quarta-feira, abril 05, 2017

ALGUÉM LÁ EM CIMA GOSTA DELA

“Deus” na adaptação cinematográfica do best-seller A Cabana, a oscarizada Octavia Spencer falou com A TARDE sobre o filme

Erramos: se alguém lá em cima gostasse dela, não a tinha posto neste filme
Filmes baseados em livros best-sellers são sempre um desafio para seus realizadores, que tem de escolher entre agradar aos leitores ou ao público em geral.

A adaptação de A Cabana, um sucesso estrondoso que vendeu 25 milhões de cópias mundo afora, é um exemplo.

Estrelado por Sam Worthington (Avatar) e Octavia Spencer (Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Histórias Cruzadas, 2012), A Cabana tem o primeiro no papel de um pai que tem sua fé abalada ao perder sua filha caçula de forma violenta.

Octavia atua como Deus, que se ocupa de conduzir Mackenzie, o pai interpretado por Worthington, em uma longa (longa, mesmo) jornada espiritual para restaurar sua fé.

No Brasil para promover o lançamento do filme, a atriz contou por telefone ao jornal A TARDE que sim, ela é religiosa, mas não foi isso que a atraiu ao projeto.

“Eu li o livro e amei. Mas sim, sou uma pessoa de fé. Gostei do livro e das questões que ele traz para as pessoas de fé que passaram por tragédias em suas vidas. Achei que era um conceito maravilhoso”, afirma.

Deus com postura de mãe

Jesus, Mack, Deus e Espírito Santo: eles vão aprontar mil e uma confusões!
A obra literária de William P. Young é de perfil fortemente religioso,  indicada à leitores cristãos (católicos, evangélicos ou protestantes).

O filme, portanto, não teve muita alternativa, podendo ser facilmente classificado como “de nicho” – no caso, religioso. Nicho que tem crescido bastante nos EUA, vide o sucesso de filmes como Deus Não Está Morto (2014), sua continuação de 2016 e uma terceira parte já anunciada.

Spencer, que não é boba, está bem ciente da natureza deste filme. “Sei que este é um filme sobre fé e há um público específico para este tipo de filme. O que gosto no projeto é a sua mensagem de esperança e inspiração que ele invoca. Por isso escolhi fazer parte dele”, diz.

“Esta é uma abordagem mais filosófica de Deus. (Na preparação para o papel) Basicamente, conversei com um amigo pastor e li um monte de livros. E daí pus tudo de lado. Para mim, o mais importante era atuar com humanidade. Daí adotei a postura de uma mãe com seu filho”, conta.

Apesar de sua mensagem religiosa pouco sutil, há que se admitir que o filme faz uma escolha corajosa ao retratar Deus como uma mulher negra, em um momento no qual o racismo e intolerância parecem ter perdido a vergonha de se expor livremente.

“Tenho certeza que houve muitas reações (de gente preconceituosa) assim, mas não me preocupo com isso. Se tem gente olhando pra minha raça, então eles realmente não prestaram atenção à mensagem do filme”, afirma.

Atriz oscarizada, Octavia conta que a vida não muda após a premiação.

“Estou mais ocupada e com menos tempo para conviver com a família, mas a vida continua muito parecida com a de antes do Oscar. O trabalho muda. Exponencialmente”, diz.

RESENHA: Tom pesado arruína mensagem religiosa e narrativa cinematográfica

"Isso, bata os ovos com farinha, manteiga e açúcar. Eis sua fé restaurada"
No pega pra capar do grande mercado cinematográfico mundial, volta e meia alguém descobre um nicho de público até então mal servido.

O púbico de perfil religioso (ou gospel) é um deles, tendo se revelado com mais força após o enorme sucesso de Deus Não Está Morto (2014), filme sobre um aluno que desafia seu professor de filosofia ateu para um debate – e acaba convertendo-o. Na prática, uma peça de propaganda.

A Cabana parece ter sido feito para os olhos deste mesmo público. Baseado em um best seller avassalador, o filme narra a jornada espiritual de um pai (com um segredo em seu passado, que surpresa!) que começa a duvidar de Deus após ter sua filha assassinada.

Um dia, ele recebe um misterioso convite para comparecer na cabana onde as roupas de Missy, a menina morta, foram encontradas.

Entra em cena Octavia Spencer como Papa, que era como Missy chamava Deus. Outros dois personagens surgem com o Deus / Octavia: Jesus (o ator Aviv Alush) e Sarayu (Sumire Matsubara), formando a trindade Pai, Filho e Espírito Santo.

Até aí, tudo bem, não há nada de errado em filmes de temática religiosa.

O problema com A Cabana é que seu tom é muito pesado na mensagem que tenta a todo custo passar: converta-se ou sofra uma vida triste e sem redenção.

Vão ler Dickens

Revoltado com seu Deus por ter deixado sua filha ser morta de uma maneira horrível, Mackenzie Mack Phillips é conduzido por esta representação da Santíssima Trindade em trajes hippies por uma excruciantemente tediosa jornada espiritual na qual ele não terá outra alternativa, a não ser voltar a acreditar em Deus.

Há arcos dramáticos bem parecidos, como o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, onde um avarento é levado por três espíritos a rever sua postura.

"Oi, sou a Sabedoria e vivo em uma caverna, mas não sei escolher vestidos" 
Só que, o que em Dickens é maravilhamento e emoção real, aqui é um tremendo porre, uma sequência insuportável de liçõezinhas de moral sem qualquer estofo.

Pelo filme, devemos acreditar em Deus por que sim e pronto. Fé é fé, certo?

Desculpem os tementes a Deus, mas não.

Para quem não é exatamente praticante, A Cabana tem efeito contrário: a vontade de cometer maldades contra quem fez este filme chatérrimo é quase irrefreável ao sair do cinema.

Inclua-se aí a brasileira Alice Braga, que vive uma personagem chamada Sophia, uma espécie de representação da sabedoria, que vive em uma caverna.

De novo, uma imagem interessante.

De novo, arruinada pelo blá blá blá moralista carola pseudoesotérico de deixar Paulo Coelho de orelhas em pé.

Sem contar o figurino horroroso que a fizeram vestir, digno de uma debutante de cidadezinha do interior.

Pior filme do ano.

A Cabana (The Shack) / Dir: Stuart Hazeldine / Com Sam Worthington, Octavia Spencer, Alice Braga / 12 anos / Estreia: 6 de abril

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