selvática (2015), "e algumas coisas dos outros dois" (Eu Menti pra Você, 2010, e Longe de Onde, 2011), conta Karina. 

Aos 43 anos, Karina já tem conhecimento e experiência o bastante para lidar com a dicotomia música versus comércio, um conflito natural em artistas mais conscientes: "Todo show tem marcas envolvidas, um cachê é fechado e o show é feito", afirma.

"É diferente de se ter uma relação de representar uma marca, mas mesmo aí a questão é de cada um definir o valor do seu trabalho e se tem restrições a uma ou outra marca, por questões políticas, ou qualquer outra", acrescenta.

Luiz Martins, foto Arthur Rodrigues
Obviamente, a condição do bolso do artista no momento em que  recebe a proposta de uma empresa é sempre um outro fator a se levar em consideração: "Mas isso também depende do dinheiro que se tem ou se deixa de ter no bolso, no fim a liberdade de escolha é diretamente ligada a isso. É como qualquer outro trabalho", observa Karina.

Atenta ao momento complicado por que passa o país, a artista viu com preocupação o episódio do fechamento de uma exposição em Porto Alegre após pressões de um grupo político / religioso radical: "A gente está vivendo um retrocesso imenso no Brasil e a censura é parte forte disso. Isso nunca deu em coisa boa, resta saber se a vontade coletiva maior é de frear ou de intensificar isso. Não sou otimista".

Na dúvida, provar uns "bons drinques", como o clássico coquetel Negroni, carro-chefe da noite de hoje, pode ser uma boa dica para dar aquela relaxada básica das sextas-feiras...

Campari Red Experience / Com Karina Buhr e os DJs Renata Dias e Jerônimo Sodré / Amanhã, 21 horas / Terminal Náutico – Píer 4 - Avenida da França, s/n (Comércio) / Entrada: esgotada

terça-feira, setembro 12, 2017

NA FÉ E NA NA BRODAGEM

Soterorock Festival movimenta cena com 17 bandas em 4 casas de 3 cidades


Invena, foto André Solon
Contra todos os prognósticos, o rock na Bahia segue respirando – e chutando. Uma boa forma de tomar o pulso da cena local é conferindo as bandas nos festivais, que volta e meia acontecem.

Semana passada falamos aqui do Rock & Pop Festival, que rolou em Lauro de Freitas. Esta semana o assunto é o Soterorock, que chegou à terceira edição este ano.

Realizado pela galera do site Soterorockpolitano, o festival está rolando desde o dia 2, com um show (com três ou quatro bandas) por semana, sempre em um local diferente, incluindo duas datas em cidades da Região Metropolitana: semana passada (dia 8) foi no Let’s Go!, de Alagoinhas.

Neste sábado, tem no It’s Not  Pub (Catu), com as bandas Nute, Invena e Organoclorados. Antes disso, rolam as bandas  Lúpulla, Game Over Riverside, Neurática e Madame Rivera no Buk Porão, no Pelô.

Fridha, Jato Invisível e Exoesqueleto encerram a edição 2017 dia 30 (sábado), na Casa Preta (Dois de Julho).

Pastel de Miolos
Apaixonados pelo rock baiano, os realizadores Leo Cima (Game Over Riverside) e Sérgio Moraes fazem do festival  profissão de fé.

