No projeto Narrativas Gráficas, a comic shop / galeria RV traz à cidade grandes nomes dos quadrinhos e da ilustração brasileira
Além de abrigar exposições de arte descolada e esvaziar os bolsos dos incautos (e encantados) nerds que ousam adentrar suas instalações, a comic shop / galeria RV Cultura & Arte vem promovendo uma série de eventos em torno da HQ e ilustração, sempre com convidados de alto nível, da Bahia e de fora.
É o projeto Narrativas Gráficas, viabilizado pelo edital de Dinamização de Espaços Culturais da SecultBA.
Desde março, já ocorreram diversos eventos, como o Bate-papo de fã para fã: A moda das ruas para os mangás, com o grupo Ba Love Juku e a Oficina infantil de HQ, com o quadrinista Sávio Roz.
A programação continua neste mês e em agosto com três convidados muito representativos do atual momento da HQ e da ilustração no Brasil.
São eles: o múltiplas vezes premiado ilustrador e xilogravurista gaúcho Samuel Casal, o editor Sidney Gusman (da Maurício de Sousa Produções e do site Universo HQ) e a colorista Cris Peter, que tem vários trabalhos publicados pela Marvel e DC, além de ter sido indicada ao prêmio Eisner por Casanova, de Matt Fraction, Fábio Moon e Gabriel Bá.
Samuel ministra workshop de xilogravura no dia 26, Sidney vem bater papo e avaliar portfolios (atenção, desenhistas) no dia 16 de agosto e Cris vem lançar o livro O Uso das Cores no dia 30 de agosto, além de também conversar com a galera.
Xilogravura, cores, portfolios
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A neoxilogravura pop de Samuel Casal |
Basicamente um carimbo, a xilogravura é uma técnica ancestral que ganha ares pop e modernos nas mãos de Samuel Casal.
Seu workshop, ele garante, não é só para quem já é artista: “Não é necessário o domínio de técnicas de desenho. Já tive alunos artistas e pessoas sem nenhuma experiência que tiveram bons resultados”, conta.
“As vezes o conhecimento muito evoluído de técnicas de desenho dificulta a assimilação do novo. O aluno mais aberto, sem um método já dominado, consegue desenvolver de forma igual o trabalho na gravura”, diz Samuel. “Claro que uma noção de desenho facilita, mas não é determinante”, ressalva.
Em 2012, Casal esteve em Salvador com a mostra Gravado no Osso, na mesma RV. “Parece que a região Nordeste assimila de forma um pouco dividida a xilogravura contemporânea do restante do país, talvez justamente por estar mais próxima da cultura popular, do Cordel. Tenho a impressão que não alcança o mesmo impacto que no Centro do país”, percebe.
“É uma técnica primitiva, que se sobressai mais em ambientes de desenvolvimento tecnológico e urbano mais agressivos. Posso estar enganado, mas Salvador passou uma sensação de raízes, algo mais naïf talvez, que é onde surge o entalhe, a arte manual. Isso é ótimo, é um desafio para o artista, já que só dominar a técnica não determina o efeito que seu trabalho terá sobre o público”, diz.
Com seu livro O Uso das Cores saindo do prelo, a colorista Cris Peter reflete um pouco sobre este trabalho: “O objetivo do livro é tentar unir o raciocínio do uso das cores em várias plataformas. Percebi, ao longo dos meus estudos, que existem várias informações de teorias cromática pelas livrarias, porém todos muito restritos em determinado contexto”, afirma.
“O uso das cores nos quadrinhos não é diferente de seu uso em fotos, ou no design gráfico, ou no ramo audiovisual. A área na qual trabalhamos é simplesmente o que determina nossas ferramentas, e a teoria cromática vai muito além das ferramentas”, observa.
Já o editor Sidney Gusman, que vem avaliar portfolios, aconselha os jovens artistas: “O importante é sempre a pessoa escolher o que acha que produziu de melhor até agora. Não dá pra levar 300 páginas, mas é legal se tiver artes de diferentes etapas de sua carreira, que evidenciem sua evolução”.
“Mas o encontro não tem este fim específico (buscar novos talentos). E sim, trocar ideias e, quem sabe, poder orientar novos talentos”, conclui.
Veja a programação completa do projeto Narrativas Gráficas no www.rvculturaearte.com
EXTRAS: ENTREVISTAS COMPLETAS
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Sidney Gusman, o "Sidão" do UHQ. Foto: Valentiino Melo |
SIDNEY GUSMAN
Como vai ser o encontro com os baianos? Vejo que tem bate-papo e leitura de portfolios. A MSP está em busca de novos talentos pelo Brasil?
SG: Eu acompanho autores de todo o Brasil, para possíveis parcerias nas Graphics MSP. Mas esse encontro não tem este fim específico, mas sim trocar ideias e experiências e, quem sabe, poder orientar novos talentos.
