Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
Do Vale do Capão, banda Caeté Raiz junta músicos de quatro países em torno da arte
Caeté Raiz, foto divulgação
Pedaço do mundo no coração da Bahia, o Vale do Capão atrai músicos e artistas de todo canto, graças aos seus eflúvios místicos e paisagens deslumbrantes. A banda Caeté Raiz é justamente fruto dessa atração, reunindo músicos de quatro países, incluindo o Brasil.
“Nos conhecemos no Vale do Capão, lugar onde todos chegamos viajando pela arte. Viemos de diferentes partes do Brasil e do mundo: Colômbia, Argentina, Chile. Temos dois brasileiros: um gaúcho e um baiano de Salvador”, conta...
O colunista não sabe quem contou. O pessoal é tão coletivo que esqueceu de dizer quem respondeu a entrevista por email. Mas sem crise.
O importante é que essa superbanda faz um puta som entre o afrobeat, o jazz latino e o ska.
"Nossa união musical não está restrita a um gênero específico. Levamos mensagens de transformação, elevação para o despertar de uma nova consciência, dessa forma, encontramos nos ritimos do Ska, Reggae e Afrobeat a base para manifestar essa ânsia de revolução", afirmam.
Neste sábado, essa rapaziada toda comemora um ano de banda com um show gratuito, e quem estiver por lá no Capão está convidado.
“No dia 5 de maio completaremos 1 ano de banda e vamos celebrar essa caminhada no palco mais lindo do Vale. Vai ser na Pousada do Capão às 14 horas, com entrada franca, um evento para toda a família com zero lixo e zero álcool”, acrescentam os músicos.
Um ano só e já estão comemorando, mas o que que é isso? Pois é, um ano de muita música e muito trabalho, com muitos shows pela Bahia, inclusive aqui em Salvador. Ih, você não soube? Então aguarde que eles voltam.
“Sim já tocamos em outras partes da Bahia. Lençóis foi nosso primeiro palco fora do Vale, e logo fizemos algumas apresentações em Salvador, onde se destacam Teatro Gamboa e o (Bar) Oliveiras (no Santo Antônio)”, contam.
“Temos muita vontade de compartilhar nossa música novamente, e esperamos em breve organizar uma nova visita até a capital baiana”, dizem.
Seres transformadores
Interessou, curtiu? Vai no YouTube que tem um material bem legal deles, incluindo dois vídeos da música Para Despertar.
Um ao vivo, com participação da cantora francesa Line Tafomat e o clipe oficial.
No momento, a galera está gravando seu primeiro álbum, lá mesmo no Vale.
“Já temos nosso primeiro single nas principais plataformas de streaming. Dentre os integrantes da banda também temos técnicos e engenheiros de som, com estúdio e equipamento profissional, possibilitando as gravações sem sair do nosso querido vale”, contam.
"Também tivemos a oportunidade de masterizar nosso single Para Despertar com Chalo Gonzales, do Estúdio CHT, que já trabalhou com Queen, Incubus, Simply Red, entre outros", conta.
“Caeté Raiz é uma família de seres transformadores que se encontrou através da arte, buscando uma nova vida, inspirando-se na natureza. Levamos essas mensagens em nossas músicas”, concluem.
Beatles Social Club hoje na Cia. da Pizza. Véspera de feriado, uhú! 20 horas, gratuito.
Blues no Lebowski
Rapaziada do Restgate Blues quinta-feira no Lebowski Pub. 20 horas, R$ 10 e R$ 15.
Rock em debate
O Clube dos Bons Sons promove o debate Rock ‘n’ roll em Salvador: situação atual e como ampliar o mercado. Quinta-feira, 19 horas, Casa OLEC, Rua das Esperas, 78, Pituba.
Irmão, Ativos, Trio
Tem Faustão Falando Sozinho domingo, com Irmão Carlos, Ativos Resistentes e Trio ao Vento. Espaço Dona Neuza, 16 horas, R$ 10. Recomendo.
Show Os Três Primeiros Ao Vivo vai agitar geral a Concha Acústica do TCA hoje. No palco, o Skank relembra seus primeiros anos, cheios de sucessos e balanço reggae
Haroldo, Lelo, Samuel e Henrique, foto Diego Ruahn
Na longa (e louca) história do pop rock brasileiro, são poucas as bandas de sucesso que logram manter a mesma formação por muito tempo. Uma dessas poucas é o Skank. O quarteto mineiro traz hoje à Concha Acústica o show que relê seus três primeiros álbuns. No palco, os mesmos quatro músicos que gravaram os três discos há mais de 20 anos.
Já disponível em áudio (CD, streaming) e vídeo, os show Os Três Primeiros Ao Vivo traz uma seleção de canções dos álbuns Skank (1992), Calango (1994) e O Samba Poconé (1996), alternando sucessos inescapáveis e também aquelas que Samuel Rosa, Henrique Portugal, Haroldo Ferretti e Lelo Zaneti consideram importantes na trajetória do quarteto.
“O show traz uma seleção de músicas, mas não na ordem dos álbuns e nem são os álbuns completos, o show ficaria muito longo”, conta Henrique, o tecladista, ao Caderno 2+.
“Fizemos uma seleção a partir de duas referências. Uma, músicas conhecidas do público. A outra são canções importantes para nossa história e que acabaram não se tornando tão conhecidas na época de lançamentos dos álbuns. A cada disco a gente ia viajando e conhecendo mais o Brasil, desenvolvendo musicalmente, artisticamente, sendo mais ousados a cada álbum”, diz.
Assim, o público na Concha hoje poderá ouvir ao vivo Jackie Tequila, Tanto, É Uma Partida de Futebol, Garota Nacional, Tão Seu, Pacato Cidadão, O Homem que Sabia Demais, Baixada News, Sem Terra, Eu Disse a Ela, Te Ver e outras.
Assim como outra sólida formação, os Paralamas, o Skank partiu da celula mater jamaicana do reggae para depois incorporar elementos diversos ao seu som, característica possível de ser observada (ouvida) nos três álbuns iniciais da sua próspera carreira.
Se Skank era puro reggae pós-Bob Marley calcado na abordagem industrial da banda inglesa UB40, Calango já trouxe mais tempero na receita, trazendo dancehall, raggamuffin e o ritmo folclórico mineiro que dá nome à obra.
Já O Samba Poconé aprofundou essa abordagem, adicionando um toque roqueiro a mais. “Concordo totalmente com sua definição sobre a diferença de cada um dos álbuns, mas acho que isso foi consequência de nossa experiência. O primeiro foi gravado de forma 100% independente, em Belo Horizonte”, afirma.
“No segundo já tivemos uma estrutura de estúdio de melhor qualidade, estrutura da gravadora, chamamos o Dudu Marote para ser o produtor. Então demos um passo a mais no Calango. E o terceiro álbum foi o que inclusive nos levou para fora do Brasil. Garota Nacional a gente comenta que é nosso hit internacional e realmente foi uma evolução”, reflete o músico.
Hoje prática consolidada, a mistura de música pop (e rock) com outros ritmos, marcadamente os brasileiros, era uma quase novidade nos anos 90, ja que iniciativas semelhantes nos anos 80 (honrosa exceção aos Paralamas) não eram muito bem recebidas.
“O Skank surgiu na primeira metade da década de 1990, junto com outros artistas que tinha essa característica de pegar uma referencia internacional e misturar com alguma fonte cultural local forte. Tinha o Raimundos, que misturava hardcore com repente, o Skank o dancehall com calango, Chico Science também fez a mistura”, observa Henrique.
“O que acho muito bacana daquele inicio dos anos 90 é que foram bandas que ficaram. Uma boa parte delas existe até hoje, e isso já faz tempo, sinal que foi uma geração que tem conteúdo”, afirma
Inéditas agora e no futuro
Você pode não ser fã, mas tem que admitir: os caras tem dignidade. Diego R.
No show, respeito aos arranjos originais, o que faz muito fã respirar aliviado: “Buscamos respeitar os arranjos originais das canções, mas as mudanças tecnológicas acabam nos obrigando a fazer algumas alterações. Mas Para quem conhece as músicas originais eu tenho certeza que ficará muito satisfeito, porque nos empenhamos bastante em fazer ao vivo algo bem proximo do que fizemos no estúdio”.
No álbum Os Três Primeiros Ao Vivo o Skank incluiu duas canções inéditas: Algo Parecido e Beijo Na Guanabara, as quais também devem ser ouvidas no show. “Algo Parecido já está tocando bem nas rádios, tá na novela, é muito gostosa de tocar ao vivo”, conta.
“Já Beijo na Guanabara foi composta naquela época dos três primeiros. Aí criamos um arranjo respeitando as referências musicais que utilizávamos”, acrescenta.
