Túlio Augusto, foto Tadeu Mascarenhas |
Egresso da Escola de Música da Ufba, Túlio Augusto, lançou há poucos dias um belo álbum com faixas instrumentais.
Intitulado Blue Spell (Magia Azul), o disco gravado inteiramente por Túlio no além-mar traz onze temas de no máximo três minutos e meio, à base de guitarra e gaita – seus instrumentos de preferência.
É uma belíssima mostra de seu talento e habilidade, com sonoridades transitando entre o jazz, o blues e a música erudita.
Ele define o trabalho como “um álbum conceitual que carrega consigo o verdadeiro significado de magia: transcendência de consciência”.
De fato, Túlio se refere a si mesmo como “mago”.
“(Isso) Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Pode parecer estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original”, afirma.
“A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada”, diz.
Como qualquer pessoa bem educada deve concordar, Túlio defende que, tanto na vida como na arte, é preciso ser verdadeiro consigo mesmo.
“As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo”, ensina.
OCA e MAB
Túlio ao vivo, foto Emilia Suto |
“Logo no primeiro ano, já tive uma obra incluída no repertório de um grupo muito ativo, chamado Performa Ensemble, e tocada numa turnê em Portugal e Espanha”, diz.
Na Escola de Música da Ufba ele fez parte de um destacado grupo de alunos, a Oficina de Composição Agora (OCA), que entre os anos de 2012 e 2016 realizou duas edições de uma maratona de eventos de promoção da música de concerto contemporânea, o Música de Agora na Bahia (MAB), com patrocínios do Governo da Bahia (via Secult) e Petrobras.
“A Ufba tem um dos melhores cursos de composição no Brasil. Tive a sorte de ter como professor o compositor Paulo Costa Lima, que como visionário inato, já semeou o que viria a ser a OCA desde meu primeiro ano no curso de composição, em 2003”, conta.
“Arrisco-me a dizer que a OCA foi um dos primeiros grupos, senão o primeiro, a surgir no Brasil nesse formato, exclusivamente por compositores que apresentavam o próprio trabalho e institucionalizada juridicamente. Conseguimos construir pontes e parcerias com artistas em todo mundo, através de projetos que beneficiam os participantes mutuamente ainda hoje”, diz.
Um dos frutos das atividades da OCA foi justamente sua ida para o Conservatório de Seia.
“(Aqui) tornei-me compositor residente num festival internacional itinerante com mais de cinquenta edições realizadas em todo o mundo, e dirigido pelo compositor Jaime Reis, que participou de projetos com a OCA”, conta.
No momento, Túlio prepara um concerto de jazz para guitarra solo e negocia realizar um concerto (de sua autoria) para gaita e orquestra – enquanto repensa, de longe, sua relação com a Bahia. “Sinto saudade, sim. Muita. Quem me conhece sabe que sempre tive uma relação delicada com Salvador. Mas também tem muitas coisas positivas que encantam, como a riqueza cultural”, vê.
www.facebook.com/atetutulius
ENTREVISTA COMPLETA: TÚLIO AUGUSTO
Você está residindo definitivamente em Portugal? Como foi esse percurso, da Emus - Ufba e da OCA para a Europa?
Foto Nancy Viegas |
Você tem desenvolvido diversas atividades relacionadas à música em diversos países. Pode dar uma "panorâmica" nesses projetos? Você tem ensinado ou tocado?
Sempre estive envolvido com a música popular e erudita. A partir da experiência com a OCA, concentrada num âmbito mais erudito, e em trabalhos com a produtora Plataforma de Lançamento e o Estúdio Casa das Máquinas, na parte mais popular, tive a oportunidade de estar em contato com grandes músicos e com a música em diferentes aspectos, desde a concepção e produção de um projeto cultural até uma turnê com um grupo de samba de roda ou rock'n'roll. Faz parte da minha personalidade relacionar as coisas com que tenho contato de forma prática. Ao mesmo tempo, também fez parte, desde o início da minha formação formal na universidade, desenvolver estratégias de formação e partilha de resultados. Na grande maioria dos projetos em que estive envolvido houve uma vertente educacional. Em muitos deles, a abordagem erudita se misturou com a popular, com a apresentação de trabalhos acadêmicos e cursos em áreas específicas, como instrumento, composição, mas também em iniciativas que ajudassem outros artistas a desenvolverem seu próprio trabalho e voz artística. Quase sempre é assim: quando e onde toco, também procuro ensinar. Quando e onde ensino, toco e atuo também. Hoje, sou professor de Análise e Técnicas de Composição no Conservatório de Seia e coordenador dos Cursos Livres de Música, também no Conservatório de Seia, onde ensino guitarra, violão, gaita e improvisação.
Quais as principais diferenças de viver de música no Brasil e na Europa? As pessoas se iludem achando que é muito melhor ou realmente é muito melhor na Europa?
Foto Nancy Viegas |
Blue Spell trata da "transcendência de consciência". Como assim? Em que sentido e de que formas você transcende a consciência?
Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Muita gente sabe que me refiro a mim mesmo como mago. Para alguns pode parecer, estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original. Allan Moore, muito conhecido por trabalhos como "V de Vingança" e "Watchmen", explica de uma forma muito mais interessante da que eu poderia fazer o que, de fato, significa a magia, num sentido muito mais amplo e agregador. Consciência e transcendência estão intimamente ligados. A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada. É preciso haver verdade consigo mesmo. As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo. Tenho um blog chamado "Até tu, Tulius!?" onde, dente outras coisas, falo sobre esse tema.
Você tem feito shows para divulgar o álbum? Tem previsão de divulgar o disco com algum show em Salvador?
Inicialmente, pensei num album que pudesse funcionar melhor num contexto mais reservado e intimista. Blue Spell certamente tem algumas faixas que tem mais a ver com o formato de concerto do que outras. Ao mesmo tempo em que o álbum tem uma pegada mais jazzística, mas também com faixas para instrumentos solo de forma não muito convencional, também há músicas que fazem parte do que costumo tocar em concertos, como a faixa que dá nome ao álbum. Como resultado, não penso no álbum como um show, mas em shows diferentes a partir da identidade musical que algumas das músicas possuem. Embora o show, em si, sirva como divulgação do álbum, não penso na apresentação integral do álbum em formato de show ou concerto. Toquei todos os instrumentos em todas as todas as faixas, o que também torna muito pessoal a maneira como as coisas foram concebidas. É possível que Salvador surja como parte do processo de divulgação de "Blue Spell", mas ainda não tenho nada concreto.
Como está o grupo da OCA? Está ativo? Você ainda participa ou está "de reserva"?
Em sua fase inicial, a OCA tinha um modus operandi bastante diferente da que tem agora. Por razões geográficas, trabalhamos muito de forma virtual em projetos conjuntos e cada vez mais abrangentes. Alguns dos membros da OCA encontram-se cidades e países diferentes, mas continuamos trabalhando em iniciativas conjuntas. Algumas funções são mais fáceis de executar à distância. No meu caso, um pouco pela afinidade com a burocracia e formalidades que os editais e chamamentos públicos tem, a distancia física não chega a ser um obstáculo tão significativo assim. O fato de estar fora do Brasil até ajudou em algumas questões, como a participação de grupos e artistas estrangeiros no MAB. Antes de qualquer coisa, a OCA sempre foi formada por amigos com muitos ideais comuns.
Além do trabalho solo você toca com outros músicos - seja em formação de banda ou acompanhando algum artista - em Portugal?
Nunca fez parte do meu foco, enquanto artista, acompanhar um outro artista. Já atuei dessa maneira, mas prefiro o formato de banda, com papéis mais equilibrados entre os membros, ou literalmente solo. Atualmente, tenho mesmo me concentrado num formato de concerto de jazz para guitarra solo, que deve culminar no meu próximo album. Com outros músicos, por aqui toquei mais jazz e blues, mas também participei de projetos e concertos envolvendo música erudita, música eletroacústica e artes integradas. Há ainda a possibilidade de tocar, em breve, meu concerto para gaita e orquestra com uma orquestra aqui da região da Serra da Estrela.
Você diria que sua música tem algum traço de baianidade ou é mais universal?
Antes, eu não me via como um típico baiano. Depois, dei-me conta de que a ideia de baianidade está mais num plano imaginativo do que real, embora essa tal baianidade carregue consigo muitas caraterísticas intrínsecas, como certos ritmos, temas, abordagens, etc. Essa visão expressa, de certa forma, o que falei sobre consciência e tudo mais. Todavia, ao contrário da minha vertente na música erudita, Blue Spell tem título e nome de faixas em inglês. Acho muito importante que nós, brasileiros, cantemos em português, identifiquemos nossa obra com títulos em português. Pelas razões que já mencionei, como a divulgação e comunicação em outros países, e pelo caráter mais de album instrumental de difusão virtual, permiti a mim mesmo ter esse tipo de atitude. Acredito que mesmo a música "tipicamente" baiana seja potencialmente universal. Já ouvi muito da música produzida no Brasil tocada espontaneamente ou países como Holanda, Suécia, Inglaterra, Israel e aqui em Portugal.
Vendo o Brasil e a Bahia de longe, você sente saudade? O que te faz falta daqui?
Sinto saudade, sim. Muita. Mas quem me conhece de perto sabe também que sempre tive uma relação delicada com Salvador, mais especificamente. Acho que o ambiente de Salvador desperdiça muito do seu potencial e causa muita tensão no dia-a-dia das pessoas. Muitas pessoas agem como se sentissem ameaçadas o tempo inteiro. Mas também tem muitas coisas positivas que encantam tanto quem é do Brasil como quem é de fora, como a riqueza cultural. De comida e calor, até coisas mais pessoais, como família e amigos, sinto falta da forma espontânea e informal como as pessoas se relacionam. Ano passado estive no Brasil por dois meses, divididos entre Salvador e Guanambi, minha terra natal. O tempo foi insuficiente pra fazer tudo que gostaria. Mas, de certa forma, há relações que melhoram com a distância. Esse foi meu caso com o Brasil. Como num processo de transcendência e elevação de consciência, onde é preciso olhar para dentro e ver a si mesmo de fora, olhar para o Brasil, estando fora do Brasil, é no mínimo, enriquecedor.