sexta-feira, março 24, 2017

PSICOPATA MULTIFACETADO

Estreia: Com Fragmentado, M. Night Shyamalan confirma retorno à boa forma. O diretor esteve em São Paulo para série de entrevistas e falou sobre o novo filme

Casey (Anya Taylor-Joy) encara Kevin (James McAvoy) no cativeiro
Em São Paulo para lançar seu novo filme, Fragmentado (Split), o diretor norte-americano de origem indiana M. Night Shyamalan chegou para  a longa rodada de entrevistas tranquilão: cabelos revoltos,  coturnos, calças rasgadas e muita disposição para responder à enxurrada de perguntas que lhes foram dirigidas.

Dando longas e ponderadas respostas para cada repórter, ele contou que teve a ideia para Fragmentado há 17 anos.

Não a toa, logo depois de lançar Corpo Fechado (Unbreakable, 2000), filme que – alerta de spoiler –  tem uma conexão direta com o filme da hora, sobre um sequestrador psicopata com 23 personalidades diferentes.

“Lembro de contar a umas duas pessoas sobre a ideia dessas garotas sequestradas. E, na época, isso era uma ideia agressiva, nova, ainda não tinham saído (filmes como) Jogos Mortais, O Albergue, nada disso”, diz.

“Aí elas percebiam que esse cara que as tinha raptado tinha esse distúrbio quando ouviam uma mulher do outro lado da porta e pediam socorro. E quando ‘ela’ abre a porta, era o próprio cara, vestido de mulher. Essa era a premissa. Eu parti daí”, conta.

Com um elenco inspiradíssimo, o filme é protagonizado por James McAvoy (o jovem Professor Xavier dos filmes dos X-Men) como Kevin, que sofre de TDI (transtorno dissociativo de identidade).
No filme, ele chega atuar como até dez dessas personalidades.

“Eu nem cheguei a desenvolver todas as outras personalidades. No máximo, mais cinco ou seis. Então trabalhamos de acordo com o roteiro. Esqueça que ele fazia uma mulher ou uma criança. Temos um ator e um papel. Pensamos: ‘quem é esse personagem?’ O que ele trazia para o trabalho eram os sotaques, o aspecto físico, coisas assim. E ele é muito bom com sotaques. E ele é britânico, escocês, então...”, ri o diretor.

Segundo o diretor, Fragmentado segue um modelo de escrita semelhante ao que o escritor Michael Crichton, de O Parque dos Dinossauros costumava imprimir em seus livros.

"Sou um grande fã do Michael Crichton - ele era médico -, e como ele escrevia suas histórias. Ele escrevia dez coisas (em uma história). Nove era reais, cientificamente comprovadas. A décima era lorota. E aí você tinha dinossauros em uma ilha (como em Parque dos Dinossauros). Mas a gente não sabia qual delas era fantasia. E a aí a gente ficava 'peraí, é possível ter dinossauros em uma ilha'? Eu adoro isso, como ele utilizava esse conhecimento acadêmico e o transformava em um lance imaginativo. Para mim, que venho de uma família de médicos, minha tia era psiquiatra, minha mulher é psicóloga, esse lance acadêmico é interessante para mim, sabe?", conta.

M Night Shyamalan Foto Gage Skidmore/Wikicommons
O que o universo quer

Fragmentado parece confirmar a remissão de Shyamalan perante público e  crítica após uma sequência de fracassos como O Último Mestre do Ar (2010) e Depois da Terra (2013). Mas ele diz não se importar muito com o que se escreve sobre ele.

