Harris Eisenstadt. Foto William Semeraro |
O que talvez pessoas de má vontade com “música experimental” não entendam é que, primeiro, o experimental de hoje pode ser o mainstream de amanhã.
Segundo: “Partimos do pressuposto de que o chamado ‘Experimental’ não se refere a um gênero musical específico, e sim a uma série de agenciamentos autônomos que envolvem a livre improvisação, arte sonora, noise, free jazz, etc”, afirma o músico e produtor Edbrass Brasil, organizador do CMC.
“A ideia do CMC é dar continuidade ao trabalho que desenvolvemos desde 2015, agora de forma mais ampliada, de inserção da Bahia no roteiro dos shows nacionais e internacionais de música experimental. Prezamos pela relevância de cada atração no contexto nacional/mundial e ao mesmo tempo buscamos trazer shows e artistas dispostos a trocar experiências com os artistas locais. A relação que estabelecemos com a cidade é essa de cumplicidade e confiança mútua. Nossos eventos são voltados para um público amplo e diverso, que gosta de música contemporânea e está aberto para outras expressões artísticas, como cinema, dança e teatro. Estamos bem animados com a receptividade do público, que compareceu em massa em todos os nossos eventos até agora”, acrescenta.
Ute Wassermann |
Edbrass destaca dois nomes estrangeiros como atrações principais: “Os dois principais nomes do line up são figuras bem conceituadas no cenário mundial, como o baterista canadense Harris Eisenstadt e a cantora e artista sonora alemã Ute Wassermann”, conta.
“O Harris, além de ser compositor e baterista requisitado, acompanha John Zorn dentre outros, propõe um recorte no âmbito do chamado new jazz, unindo a tradição norte americana as suas pesquisas sobre a tradição cubana do Bata, por exemplo”, detalha.
Já Ute Wassermann é outra história completamente diferente: seu instrumento é a voz.
“Ela é conhecida por sua linguagem sonora extraordinária, de muitos sons e extremos. Cria técnicas para ‘mascarar’ a voz, usando assobios de pássaros, sons do palato ou objetos ressonantes, e também projeta instalações de som”, conta Edbrass.
"Na parte nacional, buscamos selecionar artistas que estão produzindo e circulando, seja no campo das artes sonoras ou cênicas, como também no plano crítico, teórico. A Isabel Nogueira e o Luciano Zanatta, ambos de Porto Alegre, fazem parte do Coletivo Medula, um grupo multimídia bem ativo. Eles estarão acompanhados de um dos pioneiros da 'guitarra preparada' no Brasil, Paulo Hartmann", continua Ed.
Mas as atrações locais também não deixam por menos e apresentam trabalhos interessantíssimos, como os duos locais Terra Vermelha e B.A.V.I.
Duo B.A.V.I. Foto Matheus Leite |
Mas o xodó mais recente do organizador vem de Cachoeira: “É o Coletivo Novos Cachoeiranos, orquestra de jovens egressos das filarmônicas de Cachoeira, regidas pelo maestro Sólon Mendes. Eles buscam atualizar a linguagem do jazz com influências diversas como o atonalismo e o universo percussivo baiano. Simplesmente apaixonante este trabalho”, rasga Edbrass.
Investimento próprio
Com o CMC, Edbrass e seus parceiros afirmam estar inserindo a Bahia em um circuito de festivais do gênero que já vem rolando pelo Brasil.
"O CMC é uma oportunidade para o público baiano conferir de perto o trabalho de artistas que inovam em suas áreas de atuação. Além disso, é necessário lembrar que fazemos parte de um contexto nacional de Festivais de música experimental que acontecem entre novembro e dezembro em todo o Brasil: Novas Frequências (RJ), FIME (SP), IMPROFEST (SP), Rumor (PE), Kino beat (RS), Festival Música Estranha (SP), e agora o CMC!", enumera.
DJ Riffs. Foto Nara Gentil |
"Não consideramos a música experimental como um gênero musical, mas um campo de ação em que vários gêneros podem ser encaixados. No Brasil temos grandes representantes negros ligados a música avançada. Os dois nomes mais conhecidos são os de Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção. Estes dois representam e muito uma pesquisa que levou a música brasileira para outros patamar de radicalismo e inovação. O que acontece é que as obras dos artistas afro-brasileiros são comumente pensados pelo viés da etnomusiclogia, ligados sobretudo a ideia de 'tradição' e 'raiz', nunca como de invenção e vanguarda.... Se quisermos ir mais longe, podemos citar os grande sambistas da década de 40, que criaram um novo gênero musical e urbano, tendo muitas vezes que inventar seu próprio instrumento, como no caso do Bide, por exemplo, que criou um surdo com timbre e peso adequado a nova música que surgia na época. Não é demais lembrar também que engenheiros de som numa pequena ilha do Caribe, no caso a Jamaica, ainda nos anos 60, foi capaz de definir o futuro da música eletrônica no mundo, por meio das técnicas e recursos estéticos utilizadas na música 'dub'. Hoje em dia no Brasil, podemos citar os trabalhos de Juçara Marçal e Cadu Tenório, que no álbum Anganga, lançado em 2016, partiu de cantos de trabalho escravos, aliado a uma estética 'noise', ruidosa e deu muito o que pensar. Não podemos deixar de falar também da obra do Negro Leo, compositor maranhense, que investe no post-rock, mas mantendo traços e características do cancioneiro brasileiro. Tem coisas muitos boas sendo feitas no rap e no funk carioca, na Bahia temos o Atoxxxa, toda essa faixa de produção ligada ao que chamam de 'Guetto Tech' pode ser vista como uma experimentação estética", detalha Edbrass.
Duo Terra Vermelha |
Mas o mais impressionante em todo este movimento é que, excetuando-se o apoio logístico “fundamental” (ressalta Edbrass) de instituições como o Muncab, Centro de Formação em Artes da Funceb (CFA), Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da UFRB e Museu Afro Brasileiro (AMAFRO), o CMC não conta com patrocinadores ou verba de edital.
“Não encontramos ainda o nosso patrocinador, o que torna o Festival um grande investimento nosso, dependendo quase que exclusivamente da bilheteria e das colaborações com os artistas e técnicos envolvidos. Espero, sinceramente, que esta edição independente abra caminho para a chegada do suporte financeiro que necessitamos. O mais importante é conhecermos a nossa vocação como um festival de pequeno porte voltado para uma outra escuta, para um outro jeito de se relacionar com a música e a geografia da cidade. Trazendo de volta a ideia de uma 'Bahia de Invenção', criando para isso um ambiente acolhedor, de relaxamento, num clima de museu muito vivo, sabe?”, conclui.
CMC Festival 2017 - Ciclo de Música Contemporânea / Workshops: Salvador (Centro de Formação em Artes da FUNCEB) de amanhã até quinta-feira e em Cachoeira nos dias 4 e 5 / Concertos: Sexta-feira e sábado, 17 horas / Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB, no Pelourinho) / R$ 40 e R$ 20 (Vendas: Sympla) / Programação, informações: www.cmc-festival-2017.webnode.com