quinta-feira, outubro 06, 2016

TRÊS DÉCADAS SOMBRIAS

Há 30 anos, HQs como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen e Maus mudaram a paisagem dos quadrinhos e da cultura pop para sempre

Batman de Dave McKean em Asilo Arkham: sombrio é apelido
Bonzinho era o Superman do seu avô. Hoje, o Azulão é capaz de matar para proteger a humanidade (como no filme O Homem de Aço, de 2013).

Já na série Demolidor (Netflix), do herói chifrudo da Marvel, cabeças rolam e membros são decepados a golpes de espada.

Tudo isso parece muito normal no mundo ultraviolento e radicalizado de hoje. Mas nem sempre foi assim.

Houve um tempo em que super-heróis simbolizavam justiça e inspiravam pureza. Há 30 anos, isso foi enterrado de vez.

Há 30 anos, HQs como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen e Maus eram lançadas, encerrando a chamada Era de Bronze dos Quadrinhos (de 1970 a 1985) e iniciando a Era Moderna – ou, mais adequadamente, Era das Trevas, na qual estamos até hoje, pelo menos até segunda ordem.

Na Era Moderna, os super-heróis ganharam licença para matar, pirar, entrar em crises de identidade, de consciência, trocar de lado, brincar de deus, ser juiz, júri, carrasco.

Em Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, um Batman envelhecido retorna à ação para salvar Gotham City mais uma vez. Escolhe uma menina adolescente para ser a nova Robin, mata o Coringa e dá uma surra no Superman – que aliás, foi retratado como  um moleque de recados do presidente.

Rorschach (Watchmen), um dos personagens símbolo da Era Moderna
Em Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons imaginaram um mundo onde o surgimento de um único superser com poderes semidivinos desequilibra de vez o tabuleiro do poder mundial, em uma obra cheia de questionamentos filosóficos e políticos e desdobramentos dramáticos.

Em Maus, o artista Art Spiegelman conta a história dos seus pais, sobreviventes de Auschwitz, com riqueza de detalhes e a carga psicológica pesada que o tema exige.

Não a toa, estas (e outras HQs da época) foram múltiplas vezes premiadas e homenageadas ao longo dos anos, fazendo de 1986 “o ano que mudou os quadrinhos”.

Claro que as coisas não são tão estanques assim. 1986 cristalizou um movimento que havia se iniciado no fim dos anos 1960, quando a contracultura invadiu as HQs a partir dos comix marginais de Robert Crumb e Gilbert Shelton.

“O primeiro grande fator que leva a isso acredito ser o enfraquecimento do Comics Code, o código de ética que desde a década de 1950, vinha limitando a criatividade dos artistas, que tinham que criar histórias mais puras, digamos”, afirma Lucas Pimenta, editor e proprietário da comic shop local Katapow!.

Harry doidão em Homem-Aranha, já início dos anos 1970
Os reflexos no mainstream foram rápidos, com o Homem-Aranha tendo de lidar com seu amigo Harry viajando de LSD e o Arqueiro Verde flagrando seu parceiro mirim Ricardito com uma seringa no braço – para ficar só nos exemplos mais famosos.

"Com a influência da contra cultura, da efervescência política nos EUA na década de 80, esses novos autores sentiam a necessidade de contar histórias mais reais, explorando estéticas e estilos que o cinema já vinha explorando e com histórias mais maduras. Então foi uma junção de tudo isso. Era uma necessidade de usar a fantasia para solucionar os problemas do mundo real... Pelo menos nas páginas dos quadrinhos", observa Lucas.

Depois de 1986, a paisagem das HQs – e da cultura pop em geral – mudou de vez, com temáticas adultas ganhando proeminência. As consequências são sentidas até hoje.

Nos quadrinhos mainstream, o sucesso de HQs como Monstro do Pântano (de Alan Moore) e Sandman (1988), de Neil Gaiman, levou à criação do selo Vertigo, da DC, até hoje a maior referência em HQs adultas nos Estados Unidos.

Os jovens que leram estas HQs na época  cresceram e foram fazer suas próprias HQs, filmes, série de TV e games.

Resultados? Preacher, Y: O Último Homem, Supremos, Game of Thrones, Grand Theft Auto e por aí vai.

Batman toma e dá muita porrada em Cavaleiro das Trevas
Claro quem nem tudo são flores (secas) no jardim cinzento da Era Moderna.

