quinta-feira, abril 27, 2017

UM MAGO BAIANO EM PORTUGAL

De Guanambi, no interior do estado, o músico e compositor Túlio Augusto é professor e coordenador de cursos livres no Conservatório de Seia, em Portugal, onde lançou um álbum

Túlio Augusto, foto Tadeu Mascarenhas
À beira da bucólica Serra da Estrela, no centro de Portugal, o Conservatório de Música de Seia abriga um músico baiano em busca da transcendência.

Egresso da Escola de Música da Ufba, Túlio Augusto, lançou há poucos dias um belo álbum com faixas instrumentais.

Intitulado Blue Spell (Magia Azul), o disco gravado inteiramente por Túlio no além-mar traz onze temas de no máximo três minutos e meio, à base de guitarra e gaita – seus instrumentos de preferência.

É uma belíssima mostra de seu talento e habilidade, com sonoridades transitando entre o jazz, o blues e a música erudita.

Ele define o trabalho como “um álbum conceitual que carrega consigo o verdadeiro significado de magia: transcendência de consciência”.

De fato, Túlio se refere a si mesmo como “mago”.

“(Isso) Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Pode parecer estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original”, afirma.

“A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada”, diz.

Como qualquer pessoa bem educada deve concordar, Túlio defende que, tanto na vida como na arte, é preciso ser verdadeiro consigo mesmo.

“As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo”, ensina.

OCA e MAB

Túlio ao vivo, foto Emilia Suto
Residente em Portugal desde 2013, Túlio, que é natural de Guanambi, no centro-sul baiano, cruzou o Atlântico para fazer mestrado em Composição na Universidade de Aveiro.

“Logo no primeiro ano, já tive uma obra incluída no repertório de um grupo muito ativo, chamado Performa Ensemble, e tocada numa turnê em Portugal e Espanha”, diz.

Na Escola de Música da Ufba ele fez parte de um destacado grupo de alunos, a Oficina de Composição Agora (OCA), que entre os anos de 2012 e 2016 realizou duas edições de uma maratona de eventos de promoção da música de concerto contemporânea, o Música de Agora na Bahia (MAB), com patrocínios do Governo da Bahia (via Secult) e Petrobras.

“A Ufba tem um dos melhores cursos de composição no Brasil. Tive a sorte de ter como professor o compositor Paulo Costa Lima, que como visionário inato, já semeou o que viria a ser a OCA desde meu primeiro ano no curso de composição, em 2003”, conta.

“Arrisco-me a dizer que a OCA foi um dos primeiros grupos, senão o primeiro, a surgir no Brasil nesse formato, exclusivamente por compositores que apresentavam o próprio trabalho e institucionalizada juridicamente. Conseguimos construir pontes e parcerias com artistas em todo mundo, através de projetos que beneficiam os participantes mutuamente ainda hoje”, diz.

Um dos frutos das atividades da OCA foi justamente sua ida para o Conservatório de Seia.

“(Aqui) tornei-me compositor residente num festival internacional itinerante com mais de cinquenta edições realizadas em todo o mundo, e dirigido pelo compositor Jaime Reis, que participou de projetos com a OCA”, conta.

No momento, Túlio prepara um concerto de jazz para guitarra solo e negocia realizar um concerto (de sua autoria) para gaita e orquestra – enquanto repensa, de longe, sua relação com a Bahia.  “Sinto saudade, sim. Muita. Quem me conhece sabe que sempre tive uma relação delicada com Salvador.  Mas também tem muitas coisas positivas que encantam, como a riqueza cultural”, vê.

www.facebook.com/atetutulius



ENTREVISTA COMPLETA: TÚLIO AUGUSTO

Você está residindo definitivamente em Portugal? Como foi esse percurso, da Emus - Ufba e da OCA para a Europa?

