sexta-feira, abril 01, 2005

SANGUE NOS TRILHOS

Há 30 anos aquele individuo que atende pela alcunha de Bob Dylan cometeu umas das grandes obras artisticas já feita por um ser humano.

A obra(prima) " Blood On The Tracks", completada no final de 74 mas só lançada sobre os meros mortais em Janeiro de 1975 está fazendo 30 anos este ano, e seu impacto, relevância e integridade se mantiveram intactos.

Tudo que se fala sobre Dylan pode ser considerado "overrated", mas qualquer pessoa que se predisponha a ouvir e entender a obra em questão, que tem varias alegorias e charadas, não pode negar, é um trabalho de um gênio.

Renegando a maior backing band da historia( uma tal de The Band), Blood On The Tracks é alegadamente um disco que tem como pano de fundo a traumatica dissolução do casamento de Dylan com Sara Lownds, um dos grandes romances do rock.

Um disco largamente acustico e aparentemente simples com arranjos despojados, que alterna momentos de arrependimento, amargor, uma certa tranquilidade, desejos de boa sorte, ironia, e muita raiva.

Com um texto que excede os limites do rock, juntamente com uma divisão silábica genial e uma inflexão vocal unica , Dylan renasce ali mesmo artisticamente anos depois de desaparecer de cena apos um acidente quase fatal de moto em 66 e abdicar de ser o Messias da contra-cultura, e lançar 4 discos de pouco impacto em termos de Dylan (John Wesley Harding , Nashville Skyline, Self-Portrait e New Morning) e 2 com a Band, Planet Waves, Before The Flood (muito legais).

As declarações e atitudes de Dylan reforçavam o aparente torpor familiar que o envolviam. Cansado da contra-cultura e tendo 5 filhos pra criar (Jesse, Anna, Samuel , o Wallflower Jakob, além de Maria do casamento anterior de Sara), Dylan parecia irremediavelmente acomodado.

Mas as coisas não eram o que pareciam, o refugio no campo virou inferno com o constante assedio dos fanaticos, que invadiam sem cerimonia sua fazenda em Woodstock para morar (!) lá com ele, e os Dylan voltaram a morar em New York em 73, e reza a lenda, após curiosas aulas de arte com o pintor Norman Raeben, Dylan debaixo da influência radical do artista que o incentivava a liberar seus instintos através da pintura, rasgou a fantasia de acomodado (que na verdade era apenas fachada de um louco num periodo manso) e começou a ter um comportamento cada vez mais errático.

Segundo o proprio Dylan, após uma aula especialmente carregada de significados, "Eu fui pra casa após aquilo, e minha mulher nunca mais me entendeu. Ela nunca sabia sobre o que eu estava falando. E eu não conseguia explicar a ela".

Ato continuo, numa turnê com a Band em 1974 ( depois de 8 anos), Dylan voltou a beber e fumar pesadamente, alem de voltar a ter varias namoradas na estrada. Voltou a sentir o gosto da velha vida na estrada e aí o seu comportamento tipo Jekyll & Hyde faz Sara ficar apavorada com as atitudes dele.

Entre agressões, surtos paranoicos, varias amantes na cara da patroa e umas paradas realmente muito estranhas, tipo ficar horas seguindo e olhando de forma ameaçadora pra Sara sem dizer uma só palavra, Sara sai fora em 74.

Haveriam varias tentativas de reconciliação, até que em 77 foi jogada a pá de cal depois de Dylan dar um murro em Sara, quebrando seu queixo.

Dylan nega que a(s) mulher(es) que ele se refere nas faixas de Blood On The Tracks seja Sara, mais uma vez o proprio: "Eu li que isto supostamente é sobre minha esposa. Eu desejaria que me perguntassem antes de publicarem este tipo de coisa. Não passam de estupidos vagabundos enganadores".

O.K. Bob, a gente finge que acredita.

Neste clima "ameno" o disco foi gravado em sessões em Nova York e na natal Minessota com uma banda recrutada entre musicos de estudio (entre outros Eric Weissberg e Billy Preston) e abre com Tangled Up In Blue, uma fabula sobre o relacionamento de um casal, talvez um triangulo amoroso e talvez até varios casais, a ambiguidade e maestria do texto e a forma de utilização dos pronomes ainda hoje é objeto de estudo de academicos da lingua inglesa, coisa de estudo nas maiores universidades americanas.



Narrada na terceira pessoa, as vezes na primeira, as vezes as duas pessoas ao mesmo tempo, é um trabalho de um genio, que extrapola a mera questão do rock.

Não vou me prender a ordem das musicas, nem vou comenta-las todas.

You´re a Big Girl Now e If You See Her Say Hello se não forem sobre Sara, eu sou John Lennon reencarnado.

