Os reflexos do periodo que se convencionou chamar de pós-punk estão aí com cada vez mais nitidez. Se o ano passado viu o Franz Ferdinand e o Interpol com suas referencias atualizadas de bandas icones do pós-punk como o Gang of Four e Joy Division dominarem o ano rock no quesito bandas novas, este não esta sendo diferente com o Bloc Party, The Bravery e o British Sea Power( Open Season é fantastico) atualizando as referencias das bandas já citadas mais The Cure, Talking Heads, Human League, Siouxie, Echo & The Bunnymen, Cabaret Voltaire, ect., evidenciando o quão importante foi o periodo para a cultura pop.
Recentemente um dos maiores criticos musical da Inglaterra, o ex-NME Simon Reynolds, por ocasião do lançamento do seu livro sobre o periodo " Rip it up and Start Again", escreveu um extenso artigo intitulado " Vision On" no Observer, onde defende a tese que o pós-punk, durante o periodo 1978-1984, foi tão ou mais importante e influente para o rock e a cultura pop em geral como o periodo compreendido entre 1963-1969, e mais, o pós-punk teria sido o momento aonde o punk teria realmente cumprido as promessas contidas( e não cumpridas) no inicio do punk.
Utilizando a trajetoria de artistas como Julian Cope( Teardrops Explodes), Martin Fry( ABC), Kevin Rowland ( Dexy´s Midnight Runners), Green Gartside ( Scritti Politt) como pano de fundo, Reynolds conta a estranha jornada que transformou punks de primeira hora( Cope, Fry e Rowland) e do membro ativista da juventude comunista ( Gartside) , em artistas com propostas musicais abertamente pop, mas mantendo ,e no caso do Scritti Politti até ampliando, a mensagem transgressora e subversiva contida no Big Bang do Punk.
Os estilhaços deste big bang geraram varias versões sobre "o verdadeiro espirito do punk"; a quantidade de sub-generos e estilos musicais que diziam ter o tal do espirito punk é imenso. Em restrospecto ve-se que o pós-punk reteve o principio punk que qualquer um podia ser um artista, traduzindo-o para uma nova filosofia pop que dizia que qualquer um podia ter um hit na paradas. E isto só foi possivel quando as bandas encarnaram a revolução musical prometida no punk, e rompendo as regras rigidas do punk, e se permitiram fazer musicas com mais de 3 minutos, com sutilezas melodicas, produção mais apurada em estudios, e a incorporação dos ritmos negros contemporaneos( funk, disco, reggae, ) e o potencial futuristico emergente da eletronica, gerando movimentos como o 2-Tone( Selector,Specials,Beat) e o tecno-pop( Human League, Thompson Twins)
Mesmo bandas punk da leva original como Siouxie and The Banshees e Slits só foram gravar seus primeiros discos em 78, quando o som das bandas já tinha rompido com o formato punk original. O disco de estreia dos Banshees, The Scream, numa só porrada rompe com seu restrito passado musical e estabelece as bases do goth-rock.
Para se ter uma ideia da quantidade de bandas do periodo e seus diferentes estilos ,alem de bandas mais identificadas com o pós-punk como o Gang of Four e o Joy Division, o genero pode tambem se aplicar bandas com som mais "doce" como Orange Juice e Aztec Camera, bandas de tecno-pop como Human League e Soft Cell, ao movimento 2-Tone, bandas com sonoridade mezzo-psicodelicas( Teardrops Explodes e Wah!) mais sombrios( Echo), beeeem sombrios e pesados(Killig Joke), o cerebralismo do Wire,o gotico do Bauhaus, a ironia e espirito musical vanguardista do PIL, a tecno- disco do ABC, o white-soul dos Dexy´s , o pop do ex-punk Adam Ant , o selo ZTT com Trevor Horn e o Art of Noise ect., ect.
O que todos eles tinham em comum, segundo Reynolds, era que todos buscavam algum tipo de visão do mundo atraves do pop. Não se tratava de se tornar famoso apenas pela fama em si,mas como componente de um plano maior, onde era possivel combinar ambição artistica com a logica comercial da engrenagem do show-biz. Uma especie de cavalo do Troia no pop. Os outsiders iam se infiltrar dentro da maquina e de dentro passar a dar as cartas no show-biz. Pura fantasia, é obvio, mas o fato é que durante o periodo uma banda como o Scritti Politti ( nome baseado nos escritos do economista marxista Antonio Gramsci) conseguiu emplacar hits com musicas que falavam do filosofo francês Jacques Derrida, alem de citar Ecrits, de Lacan, no hit "The Word Girl", tudo isto embalado numa doce canção pop!!!
Como saldo a era deixou uma herança incalculavel, pois toda a musica moderna atual teria sido gestada ou insinuada durante este periodo. È claro que a pretensão artistica soterrou a espontaneidade e o pionerismo existente nos primeiros trabalhos de bandas como o Wire e o Pil, e a logica capitalista prevaleceu em cima dos sonhos de bandas que fizeram muito sucesso e esqueceram seu objetivo inicial( Simple Minds) ou pura e simplesmente sumiram e perderam a relevancia artistica. O proprio Reynolds arremata, citando Adam Ant em Prince Charming," é melhor a pretenção que pensar pequeno, não se deve temer o ridiculo".
3 comentários:
Que mais dizer? Sou suspeito para falar do assunto, já que o meu Woodstock aconteceu ali pelo final dos anos 70, quando os Pistols tocaram para uma pequena platéia na cidade industrial de Manchester. O resto é história.
Concordo inteiramente com o Reynolds. Num curto período (menos de uma década) o rock virou de cabeça pra baixo e encarou a maturidade com ousadia. Os ecos dessa história ainda precisam ressonar com mais força e acho que é agora.
Feliz e oportuno texto, Osvaldo. Aproveito e deixo aqui o convite para escrevermos em parceria o texto que publico no Clash City Rockers, na próxima semana, sobre o Joy Division (sorry, Nei). Fique a vontade para declinar.
Abraço.
Convite aceito Marcos. sem duvida o Joy Division é um assunto interessantissimo.
Miguel Cordeiro
suas análise sempre são precisas, caro Osvaldo. esse período pós-punk tem uma importancia bem maior do que podemos imaginar pois trouxe um sangue novo e novos ares à cena com nuita gente bacana e inteligente envolvida. às vezes tambem acho que esta foi uma época tão rica quanto os anos 1960 e parece que o passar do tempo e o distanciamento historico está provando isso.
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