Foto Nancy Viegas
Tenho residido em Portugal desde 2013. "Definitivo" é um conceito que quase nunca utilizo, mas quando saí do Brasil sabia que não voltaria logo. Vim pra Portugal para fazer um mestrado em composição na Universidade de Aveiro. Na época, ganhei um prêmio para uma residência artística, fato que ajudou muito nos primeiros momentos, tanto financeiramente, quanto na difusão do meu trabalho artístico por aqui. Logo no primeiro ano, já tive uma obra incluída no repertório de um grupo muito ativo, chamado Performa Ensemble, e tocada numa turnê em Portugal e Espanha. Obviamente, toda a bagagem que trazia da UFBA e da OCA foram imprescindíveis para que eu pudesse me desenvolver por aqui. A UFBA tem um dos melhores cursos de composição no Brasil. Tive a sorte de ter como professor o compositor Paulo Costa Lima, que como visionário inato, já semeou o que viria a ser a OCA desde meu primeiro ano no curso de composição, em 2003. A OCA surgiu do exercício da composição em grupo, apoiado na ideia de autogestão e difusão da produção artística por todos os meios possíveis e da forma mais organizada possível. Arrisco-me a dizer que a OCA foi um dos primeiros grupos, senão o primeiro, a surgir no Brasil nesse formato, ou seja, formado, inicialmente, exclusivamente por compositores que apresentavam o próprio trabalho, com criações individuais e em grupo, e institucionalizada juridicamente. A partir dessa organização, conseguimos construir pontes e parcerias com artistas em todo mundo, através de projetos que beneficiam os participantes mutuamente ainda hoje. Um exemplo recente disso é projeto MAB - Música de Agora na Bahia, que já foi apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (2012) e pela Petrobras (2013 a 2016). Em parte, como resultado dessa rede, tornei-me compositor residente no Conservatório de Música de Seia, num festival internacional itinerante com mais de cinquenta edições realizadas em todo o mundo, e dirigido pelo compositor Jaime Reis, que participou de projetos com a OCA em anos anteriores e mesmo depois da minha chegada.

Você tem desenvolvido diversas atividades relacionadas à música em diversos países. Pode dar uma "panorâmica" nesses projetos? Você tem ensinado ou tocado?

Sempre estive envolvido com a música popular e erudita. A partir da experiência com a OCA, concentrada num âmbito mais erudito, e em trabalhos com a produtora Plataforma de Lançamento e o Estúdio Casa das Máquinas, na parte mais popular, tive a oportunidade de estar em contato com grandes músicos e com a música em diferentes aspectos, desde a concepção e produção de um projeto cultural até uma turnê com um grupo de samba de roda ou rock'n'roll. Faz parte da minha personalidade relacionar as coisas com que tenho contato de forma prática. Ao mesmo tempo, também fez parte, desde o início da minha formação formal na universidade, desenvolver estratégias de formação e partilha de resultados. Na grande maioria dos projetos em que estive envolvido houve uma vertente educacional. Em muitos deles, a abordagem erudita se misturou com a popular, com a apresentação de trabalhos acadêmicos e cursos em áreas específicas, como instrumento, composição, mas também em iniciativas que ajudassem outros artistas a desenvolverem seu próprio trabalho e voz artística. Quase sempre é assim: quando e onde toco, também procuro ensinar. Quando e onde ensino, toco e atuo também. Hoje, sou professor de Análise e Técnicas de Composição no Conservatório de Seia e coordenador dos Cursos Livres de Música, também no Conservatório de Seia, onde ensino guitarra, violão, gaita e improvisação.

Quais as principais diferenças de viver de música no Brasil e na Europa? As pessoas se iludem achando que é muito melhor ou realmente é muito melhor na Europa?

