TROMBONE, RITMO E CONSCIÊNCIA

Residente em Salvador, a cantora e trombonista argentina Pali é boa novidade no reggae local. Confira o trabalho da moça sexta-feira, no Portela Café

Julieta Montero, a Pali de Claypole, em foto retirada do seu Facebook

Há coisa de dois anos, um burburinho entre frequentadores da night alternativa local começou a correr, dando conta de uma moça argentina vivendo em Salvador, que toca trombone e canta reggae.

Conhecida pela alcunha artística de Pali, a portenha Julieta Montero tem juntado um número cada vez maior de fãs em shows como o que ela faz nesta sexta-feira, no Portela Café.

No palco, Pali apresenta as músicas próprias que estarão em seu CD (a ser lançado em setembro) e faz uma espécie de passeio por diversas vertentes do reggae, tocando hits do ska, do dancehall e do dub – este último em alta por aqui, via BaianaSystem.

“É um show com os maiores hits do reggae, até os mais vanguardistas. É uma pesquisa bem completa”, conta.

“Só não me peçam pra tocar Bob Marley”, brinca, mas a sério.

Natural de Claypole, uma pacata cidade da província de Buenos Aires, Pali mora em Salvador desde o final de 2013, mas está longe de ter caído de para-quedas na cidade.

“Frequento Salvador desde criança. Meu pai trabalhava aqui, então eu vinha sozinha de avião. Eu adorava, chegava a chorar na hora de voltar pra Argentina”, conta.

Reggae em Buenos Aires

Pali no palco, com seu inseparável trombone. Foto Facebook

Aos 15 anos, a menina Julieta descobriu duas das maiores paixões de sua vida: o reggae e o trombone.

“Achava os sopros das bandas de reggae algo extasiante, era o que eu mais gostava. Quando vi meu primeiro show, decidi que era isso que eu ia fazer”, diz.

Com seu salário de professora do ensino básico, ela comprou seu primeiro trombone e tomou suas primeiras aulas.

Não demorou, Pali dava seus primeiros passos nos palcos locais, acompanhando bandas da cena portenha.

“Até que me inseri fácil na cena, apesar de ser um meio super-masculino”, conta.

Para quem não sabe, Buenos Aires tem uma vibrante cena de reggae.

“Essa cena se mistura muito com o rock local, que é bem forte. Aí comecei a tocar em bandas como Suburbán, Sinsemilla e Resistencia Suburbana”, relata Pali.

Quando chegou em Salvador, veio para “curtir a música brasileira”, como o chorinho, gênero que muito aprecia.

“Mas a vida me voltou pro reggae e, felizmente, tenho tido uma receptividade muito boa”, afirma.

Em seus shows, Pali se vale de sua experiência de professora, aplicando certa didática nas apresentações.

“Quando vou tocar um dub, eu grito: ‘dubwise’! Quando é um reggae roots, falo: ‘reggae style’! E quando é um ska, eu agito os braços pra cima a pra baixo (a dancinha característica do ska jamaicano)”, conta.



Força feminina

Na atividade. Foto Facebook

No site de compartilhamento Soundcloud, já é possível ouvir uma amostra do som de Pali, nas três faixas gravadas como demonstração: Can I See You Tonight, Cheater e Cool and Loving.

“Ali estão minhas primeiras gravações, não entram no EP que gravo em breve”, conta.

Com produção do maestro Hugo Sanbone – da Sanbone Pagode Orquestra, com quem é casada e tem uma filha – o disco será gravado ao vivo no estúdio e trará uma mistura de reggae com ritmos diversos.

“Vamos usar percussão nordestina na música jamaicana e também a cumbia bichera, que é original de Buenos Aires, não é a cumbia colombiana. Acho que a música afrodescedente está toda ligada, tem conexões entre si. Hugo e eu acreditamos muito nisso”, diz.

Nas letras, a artista aborda temas como sua fé no candomblé e a condição feminina.

“Falo sobre atravessar barreiras, sobre a fortaleza da mulher sobre todas as coisas e também de assuntos que me incomodam, como a violência doméstica”, conta.

Além de desenvolver seu trabalho, Pali também participa do coletivo Som das Binha, que reúne mulheres instrumentistas em animadas jams e se tornou uma sensação local nos últimos meses.

“Pra mim, o Som das Binha é uma experiência revolucionária. Mudou até minha postura na vida. Podemos ser profissionais, organizadas e alcançar o business – sem deixarmos de ser mulher e mãe. Sou inspirada pelas mulheres do Som das Binha”, afirma.

Parte de uma nova e vibrante cena independente, Pali percebe que a hora é boa para artistas como ela.

“A cena de música independente está extrapolando todos os limites do que é alternativo. Grupos como BaianaSystem e I.F.Á. Afrobeat estão enxugando o que a música de rádio nos legou. Isso é produto de uma força criativa e instrumental muito grande. É um bom momento”, diz.

Nesta sexta, Pali e banda (que, além dela, inclui outras três mulheres no naipe de sopros) recebem no palco as cantoras Okwei V. Odili, Samyres Fonseca e Laila Rosa em mais uma celebração da reggae music e da força feminina.

Pali e convidadas (Okwei V. Odili, Samyres Fonseca e Laila Rosa) / Abertura: Dj Raiz / Sexta-feira,  22 horas / Portela Café / R$ 20