“O primeiro ano (em 2012) foi experimental. O próprio público escolheu as bandas através do site soterorockpolitano.com, foi uma curadoria aberta. Seriam duas datas e quatro bandas em cada dia, somando um total de oito bandas. Infelizmente, só demos seguimento a um dia naquela ocasião por vários fatores negativos que não vale a pena citar. Esfriamos e guardamos o nosso aprendizado daquele ano. Tivemos um hiato de 04 anos sem praticar qualquer produção mas as atividades do site foram mantidas por mim, Leonardo Cima, Kall Moraes, João Paulo e Ricardo Cidade (esses dois últimos com contribuições em programas podcast). Foi importante o hiato de quatro anos. Vimos a cena crescer, várias outras bandas surgindo. Produção de bons discos, casas de shows voltando a apostar em rock autoral e então nos apropriamos dessas oportunidades, além da chegada de vários outros amigos que acabaram fomentando a ideia em nossas mentes. Shinna Voxzelicks foi peça fundamental na segunda edição do Festival Soterorock, ele, ajudou a fechar datas com casas de shows e a montar a grade de bandas. A ideia era usar a sinergia. As bandas participavam do festival e ajudavam na produção como retribuição. Foi difícil coordenar isso já que se não me engano foram 27 bandas em dias alternados em Salvador. Acabou ficando nas costas de Leo Cima, Shinna, Kall Moraes e Sérgio Moraes pra dar conta de tudo que pode acontecer de bom ou ruim num evento dessa magnitude.  Sempre vale a experiência de coisas positivas e negativas. A cena de rock existe, mas, é preciso coragem para ver as coisas acontecer. Sempre existiu evolução e tudo que circula nessa esfera hoje é melhor do era produzido por aqui nos anos 90. É só ouvir os discos, ver as bandas ao vivo. A circulação disso tudo. Gente trabalhando duro sem ganhar um tostão (ou ganhar pouco pra ver a coisa acontecer) por uma força muito maior que não conseguimos enxergar. Diante dessas últimas palavras apostamos em mais uma edição, nesse caso a 3ª edição”, resume Sérgio.

Exoesqueleto, foto Ana Paula Bispo
“A cena existe! O que falta é consumir essa cena em escala comercial. Essa coisa de underground é bobagem, todo mundo quer se dar bem”, diz.

Sem brodagem, sem rock 

Enquanto a cena rock não se torna economicamente viável (luta inglória que dura décadas e atravessa gerações), as bandas, casas de shows e produtores contam com a boa e velha brodagem, patrimônio imaterial sem o qual nada aconteceria.

“A brodagem sempre vai existir nesse ambiente. É impossível fazer algo na cena rock sem amizade. O dinheiro que circula é da própria arrecadação e a divisão é feita em partes iguais, mas é economicamente viável para movimentar as casas de shows que colaboram e abrem suas portas, queríamos mais, claro! Era bom super lotar esses locais, o interesse seria mutuo e só multiplicaria. Mas não é a nossa realidade, infelizmente”, conta Sérgio.

Nute, de Alagoinhas
“O repasse (do cachê) é feito da bilheteria do dia, pois fazemos isso com o caixa praticamente no zero e sem ajuda de iniciativas pública ou privada. Vale frisar que, mesmo que o retorno financeiro para as bandas e para a produção seja muito baixo, houve uma época na qual os grupos ganhavam absolutamente nada por tocar na noite daqui e me refiro a coisa de dez anos atrás, ou menos. Quem chega agora não tem a percepção desses fatos. Isso além de outros eventos movimentarem a cena hoje, como o Rockambo, o Big Bands e o Santo de Casa faz Milagre, por exemplo. Se os festivais com bandas locais vão se tornar economicamente viáveis? Creio que sim. Só não sabemos quando”, acrescenta Leo Cima.

O colunista assina embaixo na condição de testemunha, pois já viu muita banda pagar para tocar... Go, Soterorocok!

Festival Soterorock / Lúpulla, Game Over Riverside, Neurática e Madame Rivera / Sexta-feira, 19 horas / Buk Porão Bar (Pelourinho) / R$ 10

NUETAS

QVoS? ainda no Irish

Diferente do que informei aqui semana passada, a session semanal  Quanto Vale o Show? ainda não migrou para o Clube Bahnhof. Hoje e terça-feira (19), os shows ainda ocorrem no bom e velho Dubliner’s. E hoje as forças do mal se reúnem para curtir o death metal das bandas Proffano e Unsacred. 19 horas, pague quanto quiser / puder.

Muddy Town sexta

Excelente novidade do cenário, a banda Muddy Town é o encontro dos talentos de Gigito (banjo), Breno Pádua (gaita), a cantora Mardou Monzel e outras figuras. Confira sexta-feira na Tropos, 21 horas. Pague quanto quiser.