Foto Nancy Viegas
De forma geral, as pessoas costumam ter uma visão muito superficial sobre como é viver na Europa e mais ainda sobre o que o Brasil representa no exterior, bem como seu papel na cultura global. De fato, por aqui as coisas tendem a acontecer de forma muito mais organizada e planejada, mas os países europeus também são muito diferentes entre si. Um ponto importante é que, por questões de localização geográfica, há uma maior comunicação entre o que acontece em muitos dos países e, consequentemente, uma maior fluência em termos de idiomas, o que ajuda na realização de projetos internacionais e intercâmbio entre artistas. Por outro lado, o povo brasileiro aprendeu a lidar com as adversidades que todos nós conhecemos muito bem no Brasil. Esse adaptabilidade ajuda muito os brasileiros que por aqui estão. Mas não é raro encontrar brasileiros que querem voltar pro Brasil um dia. Diria até que a maioria deseja isso. Penso que temos que aproveitar o que cada lugar nos tem a oferecer e buscar ter contato com o que é diferente e complementar. Aliás, existe uma tendência a olhar para as diferenças. Prefiro olhar para as semelhanças, para aquilo que nos une, ao invés do que nos separa. Viver de música é difícil em qualquer lugar, acredito. A variedade dos elementos formadores da cultura brasileira, como um todo, é única e faz diferença por aqui também. Além disso, no Brasil estamos acostumados com shows de grandes proporções praticamente o ano inteiro. Por aqui não é bem assim. A maior parte desse tipo de evento acontece no verão europeu. Basta imaginar um local a céu aberto no inverno (e sem o calor humano que temos no Brasil) e imaginar o quanto pode ser distante da nossa realidade na Bahia. Por aqui existem mais músicos com estudo formal, que diga-se de passagem, não é o essencial no que tange a qualidade artística, mas ajuda muito em questões de empregabilidade e atuação na área educacional. Em contrapartida, em termos musicais, sinto muitas vezes falta da espontaneidade que a gente vê no Brasil. Embora o sistema de ensino de música nos conservatórios funcione de forma diferente em cada país europeu, aqui em Portugal, um número muito grande de estudantes tem acesso ao ensino de música de forma articulada à escola desde os sete anos de idade. A relação entre todos esses elementos (e muitos outros) cria uma dinâmica diferente da do Brasil, mas também cheia de obstáculos e desafios.

Blue Spell trata da "transcendência de consciência". Como assim? Em que sentido e de que formas você transcende a consciência?

Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Muita gente sabe que me refiro a mim mesmo como mago. Para alguns pode parecer, estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original. Allan Moore, muito conhecido por trabalhos como "V de Vingança" e "Watchmen", explica de uma forma muito mais interessante da que eu poderia fazer o que, de fato, significa a magia, num sentido muito mais amplo e agregador. Consciência e transcendência estão intimamente ligados. A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada. É preciso haver verdade consigo mesmo. As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo. Tenho um blog chamado "Até tu, Tulius!?" onde, dente outras coisas, falo sobre esse tema.

Você tem feito shows para divulgar o álbum? Tem previsão de divulgar o disco com algum show em Salvador?

Inicialmente, pensei num album que pudesse funcionar melhor num contexto mais reservado e intimista. Blue Spell certamente tem algumas faixas que tem mais a ver com o formato de concerto do que outras. Ao mesmo tempo em que o álbum tem uma pegada mais jazzística, mas também com faixas para instrumentos solo de forma não  muito convencional, também há músicas que fazem parte do que costumo tocar em concertos, como a faixa que dá nome ao álbum. Como resultado, não penso no álbum como um show, mas em shows diferentes a partir da identidade musical que algumas das músicas possuem. Embora o show, em si, sirva como divulgação do álbum, não penso na apresentação integral do álbum em formato de show ou concerto. Toquei todos os instrumentos em todas as todas as faixas, o que também torna muito pessoal a maneira como as coisas foram concebidas. É possível que Salvador surja como parte do processo de divulgação de "Blue Spell", mas ainda não tenho nada concreto.

Como está o grupo da OCA? Está ativo? Você ainda participa ou está "de reserva"?

Em sua fase inicial, a OCA tinha um modus operandi bastante diferente da que tem agora. Por razões geográficas, trabalhamos muito de forma virtual em projetos conjuntos e cada vez mais abrangentes. Alguns dos membros da OCA encontram-se cidades e países diferentes, mas continuamos trabalhando em iniciativas conjuntas. Algumas funções são mais fáceis de executar à distância. No meu caso, um pouco pela afinidade com a burocracia e formalidades que os editais e chamamentos públicos tem, a distancia física não chega a ser um obstáculo tão significativo assim. O fato de estar fora do Brasil até ajudou em algumas questões, como a participação de grupos e artistas estrangeiros no MAB. Antes de qualquer coisa, a OCA sempre foi formada por amigos com muitos ideais comuns.