Com isso, Henrique não sabe dizer quando haverá um novo álbum de inéditas do grupo. Velócia, o mais recente, é de 2014. “Está nos planos, mas com todas essas mudanças, a maioria dos artistas lançando somente singles, ainda estamos pensando como vamos fazer: se lançamos uma música por vez ou um álbum completo”, conta.
“Ainda acreditamos bastante no conceito de álbum, mas preferimos, neste momento, divulgar essas duas inéditas que saíram junto com essa revisão de carreira”, conclui.
Skank: Os Três Primeiros Ao Vivo / Hoje, 17 horas / Concha Acústica do Teatro castro Alves / R$ 120 e R$ 60 / Camarote: R$ 240 e R$ 120 / Vendas: Bilheteria TCA, SACs Shopping Barra e Shopping Bela Vista ou www.ingressorapido.com.br
OS TRÊS PRIMEIROS COMENTADOS
Skank (1992 / 93)
Gravado e lançado de forma independente pela própria banda em 1992, o álbum de estreia do Skank foi relançado com mais alcance no ano seguinte pela Sony, que contratou o quarteto. Basicamente reggae moderno linha UB40, tem hits como Indignação, Tanto (I Want You, de Bob Dylan) e Let Me Try Again (Sinatra)
Calango (1994)
Produzido por Dudu Marote (inaugurando longeva e próspera parceria), o segundo álbum do Skank expôs melhor tanto sua identidade musical / artística quanto sua brasilidade. Resultado: uma avalanche de hits como É Proibido Fumar, Te Ver, Jackie Tequila, Pacato Cidadão e outros
O Samba Poconé (1996)
O terceiro do Skank ampliou ainda mais o sucesso da banda junto ao público, vendendo mais de dois milhões de cópias na época. Garota Nacional, com seu ousado clipe cheio de atrizes famosas seminuas, foi sucesso até na gringa. É Uma Partida de Futebol é uma das melhores canções sobre o esporte.
Quinteto Astor Piazzolla traz hoje à Salvador o show Revolucionario, iniciando as homenagens do centenário do Maestro em 2021
Quinteto Astor Piazzolla, foto Christian Welcomme
Gênero nascido entre o Uruguai e a Argentina, o tango é, ao lado do nosso samba, uma das joias culturais legadas à humanidade pelo continente sul-americano. E entre os muitos nomes que elevaram o tango a tal status, nenhum brilhou mais do que Astor Piazzolla.
Hoje, o Quinteto Astor Piazzolla traz à Sala Principal do TCA um pouco dessa alta arte, no show justamente intitulado Revolucionario.
Fundado pelo próprio Astor (1921 - 1992) ainda em vida, o Quinteto foi refundado após sua morte pela viúva do Maestro, Laura Escalada Piazzolla, como uma forma de manter vivos seu nome e sua arte.
Atualmente formado por Lautaro Greco (bandoneon), Sergio Rivas (contrabaixo), Germán Martínez (guitarra), Sebastián Prusak (violão) e Cristian Zàrate (piano), o Quinteto mostra em Salvador o show da turnê Revolucionario, que já passou pelo Uruguai, Colômbia, Equador, Peru, Panamá e México. Depois da temporada brasileira, segue para Ásia e Europa.
Curiosamente, o Brasil teve um papel importante em seu reconhecimento mundo afora: “Piazzolla é hoje um músico de renome mundial, seus diferentes artistas (intérpretes) e sua riqueza musical fazem com que diferentes públicos do mundo se sintam identificados e ligados ao seu trabalho”, afirma o saxofonista e flautista Julián Vat, diretor musical do QAP.
“No entanto, como eu disse nos shows do Rio e São Paulo, o Brasil ajudou muito. O professor acreditava em seu próprio trabalho, e aqui ele foi valorizado desde o começo. Isso é sempre apreciado”, diz.
Cidadão do mundo, Piazzolla também não teve dificuldade em atrair feras do jazz, o que lhe garantiu um bom público no cobiçado mercado norte-americano: “Finalmente, suas colaborações com grandes músicos de jazz, como Gerry Mulligan e Gary Burton, além de planos com artistas da estatura de Miles Davis, que infelizmente não puderam ser concretizados, fazem do público americano uma plateia ansiosa para ouvir sua música”, afirma Julián.
O tango A.P. e D.P.
Para não-iniciados, a importância de Piazzolla pode ser resumida no fato de que o tango era uma coisa antes dele e se tornou outra depois.
“Piazzolla incorpora novas harmonias e critérios rítmicos ausentes até sua aparição, (sendo essa) sua contribuição para universalizar ainda mais o gênero, fazendo com que mais músicos do mundo queiram interpretá-lo”, afirma Julián.
No repertório do concerto, clássicos como La Camorra, Adiós Nonino, Mumuki, Vayamos al Diablo e Tanguedia. Duas curiosidades são Retrato de Milton, homenagem de Astor ao nosso Milton Nascimento e Retrato de Alfredo Gobbi, homenagem ao músico considerado pai do tango.
“Faremos criações do professor com um perfil mais jazz, como Años de Soledad, junto com algumas mais acadêmicas, com a fuga (estilo de composição) como característica, chamada Fuga y Misterio, entre outras composições”, diz.
A dois anos do centenário do Maestro, o QAP prepara suas homenagens, sendo o álbum e turnê Revolucionario o primeiro volume de quatro, a ser concluído em 2021. Mais, Julián não conta: “Infelizmente, pouco podemos adiantar, apenas compartilhamos que existem muitas e muito importantes colaborações que estão sendo gerenciadas. Felizmente, os grandes músicos do mundo amam tocar Piazzolla”, diz.
“(Na Argentina, ele) deixou de ser discutido. Mas felizmente, já é um ícone da música Arge, que nos representa e nos deixa orgulhosos”, conclui.
Quinteto Astor Piazzolla / Hoje, 21 horas / Teatro Castro Alves (Sala Principal) / Fileiras A a W: R$ 120 e R$ 60 / X a Z6: R$ 90e R$ 45 / Z7 a Z11: R$ 60 e R$ 30 / Vendas: bilheteria TCa, SACs Shopping Barra e Shopping Bela Vista e www.ingressorapido.com.br
Quinta-feira: Tagua Tagua, do gaúcho Felipe Puperi, e a banda paraibana Glue Trip estreiam em Salvador no Bahnhof
Felipe Puperi AKA Tagua Tagua, foto Rafael Rocha
Rapaziada que gosta de novidade nos palcos locais tem destino certo na quinta-feira: o show que rola no Club Bahnhof com o gaúcho Tagua Tagua, a banda paraibana Glue Trip e a local Tangolo Mangos.
Tagua Tagua é o projeto solo do músico Felipe Puperi, um indie pop de tons experimentais e bem cosmopolita (mesmo cantado em português), ao gosto dos apreciadores de Beach House e afins.
Curiosamente, ele já passou pela Bahia ano passado, tendo feito shows em Feira de Santana (no Fervura Feira Noise) e Vitória da Conquista (no Suíça Baiana), mas só agora chega a Salvador, primeira parada de uma turnê nordestina que ainda passa por Aracaju, Maceió, Recife e João Pessoa.
“Pra mim é muito incrível estar levando esse show pro Nordeste. O povo nordestino é maravilhoso, extremamente aberto a coisas novas, muito acolhedor e receptivo. Tenho ótimas lembranças da primeira vez e tenho certeza que dessa vez não será diferente, ainda mais tendo na rota várias cidades em que nunca estivemos”, derrete-se Felipe.
No palco, Felipe se apresenta acompanhado de três músicos: “O show é com a banda que está comigo desde o primeiro show do Tagua Tagua, ainda em 2017. São dois aracajuanos (Leo Mattos na bateria, percussão e programações e Rafael Findas no baixo) e um gaúcho (Jojô, na guitarra e sintetizadores)”, conta.
Escritores e produtores
A banda paraibana Glue Trip: 100 mil audições no Spotify. Foto Dani L.
No repertório, canções de seus dois trabalhos já lançados: Tombamento Inevitável (2017) e Pedaço Vivo (2018).
Pedaço Vivo foi gravado no Brasil, mas masterizado na gringa, pelo norte-americano Brian Lucey, com longa folha de serviços prestados para grandes nomes do rock e do pop.
"A masterização é a última fase do processo ao gravar um disco. É o toque final, o que equilibra a sonoridade do todo, ajuda a unir o trabalho e dá uma pressão no som. Também é importante para corrigir algumas frequências que estejam sobrando ou acrescentar algo que falte, como graves, médios e agudos. Estou acostumado a trabalhar com o Brian, ele é ótimo no que faz e tem um ouvido muito aguçado, dificilmente ele me manda uma manter e peço alteração, temos um gosto parecido", detalha Felipe.
