quinta-feira, setembro 09, 2010

RELATOS DO APOCALIPSE ZUMBI

Livro Guerra Mundial Z, de Max Brooks, se inspira em conjunto de relatos da 2ª Guerra. E nasce um clássico do terror moderno

O mundo como o conhecemos não existe mais. Uma misteriosa pandemia global, iniciada na China, erradicou boa parte da população mundial, depois que os infectados se tornaram zumbis canibais, gerando a chamada Guerra Mundial Z. Dez anos depois, um funcionário da Comissão Pós-Guerra da ONU compila depoimentos de sobreviventes do conflito.

É esse relatório que agora chega às livrarias, em Guerra Mundial Z (Rocco), de Max Brooks. Aclamado pela crítica como uma reinvenção do subgênero de zumbis – dentro de um gênero maior, o de horror – o livro de Brooks é uma fascinante compilação de relatos orais que primam pela verossimilhança, de acordo com a atividade e a nacionalidade de cada entrevistado pelo agente da ONU.

Há médicos chineses, cientistas alemães, militares indianos, políticos sul-africanos, soldados norte-americanos, traficantes de órgãos taiwaneses e até um cirurgião brasileiro.

Pós-Katrina

Parte da crítica norte-americana saudou o livro como um típico romance pós-furacão Katrina e pós-11 de setembro: “As advertências iniciais são ignoradas, relatórios cruciais passam despercebidos, empresários lucram bilhões vendendo placebos, o exército se equipa de forma inadequada e a população desconhece a extensão da ameaça – até que a encara face-a-face. Eis aqui, portanto, um típico conto de zumbis pós-Katrina“, escreveu o crítico Alder Utter, do jornal The Eagle, de Washington.

Já o interesse por zumbis, que parece ter aumentado bastante nos últimos anos, graças a uma enxurrada de filmes, games, livros, HQs e até séries de TV, tem pelo menos duas explicações, na visão de Klaus‘berg Bragança, mestre em comunicação pela Facom (Ufba): “A representação do morto-vivo fascina porque a imagem que temos de um morto é que ele deveria continuar morto. Ele rompe uma barreira natural que é totalmente absurda, mas que, na ficção, é muito original“, reflete.

“E mais: a metáfora daquele que volta do túmulo resgata narrativas orais que remontam à tradição bíblica, com Lázaro e o próprio Jesus“, lembra.

O Grande Pânico

A Guerra Mundial Z, que durou dez anos, quase erradicou os seres humanos e, quando acabou, virou de cabeça para baixo a configuração geopolítica planetária. A China virou uma democracia. A capital dos EUA foi transferida para o Havaí. A Rússia se transformou numa teocracia ortodoxa expansionista. E a maior economia do mundo é Cuba. No leito dos oceanos, milhões de zumbis ainda perambulam, vindo dar em praias ou surgindo nas redes de pesca.

Tudo começou na China, de acordo do com o primeiro entrevistado, o médico Kwang Jingshu, que tratou do chamado “paciente zero“, um menino de 12 anos de um vilarejo rural.

Através da fuga em massa de refugiados chineses e do tráfico de órgãos a partir de Taiwan, o vírus começa a se espalhar e chega à África do Sul, aonde acontece o primeira epidemia.

A imprensa global logo chama a doença de “raiva africana“. Na sequência, Israel anuncia um período do quarentena total e se fecha para o mundo. O Japão é evacuado.

Nos Estados Unidos, o governo ignora os alertas que varrem o mundo e permite que um grupo farmacêutico lucre bilhões comercializando uma falsa vacina, a Phalanx.
Até que um massacre sem precedentes ocorre na cidade de Yonkers (estado de Nova York). A partir daí, o mundo entra em um período de caos e salve-se-quem-puder global: é O Grande Pânico.