Bike Jonsóns Limbo no NHL 12 

O incansável Kairo Melo segue tocando seu festival NHL, sempre com atrações psicodélicas legais daqui e de fora. Domingo tem o NHL Festival 12, com Bike (SP), Iorigun (FSa), Limbo e Os Jonsóns. Dubliner’s, 16 horas, R$ 15.

segunda-feira, setembro 11, 2017

O TOTALITARISMO ESTÁ ENTRE NÓS

Com as distopias em alta, chega ao Brasil Nós, livro que influenciou o 1984 de Orwell

Cena de Wir, adaptação alemã de Nós da TV alemã (filme completo abaixo)
Ninguém esperava, mas, em pleno século 21, a distopia totalitária está mais em alta do que nunca.

Seja à extrema direita ou à extrema esquerda, pretensos Big Brothers (o ditador do clássico distópico 1984, de George Orwell) se arvoram a uniformizadores de sociedades impondo padrões, fechando fronteiras, tentando reescrever a história.

Foi justamente o já citado 1984 o grande divulgador do conceito, ao lado do também famoso Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

O que pouca gente sabia é que a ideia da utopia reversa (ou distopia) já havia surgido quase duas décadas antes de Admirável... (que é de 1932), no livro Nós, do escritor russo Ievguêni Zamiátin, publicado em 1924.

Coube à editora Aleph, especializada em ficção científica, findar o ineditismo do livro no Brasil, com tradução direto do russo por Gabriela Soares, belíssima edição em capa dura e dois extras preciosos: uma resenha escrita pelo próprio George Orwell em 1946 (dois anos antes de publicar 1984) e uma carta do autor à Stálin, solicitando sua permissão para deixar a União Soviética, justamente por conta da perseguição que sofria graças ao conteúdo subversivo de Nós.

As revoluções são infinitas

Zamiátin. Boris Kustodiev / Wikicommons
Curiosamente, a trama não difere muito da de 1984.

Em uma sociedade completamente uniformizada e vigiada, um homem comum começa a despertar sua individualidade ao começar a se relacionar com uma mulher de sexualidade aflorada e com conexões em um certo submundo.

O texto é narrado em primeira pessoa por este homem, D-503, um engenheiro empregado na construção da primeira espaçonave do Estado Único, governado com mão de ferro pelo Benfeitor.

No Estado Único, ninguém tem nome: todas as pessoas são “números” ou “unifs”, graças ao uniforme azul usado por todos. Não há eu no Estado Único, apenas nós (daí o título).

Há horários (a “tábua das horas”) e regras para tudo: para trabalhar, comer, fazer sexo (que é regulado nos talões de um carnê cor de rosa).

As casas são de vidro, para que todos enxerguem o que todos fazem. O lazer se resume a marchar em grupo de um lado para o outro, em perfeita sincronia.

Neste pesadelo de vida, acompanhamos os pensamentos do engenheiro D-503 em suas anotações, as quais começam com ele muito certo e muito tranquilo quanto à excelência do regime.

À medida que a trama avança, testemunhamos sua escrita ficar cada vez mais nervosa, chegando mesmo ao desespero.

Enquanto literatura mesmo, no duro, Nós não supera seus principais sucessores, 1984 e Admirável Mundo Novo.

Parece faltar-lhe a finesse britânica de Orwell e Huxley no texto, além de uma certa clareza. Do meio para o fim, alguns eventos começam a ocorrer de forma meio atabalhoada, atropelando-se e às vezes até confundindo o leitor.

Isso, porém, não chega a invalidar a experiência de sua leitura e a força de suas ideias.

Há trechos sublimes sobre conceitos de revolução e liberdade aqui e ali. Numa discussão com I-330 (a fêmea subversiva), D-503 afirma ser absurdo ela propor revolução, porque “a nossa revolução foi a última. Não pode haver outras revoluções”.

I-330 apela para o lado matemático e pede que ele lhe fale sobre “o último número”. “Os números são infinitos, que último número é esse que você quer?”, responde D-503.

“E que última revolução é essa que você quer? Não há última. As revoluções são infinitas”.

Nós / Ievguêni Zamiátin / Aleph / Tradução do original russo: Gabriela Soares / 344 páginas / R$ 59,90

Bônus: em 1982, o diretor tcheco Vojtec Jasny (do clássico Um Dia, Um Gato) adaptou Nós para a TV alemã. Wir, o filme completo, está no You Tube (veja abaixo). Legendas em inglês (ative-as clicando na tecla CC).