Artista gaúcho e independente, Felipe / Tagua Tagua está feliz por iniciar uma turnê em, uma região distante da sua. Algo que pode ficar mais difícil nos próximos anos, com a economia e a política indo para o saco, como vemos. Ainda assim, ele não perde a esperança: "É uma tendência que as coisas fiquem mais difíceis pra cultura num geral nos próximos anos, mas pra artistas independentes sempre tem e sempre terá espaço, pois esses artistas estão acostumados a 'criar' esses espaços, a inventar as próprias oportunidades. E, mais do que nunca, é o momento de se movimentar pra fazer as coisas acontecerem, pra ocupar, pra se reinventar, criar festas, festivais independentes, mesmo sem saber onde isso vai chegar. Demanda existe, o público não sumiu, as pessoas seguem precisando de artistas novos, de novas ideias, de pessoas que as representem também".
Tagua Tagua, foto Rafael Rocha
Perguntado sobre suas influências, Felipe elenca escritores antes de outros músicos e bandas, o que não deixa de ser interessante: “Muitos artistas me inspiram e não somente músicos. Gosto muito de filmes e livros, minhas composições muitas vezes nascem disso. A poesia sempre me ajuda a encontrar caminhos, gosto muito da Hilda Hilst. Me encanta também a romancista catalã Mercé Rodoreda”, conta.
De som mesmo, ele cita uma gama de artistas black: do afrobeat de Tony Allen e Fela Kuti ao soul clássico de Marvin Gaye e Bill Withers, passando por Tim Maia e Cassiano.
Mas o que decifra mesmo seu som são seus gostos atuais: “Estou sempre atento a coisas novas também, mas daí minha busca é mais por sonoridade e produção. Atualmente, gosto muito dos produtores Danger Mouse (de álbuns como Rome, com Daniele Luppi, e Lux Prima, com a deusa indie Karen O), Gabriel Roth (selo Dap-Tone), Dan Auerbach (da banda The Black Keys) e Mark Ronson (Back in Black, de Amy Winehouse)”, conclui.
Tagua Tagua + Glue Trip e Tangolo Mangos / Quinta-feira, 19 horas / Club Bahnhof (antigo Idearium) / R$ 20 (Sympla) / R$ 30 na porta
NUETAS
Surrmenage sexta
O power trio Surrmenage (do ex-Dead Easy Arthur Caria) é a atração de sexta-feira no Bardos Bardos. 19 horas, pague quanto quiser. Sabadão é a vez de Tryxx Bomb e Malgrada, no mesmo esquema.
Mantra Sounds sex.
O Festival Mantra Sounds bota Van der Vous, Soft Porn, Orelha Seca, Favna e Kazenin Mafia no Buk Porão (Pelourinho), Sexta, 19 horas, R$ 15.
Rock Esmeril sábado
O mesmo Buk Porão abriga o show Poesia Rock Esmeril, com Modus Operandi, Jato Invisível e Organoclorados, com participação de Beatriz Biscarde. Sábado, 19 horas, R$ 10 + 1 kg de alimento.
Rock, Rua, domingo
As bandas Dom Sá e Jato Invisível fazem Rock na Rua. Domingo, 10 horas, na Av. Magalhães Neto, Pituba. Free.
Música Com Bach e Mozart, Orquestra Juvenil da Bahia e Coro Juvenil do NEOJIBA brindam o domingo em concerto regido por referência mundial do período barroco
Chiara Bianchini, foto Karol Azevedo
Um domingo de Páscoa verdadeiramente celestial, ao som de Bach e Mozart. Isso é o que espera quem comparecer amanhã, ao Concerto de Páscoa, com a Orquestra Juvenil da Bahia e o Coro Juvenil do NEOJIBA.
A ocasião ganha ainda mais brilho com os auxílios luxuosos da violinista e maestrina suíça Chiara Banchini e do maestro Ricardo Castro (diretor geral e artístico do NEOJIBA), desta vez ao piano.
No programa, três peças de Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791) e uma de Johann Sebastian Bach (1685 - 1750): ChristLag in Todesbanden, Cantata BWV 4 (do último), Adágio e Fuga em dó menor, K. 546, Concerto para Piano e Orquestra em Mi Bemol maior, K. 271 (também conhecida como Jeunehomme) e Sinfonia 25 em sol menor, K. 183.
Esta última é uma das peças mais marcantes de Mozart, tendo sido bem explorada no clássico filme sobre sua vida, Amadeus (1984, de Milos Forman).
Com a batuta em punho, uma autoridade mundial em música clássica, notadamente a barroca (séculos 17 e 18): a já citada Chiara Bianchini.
Praticamente sócia do NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), Bianchini participa, amanhã, do seu terceiro concerto com os jovens músicos da instituição em Salvador.
Natural de Lugano (maior cidade da chamada Svizzera italiana, região da Suíça que fala italiano), ela tem vasta experiência tanto em concertos quanto em estúdio, tendo gravado registros aclamados por crítica e público, como o Concerti Grossi de Arcangelo Corelli (selo Harmonia Mundi, 1992) e o Stabat Mater, de Antonio Vivaldi (mesmo selo, 1995).
“No início dos anos 80, fiz um curso sobre as obras de Bach, ministrado pelo grande especialista (Nikolaus) Harnoncourt (1929-2016, maestro austríaco)”, conta Chiara.
“Entendi que a música antiga, barroca e clássica que tocávamos de maneira muito romântica, não deveria ter sido tocada assim e me apaixonei pela pesquisa histórica e filológica da interpretação com instrumentos antigos”, conta.
ASANBA
Rapaziada dos sopros (madeiras), foto Karol Azevedo
O envolvimento de Chiara com o NEOJIBA começou em Genebra, quando seu amigo, o renomado luthier André-Marc Huwiler, lhe contou sobre o projeto idealizado por Ricardo Castro.
“Eu tinha acabado de me aposentar e tinha mais tempo livre e vontade de ajudar um projeto como o NEOJIBA”, relata.
“Eu sabia que eles nunca tinham visto ou tocado com cordas barrocas e pensamos em trazer alguns (instrumentos) da Europa para começar o trabalho de construção na oficina de fabricação de violinos”, acrescenta.
Huwiler é tão apaixonado pelo NEOJIBA que fundou, lá em Genebra, a ASANBA (Association Suisse des Amis de NEOJIBA, Associação Suíça dos Amigos do NEOJIBA), que “quer ajudar e convidar jovens brasileiros do NEOJIBA a virem treinar no Conservatório de Genebra e na Escola Suíça de Fabricação de Violinos”, conta.
No concerto de amanhã, Chiara dá prosseguimento ao seu trabalho com a Orquestra Juvenil, avançando para o período final da música barroca, com a entrada em cena de Mozart: “Mozart está na fronteira entre o barroco e o clássico, e é um grande inovador para o seu tempo e para sua busca por uma nova linguagem, que se estabelecerá no final do século XVIII”, observa a maestrina.
“Com Ricardo Castro, tivemos a ideia de planejar um concerto de piano de Mozart. Acho que Ricardo é um excepcional pianista e estou muito feliz e honrada por poder tocar com ele. Perto do concerto, eu propus uma magnífica sinfonia que Mozart escreveu em 1773, aos 17 anos! Uma alegre sinfonia de um jovem cheio de energia, que é adequada para a Páscoa”, acrescenta.
Por sugestão de Eduardo Torres, diretor musical do NEOJIBA, foi incluído também no programa a cantata BWV4, escrita por Bach para a Páscoa. “Para colocar Bach e Mozart em relação, a peça ideal é Adagio e Fuga, de Mozart. De fato, Mozart admirava muito a música de Bach e escreveu várias fugas usando um tema de Bach”, conta Chiara.
Priscila, a discípula
O maestro / pianista Ricardo Castro e a spalla Priscila, foto Karol Azevedo
Um outro destaque muito importante neste concerto amanhã estará à frente da orquestra: é a jovem spalla (primeiro violino) Priscila Gabrielle Rodrigues.
Aluna de Chiara, ela foi admitida para um curso na área de música antiga em Basel, na Suíça, para onde embarca em breve.
“Conheci Priscilla aqui em Salvador e imediatamente senti seu interesse pela música barroca e por uma maneira diferente de realizá-la. Priscilla é uma boa violinista, corajosa, muito séria, e tenho certeza que ela merece estudar em uma grande e boa escola suíça, em Basileia, onde eu ensinei violino barroco por 20 anos”, elogia Chiara.
“Por isso, ajudei-a a apresentar-se no concurso de entrada, que é muito difícil – e ela foi admitida. Estou muito feliz e acho que quando ela voltar, poderá trazer todo seu conhecimento para jovens músicos brasileiros”, afirma.
Como autoridade em barroco, Chiara aprecia muito as igrejas soteropolitanas, construídas naquele período: “Claro! As igrejas do Pelourinho são magníficas e foram construídas no período renascentista e barroco. Certamente o colonialismo e a igreja trouxeram a cultura europeia para cá, mas também prejudicaram muito a cultura brasileira”.