Simple Twist of Fate e Meet Me In The Morning são canções melancolicas com uso afiado e cortante das palavras cheios de ambiguidades e referencias aparentemente obvias...

Lily, Rosemary... a mais country do disco, You´re Gonna Make me Lonesome... é de uma ironia corrosiva, capaz de danificar qualquer cd player.

Buckets of Rain que fecha o disco dignamente.

Shelter From the Storm, mais uma musica sobre um relacionamento fracassado com imagens e metáforas fortíssimas, a ponto das alegorias usadas levarem Pete Hamill (o consagrado critico literario, não o cara do Van Der Graaf, banda que eu adoro) a compara-lo com Yeats, um dos maiores poetas (senão o maior) da lingua inglesa.

Deixo por ultimo Idiot Wind, que dizer?



O retorno a forma no mesmo nivel de Like A Rolling Stone , Ballad Of A Thin Man, Positively 4th Street, um petardo direcionado a alguma pobre coitada, pior que qualquer agressão fisica.

Idiot Wind é bílis puro, uma ira descontrolada capaz de fazer qualquer punk um gatinho domestico, tudo isto embalado numa ironia fudida com uma interpretação que prova que Dylan é um dos maiores cantores desta porra, quando ele subverte toda a metrica das silabas e desorganiza qualquer noção de "cantor" que vc possa ter.

Uma das maiores canções já feitas, um pouco indigesta é verdade, mas genio puro.

Tenham cuidado, tem sangue na pista.

7 comentários:

Anônimo disse...

Miguel Cordeiro
sensacional, mestre Osvaldo! Blood on the tracks só podia ser feito por um genio como dylan. ouvi tanto esse disco na época (1975) que sabia de cor as musicas e inflexões de bob. aliás, dylan sempre transitou em toda especie de publico e lembro que lá no colégio antonio vieira os playboys que gostavam do Kiss chegavam junto da gente, roqueiros dylanmaníacos, querendo saber detalhes das letras de mr zimmerman e a gente e eles (os playboys que gostavam do Kiss), orgulhosos, faziamos questão de exibir nossa imaginária condição de roqueiros de carteirinha.
parabens Osvaldo pelo brilhante texto.
PS: já vi na cidade outdoors do show do Placebo. vá lá que os outdoors não são tão legíveis como deveriam ser mas o argumento do brother franchico me convenceu. estou otimista e acho que vai ser um grande momento. vamos fazer um trabalho conjunto de divulgação para levar as pessoas para a concha. que belo show do cascadura lá na sexta passada.

Anônimo disse...

pô. miguel...bom show, mas já vi melhores, mas valeu...osvaldo, belo texto...pensei que só conhecia cebola como apreciador de van der graf...cláudio moreira

Franchico disse...

pô Miguelão, tá falando sério mesmo? vc não tá sendo irônico, não? ;-) tô brincando, malandro. sei lá, man, eu espero muito que a Concha encha, que seja um sucesso surpreendente para os empresários locais e que dê tudo certo (e de preferência, não chova). o que eu sei com certeza, é que, com ou sem chuva, com ou sem público, com ou sem sucesso, eu estarei lá a milhão por hora, atento a tudo e curtindo pracas. o resto é lucro.

Franchico disse...

ah, legal essa história de facções de fãs do Kiss e Bob Dylan no Vieira dos anos 70. nos anos 80, quando eu estudava no Maristas com Borel, Rozendo Loyola e Bruno Uzêda, a gente tinha duas facções: a dos fãs do Iron Maiden e bandas de metal em geral (nós, ou seja, 5 ou seis gatos pingados) e o resto do mundo. era divertidíssimo. uma vez, na hora do recreio, eu fui até algemado num poste ali em frente ao Paes Mendonça. o sino tocou e todo mundo voltou pra sala de aula. menos eu. ser o nerd da classe tinha suas vantagens. mas o que tem isso a ver com o Iron? ah! foi um dos brothers fãs da banda que fez isso comigo, um tal de Caryl, que era super radical, vivia de patches e pulseira de spike e hoje deve despachar em algum cartório ou consultório ou igreja da universal. queime no inferno, filhodaputa!

Franchico disse...

a propósito, só ontem consegui ler esse texto de Bramis, que tá lindo, dá vontade de ouvir esse disco na hora (nunca fui um grande fã de Dylan, confesso...).

Anônimo disse...

pô respeito muito o grande artista Dylan, mas não posso ser considerado um fã dele, talvez márcio rocks! ou cebola...é aquela velha questão...muito bom e importantíssimo na história da música contemporânea, mas...
cláudio moreira

Anônimo disse...

Muito bom!
Então dá uma olhada nesse blog aí!
http://enilton-grill.blogspot.com
valeu