O quadrinista baiano Flávio Luiz (Aú, O Cabra) é um grande crítico dessa estética.

“Sempre acreditei que a função primeira dos quadrinhos era o entretenimento. A coisa ficar pesada e densa, para mim, afastou muito leitores como eu”, afirma.

"Mas Will Eisner sempre apostou na capacidade da HQ em contar historias mais profundas, sem perder sua missão de entreter. Joe Kubert (Sgt. Rock) Schulz (Peanuts) também fizeram isso. A influencia do quadrinho japonês e europeu no trabalho de Frank Miller foi o que norteou essa 'mudança', já que ele, desde os tempos de Demolidor, oferecia histórias criativas com um cunho mais sério e profundo. O retorno em vendas foi o que garantiu que sua proposta inovadora e muitos o seguiram, com as editoras dando carta branca para quem quisesse embarcar nessa nova onda. Na Europa e no Japão, as histórias oferecidas já traziam um conteúdo mais profundo e complexo, mas como tem que acontecer nos EUA para se ter uma repercussão dessas, tome lá", observa Flavio.

Ele lembra que, depois, até precursores e arquitetos desta linguagem, como John Byrne e Alan Moore, buscaram suavizar sua abordagem, em busca da leveza perdida: "Concordo com Byrne ,de quem sou fã há mais de 40 anos. Ele tem histórias muito ricas, com temáticas sérias e profundas, tanto trabalhando com o Claremont quanto sozinho. Seu trabalho em Next Men ou em Cold War,  ou mesmo na reformulação do Superman prova disso, mas conserva a missão do encantamento, do escapismo necessário a quem admira esse tipo de arte. A 'overdose de realidade' dos autores modernos pós-Miller acabou prejudicando o surgimento de novos leitores e, à longo prazo, até afastando muitos, como eu, de manter a leitura na regularidade que estava acostumado. Acho que, baseado na criança que fui e que conservo em mim, não vejo historias mais 'tranquilas' e 'faceis de ler' como algo depreciativo. Reflito isso em meu trabalho até mesmo como O Cabra, onde abordo questões sérias, mas com leveza e objetividade. Tentar transportar para os quadrinhos tanta realidade dificulta o trabalho, torna-o pesado, chato, tanto pra quem faz, como pra quem lê", afirma.

“Alan Moore, no seu Tom Strong, mostra um caminho que devia ser mais apreciado. Não levar tão à sério facilita a relação autor / leitor”, diz.

Rei do Crime na arte de B. Sienkiewicz em Amor & Guerra
“Mike Allred, no novo Surfista Prateado, também acerta nessa postura. Em determinado momento, num diálogo que tenta levar a coisa para essa complexidade nociva atual, o Surfista responde sempre: ‘poder cósmico’. E é suficiente. Pelo menos, deveria ser”, acredita.

Enfim, o que surgiu como inovação,  foi banalizado pela indústria. A lição que fica é que não importa se você é “sombrio” ou “colorido”: o importante é sem criativo.

"Tenho tido contato com crianças leitoras de HQ graças ao Aú, e percebo um grau maior de 'maturidade', retrato dos novos tempos, mas também vejo clara a vontade de querer se divertir antes de tudo com uma boa leitura. Se é bem feito, criativo, ,não precisa pesar a mão em complexidade e informações técnicas que justifiquem o que está sendo contado da realidade. O caso do sucesso de Harry Potter é um pouco do que quero dizer. Existe mais do que a realidade, existe uma riqueza lúdica poderosa que preenche anseios do leitor de todas as idades e que justificam tanto sucesso", destaca Flavio.

"Tudo que faz sucesso, tende a ser copiado repetidas vezes até à exaustão. Com as histórias surgidas na Era Moderna foi assim também. Toda uma geração de autores que surgiram após Alan Moore, Neil Gaiman, Frank Miller, John Byrne, Chris Claremont entre outros, foram no rastro desses autores. E a própria indústria querendo seguir a mesma fórmula, para tentar repetir sucessos. Então os quadrinhos nos EUA sofreram sim essa influência negativa da Era Moderna. As principais editoras dos EUA estão hoje tentando resgatar a inocência nas HQs, com histórias bem elaboradas, e que possam agradar públicos de todas as idades, mas ainda é perceptível essa questão histórica", acredita Lucas.