“Ainda me sinto um pouco magoada quando penso que meus ancestrais europeus aproveitaram a riqueza sul- americana para construir seu império, despojando o povo”, conclui.
Concerto de Páscoa / Com a Orquestra Juvenil da Bahia e Coro Juvenil do NEOJIBA / Regência: Chiara Banchini / Piano: Ricardo Castro / Amanhã, 16 horas / Igreja Batista Sião (R. Forte de São Pedro, 68 - Campo Grande) / Entrada franca
Memória Vida e obra de Chico Buarque são celebradas na fotobiografia Revela-te, Chico, um livrão de arte que dimensiona o tamanho do gênio
Artista, cantor, compositor, sambista, trovador, escritor, dramaturgo, ícone, ídolo, poeta, “pão”, pai, filho, avô, esportista, subversivo, especialista da alma feminina e Julinho da Adelaide: Chico Buarque não é nem nunca foi um só. É muitos.
E no livro de arte Revela-te, Chico, todos eles estão contemplados.
Organizado pelo designer e jornalista Augusto Lins Soares e com textos do jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos, o livrão de capa dura é, como o próprio Augusto define, “uma fotobiografia”.
Fruto de árdua e longa pesquisa em arquivos diversos (de pessoas físicas e jurídicas), Revela-te, Chico reúne 210 imagens, muitas delas raras e inéditas, além de mais 22 obras de arte, sendo 21 delas criadas especialmente para o livro.
A única que já estava pronta é o retrato que o pintor Di Cavalcanti (1897-1976) fez de Chico em 1972 – e que desde então repousa na parede de sua casa, longe dos olhos do público até ser publicada.
Que galera é essa, meu rei? Foto David Drew Zingg
“A ideia foi fazer um livro de arte, contando a história dele por meio da fotografia, já que já existem varias biografias dele, mas nenhuma com a narrativa visual como condutor”, conta Augusto, por telefone.
“Como busquei principalmente sobras de ensaios e reportagens, tinha muito material disponível – mesmo na época do filme (fotográfico). Em um cálculo aproximado, em alguns acervos, como no do Jornal do Brasil, cheguei a ver umas duas mil imagens”, afirma o autor.
Além do JB, Augusto fuçou outros acervos bem importantes, como Folha Press, institutos Moreira Salles, Antônio Carlos Jobim, Museu da Imagem e do Som (RJ), Editora Abril, Funarte e ainda de alguns fotógrafos.
“Desse material todo que pesquisei, publicamos apenas um por cento. E nem teria como ser de outra forma”, observa.
E mesmo assim, teve acervo que ele sequer pôde pesquisar: “O acervo da Editora Bloch (das revistas Manchete, Amiga e Fatos & Fotos) está bloqueado por razões jurídicas. Na Manchete, a foto era muito importante, deve ter muita coisa boa ali”, lamenta.
3 momentos, 3 critérios
No aconchego do apê / biblioteca em Paris, foto João Wainer
Diante de tanto material, era necessário estabelecer critérios claros para que uma foto merecesse ser publicada. Augusto estabeleceu três critérios básicos.
“Valor histórico: a foto que contextualiza o tempo em que foi feita. Qualidade estética: uma composição bonita, uma luz bonita, o registro de uma época. E por fim, memória afetiva: às vezes, a foto não é conhecida, não é aquela que foi divulgada, mas te remete a uma época”, detalha.
“Tudo isso foi importante. Montei uma linha do tempo a partir dos livros que contam a história dele e fui complementado com informações novas, que foram emergindo ao longo da pesquisa”, conta.
Um craque desde gruri, Acervo Inst. Antonio Carlos Jobim
Livro na mão, a primeira coisa que se percebe é que ele se divide em três partes: “São três momentos. Primeiro temos os retratos de Chico feitos por grandes fotógrafos. Em seguida, a linha do tempo, que é o maior bloco. E fechando, as obras de artistas, abrindo com Di Cavalcanti”, detalha.
“Isso dá uma contemporaneidade à obra. Não temos nenhuma imagem fotográfica nova, produzida para o livro. Tudo estava disponível em arquivos. Então, de original mesmo, temos as obras dos artistas plásticos”, nota.
Ele conta que Chico não teve qualquer interferência no projeto, apenas liberou o uso de sua imagem: “Conheço o Mário Canivelo, assessor de imprensa do Chico. Falei com ele, ele consultou Chico, que achou interessante. Só disse que não ia participar. Foi tranquilo”
Viabilizado através da Lei Rouanet, o livro está à venda, mas também está sendo distribuído em escolas, bibliotecas e fundações culturais.
Um grande artista inspira outros grandes artistas
Além das fotos, Revela-te Chico é enriquecido com obras de artistas visuais brasileiros, como Di Cavalcanti
Como não poderia deixar de ser, um projeto como este, sobre, um dos nomes mais importantes de nossa cultura, só poderia mesmo contar com outros grandes nomes na sua seleção de imagens – fotográficas e artísticas.
Na parte fotográfica, como pode ser visto em uma pequena amostra na página anterior, reúne mais de 50 grandes fotógrafos, como Adhemar Veneziano, Adriana Pittigliani, Alécio de Andrade, Arlete Soares, Bob Wolfenson, Bispo, Bruno Veiga, Carlos Horcades, Cristiano Mascaro, Cristina Granato, Dadá Cardoso, Daryan Dornelles, David Drew Zingg, Fernando Seixas, João Farkas, João Wainer, Leo Aversa, Luiz Garrido, Madalena Schwartz, Marisa Alvarez Lima, Maureen Bisilliat, Murillo Meirelles, Paulo Garcez, Paulo Salomão e Ricardo Chaves.
Da mesma forma, o organizador se esforçou em selecionar artistas para criar retratos de Chico, a fim de oferecer um material absolutamente inédito à obra.
São 22 imagens. 21 uma delas foram criadas especialmente para Revela-te, Chico.
A única que já estava pronta é a de Di Cavalcanti, que abre a série.
Todas as outras foram encomendadas por Augusto.
“A (pintura) do Di é a única que não foi feita para o livro, mas era inédita e do acervo dele mesmo. Ele liberou fotografar e está no livro”, conta.
“As outras todas eu pedi aos artistas e eles toparam meu desafio, que era fazer um retrato de Chico sem te-lo como modelo vivo. Alguns artistas recusaram. Todas as imagens foram feitas para o livro e depois cada artista ficou com sua obra”, acrescenta.
Cada artista, uma técnica
Além de Di Cavalcanti, que dispensa apresentações, alguns artistas presentes no livro são J.Borges, Paulo Bruscky, Regina Parra, Alex Flemming, Daniel Lannes, Nino Cais e Rodrigo Freitas, entre outros.
As técnicas são variadas. Há as clássicas pinturas à óleo (Di, Parra, Camila Soato, Marcelo Amorim, Bel Magalhães), acrílico (Lannes, Adriano Melhem, Gunga Guerra) e aquarela (Ingrid Bittar, Danielle Carcav).
J. Borges, mestre da xilogravura, o retratou jovem, na sua técnica consagrada.
E há trabalhos curiosos, como a instalação de Claudia Hersz, o bordado em linho de Bel Moura ou o prosaico e eficiente lápis de Ramonn Vieitez.
Revela-te, Chico / Augusto Lins Soares (org.) e Joaquim Ferreira dos Santos (textos) / Bem-Te-Vi / 240 p. / R$ 145
Apaixonada pesquisadora e belíssima cantora, Alissa Sanders e banda fazem show sábado, no Tamar
Alissa, fotos Thamires Mulatinho
Se tem alguém cuja opinião o colunista leva em alta consideração, este alguém é Ronnie Von. Há alguns anos, o Príncipe da Jovem Guarda recebeu em seu programa de TV, o Todo Seu, a cantora norte-americana Alissa Sanders. O homem só faltou beijar os pés da moça, tamanha sua admiração pelo seu talento.
Residente em Salvador já há alguns anos, Alissa volta e meia faz shows em palcos amigáveis ao jazz vocal da cidade. E neste sábado, o feriadão em Praia do Forte vai ficar ainda melhor com seu show no Projeto Tamar.
No palco, ela e sua banda, formada por Márcio Pereira (guitarra), Giroux Wanziler (baixo) e Laurent Rivemales (bateria) apresentarão standards do jazz e da MPB.
Acontece que Alissa, felizmente, não é só uma cantora de velhos (ainda que maravilhosos e eternos) standards. Ela é uma apaixonada pesquisadora dos caminhos que a música oriunda da diáspora africana faz pelo mundo, incluindo Brasil, Estados Unidos, Venezuela, Oriente Médio.
“Meu universo é jazz, apesar de eu não me considerar uma cantora de jazz tradicional. Eu não escuto jazz o dia todo e nunca estudei de forma formal. Eu canto jazz porque é algo que sinto no corpo, quando sai minha voz, sai soando como uma voz de jazz, com os ritmos e sotaques do jazz e é parte da minha história, minha herança”, afirma.