As táticas de “choque e pavor“ ianques não causam qualquer efeito contra as hordas de milhões de zumbis, e para completar, todo o treinamento de tiro dos soldados é direcionado para mirar no peito – o chamado “centro de massa“ – dos oponentes. Mas este inimigo só cai ao ser atingido na cabeça.

Romero e a boa guerra

A opção narrativa de Max Brooks parte de duas influências bem claras – e assumidas: os filmes de George Romero, considerado o “pai“ do gênero zumbi, e o livro The Good War (1985), do radialista norte-americano Studs Terkel.

Pode-se dizer que, do primeiro – Romero –, Brooks aproveitou a temática do comentário social a partir da metáfora dos zumbis perambulantes.
Já de Studs Terkel, ele pegou a forma. Nunca publicado no Brasil, The Good War (A boa guerra) é uma compilação de relatos orais de sobreviventes da 2ª Guerra Mundial.

Guerra Mundial Z / Max Brooks / Tradução: Rita Vinagre / 368 páginas / R$ 49,50 / Editora Rocco


ENTREVISTA: MAX BROOKS

Nascido em Nova York, em 1972, Maximillian Michael Brooks veio ao mundo como um privilegiado: filho do genial comediante Mel Brooks e da atriz Anne Bancroft (a inesquecível Mrs. Robinson, sex-symbol nos anos 1960), ele conta em seus créditos, como escritor e roteirista, participações no programa Saturday Night Live e três livros: Guerra Mundial Z, Guia de sobrevivência a zumbis e Recorded attacks. Como ator (e dublador de desenho animado), participou de séries como Roseanne, Pacific Blue, Batman do Futuro e Liga da Justiça. É casado desde 2003 com a roteirista Michelle Kholos, com quem tem um filho, Henry.

Pergunta: É espantoso como seu livro cobre os mais diversos campos de conhecimento nos relatos. Há Psicologia, Política, Geografia, Medicina, História, Estratégias e Armamentos Militares, Relações Internacionais, Arquitetura e outros. Quanto tempo levou para você efetivamente colocar tudo em ordem? Ou você escreveu e pesquisou ao mesmo tempo?

Max Brooks: Redigir os relatos foi a parte fácil. A pesquisa... isso sim, foi difícil. Levou anos. Tive de organizar minha própria biblioteca, com milhares de livros e mapas. Também passei horas e horas conversando com pessoas que trabalham nos campos sobre os quais estava escrevendo. Chega a ser irônico o fato de que um livro de entrevistas fictícias não seria possível sem as entrevistas reais.

P: Há uma enorme variedade de diferentes vozes no livro, e cada uma delas utilizando uma linguagem especializada específica, de acordo com sua atividade. Como você fez para alcançar esse nível de verossimilhança?

MB: A linguagem (dos personagens do livro) foi um ponto muito importante para mim. Eu queria traçar as enormes diferenças que existem entre um soldado de classe média-baixa como Todd e um aristocrata dos tempos modernos, como Arthur Sinclair. A parte difícil foi a pesquisa sobre as gírias locais ao redor do mundo, tentando extrair aquelas pequenas nuances de forma a faze-las funcionar. Estou certo que falhei tanto quanto fui bem sucedido.

P: Ao invés de simplesmente narrar os fatos de forma linear, você compôs um mosaico de relatos orais. Como você chegou nesse formato? Já leu outros livros similares? Qual foi a inspiração?

MB: Minha inspiração foi The good war, de Studs Terkel (A boa guerra, 1985, conjunto de relatos sobre a 2ª Guerra Mundial, não publicado no Brasil). Seu uso da narrativa oral ficou comigo para sempre. Considerei que era a única forma de contar uma história gigantesca como a Guerra Mundial Z.

P: Nos últimos anos, os zumbis sofreram uma enorme popularização. Mas por que? Será que é por que, em última análise, eles somos nós – pessoas comuns que infelizmente morreram (e retornaram) – e não só mais um psicopata com uma máscara e um machado, e por isso, é muito mais fácil para o espectador se identificar com a situação?

