PHILLIP GLASS - O maior nome da música de concerto atual é o próximo convidado do projeto Fronteiras do Pensamento, que acontece no dia 3, na Sala Principal do TCA.
Ele é o supra-sumo do minimalismo, movimento tachado de “repetitivo“ pelos detratores e de “hipnótico“ pelos adeptos. Porém, é melhor não chamá-lo assim, pois certa vez, chegou a dizer que “essa palavra – minimalismo – deveria ser extinta“.
De fato, rótulo é para maionese. O que importa é que, há mais de 20 anos, Glass é, além de um dos compositores mais influentes do mundo, um dos mais requisitados para criar trilhas sonoras – seja para filmes, dança ou óperas. Sua Trilogia Qatsi, criada em parceria com o diretor Godffrey Reggio, composta pelos “filmes-paisagem“ Koyaanisqatsi (1983), Powaqqatsi (1988) e Naqoyqatsi (2002), são lembrados como um momento de absoluta simbiose entre música e imagem, um espetáculo para os sentidos.
Glass assinou óperas aclamadas por público e crítica, como Einstein on The Beach e Satyagraha (sobre a vida de Gandhi). Duas vezes indicado ao Oscar pelas trilhas de As Horas (2002) e O ilusionista (2006), levou um Globo de Ouro por O Show de Truman (1998), onde reaproveitou trechos da magnífica partitura criada para Mishima, Uma Vida Em 4 Capítulos (1985).
Familiarizado com o Brasil, também criou peças inspiradas em Itaipu, na Favela da Rocinha e no Grupo Corpo, além de colaborar com Marisa Monte. Nesta entrevista ao repórter Chico Castro Jr., ele fala sobre tudo isso e também sobre a conferência que dará no dia 3 de setembro no Teatro Castro Alves, dentro do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento.
Pergunta | A obra do senhor varia dos espetáculos de dança à ópera, passando por trilhas sonoras, música de concerto e popular, demonstrando sempre muita intimidade com todos estes gêneros. Como o senhor consegue passear por tantos estilos diferentes, mantendo o seu próprio?
Phillip Glass | Tive muita sorte de trabalhar em um lugar com tanta gente talentosa. Foi fácil para mim conhecer muitas pessoas do mundo da música popular, fosse David Bowie, Paul Simon ou David Byrne. Todos eles estavam disponíveis para trabalharmos juntos. Tenho de dizer que pude faze-los por que estava trabalhando com pessoas talentosas que estavam interessadas em trabalhar comigo e também por que sempre aceitei suas propostas. Isso significa que tive que aprender muita coisa no caminho. Tive que estender minha linguagem musical para incluir esses gêneros de músicas os quais não tive um treinamento original.
Pergunta | Qual dessas pessoas famosas rendeu o melhor trabalho em parceria, na sua opinião?
PG | Não sei, cada uma dessas coisas tem seus momentos. Por exemplo, em cinema, quando trabalhei com Godffrey Reggio na Trilogia Qatsi, aquele foi um ponto alto. Também tem uma ópera sobre (Mahatma) Gandhi (1879-1955) e uma outra sobre a Guerra da Secessão (1861-1865). Esses foram pontos altos para mim. Uma coisa diferente que fiz foram alguns arranjos para Marisa Monte. Acho que fiz dois arranjos de cordas para ela este ano. Encontrei Marisa no Brasil, mas depois ela veio para Nova Iorque. Foi um bom momento. O filme As Horas (The Hours, 2002) também foi muito bom para trabalhar. Em cada uma dessas áreas em que trabalhei, certas peças se sobressaem. Não posso dizer que uma foi melhor que a outra, ainda que eu goste muito de trabalhar em óperas. Por que nelas, sou eu que seleciono com quem vou trabalhar. Escolho o libretista, o diretor de arte e o diretor. Então, tenho um pouco mais de controle, mas nem sempre.
Pergunta | Como o senhor vê o negócio da música hoje em dia, com o suposto fim do CD e a ascensão dos artistas na internet? O senhor baixa música na rede?
PG | Bom, eu também gosto de buscar música na internet. (Ri).