Que dica vc pode dar para o jovem que quer te mostrar o portfolio? Selecione poucos trabalhos, mantenha a calma...?
SG: O importante é sempre a pessoa escolher o que acha que produziu de melhor até agora. Claro que não dá pra levar 300 páginas, mas é legal se tiver artes de diferentes etapas de sua carreira, que evidenciem sua evolução.
Desde o lançamento e subsequente estouro da versão mangá da Turma da Mônica, a MSP parece ter entrado em uma nova era de ouro, diversificando bastante a linha de HQs, incluindo graphics com grandes talentos do quadrinho brasileiro. Agora vem aí uma segunda série de graphics. A expansão da MSP vai até aonde? Filmes live action? A conquista do mercado externo? O que podemos esperar da MSP nos próximos anos?
SG: A ideia de "abrir o leque" funcionou e, penso eu, que continuará a todo vapor por muito tempo, pois os personagens do Mauricio são tão cultura pop, que permitem facilmente essas releituras. Estamos, sim, de olho no mercado do exterior (Astronauta - Magnetar já saiu, pela Panini, na Itália, Espanha, França e Alemanha), mas também em outras mídias. O projeto Graphic MSP não nasceu para ficar restrito ao papel. E vem mais coisas legais por aí. Fiquem de olho!
SAMUEL CASAL
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Samuel em seu ateliê, foto Julio Cavalheiro |
Como vai ser o workshop? É mais indicado para quem nunca fez uma xilogravura ou para quem já tem alguma noção artística?
SC: A xilogravura basicamente parte de um princípio básico que é a criação de um "carimbo" de madeira. Mas esse princípio, mesmo parecendo simples, requer, além de um domínio de ferramentas e suportes específicos, também a re-educação do método de desenhar, que muda do preto no branco, para o branco no preto, trabalha também a inversão da imagem na composição, por exemplo, e é tudo isso que a oficina demonstra, além da própria técnica básica e macetes aprendidos depois de alguns anos gravando . Portanto, não é necessário o domínio de técnicas de desenho, eu mesmo já tive alunos artistas e pessoas sem nenhuma experiência que tiveram bons resultados. As vezes o conhecimento muito evoluído de outras técnicas de desenho já estabelecidos dificulta a assimilação do novo e o aluno mais aberto, sem um método já dominado, consegue desenvolver se forma igual o trabalho na gravura. Claro que uma noção de desenho pode facilitar um resultado mais rápido, mas não é determinante.
O que te inspira para criar uma xilogravura? Vejo que você cria muitas imagens de animais, mas sempre com alguma ironia, um certo humor.
SC: Eu decidi fazer xilogravuras depois de já ter explorado bastante o ambiente digital e também por estar trabalhando como ilustrador profissional por muitos anos, por isso a gravura é para mim um momento de criação 100% autoral e também de libertação criativa. Além da tecnologia que eu uso diariamente e com mais frequência no meu trabalho como ilustrador, que é o computador, também me liberta dos briefings, formatos, textos pré-estabelecidos, ou seja, do desenho com objetivo. Não tem uma inspiração clara ou motivo estabelecido, gosto de sentar e gravar, tanto que quase nunca faço rascunhos ou projeto as matrizes. Prefiro começar a entalhar desde o início e ir vendo o que acontece. Mas também não é regra. Na verdade a regra é não ter regra. Quanto aos animais, eu estive muito tempo envolvido com causas de proteção, sou vegetariano e tenho muito respeito pelos animais. Talvez seja uma espécie de tributo, ou também uma tentativa de mostrar que não somos tão superiores como imaginamos, que eles também podem nos achar bem irracionais em muitas situações.
A partir de uma matriz pronta, quantas cópias você produz e assina de uma xilogravura? A matriz é reaproveitada de alguma forma depois?
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A Girafa do Samuel |
SC: Quem determina isso é o próprio artista, e é o que acabará limitando a edição e muitas vezes valorizando mais ou menos uma gravura. Eu costumo fazer tiragens de no máximo 30 peças, salvo exceções. No começo eu fazia tiragens bem menores, mas percebi que aumentando a tiragem eu poderia ter um preço menor e tornar o trabalho mais acessível as pessoas, o que também é um dos princípios da arte da gravura. Já fiz até tiragens declaradas como infinitas, para ter gravuras com preço que possibilitasse quem nunca comprou uma arte, poder levar uma gravura autêntica para sua casa. Desde o começo de 2012 eu comecei a estudar a transformação das matrizes em peças únicas, e consegui bons resultados, inclusive entalhando relevos com a mesma técnica já com o objetivo de criar uma espécie de escultura. Mas eu acho que o entalhe precisa sofrer uma interferência significante para deixar de ser uma matriz de reprodução, não imagino eu vender uma das minhas matrizes, da forma natural que elas são impressas. Sempre trabalho com tintas em camadas, recortes, betumes e outros elementos para fazer essa transformação.