“Então no show você vai ouvir standards como My Funny Valentine, Body and Soul, Social Call, All the Things You Are, etc. De brasileiro, algumas coisas de bossa nova, porque é a forma de música brasileira que de certa forma mais facilmente ‘casa’ com o jazz”, conta.
"Porém, meus novos trabalhos e o show que estou desenvolvendo atualmente com músicos em São Paulo e Etiópia traz musicas populares de vários gêneros brasileiros e americanos, ingleses e até israelenses para o universo do jazz. As vezes esquecemos que os standards de jazz e bossa nova foram músicas populares dos tempos passados. Acho que o repertório de jazz pode e deve incluir musicas contemporâneas também. Em meu próximo show, Playlist, que estou produzindo com pianista e diretor musical Marcos Romera (em São Paulo) você vai ouvir músicas de Radiohead, Björk, Idan Raichel (de Israel) e outros. Música autoral está a vir também, mas isto é um processo um pouco mais lento para mim. Me considero uma intérprete mais do que uma compositora. Mas tenho muitas histórias para contar e só eu conheço elas. Aí vou ter que desenvolver a habilidade de fazer composições autorais. (Me) Vejo fazendo isto em parceria com outros músicos. Estou muito na onda da colaboração", detalha Alissa.
Mas vamos por partes. Olha só que bonito o relato de sua chegada à Salvador, há alguns atrás: “Sem duvida, foi a espiritualidade e uma chamada de meus ancestrais que me trouxe para Bahia. Quando era adolescente, vi uma reportagem numa revista negra muito importante nos EUA, chamada Essence. A reportagem mostrou a Festa de Boa Morte e falou da Irmandade (em Cachoeira). Nesta época, não chegava muitas informações sobre outras culturas negras, a não ser as da África. Fiquei fascinada e pensei na hora que um dia iria conhecer este lugar com pessoas que parecia comigo”, conta.
“Dez anos depois eu estava na Venezuela, lembrei da reportagem e resolvi ir para a Bahia. Peguei um voo de Caracas para Manaus e depois para Belém, e de Belém para Salvador de ônibus: 33 horas! Quando cheguei em Salvador e desci na rodoviária, lembro do cheiro que meu nariz encontrou. Foi minha primeira vez em Salvador, mas o cheiro que encontrei foi familiar, conhecido. Não entendi porque. Busquei na memória um imagem ou lembrança do cheiro. Na casa de alguém: uma tia, minha avó? Mas não encontrei a memória nesta vida. Tenho certeza que o cheiro de Salvador despertou uma memória de vidas passadas - minhas ou do meus ancestrais. Minha conexão com essa terra é forte”, afirma.
"O que mais me atrai na música baiana é na verdade a música tradicional: samba de roda, samba chula, as manifestações musicais do Recôncavo da Bahia. Como minha experiência com o cheiro de Salvador, encontro em Samba de Roda, Samba Chula uma reconhecimento profundo, mesmo que estou ainda conhecendo e agora começando a estudar mesmo com músicos no Recôncavo. Quando escuto, parece que minha alma reconhece os sons, os ritmos e que meu processo de escutar e aprender a tocar e cantar é apenas uma processo de relembrar algo que está já dentro de mim. Uma coisa ancestral sem duvida", acrescenta.
"Mas os estilos populares que curto são muitos! Mais fácil dizer o que não curto: sertaneja, arrocha, Axé music, 'pagode da baixaria', como se referem meus amigos às músicas com uma palavra no verso e dois acordes para acompanhar a melodia de uma nota só", conta.
Cachoeira, Mali
Comissária de bordo da American Airlines, Alissa morou 12 anos em São Paulo, mas agora fixou residência em Salvador, de onde parte para shows e pesquisas musicais pelo Brasil e o mundo.
"Gostei de (morar em) São Paulo, mas nunca senti a mesma familiaridade - nunca me senti em casa, do jeito que me sinto na Bahia. Depois de 12 anos de vai e volta entre os EUA e SP, mudei minha residência para a Bahia de novo. Agora tenho uma residência em Salvador, porém estou viajando muito no exterior", conta.
Em maio, ela viaja para Israel e Etiópia: “Ano passado comecei um projeto chamado Finding My Voice (Encontrando Minha Voz). O projeto é tanto uma busca de identidade sonora e artística, quanto uma busca para minha voz como uma artista no mundo. Qual mensagem tenho para compartilhar, quais histórias posso contar”.
"Intuitivamente, entendi que colaborar com outros artistas fará parte do processo e que precisava viajar como parte desta busca. Me inspirei no trabalho do Idan Raichel e seu projeto de montar uma banda com pessoas de varias países do mundo, cantando vários estilos em várias línguas e também com seus trabalhos em parceria com Vieux Farka Touré. Senti que a trajetória dela poderia me apontar no meu caminho. Resolvi ir para Israel para encontra-lo. Ai fui! Não sabia que lá ele é TÃO famoso. Ele é como a Ivete Sangalo de Israel, só que é homem (rsrsrs). Mas é deste nível de fama. E fui tão empolgada que consegui conhece-lo! Me deu muitos conselhos bons e falou do seu processo de criação e várias ideias. Passei dois meses em Israel e neste tempo também procurei conhecer a cena de música lá para entender o que deu inspiração ao projeto do Raichel. Vi que lá em Israel musica pop inclui música em várias línguas culturas. Isto é algo que jamais ocorreria nos EUA e que não vemos no Brasil. Tem cantores de pop de origem da Etiópia cantando em sua língua-mãe, tem musica árabe de vários países, tem estilos que tem raízes em culturas do leste europeu, tem tantas sabores bons na sopa de musica que é o pop israelense. Me inspirei muito nisto e tive a oportunidade de fazer dois shows lá com músicos israelenses tocando músicas brasileiros! Olha só. Uma americana em Israel cantando musica brasileira. Isto é minha vida! Etiopia eu passei no caminho para Israel. Sempre quis visitar e é tão perto que resolvi dar um pulo lá. Minha cidade natal, Los Angeles, tem muita gente de Etiópia e Eritreia e sempre as pessoas acharam que eu vim destes países. Fiquei três semanas em Addis Abeba bebendo da fonte de EthioJazz e conhecendo vários músicos que tocam este gênero, inclusive uns americanos. Também tive a oportunidade de conhecer estilos tradicionais da Etiopia. O país tem mais de 80 grupos étnicos e o povo fala mais de 80 línguas. Cada região tem sua dança, seus ritmos e cantos. Foi fascinante poder beber desta fonte de cultura profunda e milenar. Um dos músicos que conheci lá foi oHaddis Alemayehu, conhecido como HaddinQo, que veio para o Brasil a meu convite e passou o Carnaval aqui na Bahia. Nesta troca realizei meu sonho de colaboração e foi incrível ver a troca entre Haddis e os músicos brasileiros. Ele não conhecia nada sobre música brasileira quando chegou aqui. Mas conseguiu entender na linguagem de música brasileira coisas que podia conectar com a linguagem da música dele. As colaborações que fizemos foram inspiradoras e lindas. Foi embora da Bahia apaixonado pelas músicas e pela cultura e as pessoas daqui e temos planos para desenvolver mais colaborações e intercâmbios entre músicos e a musica do Etiópia e do Brasil. Volto agora para participar numa oficina de canto sagrado em Israel e de fazer uma apresentação, fortalecer os laços com os músicos e amigos em ambos países e de dar continuação ao processo de Finding My Voice que iniciei em 2018. Na Etiópia vou poder viajar um pouco pelo pais também", detalha.
E assim ela vai fazendo conexões entre a música que se faz aqui e em outras partes do mundo. No Recôncavo, por exemplo, ela descobriu conexões entre o som regional da viola machete com a música do Mali, norte da África.
“Fui numa apresentação de lançamento da Cartilha de Samba Chula, uma obra-prima produzida por Katharina Doring (pesquisadora e professora na UFBA e UNEB) e Sinésio Góes (um artista e educador que nasceu nas tradições de música e dança de matriz africana no Recôncavo e viaja o mundo todo para mostrar, ensinar e ajudar preservar as tradições). Teve um senhor, chamado Aurélio, tocando viola machete. Só ele, tocando e cantando. Me arrepiei. Fiquei quase em transe”, relata.
“Ouvi nas melodias, nas escalas, no jeito de tocar e no estilo de cantar a ligação entre essa música e a de Ali Farka Touré, (o músico mais popular) do Mali. As notas parecem contar a história de como o povo negro chegou nas terras americanas e de tudo que deixou para trás. Sento e ouço a mesma conexão e ligação entre o blues dos EUA e a música de Ali Farka Touré. Como que vejo essa similaridade? O povo africano que chegou nas Américas perdeu seus parentes, seus bens, seus nomes, suas línguas, suas identidades, por conta do processo de ser escravizado. Porém, o processo da escravidão não podia apagar a memória e a cultura desse povo completamente. A música é um alimento para a alma do ser humano. Claro que os africanos nas Américas tocaram e cantaram as músicas de suas terras e foram passando a memória das músicas de geração em geração - sempre mudando por conta das influências novas, experiências novas, o próprio processo de evolução e transformação. Mas a raiz permanece e é esta raiz que forma a ligação, ou seja a similaridade entre o blues nos e EUA e o samba no Brasil”, conclui.
