domingo, janeiro 05, 2014

REINVENTANDO MODINHA

A cantora baiana Érika Martins chega à maturidade artística com álbum em que recupera o mais antigo gênero brasileiro

Érika Martins e sua Flying V. Fotos: Daryan Dornelles
Quem vê aqui da província pode não ter muita noção das proezas e da força que a cantora baiana Érika Martins tem no Rio de Janeiro.

O fato é que, agora, a ex-líder da banda Penélope talvez tenha alcançado a maturidade artística com seu novo álbum, Modinhas.

Recém-lançado através de uma parceria entre a gravadora Coqueiro Verde (leia-se Erasmo Carlos) com o selo Toca Discos (da baiana Constança Scofield, outra ex-Penélope), o álbum foi viabilizado através de crowdfunding e é uma investigação pelo mais antigo gênero da canção brasileira: as modinhas.

Por telefone de Lençóis, aonde passa férias, ela conta que a sugestão  inicial partiu justamente da amiga Constança, durante uma conversa.

“Ela me contou que tinha lido o (livro O Triste Fim de) Policarpo Quaresma (1915, de Lima Barreto) e ele fala sobre a modinha, que é a primeira música genuinamente brasileira. Os portugueses trouxeram a moda, que no Brasil, virou modinha”.

“Constança disse que tinha achado aquilo ‘a minha cara’. Me interessei e caí de cabeça nessa pesquisa”, conta.

Não foi uma busca das mais fáceis, segundo a cantora: “É difícil,  não tem muito material publicado ou gravado. As versões que encontrei são rebuscadíssimas, de nível erudito. E ninguém (da MPB) regravou. Só a Marisa Monte, que canta em shows uma  do Catulo da Paixão Cearense, Ontem Ao Luar”.

Uma banda a cada faixa

Mas aí já era tarde. Érika já estava fisgada pelo gênero ancestral – e começou a identificar características da modinha não só em seu trabalho, mas também no de outros artistas.

“Eu me apaixonei. E visualizei a modinha em meu trabalho na abordagem do amor nas letras, as melodias, tinha tudo a ver comigo. Depois identifiquei também no (Marcelo) Jeneci. Tinha a ver com ele também, até por que eu não queria só as modinhas  antigas”, diz.

Esperta, Érika conseguiu um feito e tanto ao equilibrar no repertório do álbum o ancestral e o contemporâneo, recuperando e trazendo para o presente – com vistas para o futuro – um gênero rico e esquecido.

“A ideia era essa: trazer a modinha para o agora: olha que bacana, a primeira música a surgir no Brasil. E não só: modernizar também. Foi difícil, por que as melodias são rebuscadas, mas ao mesmo tempo é muito atual. Eu acredito que existe uma linha condutora entre a modinha antiga e a do Marcelo Jeneci, por exemplo. A gente se inspirou nisso, nessa influência", observa.

Em última análise, Modinhas é mais uma proeza da baiana: ao mesmo tempo que revira um baú ancestral, ela aponta para uma modernidade bem específica, sem conexão com fórmulas prontas.

"Mas meu trabalho como artista sempre foi assim. Se não for assim, não tem sentido. É a minha cara, minha arte. E arte pra mim é isso: ousar, transcender ,pensar diferente da música que está aí. Isso é parte da minha missão como artista mesmo: seguir o que eu sou. Nunca segui tendências. A Penélope foi super original na sua época, ninguém fazia aquilo", acredita.

"Falando em Penélope, uma coisa que tem em Modinhas, que eu sinto escutando, é que tem muito da Penélope nesse disco. O noise de Rolo Compressor. Constança (ex-tecladista da Penélope) gravou vários teclados que são lindos. Tem Luizao (ex-guitarrista). Senti muito da Penélope, mas de uma forma muito mais madura, claro", afirma.

Em P&B, para um tom mais dramático. Fotos: Daryan Dornelles
Entre as antigas, a garimpagem de Érika desenterrou verdadeiras joias, como Modinha (Serestas - Peça Nº 5), de Heitor Villa-Lobos e Manuel Bandeira; Modinha, de Sérgio  Bittencourt; Casinha Pequenina, de autor desconhecido e Prelúdio Para Ninar Gente Grande (Menino Passarinho), de Luis Vieira.

