quinta-feira, janeiro 02, 2014

ROUPA NOVA PARA O VELHO HEM

Reedições: Clássicos de Ernest Hemingway retornam com bela identidade visual. Tradutor do norte-americano, o baiano Hélio Pólvora fala do escritor

O velho no mar. Foto: Popperfoto/Getty Images
Periodicamente, as editoras relançam coleções de grandes autores em edições renovadas, com novas capas – e, geralmente, novas traduções, artigos acadêmicos e outros materiais que enriquecem a experiência da leitura e atraem novos leitores.

A bola da vez é o norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961).

Prêmio Nobel de Literatura em 1954, o Velho Hem (como o chamava um de seus mais famosos apreciadores, o escritor Charles Bukowski) ganhou elegante tratamento gráfico para suas obras no Brasil, com uma identidade visual amarrando a coleção, do designer Angelo Allevato Bottino.

Clean, o visual criado por Botino tem sua constante na assinatura de Hemingway em alto relevo no canto superior esquerdo das capas, com uma ilustração (ou foto) relativa a cada livro como adorno.

Já saíram cinco de suas obras mais clássicas nesse padrão: O sol também se levanta, O velho e o mar, Paris é uma festa, Adeus às armas e Por quem os sinos dobram.

Em tempo: as traduções são as mesmas – Adeus às armas, por exemplo, tem tradução de Monteiro Lobato (1882-1948).

Porém, mais do que dar um upgrade visual na estante do apreciador habitual, relançamentos como este costumam ser ótimo ponto de partida para novos leitores.

Fim trágico
Ilustração de Raymond Sheppard para O Velho e o Mar

Ícone da chamada Lost Generation (Geração Perdida), grupo de escritores e intelectuais que se refugiaram em Paris no entre guerras, Hemingway era um misto de romancista e aventureiro.

Um homem extremamente sensível, mas que, fiel às suas contradições, amava esportes, digamos, de macho, como touradas, caçadas, pescarias em alto mar, boxe e dirigir ambulâncias no front italiano da 1ª Guerra Mundial.

“Hemingway pertenceu à Lost Generation, definição cunhada por Gertrude Stein, musa de um grupo de escritores que, no interregno das guerras mundiais, esvaziaram a crença em valores considerados absolutos ou  eternos”, define o escritor baiano Hélio Pólvora, ele mesmo tradutor de As Aventuras de Nick Adams, volume de contos do autor norte-americano.

Hemingway praticava a  ficção “de um descrente, um niilista que busca a aventura como contrapartida ao tédio de um mundo já banalizado. Depois dele, e paralelamente com Franz Kakfa, a boa literatura reflete uma sensação de perda e busca de identidade”, opina.

Não a toa, sua vida teve fim trágico e melancólico: “Já idoso e dominado pelas limitações da velhice, indignas de um sportsman, ele enfiou na boca os dois canos de uma espingarda de matar elefante – disparou”, lembra Hélio.

Economia semântica

Diante da máquina de escrever, contudo, era capaz de realizar o máximo – com um mínimo de recursos literários.

“Ele foi o corifeu (indivíduo que mais se destaca na defesa de uma ideia) dos que procuram a palavra exata, sem adorno – a palavra capaz de resumir situações e temperamentos”, resume.

Essa economia semântica pode parecer algo simples, mas essa é uma noção superficial: “Escreveu com simplicidade – mas uma simplicidade enganosa, produto de despojamento e depuração”, observa Hélio.

“Fez literatura superior,  na medida em que, em vez de descrever ações e sentimentos de personagens, deixou-os transparecer no que eles diziam e, sobretudo, no que faziam, na maneira como reagiam à vida”, diz.

Por conta do perfil de macho aventureiro, é ainda hoje cultuado tanto pela produção literária, quanto pela personalidade forte: “Mas creio que cultivou mais a raw life (vida rústica), pela necessidade de ser e criar heróis másculos numa sociedade de fracos e medíocres”, conclui Hélio Pólvora.

O sol também se levanta/ Ernest Hemingway / Bertrand Brasil/ 272 p./ R$ 40/ record.com.br


Por quem os sinos dobram / Ernest Hemingway / Bertrand Brasil/ 624 p./ R$ 60/ record.com.br

Adeus às armas / Ernest Hemingway / Bertrand Brasil/ 406 páginas/ R$ 45 / record.com.br

Paris é uma festa / Ernest Hemingway / Bertrand Brasil/ 252 páginas/ R$ 40 / record.com.br

O velho e o mar / Ernest Hemingway / Bertrand Brasil/ 124 p./ R$ 32 / record.com.br

ENTREVISTA: HÉLIO PÓLVORA 

Hem. Crédito: CameraPhoto/Getty Images
O que Ernest Hemingway representa não só para a literatura norte-americana do século 20, mas também universal?

HÉLIO PÓLVORA: Hemingway pertenceu à lost generation (geração perdida), definição cunhada por Gertrude Stein, musa em Paris de um grupo de escritores que, no interregno de duas guerras mundiais,  esvaziaram a crença em valores considerados absolutos ou  eternos. Tinha temperamento sombrio de herói trágico: o pai, o médico  Clarence Hemingway, que lhe dera o primeiro rifle e o ensinara a caçar,  suicidou-se. O escritor, já idoso e dominado pelas limitações da velhice, indignas de um sportsman, enfiou na boca os dois canos de uma espingarda de matar elefante – disparou. Além disso, apreciava a vida livre e rústica (raw life), e sentia a natureza em declínio. Sua ficção é a de um descrente, um nihilista que busca a aventura como contrapartida ao tédio de um mundo já banalizado. Depois dele, e paralelamente com Franz Kakfa, a boa literatura reflete uma sensação de perda e busca de identidade.  