Alissa Sanders (EUA) / sábado, 19 horas / Projeto TAMAR (Praia do Forte) / R$ 60 e R$ 30
NUETAS
A Flauta Porn no BB
Amanhã tem o indie eletrônico do Soft Porn no Bardos Bardos. 20 horas, pague quanto puder. E na quinta-feira, véspera de feriado, a banda A Flauta Vértebra, da ótima cantora Sohl, se apresenta no mesmo bat-local e esquema.
Quinta de blues
Na quinta-feira também tem Julio Caldas e Cássio Nobre fazendo Blues Sessions no Solar Gastronomia (Rio Vermelho). 20h30, R$ 15. Mas tem mais blues nesta quinta, com a banda Restgate Blues no Lebowski Pub. 20 horas, R$ 10 (antecipado) e R$ 15.
Maragogipe rocks
Essa é pra quem já está ou vai para o Recôncavo no feriadão. Sábado rola a 4ª edição do Festival Aleluia Rock, com Duda Spínola, Vovó do Mangue e Jack Doido. A partir das 20 horas, na Fundação Vovó do Mangue, em Maragojipe, entrada gratuita.
Páscoa Sonora
E depois de todo o chocolate do domingo de páscoa, sue um pouco com a Sonora Amaralina no Mercadão.cc. Baita som às 19 horas, R$ 10.
Luzes de Niterói, mais uma obra irretocável de Marcello Quintanilha, consolida o autor como um mestre das HQs aos 48 anos
Aos 48 anos, Marcello Quintanilha é, muito possivelmente, um dos maiores artistas brasileiros vivos.
Quadrinista e ilustrador múltiplas vezes premiado no Brasil e no exterior, ele marca mais um golaço em sua nova HQ: Luzes de Niterói (Veneta Editora).
Autor de obras espetaculares como Tungstênio (Veneta, 2014, adaptada para o cinema por Heitor Dhalia em 2017) e Talco de Vidro (Veneta, 2015), Quintanilha volta à sua cidade natal em Luzes de Niterói, uma agitada aventura parcialmente inspirada em fatos da vida do seu próprio pai, jogador de futebol na cidade fluminense durante a década de 1950.
Com sua narrativa ágil, personagens cativantes e diálogos engraçadíssimos, Quintanilha não dá fôlego ao leitor.
A HQ gira em torno dos amigos Hélcio (o jogador de futebol inspirado em seu pai) e Noel, seu melhor amigo, portador da deformidade física popularmente conhecida como “peito de pombo”.
Residentes em uma comunidade de pescadores, Hélcio e Noel um dia percebem um bote pescando com bomba no mar, a alguns quilômetros da praia.
(Curiosamente, Tungstênio, ambientada em plena Baía de Todos os Santos, tem sua trama iniciada da mesma forma: pesca com bombas).
Hélcio e Noel logo imaginam que a área próxima ao bote estará coalhada de peixes mortos boiando, e que o pescador não terá como recolher todo o seu “produto”.
Resolvem pedir um bote emprestado a um dos pescadores da comunidade e se põem a remar na direção do pescador anônimo.
E aí começa uma louca odisseia (no sentido homérico mesmo) dos dois amigos no mar (e também fora dele), envolvendo pescadores, futebol, a histórica vedete Luz del Fuego (1917 - 1967) e o primeiro campo naturista do Brasil, fundado por ela em uma ilha na Baía da Guanabara.
Caudaloso, o texto de Quintanilha às vezes dá uma canseira no leitor: os dois protagonistas da HQ simplesmente não param de discutir e zoar um com a cara do outro.
Mas até isso Quintanilha usa em benefício da obra. As DRs e amolações da dupla são ditas em português de época, com direto a muitas gírias do tempo do guaraná com rolha e referências culturais a fins.
O resultado é muitas vezes hilariante, evidencia a pesquisa do autor em seu esforço para tornar os personagens mais verossímeis e reais.
Por fim, a arte de Quintanilha segue afiada: seu talento para retratar tipos populares bem brasileiros com dignidade, sem reduzi-los a meras caricaturas, é praticamente único no cena das HQs no Brasil.
A narrativa gráfica é outro ponto alto, ora acelerando o ritmo, ora fornecendo respiros, com quadros em silêncio.
A sequência da tempestade que colhe os amigos no bote é um exemplo do primor que é o trabalho desse rapaz.
Unindo comédia, drama, crônica social e suspense, Luzes de Niterói é mais uma obra irretocável de Quintanilha.
Já lançada na Europa – antes da edição brasileira –, angariou entusiasmados elogios da imprensa especializada.
Diálogos de ouvido
Residente em Barcelona desde meados da década passada, Quintanilha vem publicando quadrinhos e cartuns na imprensa desde os 16 anos, no final dos anos 1980, quando ainda assinava com o pseudônimo Marcelo Gaú.
Foi sob o nome artístico que lançou, em 1999, seu primeiro álbum autoral: Fealdade de Fabiano Gorila (Conrad).
Ali já mostrava o talento que vinha maturando na década anterior: os personagens profundamente brasileiros e populares, os diálogos francamente capturados “de ouvido” nas ruas, os desenhos exatos e uma narrativa ágil, muito envolvente.
Logo foi “pescado” pelo mercado europeu, ilustrando a série Sept Balles Pour Oxford (da editora belga Le Lombard).
Mudou-se para Barcelona, passando a fornecer ilustrações para diversos jornais e revistas da Europa.
A partir daí foi só sucesso: Tungstênio, resultado de uma breve temporada em Salvador, foi amplamente saudada pela crítica e premiada no maior festival de quadrinhos da Europa, Angoulême.
Já Hinário Nacional (2015) ganhou um Prêmio Jabuti.
Luzes de Niterói / Marcello Quintanilha / Veneta/ 232 p./ R$ 109,90 / Edição em capa dura, cor
Ex-Jason, o carioca Leonardo Panço lança o álbum Sombras, sexta, no Bardos Bardos. Night ainda tem show da Rosa Idiota
Leonardo Panço, foto Mauro Pimentel
Figura muito significativa do underground brasileiro desde os anos 1990, o músico e jornalista carioca Leonardo Panço estará em Salvador sexta-feira, lançando sua última produção, o belo álbum Sombras (disponível na versão física apenas em cassete).
Ele aproveita e também traz para vender seu fanzine Esopsa e seu álbum anterior, Superfícies (2005) , que também é um livro de fotos dele mesmo.
A banda local Rosa Idiota faz as honras (e a trilha sonora) da casa.
“Vou passar por cinco cidades do Nordeste, incluindo Salvador. Tô indo lançar meu primeiro zine em 19 anos. Todo lindo, de fotografias P&B tiradas em máquina analógica na Alemanha há 10 anos. Tem alguns textos curtos inspirados pelas fotos”, conta Panço.
“Lanço também o Superfícies, meu livro/disco. E acabei de lançar meu terceiro disco solo e vou levar em primeira mão os cassetes mais lindos do mundo comigo”, afirma.
Baterista Guitarrista da cultuada banda carioca de hardcore Jason (do clássico Odeia Eu, de 1998), Panço se aventura a cantar pela primeira vez só agora, em seu terceiro álbum solo.
O primeiro, Tempos (2004), tinha vários cantores (inclusive nossa Nancyta Viegas). E Superfícies era instrumental.
Uma extemporânea gema pós-punk oitentista, Sombras é um must para fãs de bandas brasileiras da época, como Violeta de Outono, Mercenárias e Smack, entre outras: uma trip que, apesar de psicodélica, é também cinzenta e niilista.
“Acho que o que eu mais enxergo (em Sombras) é o Violeta de Outono. Não foi intencional, mas é que ouvi muito. Cure, Smiths, Finis Africae, Depeche Mode, New order. Junto com o punk nacional. Replicantes demais”, enumera.
Também contribuiu na sonoridade 80’s do disco a gravação com instrumentos de época.
“Ir terminar o disco em BH com o Léo Marques (da banda mineira Transmissor) tinha isso também. Tudo lá é vintage. Gravei com amplificador dos anos 50, guitarras dos anos 60, 70. Violão Giannini. Dá essa sonoridade. Escolher quem está do seu lado já é 80% da estética. O Dave, baixista, ama Robert Smith como eu. Guitarrista foda, eu acho. Coisas simples, mas lindas. É por aí que eu me guio”, afirma.