“Acredito mesmo é que os quadrinhos precisam ser vistos e valorizados como forma de arte, até mesmo pela indústria que os produz, e que os autores tenham mais liberdade criativa para contar suas histórias, sem sofrer tanto o peso das "amarras" editorias. Quando isso acontecer, os EUA terá um mercado criativo forte para a Nona Arte, como existe no poderoso quadrinho franco-belga”, conclui Lucas Pimenta.

CINCO DICAS DE LEITURA DOS PRIMÓRDIOS DA ERA MODERNA

Watchmen (1986)

Um superser de poderes semidivinos surge na Terra e se depara com a humanidade à beira da guerra nuclear. Ele então se retira para Marte, onde filosofa se merecemos ou não sobreviver como espécie





Asilo Arkham (1989)

De Grant Morrison, com arte do inglês Dave McKean, mostra Batman tentando conter uma rebelião no asilo onde ficam presos o Coringa e demais vilões. O vilão aparece de salto alto e passa a mão no bat-derriére: “Relaxa, bundinha de ferro”. Inspirou uma série de games








Demolidor: Amor e Guerra (1986)

Graphic novel de Frank Miller, com a arte impressionista  de Bill Sienkiewicz. O Rei do Crime manda um psicopata sequestrar a esposa de   um psiquiatra e o chantageia para tratar sua esposa Vanessa, catatônica após um atentado a bomba








Maus: A história de um sobrevivente (1986)

Obra-prima de Art Spiegelman, é a única HQ premiada com o Pulitzer. Mostra a via-crúcis dos pais do autor em Auschwitz, campo de concentração do monstruoso Dr. Mengele. Psicológica, mostra também as graves consequências do período na sanidade mental do casal






O Cavaleiro das Trevas (1986)

Uma das HQs mais cultuadas de todos os tempos, mostra um Bruce Wayne aposentado retomando o manto do Batman para botar ordem em Gotham City. Frank Miller atira para todo lado: autoridades, mídia, Superman, populares, gangues de rua. Tudo é sordidez e só Charles Bronson (Batman) pode restabelecer a ordem e a paz. Nem que seja quebrando a cara de todo mundo

12 comentários:

Franchico disse...

Quem não quer uma boquinha no governo, né?

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/lider-de-movimento-anti-corrupcao-dobrou-o-salario-como-funcionario-do-governo-temer/

Franchico disse...

Hoje tem show do The Baggios no Portela. O disco novo dos meninos, Brutown, tá sendo muito elogiado. E vale ficar atento, por que o estado vizinho, que a mentalidade axé-baiana imbecil já classificou em outras eras, como "nosso quintal" está chamando atenção pela qualidade e diversidade:

http://screamyell.com.br/site/2016/10/06/o-grande-momento-da-musica-sergipana/

Franchico disse...

OCUPA ESSA PORRA! VOCÊS TEM TODO O DIREITO!

http://www.brasilpost.com.br/2016/10/06/mec-exclui-institutos_n_12376874.html?utm_hp_ref=brazil

NENHUM DIREITO A MENOS, CANALHAS!

Franchico disse...

A gente fica achando que monstro é só coisa de filme, de HQ e tal, mas não é verdade. Monstros existem, são muito reais - e a pior parte é que muitos deles usam uniforme e andam cheios de moral por aí.

http://www.brasilpost.com.br/2016/10/06/tim-lopes-chavarry_n_12377196.html?utm_hp_ref=brazil

Franchico disse...

Nego rouba, rouba, rouba, rouba, rouba, rouba, paga juros exorbitantes (em qualquer economia do mundo) para os bancos, rouba, rouba, rouba, rouba, rouba, paga juros exorbitantes (em qualquer economia do mundo) para os bancos, rouba, rouba, rouba, rouba, rouba...

E aí, para cobrir o rombo, a solução é cortar recursos da saúde, da educação, saneamento, segurança, moradia etc - tudo que o povo que não rouba e paga imposto deveria ter direito.

http://www.brasilpost.com.br/2016/10/06/comissao-aprova-teto-gastos_n_12373496.html?utm_hp_ref=brazil

Enquanto isso, nego que propõe essas medidas repugnantes continua: rouba, rouba, rouba, rouba, rouba, paga juros exorbitantes (em qualquer economia do mundo) para os bancos, rouba, rouba.... ad infinitum...

Franchico disse...