"Eu escrevo todos eles (filmes), então, tenho que ser honesto sobre quem eu sou. Quando era jovem, fiz meus dois primeiros filmes (Praying with Anger, de 1992 e Olhos Abertos, de 1998), os quais ninguém viu. Eram filmes bem família, mas ninguem viu. Depois disso, fiz sucesso (com O SextoSentido, de 1999) e todo mundo viu, depois veio Corpo Fechado, Sinais, a Vila. Depois disso, voltei a fazer filmes para a família e as crianças de novo (O Último Mestre do Ar, de 2010, Depois da Terra, de 2013), fiquei bem sentimental nesses filmes. Mas você tem que ser quem é, senão você está apenas mentindo enquanto escritor. Meus filhos eram mais jovens, agora estão quase com vinte anos, então eu estou naturalmente ficando mais 'sombrio' de novo, voltando ao que eu era antes de ter filhos. Estou sendo mais fiel ao que sou. Quando você tem crianças pequenas, você tenta agrada-las, canta musiquinhas de princesas e tal. Você quer contar histórias para essas pessoas que você ama. Agora, com elas mais velhas, me sinto bem para voltar ao lado sombrio. E se você se mantém fiel ao que é, sua audiência não vai embora, eles sentem que sua integridade está lá", conta.

“Não leio muito (as resenhas). É difícil para o artista começar a olhar muito para fora de si. Começa a ficar esquisito. Não tenho esse impulso, não desejo ficar tipo (arregala os olhos) 'olha só para o que escreveram no Times'! (risos) e tal. Não acontece até porque não entendo muito, compreendo que, em geral, gostaram ou não. E tudo bem. Vamos falar de filosofia por um minuto. Filosoficamente, como ser humano e, principalmente, como artista, você quer concentrar suas energias no que você faz”, afirma.

“Li uma vez: o universo quer que você ponha toda a sua energia nas coisas que você pode controlar. E nenhuma energia nas coisas que o universo controla. Se você começa a botar energia nas coisas que o universo controla, isso vai te esmagar. Se você põe sua energia somente nas coisas que você controla, o universo vai te dar oportunidades de crescer e crescer. Acredito muito nisso”, afirma.

"Patricia" com suas prisioneiras Marcia e Claire
"Se você escreve canções, concentre-se em escrever canções. E não se preocupe se não está 'conectando' ou assim ou assado. Veja o U2. Boy (1980) e October (1981) não venderam muito. 'Cara, devíamos mudar nosso som'. Não faça isso, se concentre no que sabe fazer. E aí Joshua Tree (1987) aconteceu e todo mundo foi comprar Boy e October. 'Oh, essa banda é real'! Eles foram uma banda de bar por muito tempo, certo? Quando você está fazendo algo incrível e aquilo tem sua própria voz, você se foca naquilo que importa. Então Fragmentado saiu agora e tem sido bem recebido. Tudo bem, estou fazendo a coisa certa. Quando Corpo Fechado saiu as resenhas foram variadas e eu prestei atenção nisso. E eu gostei demais de Corpo Fechado. (Enfático) Gostei muito mesmo! Quando saiu, pensei 'é isso aí, isso é o trabalho que eu devo fazer, esse tipo de abordagem independente do cinema mainstream, essa fusão'. Mas ninguém entendeu direito, especialmente nos Estados Unidos. Se eu pudesse voltar no tempo, diria a mim mesmo o que te digo agora: 'não se importe com isso, este não é seu lugar, é do universo'", reflete Shyamalan.

Perguntado sobre a influência do cineasta David Lynch em seu trabalho, o diretor não se fez de rogado, tecendo loas ao cultuado diretor de Coração Selvagem (1990).

"Enorme influência. Acho que David Lynch tem essa atitude de que falamos. Ele não se importa se o filme dele foi bem ou mal aceito, nada disso, tipo 'qual foi a bilheteria de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001)', nem imagino ele prestando atenção nessas coisas. (risos) Assim, ele tem essa voz muito, muito clara. Então por 20, trinta anos, seus filmes tem se tornado clássicos: Cidade dos Sonhos, Veludo Azul (1986). Ele estava muito, muito a frente de todo mundo com aquele humor sombrio e você ficava: 'o que está acontecendo?' Eu amo, amo esse lance esquisito, que nos deixa com medo e rindo ao mesmo tempo. Quando eu estava escrevendo Fragmentado eu tinha os DVDs de Veludo Azul e Cidade dos Sonhos ao meu lado o tempo todo só... (faz um gesto como se estivesse captando vibrações)", conta, caindo na risada com os repórteres à sua volta.