Sputter e Sandra
Panço, foto Mauro Pimentel
A única versão física de Sombras, por enquanto, é em cassete. Mas será que as pessoas que compram cassete hoje em dia o fazem só pelo fetiche do objeto vintage ou realmente tem toca-fitas para ouvir?
"Adoraria lançar em LP também, seria lindo. Mas tá fora da minha realidade financeira no momento. CD comercialmente não vale mais, pelo menos não pra mim. Cassete tem uma tiragem pequena né, foram 68 cópias somente. 59 amarelas e 9 azuis. As 10 primeiras que vendi, as pessoas compraram pra ouvir mesmo. Ficou lindo demais, super pró", afirma.
Inicialmente, ele adotou a estratégia de distribuir Sombras por Whatsapp e email. Mas depois se rendeu e subiu o disco nas plataformas digitais.
"Olha, o single funcionou super bem por zap, foi pra centenas de pessoas. Comecei a mandar o disco por e-mail e rolou uma resistência grande. As pessoas querem mais facilidade, mais conforto, acho. Acabei me rendendo e subindo pras plataformas. muito mais gente tá ouvindo, não dá pra negar", admite.
Uma das letras mais fortes de Sombras é a da faixa Um ódio tranquilo, de Jair Naves.
Prestem atenção: "cinzenta, mesquinha, raivosa / uma minoria esmagadora comemora / a ilusão da vitória / o suposto lado certo da história / quem é elite, quem é escória / para as lições do passado,
nenhuma memória / terra plana, ração humana,
a pequenez branca,
o coração que só se engana / você me odeia
e nem sabe o por que / você se odeia
e nem sabe o por que / ninguém venceu,
ninguém vai vencer".
"Jair naves é um grande letrista e foi natural pedir algo a ele. Só que pedi com melodia e ele mandou só a letra. O que foi perfeito pra mim, porque pude eu mesmo encaixar, criar a melodia e cantar do meu jeito. Não tive que aprender a melodia dele. Foi mais fácil. e o título eu que dei também. tomara que ele termine o livro dele e cumpra a promessa de uma tour comigo sobre nossos livros", conta Panço.
No disco, Panço contou com a colaboração de alguns letristas. O baiano Rodrigo Sputter Chagas (The Honkers), assina três delas: Technicolor, João e Quando.
"Uma letra na íntegra que não mexi em nada, uma que adicionei uma frase e virou parceria e uma que escrevi depois de um boa noite dele pelo zap com essa frase 'quando for dormir, não pense em nada, apenas sonhe'", relata Panço.
“Nos conhecemos há anos, porque sempre fui a Salvador tocar com o Jason, depois com meus livros etc. Ficamos mais próximos quando ele foi a um lançamento meu em São Paulo levando Sandra, das Mercenárias. Um grande presente. Ganhei cervejas do dono do bar por ter a Sandra lá. Valeu, Sputter. E partimos daí. Volta e meia ele deleta tudo, zap, Instagram... Fica mais difícil, né. Mas seguimos falando”, conclui.
Lançamento: Sombras (cassete), Esopsa (Fanzine), Superfícies (Livro / CD) / Com a banda Rosa Idiota / Sexta- feira, 20 horas / Bardos Bardos
NUETAS
Lia com Torquato
A cantora Lia Lordelo apresenta seu espetáculo Torquatália, um tributo ao grande Torquato Neto hoje, na Sala do Coro do TCA. 20 horas, R$ 30.
Eric com Matheus
Sexta-feira tem Eric Assmar no Solar Gastronomia (Rio Vermelho) com o convidado Matheus Carvalho. Blues no prato principal. 20h30, R$ 15.
Okwei no Mercadão
A diva soul nigeriana Okwei Odili faz show sábado, no Mercadão.CC. Horário e preço no www.instagram.com/mercadao.cc.
Ódio, Aborígenes...
Todo meu Ódio, Aborígenes e Organoclorados quebram tudo no Buk Porão. Sábado, 19 horas, R$ 10.
Envelopado em glorioso traje metálico, Ney Matogrosso estreia no TCA o show Bloco na Rua, com canções da memória afetiva – dele e do público
Nei envelopado, foto Marcos Hermes
Figura incontornável da música popular brasileira dos últimos 50 anos, Ney Matogrosso está de volta à Bahia com seu novíssimo show, Bloco na Rua. Acompanhado de sua banda, ele se apresenta hoje e amanhã, na Sala Principal do Teatro Castro Alves.
Como o título já deixa entrever, o clássico de Sérgio Sampaio Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua, de 1973, abre a apresentação de forma catártica: “O show começa muito explosivo, o que já ganha a plateia de cara”, conta Ney, durante entrevista em seu hotel para membros da imprensa na tarde de anteontem.
“Quando eu canto Bloco na Rua eles já cantam comigo. Desde a primeira vez que apresentei esse show, quando eu vi todo mundo cantando, disse ‘é, tá acontecendo, né’”, nota, sem esconder a satisfação.
Além da canção-título do espetáculo, Ney selecionou um belíssimo punhado de canções de grandes nomes da MPB: A Maçã (Raul Seixas), O Beco (Herbert Vianna & Bi Ribeiro), Mulher Barriguda (Solano Trindade e João Ricardo, do primeiro LP dos Secos & Molhados), Como 2 e 2 (Caetano Veloso), Feira Moderna (Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant), Tua Cantiga (Chico Buarque), Iolanda (Pablo Milanés, Chico Buarque), Corista de Rock (Rita Lee, Luis Carlini), Postal do Amor (Fagner, Fausto Nilo, Ricardo Bezerra) etc.
“Sim, o repertório acaba sendo mesmo (pelo critério) afetivo. A Maçã do Raul, há muito tempo eu queria cantar. Mas não cabia nas coisas que fiz até então. A música do Chico, eu fui no show dele. Quando ele cantou essa música (Tua Cantiga, do CD Caravanas) eu decidi na hora, ‘vou cantar essa música’. Na primeira vez que eu ouvi”, conta Ney.
Ao seu lado, a mesma banda que o acompanhou em sua última turnê, a longeva Atento aos Sinais (que ele fez de 2013 a 2018: Sacha Amback (direção musical e teclado), Marcos Suzano e Felipe Roseno (percussão), Dunga (baixo), Mauricio Negão (guitarra), Aquiles Moraes (trompete) e Everson Moraes (trombone).
Nei fazendo pose na cadeira, foto Marcos Hermes
“(Depois do início explosivo) Tem uma parte mais calma, quando canto Tua Cantiga, A Maçã, Mais Feliz (Dé Palmeira, Bebel Gilberto e Cazuza), Iolanda, que são mais românticas. E eu fico sentado numa cadeira, mas claro que eu não fico só sentado, fico fazendo pose. É uma cadeira transparente, que é pra mim parte do cenário, um objeto de cena. Então eu fico curtindo, que eu não vou ficar ali sentadinho caretamente cantando, né?”, diverte-se o artista.
“Corista de Rock já é na reta final do show, que começa lá em cima e termina lá cima”, descreve Ney.
Um detalhe que, como sempre, chama muito atenção é o figurino de Ney na apresentação: um traje de corpo inteiro que lembra a malha de metal que cavaleiros medievais usavam sob a armadura, criado pelo estilista Lino Vilaventura.
“Não passei nenhuma orientação, ele nem me mostrou croqui. É a primeira vez que eu uso um figurino que não é feito junto comigo, no meu corpo”, conta Ney.
“Porque o Ocimar (Versolato, morto em 2017) fazia no meu corpo, né? O Ocimar vinha da França, ficava hospedado na minha casa e fazia o figurino no meu corpo e ia embora. Esse não. O Lino não quis que eu me aproximasse. Ele veio com tudo pronto. Gostei de primeira, mas achei que precisava ser mais justo, tava meio solto, eu não gostei de me sentir solto dentro de uma roupa”, relata.
No show, todas as canções são relidas por Ney e banda, de modo a oferecer uma outra versão: “Nenhuma está no arranjo original, dou liberdade para os músicos criarem. Temos um arranjador que é o Sacha, e quando a gente vai para o estúdio ensaiar, todo mundo opina e a gente vai mudando também. Se for preciso, eu também opino”, afirma o músico.
Política, cinema, biografia
"Vamo lá, galera", foto Marcos Hermes
Só não diga pra ele que o show é “político”, no sentido do protesto generalizado contra o atual governo: “Quero deixar claro que quando fiz esse roteiro e quando comecei a ensaiar, nem existia Bolsonaro no panorama, tá? Agora querem dizer que é um show político. Se é um show político, poderia ser político em qualquer momento. Bolsonaro (candidato ou presidente) não existia. Ele era um deputado, apenas. Não era nem candidato, tá? Então, não gosto que façam essa ligação”, afirma.
“Nunca pertenci a nenhum partido político, não tenho nem time de futebol nem escola de samba preferida. Sou um ser... solto, sabe?”, diz.