Que tipo de inovação ou renovação estilistica / linguística ele trouxe?

HP: Ele foi o corifeu dos que procuram a palavra exata, sem adorno – a palavra capaz de resumir situações e temperamentos. Escreveu com simplicidade – mas uma simplicidade enganosa, produto de despojamento e depuração. Fez literatura superior,  na medida em que, em vez de descrever ações e sentimentos de personagens, deixou-os transparecer no que eles diziam e, sobretudo, no que faziam, na maneira como reagiam à vida.

Para o senhor, Hemingway é mais cultuado pela literatura em si ou pela personalidade forte, já que fazia o tipo macho aventureiro, em oposição aos europeus mais sensíveis e de modos mais delicados?

HP: Por ambas as facetas. Mas creio que cultivou mais a raw life, pela necessidade de ser e criar heróis másculos numa sociedade de fracos e medíocres. Ademais, o fato de arriscar-se era uma forma disfarçada de arreliar a morte, ou talvez de apressá-la. Mas embora passe a ideia de ficcionista duro, avesso ao sentimentalismo, acreditava, no fundo, que os sinos tangem por todos nós, conforme a epígrafe de John Donne em Por Quem os Sinos Dobram, romance sobre a Guerra Civil Espanhola. 

As traduções brasileiras fazem jus à obra? O senhor tem alguma observação nesse sentido?

HP: Gosto das traduções de  Breno da Silveira e de algumas mais recentes. Eu próprio traduzi The Nick Adams Stories (As Aventuras de Nick Adams), contos ambientados nas florestas de Michigan, sobre o seu alter ego Nick à procura das próprias trilhas existenciais, sobre a guerra, sobre o desconsolado retorno do soldado e o eterno (e prazeroso, naturalmente) conflito homem-mulher. Traduzi também The Good Lion, uma história infantil. Admiro Heminway mais como contista (As Neves de Kilimanjaro,  Os Assassinos, O Velho e o Mar, Agora eu Me Deito, O Último Lugar Bom, Colinas Como Elefantes Brancos, O Fim de Algo, A Vida Curta e Feliz de Francis Macomber, dentre outros). Dos seus romances, prefiro O Sol Também se Levanta.

No início da carreira, Hemingway era um romancista mais ligado em temas sanguíneos, digamos assim, como guerras, touradas, assassinatos. Em sua fase mais tardia, me parece que ficou mais contemplativo e ligado em pequenos dramas solitários e familiares. O senhor prefere o Hemingway mais novo ou mais velho?

O jovem Ernest. CameraPhoto/Getty Images
HP: Ele é um só. Nas suas relações com as mulheres, me parece um asceta, apesar de reincidente. Isso, e mais o empenho de se mostrar macho e corajoso, como se desafiado, além do culto aos toureiros espanhóis,  levantaram a suspeita de tendência homossexual. Não discuto essas coisas, Hemingway teve o infortúnio de buscar o paraíso edênico no momento em que se argui no mundo inteiro a civilização criada pelo homem e que contra este se volta. O sonho de Hemingway por uma vida mais natural faz parte do “sonho americano” e dos sonhos de homens e mulheres dos nossos dias.

Qual é a sua história com o autor? Quando ele entrou no seu gosto pessoal? Ele representa uma influência para o senhor enquanto escritor?

HP: Em comum com ele tenho a origem rural, o desprezo à vida enlatada. Procuro também, na escrita ficcional, ser conciso e contundente. E só. Sou caçador e pescador de mentira. Detesto touradas. Travei contato com o ficcionismo de Ernest Hemingway no conto The Killers, nos romances The Sun Also Rises e A Farewell to Arms, Mais tarde, visitei as duas casas de sua infância e adolescência, a poucos quilômetros de Chicago. O tema de “O Velho e o Mar” é retomado, de certa forma,  em uma novela minha,  O Rei dos Surubins, com a diferença de que, no meu caso, se trata de um pescador índio, há uma personagem feminina, há referências bíblicas e o velho, antes de morrer, solta o peixe mítico, com o qual dialogava nos enleios da velhice.

7 comentários:

Franchico disse...

O primeiro (possível) retorno de 2014?

http://omelete.uol.com.br/musica/kinks-pode-voltar/

Veeeeeeeenha!

Franchico disse...

Não olhe para trás pois não há mais nada lá para nós:

http://omelete.uol.com.br/walking-dead/series-e-tv/walking-dead-veja-um-poster-da-volta-da-quarta-temporada

Franchico disse...

Lá vem o noivo / todo sujo de sangue...

http://www.bleedingcool.com/2014/01/02/marvels-wedding-groom-is-deadpool/

Franchico disse...

Porra, Uderzo! Queta esse rabo veio aí!

http://www.bleedingcool.com/2014/01/02/albert-uderzo-to-write-asterix-again/

Anônimo disse...

Excelente texto! Boa dica de livro.

Franchico disse...

Tanques!

Franchico disse...

O Balconista 3 vem aí:

http://www.bleedingcool.com/2014/01/02/kevin-smith-says-clerks-iii-will-shoot-in-may-and-after-that-maybe-a-horror-comedy-musical/