MB: Eu acho que zumbis são uma forma de explorar nossos medos em relação ao apocalipse. Existem diversos problemas bem reais no mundo hoje: aquecimento global, recessão econômica, fome, doenças, ameaça de guerra nuclear. São quase reais demais para se pensar. Apavorantes demais. Numa história de zumbis, você está livre para falar sobre o fim do mundo. É algo seguro, por que zumbis não são reais.

P: Com a explosão dos filmes, o subgênero se misturou a diversos outros. De fato, essa característica jaz na sua própria gênese, com George Romero, que usava os zumbis para tecer comentários sociais sobre racismo e a Guerra do Vietnã. Que direção você acha que o gênero deve tomar nos próximos anos?

MB: Honestamente, não sei o que o futuro reserva para o gênero. Só espero que continue fiel ao (espírito de) comentário social preconizado por George Romero e não fiquem focados apenas nas cabeças decapitadas voando.

P: Em certos trechos, Guerra Mundial Z parece um estudo psicológico sobre as reações humanas às grandes catástrofes. Você teve algum tipo de consultoria?

MB: Quem dera eu tivesse tido psicólogos consultores. Teria tornado o meu trabalho bem mais fácil. O fato é que sempre fui fascinado pelas reações humanas aos grandes desastres. Eu moro em Los Angeles, aonde temos incêndios (na temporada de seca, durante o verão), enchentes, terremotos e tumultos sociais... fora os problemas regulares de crime, drogas e AIDS. Como as pessoas reagem às ameaças, é, para mim, mais interessante do que as ameaças em si.

P: E quanto ao filme baseado no livro? Brad Pitt está no elenco? Marc Forster está confirmado na direção? Quando estreia?

MB: O que eu posso te dizer é que Brad Pitt concordou em estrelar o filme, e que está previsto para estrear em 2012. É tudo o que sei até agora. Mantenho meus dedos cruzados.


P: Seu livro anterior, O guia de sobrevivência a zumbis (2006, Rocco), é mais uma peça no mosaico de Guerra Mundial Z?

MB: O Guia de sobrevivência a zumbis é, literalmente, um livro sobre como enfrentar zumbis. Ele te diz o que fazer no caso de uma epidemia; aonde ir, o que levar na mochila, que armas deve-se usar. É tudo o que você precisa saber. Espero que seja de alguma serventia, caso os zumbis ataquem algum dia.

P: O Internet Movie Database lista todos os seus três livros como "em desenvolvimento". Todos eles serão adaptados?

MB: Boa pergunta. Acho que a Paramount Pictures está focada em Guerra Mundial Z. Se / quando esse filme ficar pronto, eles devem começar a olhar para os outros livros.

P: O que você acha de The Walking Dead (Os Mortos-Vivos, publicada pela HQManiacs Editora), de Robert Kirkman? Já pensou em trabalhar, quem sabe, roteirizando a série de TV que está sendo lançada pelo canal AMC?

MB: Eu amo The Walking Dead e acho que será um enorme sucesso no AMC. É uma excelente série em quadrinhos e com Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, 1994) na direção, como pode dar errado? O cara é um gênio!

P: Vi no seu site pessoal que você escreveu uma minissérie em quadrinhos dos personagens GI Joe (os antigos Comandos em Ação, no Brasil), para a editora IDW, com desenhos do grande Howard Chaykin (Black Kiss, O Sombra). Como foi trabalhar com ele?

MB: Nunca o encontrei. Todo o nosso trabalho em conjunto foi através de um editor. Mas eu AMO o seu trabalho. Ele e Antonio Fuso são as verdadeiras estrelas de GI Joe: Hearts and Minds. É como eu me sinto quanto a escrever quadrinhos. É uma forma visual de arte. Meu último livro de zumbis foi Recorded Attacks (Registros de ataques), uma adaptação visual do Guia de sobrevivência a zumbis. Foi desenhado por Ibraim Robertson, o qual, eu acho, é a verdadeira estrela deste projeto, e não eu.