Isso não quer dizer que Ney não tenha lá suas críticas ao atual momento: “Tá conservadora demais (a sociedade). Agora, acho interessante porque o presidente diz que não está governando para partidos mas a gente observa muito claramente que o ministério dele é partidário, sim. E muito, muito, muito, muito, muito... de mentalidade muito... pra trás, né? Não vamos nem começar a citar aqui os ministérios que a gente fica em choque né? Só o da Educação, só. Para não falar dos outros”, alfineta.
Originalmente ator, Ney volta e meia faz alguma participação em filmes. Agora, ele grava vozes em uma animação para os cinemas de Joel Pizzini, diretor do documentário Olho Nu (2014), sobre o próprio Ney: “É um desenho animado que é vagamente inspirado na minha imagem do Secos & Molhados. Eu tô fazendo todas as vozes, das crianças, dos bichos. É baseado na obra do poeta matogrossense Manoel de Barros. O filme é em cima do universo dele, e a minha figura do Secos & Molhados é o personagem principal”, conta.
Além disso, o ano que vem deve ver o lançamento de sua biografia, escrita pelo jornalista Julio Maria, autor de Nada Será Como Antes (2015), sobre Elis Regina.
“E ele não quer que eu leia, mas agora ele está fazendo uma coisa inteligente. Depois que ele faz entrevistas com algumas pessoas, as questões que ele fica com dúvida, ele me liga”, conta Ney.
“Eu não tenho esse problema (de ter um biógrafo investigando minha vida). Quer procurar coisas, procure. Agora, não minta. Só. Não aceite uma mentira, não escreva uma mentira. Eu não tô dizendo que ele (Julio Maria) vai mentir. Agora, ele vai ouvir mentiras. Porque as pessoas mentem. Inventam, inventam coisas. Quantas coisas eu já li ao meu respeito que não são verdade, sabe?”, conclui.
Ney Matogrosso: Bloco na Rua / Hoje e amanhã, 21 horas / Sala Principal do Teatro Castro Alves / filas A a P: R$ 220 e R$ 110 / filas Q a Z8: R$ 150 e R$ 75 / filas Z9 a Z11: R$ 100 e R$ 50 / Classificação indicativa: 14 anos
BÔNUS: MAIS ALGUMAS FALAS DE NEY QUE NÃO ENTRARAM NA MATÉRIA
Shows no TCA: "Sim, desde os anos 1970 (eu me apresento na Sala Principal do Teatro Castro Alves), mas eu gosto muito da Concha (Acústica) também. Adoro fazer show na Concha. Tenho uma relação sim, até por que só me apresento aqui (no complexo do TCA). Já fiz em Peri Peri também, não tem um lugar chamado Peri Peri aqui? Já fiz lá, mas foi um show assim aberto, para o povo na rua, mesmo. Gostei muito. Ah, lembrei que também fiz com a Márcia Castro em um lugar que eu adorei, mas não lembro o nome, um lugar que antigamente era um cinema, talvez, que ela (Márcia) fazia shows durante o verão, um lugar muito interessante, um quadrado assim... isso, Clube Fantoches. Gostei muito também".
..."E lá no fundo azuuuuul", foto Marcos Hermes
Livro de memórias: "(O livro Vira-Lata de Raça, lançado em 2018) Não é uma autobiografia, é um livro de memórias, é diferente. Partimos de entrevistas (já publicadas) e eu dei mais três entrevistas para complementar. Mas sim, o Julio Maria está fazendo, essa sim, será uma biografia. Ele conseguiu falar com meu irmão, que eu não vejo há anos, eu não sabia nem onde ele estava, por que ele não atende o telefone, ele vive n'outra. Só anda de bicicleta, sabe? É meu irmão mais velho. Julio viajou para o Mato Grosso com minha mãe, quer dizer, é uma biografia mesmo. Deve sair ano que vem. E ele não quer que eu leia, mas agora ele está fazendo uma coisa inteligente. Depois que ele faz entrevistas com algumas pessoas, as questões que ele fica com dúvida, ele me liga. Porque eu disse 'olha, não tenho segredo nem nada escondido, mas as pessoas não podem mentir ao meu respeito. E aí sair uma mentira no livro como se fosse verdade, né?"
Longevidade e vigor versus redes sociais: "Eu acho que tem uma coisa genética também. Eu conheci o avô da minha mãe com 105 anos. E não quero perder meu tempo, queimar os neurônios com bobagem. Acho que Internet rouba nosso tempo, suga nossa energia. O pouco que faço - eu tenho Instagram - eu acho que já suga demais. E tá acontecendo uma coisa comigo, eu tô começando a ficar muito enjoado disso. De celular mesmo. Ando com ele desligado. Ou nem ando, sabe? Tô enjoado, mesmo. Desse universo paralelo. E olha que levei dez anos para ter um celular. Só tive porque as pessoas começaram a reclamar que queriam falar comigo e não me encontravam, acabei tendo, mas tô ficando cansado disso. Mas eu também faço ginástica diariamente. Lá no sítio eu ando, ando,ando, ando, ando, subo morro, desço o morro, é que pra ir na cachoeira tem que subir quase 600 metros e vou lá três, quatro vezes por dia. Tem uma coisa de exercício mesmo. Moro no Rio, mas São Paulo é o lugar que eu mais trabalho. Lá eu fico mais no meu apartamento".
Bloco na Rua, o título: "Estou há dois anos fazendo esse roteiro já foram vários até chegar nesse. E eu não achava um nome, eu gosto que tenha nome. A música já estava escolhida, é uma das poucas que já estavam no repertório, desde o começo eu já sabia que ia abrir com ela, que se chama Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua. E eu não achava o nome, não achava. De repente eu disse, Bloco na Rua. É uma ideia de uma ação e menor. Gosto de títulos que indiquem alguma coisa. Eu não parto do título mas gosto que esteja em alguma música que estou cantando e eu sempre quis cantar essa música, mas em outro arranjo, porque marcha rancho (ritmo da gravação original) é muito datado, tinha que ser mais pop. E eu tinha intenção de fazer um repertório com muitas músicas conhecidas. Não tinha intenção de fazer nada inédito. Tem uma só, que entrou por acaso, que entrou para porque foi para uma peça de teatro que eu gostei muito quando vi, do Dan Nakagawa de quem já gravei outras músicas, que chama Inominável. Até pensei ser o nome do show, mas pensei vão confundir com Inclassificável, sabe?"
Iluminado Ney, foto Marcos Hermes
Nei de férias: "Eu pretendi parar mais. Mas eu não tenho muito controle, sabe, imagina dois anos fazendo roteiros e quando cheguei nesse eu já tava ansioso para ver se ia funcionar. Eu parei em abril de 2018 o show (da turnê Atento aos Sinais) e estreei o novo em janeiro agora. Teve uma pausa, mas não foi ano inteiro. Em pausa eu não faço nada. Quer dizer, faço uma participação no disco de um, e tal, mas eu não viajo de férias. Porque eu já viajo tanto trabalhando que, quando estou de férias, quero ficar quieto. E eu tenho sítio que eu adoro ficar lá que fica dentro da mata atlântica, só tomando banho de cachoeira, no Rio".
Tem Gente Com Fome: "Já gravei Solano Trindade. Tem Gente Com Fome, Mulher Barriguda e uma outra que não lembro agora, mas gravamos três dele. Tem Gente Com Fome era pra ter sido gravada pelo Secos & Molhados, mas foi proibida na época. E todo ano eu mandava (o repertório das músicas a serem gravadas) e eles (a Censura da ditadura militar) vetavam. Mandava de novo no ano seguinte, por que era obrigado pela gravadora a fazer um disco por ano, né? Então todo ano eu mandava. As gravadoras absurdamente exigiam, algo que nenhum compositor é capaz de fazer, um repertório (digno) para gravar um disco por ano. Muito menos eu, que nem sou compositor. Mas como era obrigado, todo ano eu enviava essa música para a censura e eles vetavam. Em 1985 eu mandei, eles liberaram. Aí eu gravei. Botei nesse show porque vi uma notícia no jornal de que havia neste momento no Brasil 55 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, então achei que valia a pena".
Assuntos não-resolvidos: "Dois assuntos que já deveriam estar resolvidos em nosso país é o negro é o índio. Nenhum dos dois está resolvido. Nenhum dos dois é olhado de frente, todo mundo finge que não existe o problema, mas existe, sim. Há até quem negue que exista o problema. Estão exterminando, assassinando os índios. E os negros, há quem diga que não existe preconceito, é ridículo dizer uma coisa dessa. Quando não deveria mesmo (existir preconceito), né? Porque se formos olhar para nossos antepassados, a maioria de nós tem um calcanharzinho na África. E é maravilhoso ter esse sangue. Eu pelo menos acho. É o que nos torna tão atraentes e diferentes para o mundo".