Se a lista de autores mortos impressiona, a dos vivos não fica atrás. Tem Tom Zé e Elifas Anfdreato (A Curi), Marcelo Jeneci e José Miguel Wisnik (Dar-te-ei), Luisão Pereira (Garota, Interrompida, parceria com Érika), o gaúcho Pedro Veríssimo (Rolo Compressor), o francês Ramy Mustakin (Vien Ici) e o carioca  Bernardo Botika Botkay (Fundidos) e outros.

"Das antigas, peguei Villa-Lobos e Manuel Bandeira e a da Casinha, que Nara Leão gravou. Separamos essas e comecei a buscar em meu trabalho e nos de outros artistas o que tem de modinha. Pedro Veríssimo me mandou uma dele e aí lembrei que Tom Zé tinha me mandado uma também, inédita, em agradecimento ao sucesso que a Penélope fez com Namorinho de Portão e que não entrou no outro disco (Érika Martins, 2009). Ele mandou a música gravada numa fita cassete, imagine. Não tinha nem como ouvir. Só em uma de minhas vindas para casa da minha mãe em Salvador eu pude ouvir no velho tape deck do meu pai. Gravei no celular e pedi para os meninos tirarem. Gabriel (marido, líder do Autoramas) e o Fred (baterista, ex-Raimundos, hoje com Érika) não tocavam juntos há vinte anos, imagine. Foi super divertido, tipo turma do fundão", relata a cantora.

Cada faixa teve um tratamento específico, com poucos músicos se repetindo entre uma e outra. “O Felipe Rodarte (produtor) se preocupou muito em criar texturas diferentes para cada faixa. Cada música é uma banda diferente”, conta.

“Tem uma que gravei com os Autoramas (banda do maridão Gabriel Thomaz), outra com o Nevilton (celebrada banda paranaense). Tem uma que sou só eu na guitarra e Gabriel no baixo.  Tudo para não ficar preso a nenhum padrão. A unidade é dada pela minha voz, que aliás trabalhamos em tons mais graves. Descobri um novo mundo nos graves”, relata Érika. 

Lenços bordados do Minho

Filha de português, Érika dedicou Modinhas ao pai, morto há cerca de três meses.

“Felizmente, tive tempo de lhe dizer que o disco era uma homenagem a ele. Inclusive, a inspiração para a arte do disco veio de um bordado típico da regiao que ele veio, o Minho, no norte de Portugal”, conta.

“Numa viagem,  eu descobri essa tradição dos lenços dos namorados. Quando os homens iam para a guerra, as mulheres  bordavam  frases em lenços para ele levarem e se lembrarem delas. Tem um museu desses lenços lá, com as frases escritas erradas por que as mulheres eram semianalfabetas, é muito tocante”, relata Érika.

"Com o tempo, o lenço foi se transmutando e virou esquema de pegação. Quando a mulher está a fim de um cara, ela dava o lenço para ele. Se o cara usasse o lenço, é por que tava a fim dela. Fiz essa pesquisa lá em Portugal com meu pai me acompanhando, então o álbum todo é também uma homenagem a ele e às minhas origens no Minho", acrescenta.

Mesmo com a agenda cheia no Rio, Érika garante que se apresenta em Salvador ainda no verão.

"A agenda tá uma loucura, tô tocando muito. Esse final de ano foi um show atrás do outro, vários eventos corporativos muita coisa. Agora eu to voltando para o Rio e no dia 4 já tem show. É que eu faço uma parceria com Rodrigo Penna, que promove a festa Bailinho. Vou tocar todos os domingos de janeiro e fevereiro na pista 2 do Bailinho, vai ser muito bacana. E no meio do ano, devo fazer nova turnê pela Europa. Para Salvador, estamos fechando uma data para entre o final de janeiro e o início de fevereiro", promete.

Modinhas / Erika Martins / Toca Discos - Coqueiro Verde / R$ 24,90 / www.coqueiroverderecords.com / www.modinhasdaerika.wordpress.com


3 comentários:

Franchico disse...

Primeiro, a Disney comprou a Marvel.

Depois, comprou a LucasFilm.

Só que quem publica as HQs de Star Wars era a Dark Horse.

Era, baby!

http://www.bleedingcool.com/2014/01/03/marvel-to-publish-star-wars-comics-in-2015/

Franchico disse...

RIP Nelson Ned:

http://br.omg.yahoo.com/blogs/notas-omg/cantor-nelson-ned-morre-em-s%C3%A3o-paulo-150132131.html

Franchico disse...

RIP Phil Everly

http://www.rollingstone.com/music/news/phil-everly-everly-brothers-vocal-legend-dead-at-74-20140103