Além do trabalho solo você toca com outros músicos - seja em formação de banda ou acompanhando algum artista - em Portugal?

Nunca fez parte do meu foco, enquanto artista, acompanhar um outro artista. Já atuei dessa maneira, mas prefiro o formato de banda, com papéis mais equilibrados entre os membros, ou literalmente solo. Atualmente, tenho mesmo me concentrado num formato de concerto de jazz para guitarra solo, que deve culminar no meu próximo album. Com outros músicos, por aqui toquei mais jazz e blues, mas também participei de projetos e concertos envolvendo música erudita, música eletroacústica e artes integradas. Há ainda a possibilidade de tocar, em breve, meu concerto para gaita e orquestra com uma orquestra aqui da região da Serra da Estrela.

Você diria que sua música tem algum traço de baianidade ou é mais universal? 

Antes, eu não me via como um típico baiano. Depois, dei-me conta de que a ideia de baianidade está mais num plano imaginativo do que real, embora essa tal baianidade  carregue consigo muitas caraterísticas intrínsecas, como certos ritmos, temas, abordagens, etc. Essa visão expressa, de certa forma, o que falei sobre consciência e tudo mais. Todavia, ao contrário da minha vertente na música erudita, Blue Spell tem título e nome de faixas em inglês. Acho muito importante que nós, brasileiros, cantemos em português, identifiquemos nossa obra com títulos em português. Pelas razões que já mencionei, como a divulgação e comunicação em outros países, e pelo caráter mais de album instrumental de difusão virtual, permiti a mim mesmo ter esse tipo de atitude. Acredito que mesmo a música "tipicamente" baiana seja potencialmente universal. Já ouvi muito da música produzida no Brasil tocada espontaneamente ou países como Holanda, Suécia, Inglaterra, Israel e aqui em Portugal.


Vendo o Brasil e a Bahia de longe, você sente saudade? O que te faz falta daqui?

Sinto saudade, sim. Muita. Mas quem me conhece de perto sabe também que sempre tive uma relação delicada com Salvador, mais especificamente. Acho que o ambiente de Salvador desperdiça muito do seu potencial e causa muita tensão no dia-a-dia das pessoas. Muitas pessoas agem como se sentissem ameaçadas o tempo inteiro. Mas também tem muitas coisas positivas que encantam tanto quem é do Brasil como quem é de fora, como a riqueza cultural. De comida e calor, até coisas mais pessoais, como família e amigos, sinto falta da forma espontânea e informal como as pessoas se relacionam. Ano passado estive no Brasil por dois meses, divididos entre Salvador e Guanambi, minha terra natal. O tempo foi insuficiente pra fazer tudo que gostaria. Mas, de certa forma, há relações que melhoram com a distância. Esse foi meu caso com o Brasil. Como num processo de transcendência e elevação de consciência, onde é preciso olhar para dentro e ver a si mesmo de fora, olhar para o Brasil, estando fora do Brasil, é no mínimo, enriquecedor.

3 comentários:

Franchico disse...

Taí um show que terei prazer em passar longe.

http://www.elcabong.com.br/turne-de-devendra-banhart-pelo-brasil-inclui-salvador/

Puta cara chato esse Devendra....

Franchico disse...

E esse menino seu Túlio tá fraco não, olha só:

https://youtu.be/sN4JVwCsgQo

Tirando um sonzinho "de leve" com Yamandu Costa! É mole?!?

Rodrigo Sputter disse...

soube hj que "patterson" de jarmush tá em cartaz...quero ver logo...transpotting 2 tb, no itaigara...31 contos hj e amanhã...q tal??
foda...
o de jarmush tá 23 contos...cinema tá caro demais...