Pergunta | O senhor baixa música?
PG | Não exatamente canções, eu geralmente busco por colegas compositores, para ouvir o que eles andam fazendo. A internet é interessante. Acho que para os compositores ela tem sido bastante benéfica, mas também há algumas dificuldades. Como sempre, há boas e más notícias. (Risos) A boa é que os compositores podem disponibilizar seu trabalho para praticamente qualquer pessoa. A má é que, agora, há tanta música disponível que você mal sabe por onde começar. Para um jovem compositor, eu acho que é ótimo poder produzir CDs com mais facilidade e distribuir sua música. Mas ao mesmo tempo, é tanta música nova que eu sequer consigo ouvir tudo o que me enviam. É bom por um lado, porque não estamos mais sujeitos ao controle de grandes corporações como Sony e Universal. Até financeiramente, um compositor pode se dar melhor por si mesmo. Só não imaginamos que isso tornaria um mercado que já era enorme, numa coisa monstruosa. E há tanta gente talentosa, aqui mesmo temos muitas pessoas de talento. Mas muitas delas simplesmente se perderão, pois não teremos como encontrá-las. Talvez, com o tempo, haverá mecanismos para tornar os talentos genuínos mais fáceis de se encontrar, mas eu não sei o que poderia ser feito.
Pergunta | O senhor já escreveu duas peças inspiradas no Brasil, Itaipu (1989) e Days and Nights in Rocinha (1997)...
PG | Oh, mas tem uma outra.
Pergunta | É mesmo?
PG | Sim, fiz um trabalho pro (Grupo) Corpo, uma companhia de dança moderna de São Paulo. (Na verdade, o Grupo Corpo é de BH)
Pergunta | Ah, sim, Grupo Corpo.
PG | Corpo, yeah. Fiz uma peça para eles com o grupo (mineiro) Uakti. Escrevi a música, e eles, os arranjos. Também fiz a música para um filme de Monique Gardenberg (Jenipapo, 1995). Tenho algumas conexões com o Brasil.
Pergunta | Itaipu e Rocinha foram feitas por encomenda?
PG | Não! (Apressa-se).
Pergunta | Então o senhor visitou esses lugares?
PG | Visitei. Estive na Rocinha com amigos. Fui no ensaio de uma escola de samba. Teve um negócio lá que eu não lembro agora, mas que, na época me veio como uma idéia musical. Já sobre Itaipu, eu estive em Foz do Iguaçu e fiquei muito impressionado com a força do lugar, aí a música veio disso. Muito freqüentemente sou inspirado por – (interrompe). Eu viajo muito, vejo as coisas, conheço as pessoas e esses encontros com pessoas e lugares podem ser a base para a música.
Pergunta | O senhor escreveu óperas sobre as vidas de Albert Einstein e Mahatma Gandhi (1869 – 1948). Quem virá a seguir? Por que?
PG | A próxima é sobre o famoso astrônomo (Johannes) Kepler (1571-1630). Depois eu estou vendo um projeto sobre Walt Disney (1901-1966).
Pergunta | Por que Disney?
PG | (Lembra de outra coisa e muda de assunto). Sabia que eu também fiz uma ópera em português? Chama-se O Corvo Branco e foi montada em Portugal. Escrevi parte dela no Brasil.
Pergunta | Mas por que Disney?
PG | Bom, ele é uma espécie de ícone americano. Uma pessoa misteriosa. Uma pessoa que todo mundo sabe quem é, mas ninguém conhece de fato. Isso o torna muito interessante. Como essa pessoa pôde criar um tipo de universo alternativo que todo mundo conhece? Todo mundo! Personagens que não existem de verdade! Pato Donald, Mickey Mouse... Mas o que é assombroso é quão universais e aceitas essas imagens se tornaram. E essa pessoa sequer desenhava, ele não fazia o próprio trabalho. Mas se tornou essa... mente por trás de tudo isso. É parte da cultura, e não apenas da minha cultura, mas da sua também. É isso que me espanta, como a imaginação de uma pessoa se tornou a imaginação de quase todo mundo.
