Anderson Cunha, Diogo Florez e Aiace Félix, em foto de Leonardo Monteiro |
Rara líder feminina de um reisado em Pajeú do Vento, distrito de Caetité, Dona Vande simboliza e resume o espírito de Gratia: um olhar especial às mulheres do sertão.
“A gente escolheu a mulher como personagem chave para contar a história das músicas”, afirma a cantora Aiace Félix, que com Anderson Cunha (multi-instrumentista) e Diogo Florez (percussões), formam o núcleo do Sertanília.
No álbum, se ouvem em vinhetas a folia de reis de Dona Vande e Dona Leonídia, criadora do Terno de Reis de Contendas, comunidade quilombola de Maniaçu, também em Caetité.
“O reisado é uma tradição essencialmente masculina, com poucas representantes mulheres. Dona Leonídia e Dona Vande, duas mulheres negras de comunidades do alto sertão, trazem muita força ao disco”, acrescenta Aiace.
Manifestação folclórica brasileira de origem europeia que remonta aos celtas que habitaram a península ibérica, o Reisado (ou Terno de Reis ou Folia de Reis) também resume a proposta musical do Sertanília, que busca no Nordeste profundo o que há de mais antigo e legítimo em nossa tradição musical.
“Essa é a linha que move o Sertanília: o encontro do homem ibérico com o negro e o índio no sertão. Aí é onde o som do Sertanília nasce. Esse encontro é a essência primeira do sertão brasileiro, do Brasil profundo. Daí nasce a música mais antiga do Brasil, que é o que pesquisamos em campo. É um sertão muito antigo, de antes do sertão folclórico, alegórico, de Luis Gonzaga”, afirma Anderson Cunha.
“Me criei entre Caetité e Guanambi. Minha vida foi vendo ladainha, procissões, reisado entrando e saindo de casa o tempo todo. Esse é o sertão que me interessa”, conta.
Em suas incursões pelo sertão, Anderson, Aiace e Diogo já se depararam com lugares e pessoas que mais parecem ter saído de uma máquina do tempo.
Sertanília na sua formação estável há quatro anos. Foto Leonardo Monteiro |
“Tem terno de reis que canta em latim. Os caras não sabem ler e escrever, mas cantam em latim. Então é um Brasil bem interessante”, admira-se.
Convidados de primeira
Com um som mais robusto e pesado em relação ao primeiro álbum, Ancestral (2012), Gratia reafirma o talento extraordinário do trio, que, nestes últimos anos, amadureceu a própria musicalidade e conseguiu reunir em torno de si uma formação estável de notáveis músicos de apoio, como Fernanda Monteiro e Ricardo Erick (violoncelos), Raul Pitanga, Mariana Marín (percussões) e João Almy (violão).
“De fato, a gente está mais junto, justamente por termos quatro anos sem muita alteração. O grupo todo está mais integrado”, confirma Aiace.
Convidados de alto nível também dão um brilho a mais à obra, como o violoncelista Jaques Morelenbaum (em Castela e Devagar), a cantora pernambucana Renata Rosa (em O Mundo Dentro da Minha Cabeça, também participa do show de lançamento no sábado) e a cantora espanhola Guadi Galego (em Devagar).
“A Guadi é da Galícia (região espanhola da qual vieram muitos imigrantes ao Brasil), e há muito tempo queríamos fazer algo com ela. O grupo dela, o Berrogüetto, tem um perfil bem semelhante ao do Sertanília, eles pesquisam as raízes mais profundas da música galega”, conta Anderson.
Universal, mas profundamente ligado às suas raízes, Gratia é a obra que alinha o Sertanília à grupos e artistas como Alceu Valença, Antônio Nóbrega, Cordel do Fogo Encantado, Siba, Cabruera, Zé Ramalho e outros. Um disco para ontem, hoje e amanhã.
Show Gratia, do grupo Sertanília / Convidada: Renata Rosa (PE) / Amanhã, 21 horas / Largo Tereza Batista (Pelourinho) / R$ 20 e R$ 10
Gratia / Sertanília / Produzido por Anderson Cunha / Natura Musical / Preço não informado
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