Os marginais engravatados revanchistas da bancada BBB é que vão conduzir a absurda CPI da Lei Rouanet:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/bancada-bbb-e-investigados-compoem-a-cpi-da-lei-rouanet/

Ladrões e assassinos, gentalha desclassificada de último nível - julgando artistas.

Na moral, se eu sou um artista desses e sou convocado para depor, eu ia esculhambar tanto a cara dessa canalha que eles não teriam outra opção senão me prender ali mesmo. Seria uma honra. Eles são muito burros, ainda não viram o tiro no pé que estão engatilhando para eles mesmos.

O engraçado é que que não deverão convocar ninguém entre os maiores arrecadadores da Lei Rouanet - que todo mundo sabe que é gente muito poderosa. Só vão convocar artista que se manifestou contra o impeachment.

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/os-15-maiores-captadores-de-recursos-da-lei-rouanet-em-2015

http://www.controversia.com.br/blog/2016/06/05/diversas-fontes-sobre-lei-rouanet-apos-descobrir-que-os-100-maiores-captadores-da-rouanet-sao-tucanos-moro-manda-parar-investigacao-e-outras/

Brasil, um país fascista.

Franchico disse...

SEMPRE ACHEI QUE BONDE DO ROLÊ E SIMILARES FEDIAM. Agora sabemos por que:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/fundador-do-mbl-e-tambem-cantor-do-bonde-do-role/

Adelvan disse...

Mais uma excelente matéria, e sobre um dos assuntos que mais me interessam. A primeira coisa que li em minha vida, assim que aprendi a ler, foi uma História em quadrinhos: Tex #01, "O Signo da serpente". Antes, já folheava quadrinhos que um amigo de meu irmão tnha, A Tumba de Drácula e Morbius, o vampiro vivo, doido pra conseguir ler - teho uma fascinação por vampiros desde a tenra idade, também. Em 1982, com 11 anos, comecei a mergulhar nos quadrinhos de super-heróis, quando comprei o #01 do Incrível Hulk da Marvel. Epic Marvel e Camelot 3000 já tinham dado o tom, mas foi realmente com o Cavaleiro das trevas e, principalmente, Watchmen, que tudo mudou. Teve em mim mais ou menos o mesmo impacto do punk rock no mundo do rock: vendi toda a minha coleção de quadrinhos em formatinho que tinha - para alívio de minha mãe - e passei a comprar apenas graphic novels. nunca parei, compro até hoje - tenho quase tudo que saiu da Vertigo no Brasil - sou preguiçoso, nunca aprendi inglês a ponto de ler fluentemente ...

Adelvan disse...

Vc citou os quadrinhos franco-belgas no fim da matéria. Recomendo, de lá, "Aldebaran", que na verdade é feito por um brasileiro chamado Leo. Ele era militante de esquerda na época da ditadura, foi exilado e na europa alcançou relativo sucesso como quadrinhista. Essa série é a unica que conheço dele, mas é absolutamente sensacional.

Adelvan disse...

Sobre o rock sergipano, devo dizer que, infelizmente, o melhor momento está até passando. Sinto um grande desanimo na cena local, bandas excelentes, como os Mamutes, estão em hibernação, por pura falta de estímulo, retorno de publico minimo pra sustentar uma estrutura minima, mesmo precária. Plástico Lunar, que na minha humilde opinião teria que figurar tranquilamente em qualquer lista de 10 melhores bandas de rock do Brasil, segue se arrastando, eternamente do nada para lugar nenhum. Ainda bem que temos os Baggios e seu incrivel talento e força de vontade. Que o sucesso deles traga algum gás para a combalida cena local, que já teve dias melhores - e piores, também, claro. Em todo caso, deixo aqui um textão que fiz há algum tempo sobre os primeiros anos do rock sergipano, se quiser me dar a honra de uma passada de olhos ...

http://escarronapalm.blogspot.com.br/2011/03/dossie-rock-sergipano.html

Franchico disse...

Grato, Mestre Adelvas!

Deixei um comment pra vc lá no seu post do Rock Sergipano!

Seu post é leitura básica para quem quiser saber mais do rock de Sergipe, estado que gosto muito!

Parabéns, velho!

Franchico disse...

O Jesus Freak está está certo: o fim está próximo:

https://br.noticias.yahoo.com/o-fim-da-humanidade-est%C3%A1-pr%C3%B3ximo-segundo-os-155436203.html

Não tãããão próximo. Mas próximo o bastante.