Pergunta | Um artigo recente na revista britânica Gramophone Magazine apontou o senhor, Steve Reich e John Adams, entre outros, como os responsáveis por trazer a música de concerto de volta ao grande público, tornando-a agradável para qualquer um ouvir – e não apenas outros compositores.
PG | Bem, eu acho que (isso) é verdade, mas tem outras pessoas também. O fato é que isso não aconteceu por acidente, mas por que nós buscamos isso. Quando éramos jovens, a música contemporânea não era muito ouvida. Só algumas pessoas em universidades e ambientes acadêmicos... Nós queríamos trazer a música para nosso tempo. Para nos tornarmos populares, trabalhamos unidos, nos tornamos performers e começamos a viajar pelo mundo. Eu fiz... mais de 2,5 mil concertos – é concerto pra caramba nos últimos 30 anos. E isso teve um grande efeito em termos de trazer essa música para o grande público. Mas só o fizemos por que realmente queríamos que a música encontrasse uma voz que pudesse ser entendida e ouvida por uma grande parcela do público.
Pergunta | O senhor está trabalhando em alguma trilha sonora original para algum filme no momento? Poderia nos contar qual?
PG | Olha, eu poderia, mas – (interrompe de novo). Eu estou olhando para um roteiro muito interessante neste exato momento, mas, como se costuma dizer, ainda não tenho um contrato. (Risos). Estou interessado e eles me pediram para dar uma olhada. Conversei com o produtor sobre prazos e outros aspectos práticos, mas não posso te contar mais. (O projeto) Ainda vai ser anunciado.
Pergunta | Sobre o que exatamente será a conferência do senhor em Salvador no próximo dia 3?
PG | Falarei sobre colaboração. O tipo de trabalho sobre o qual falamos há pouco, um pouco mais detalhado, sobre a interação entre música e imagem, música e texto, música e movimento e como o trabalho pode ser desenvolvido. Também executarei uma peça, sobre uma fita do (poeta beatnik americano) Allen Ginsberg (1926-1997), a título de exemplo das colaborações que fiz. Sabe, sozinho não dá pra fazer muita coisa.
Pergunta | Qual foi a última coisa que o senhor ouviu e chamou sua atenção? E por que?
PG | Bom, eu ouvi a trilha de um filme chamado Sangue Negro (There Will Be Blood, 2008) do Jonny Greenwood...
Pergunta | ...da banda Radiohead.
PG | Que trabalho fantástico, ótimo, eu adorei. Tenho de dizer isso, por que ele é do Radiohead, mas também tem treinamento em conservatório, sabia? Ele foi treinado na tradição da arte da música, e quando (vai) para a música popular, ele pode sempre voltar (ao erudito). (Ele é) Muito, muito talentoso.
PHILLIP GLASS
Nascido em Baltimore, em 31 de janeiro de 1937, Phillip Glass desde cedo demonstrou pendor para a música. Aos 15 anos, entrou na prestigiada escola de música Juilliard, em Nova Iorque, onde reside ainda hoje. Prolífico, é autor de inúmeras peças, entre óperas (mais de vinte), sinfonias (oito até o momento), concertos para instrumentos variados, trilhas para espetáculos de dança, cinema e teatro experimental. Entre seus colaboradores, podem ser citados David Bowie, Twyla Tharp, Woody Allen, Ravi Shankar e muitos outros. É defensor da causa pró-Tibete.
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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3 comentários:
Deve ser interesante a palestra do cara, Glass me chamou a atenção nos 80 através de Bowie. O tal do minimalismo realmente é um saco para não iniciados(meu caso), mas a influencia de Glass não parece ser gratuita. Chicão, sabe se os ingressos são vendidos?
Brama, parece que o negócio é meio embaçado, os ingressos são adquiridos em pacotes por instituições de ensino ou algo assim. Se vc estiver realmente muito interessado, sugiro que dê uma ligada para a Central de Relacionamento para saber se há uma cota de ingressos para venda: 71-3355-4041. De qualquer forma, vou ficar de olho por aqui, se pintar um de bobeira...
Já viram a Cascadura no Poploaded Sessions?
http://megaplayer.ig.com.br/home.aspx?autoplay=true&contentid=130261
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