P: Qual o seu filme de zumbi do George Romero favorito? Por que? E sem ser dele?

MB: Meu filme de zumbi do George Romero favorito é Amanhecer dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978). É um filme incrível, e diz tanto sobre os Estados Unidos nos anos 1970. Já meu filme de zumbi não-Romero favorito é Wild Zero (2000, inédito no Brasil), uma película japonesa com aliens, rock 'n' roll, travestis e, é claro, zumbis! Todos os fãs de zumbis deveriam correr para alugar Wild Zero agora mesmo!


GUERRA MUNDIAL Z: TRECHOS

“Aquelas bichas instruídas demais. Sabe quem as ouvia? Ninguém! Quem se importava com a minoria de mídia alternativa sem contato com a corrente dominante? Quanto mais os intelectuais gritavam ‘os mortos estão andando‘, mais os americanos da vida real davam as costas a eles“.

Grover Carlson, personagem do livro A Guerra Mundial Z, de Max Brooks

“Havia milhões de almas infelizes espalhadas pelo planeta, todas gritando em seus transmissores de rádio, enquanto os mortos-vivos passavam por suas defesas. (...) Mesmo que você não entendesse a língua, não havia como confundir o tom de angústia humana“.

Barati Palshigar, personagem do livro Guerra Mundial Z, de Max Brooks.

7 comentários:

Franchico disse...

Cebola: leia e despiroque:

http://www.bleedingcool.com/2010/09/08/stephen-kings-the-dark-tower-coming-to-cinemas-and-tv-in-simultaneous-tie-ins/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+BleedingCool+%28Bleeding+Cool+Comic+News+%26+Rumors%29

cebola disse...

Tenho medo, man. Pode ser incrível, ou a pior sequência de equívocos já perpetrada em nome do rei. A idéia é absurdamente grandiosa. Mas a obra original também. Ron Howard tem grandes momentos (Apollo 13) mas tem umas bombas também (Código da vinci). Eu prefiria que continuasse nas mãos de J J Abrahams, que era a ideia original, mas...Estarei de olho, de uqalquer forma.

Franchico disse...

Tex, o cowboy italiano mais querido do Brasil, passeia garboso e sorridente pela Avenida Paulista, de botas, chapéu e rifle Winchester em punho.

http://www.universohq.com/quadrinhos/2010/n10092010_07.cfm

Linda ilustração do desenhista original do personagem, Fabio Civitelli.

Franchico disse...

Vcs não adoram quando Lou Reed faz uma senhora gorda de meia idade e semi autista chorar?

http://www.omelete.com.br/musica/lou-reed-faz-susan-boyle-chorar/

Eu amo!

;-)

Franchico disse...

A arte de Silvia Rodrigues, nossa querida Silvis, está em destaque no blog de Tarcísio, nosso querido Buenas.

http://www.buenasrocks.blogspot.com/

Franchico disse...

Garanta já o seu!

Festival No Ar Coquetel Molotov:
Ingressos a venda para os shows da Concha Acústica

Informamos que os ingressos para o festival No Ar Coquetel Molotov encontram-se a venda na bilheteria do TCA e nos SACs dos shoppings Barra e Iguatemi, a preços populares: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia). Na programação, shows com Dubstereo (BA), Soko (França) e Céu (SP), no dia 25/09 (sábado), e A Banda de Joseph Tourton (PE), Cidadão Instigado (CE) e Dinosaur Jr. (EUA), no dia 26/09 (domingo). Os shows começam às 18 horas. Patrocínio: Vivo, Petrobras, Fazcultura e Governo da Bahia. Realização: Caderno 2 Produções, Art Cultural Promoções e Coquetel Molotov.

Jacques disse...

Este livro é muito bom.
Sem aqueles clichês baratos de filme.
Max Brooks manda muito bem.
Até mais.