Há algum tempo, você trouxe a mostra Gravado no Osso para a mesma RV aonde vai fazer o workshop. Foi legal esse contato com o público baiano?
SC: Foi também a primeira vez que estive em Salvador e foi muito legal. É também um pouco diferente, parece que a região Nordeste assimila de forma um pouco dividida a xilogravura contemporânea do restante do país, talvez justamente por estar mais próxima da cultura popular, por conta do Cordel, as vezes tenho a impressão que não alcança o mesmo impacto que no Centro do país. É uma técnica primitiva, e que se sobressai mais em ambientes com desenvolvimento tecnológico e urbano mais agressivos, e, posso estar enganado, mas na minha rápida passagem, Salvador me passou uma sensação mais de raízes, algo mais naifi talvez, que é onde surge o entalhe, a arte manual, o que é ótimo, pois é um desafio para o artista, já que só dominar uma técnica, não determina o efeito que seu trabalho terá sobre o público.
Como se relaciona com os fãs do seu trabalho? O pessoal pede dicas etc?
SC: Hoje em dia, com as redes sociais, todos nós ficamos mais acessíveis, e, apesar de você ter que impor alguns limites, é muito legal ter um feedback, contato, trocar idéias com pessoas que seguem seu trabalho. Com responsabilidade, é muito tranquilo de administrar uma relação saudável pessoal e profissional. Muitos pedem dicas de material, querem mostrar seus primeiros resultados, eu mesmo já fiz isso com artistas de quem sou fã, e é muito legal. Também é muito interessante esse veículo tão moderno de comunicação promovendo uma técnica tão primitiva, como a xilogravura
CRIS PETER
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Cris Peter, colorista |
O seu livro é mais indicado para quem quer seguir pelo caminho da colorização profissional ou também para quem se interessa pelas cores de modo geral, seus significados etc.?
CP: O objetivo do meu livro é justamente tentar unir o raciocínio do uso das cores em várias plataformas diferentes. Percebi, ao longo dos meus estudos sobre o tema, que existem várias informações de teorias cromáticas riquíssimas pelas livrarias, porém todos muito restritos em um determinado contexto. De qualquer maneira, eu sempre consegui enxergar conteúdos ricos pra minha carreira dentro dessas leituras. Pra mim o uso das cores nos quadrinhos não é diferente de seu uso em fotos, ou no design gráfico, ou no ramo audiovisual. A área na qual trabalhamos é simplesmente o que determina as nossas ferramentas, e a teoria cromática vai muito além das ferramentas. Muitas vezes um conhecimento sobre tintas realmente pode acrescentar conteúdo para um profissional que trabalha com fotografia, por exemplo. Portanto acredito que meu livro é indicado para qualquer profissional que trabalhe com o uso da imagem.
Quando vc trabalha para uma grande (Marvel DC etc) é possível encontrar espaço para exercer alguma criatividade ou o negócio é mais rígido, tendo que obedecer aos padrões e climas de cada personagem?
CP: As editoras norte-americanas em geral são muito tranquilas de se trabalhar. A maioria dos trabalhos que faço para a DC Comics são para o selo Vertigo (que contém histórias mais adultas e não trabalha muito com super heróis), já quando trabalho com os personagens mais icônicos da editora (Superman, Batman, Robin) o controle do meu trabalho acaba sendo mais rigoroso. Eu acabo por não buscar muitos trabalhos com a parte mais mainstream da DC justamente para não ter muitas limitações. Já a Marvel me dá liberdade total, assim como a Vertigo.
É gratificante para você o contato com os fãs nesses encontros?
CP: Com toda a certeza. Trabalhar como freelancer é bastante solitário. O contato que tenho com o público em convenções, encontros, e até mesmo na internet é muito valioso pra mim, pois consigo trocar idéias e receber um feedback direto do meu trabalho. Eu, pessoalmente, sempre gostei de ensinar, e conversar com o público me ajuda a ter novas idéias e criar novos projetos.
O que vc está colorindo neste momento?
CP: Estou envolvida em três projetos que ainda não posso divulgar, continuo colorindo Hinterkind para a Vertigo (publicação internacional), vou fazer parte do coletivo 3 2 1 onde vou desenhar e colorir uma história de 3 páginas, estou trabalhando no roteiro de uma HQ online com Ana Koehler chamado Patas Sujas que ainda não tem previsão de publicação online, mas que será meu próximo projeto pessoal depois do livro teórico que estou encerrando agora. Também estou trabalhando no segundo volume do álbum Astronauta das Graphic MSP ao lado do Danilo Beyruth e do Sidney Gusman.