Fragmentado (Split, 2016) / De M. Night Shyamalan / Com James McVoy, Anya Taylor-Joy e Betty Buckley / Cinépolis Bela Vista, Cinépolis Shopping Salvador Norte, Cinemark, UCI Orient Shopping Barra, UCI Orient Shopping da Bahia, UCI Orient Shopping Paralela / 14 anos

*O repórter viajou a convite da Universal Pictures

RESENHA: Tradição hitchcockiana

Kevin na terapia com a Dra. Fletcher (Betty Buckley)
Existe um antigo mito científico segundo o qual os seres humanos só usam 10% da sua capacidade cerebral. Em Fragmentado, M. Night Shyamalan parece partir desse dado – que apesar de incorreto, abre espaço para a imaginação – para construir seu novo filme.

Estrelado por um James McAvoy em estado de graça, o filme tem sido saudado pela crítica como um retorno à grande forma de filmes como O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999) e Corpo Fechado (Unbreakable, 2000).

De fato, Fragmentado é um filme bastante tenso, que deixa pouco espaço para o espectador relaxar na cadeira em seus quase 120 minutos de projeção.

Tudo começa com o sequestro de três garotas adolescentes, Casey (Anya Taylor-Joy), Claire (Haley Lu Richardson) e Marcia, (Jessica Sula)  por Kevin, um homem com TDI (transtorno dissociativo de identidade). Basicamente, Kevin tem 23 identidades / personalidades diferentes.

No filme, conhecemos algumas delas. Há Barry, o fashionista efeminado. Dennis, o sombrio sequestrador. Hedwig, um ciciante menino de nove anos. Patricia, uma mulher.

Kevin tem acompanhamento psiquiátrico da Dra. Karen Fletcher (Betty Buckley), que não faz ideia do sequestro triplo.

Ela acredita que o transtorno pode ser a chave para destravar regiões inativas do cérebro, levando os pacientes a passarem até mesmo por transformações físicas e químicas absurdas – sobrenaturais, mesmo.

Visitadas no cativeiro ora por Dennis, ora por Hedwig, ora por Patricia, as meninas tentam de todas as formas se libertar, enquanto ouvem o doidão balbuciar sobre a chegada d'Ele, uma suposta “fera”, a 24ª personalidade a emergir em breve.

"Hedwig", o menino ciciante fã de Kanye West
Shyamalan joga muito bem com as expectativas dos espectadores enquanto desenvolve a trama principal e uma secundária, relacionada à infância de de uma das meninas, Casey, imersa em suas memórias no cativeiro.

Em excelente forma, McAvoy vai sem esforço do rigoroso Dennis para o infantil Hedwig (que fala como se fosse uma criança banguela) para o afetado Barry.

Funciona muito bem, como um ótimo filme de suspense na tradição  hitchcockiana, talvez o melhor elogio que se possa fazer à Shyamalan.

Mas, no geral, a impressão que fica de Fragmentado é a de um filme que faz parte de uma trama maior, que Shyamalan vem construindo há vários anos, uma mitologia própria – inclusive com um inesperado aceno à Corpo Fechado.

Não a toa, já anunciou ter um esboço de 24 páginas para compor e  fechar uma trilogia. Se vai ser bom, isso ainda está por ser visto.

Por hora, este filme já nos serve muito bem para duas horas regulamentares de tensão inofensiva na sala escura.

2 comentários:

Rodrigo Sputter disse...

soube que o grande dom lula nascimento se foi...descanse em paz...lendário baterista baiano!!


chico, olha que apareceu quando digitei rock loco no google...pra dar uma descontraída...se é q dá...

https://luccanudes.tumblr.com/post/153801418042/chico-castro-100nudeshoots

https://chico-castro.tumblr.com/

Rodrigo Sputter disse...

http://www.fotolog.com/thehonkers/248000000000036565/

bora??

quem num for vai ganhar uma camisa "bolsonaro 2018!".