domingo, março 02, 2014

FATOS & FOTOS DE UM BISBILHOTEIRO DO BARULHO

Jornalista reúne em livros imagens e lembranças de encontros com mitos do pop

Bob D., crente que não seria reconhecido em Copacabana. Fotos: Jotabê Medeiros
Se tem uma coisa que baiano se amarra é botar gringo em esparro.

Foi durante uma esparrela histórica na Bahia que o jornalista Jotabê Medeiros teve a ideia para seu livro O bisbilhoteiro das galáxias – no lado B da cultura pop (Lazuli).

“Eu estive aí em Salvador naquela célebre passagem do U2 pelo Carnaval (2006), quando Bono cantou Chupa Toda com a Ivete  e o Gil. Fui enviado aí atrás deles”, conta o repórter do jornal Estado de São Paulo.

“Fui do aeroporto pra casa do Gil, quando  cheguei lá a imprensa toda barrada na porta do condomínio”, relata.

“Aí uns garotos botaram eu e um fotógrafo para dentro – dei de cara com o U2 entrando na casa do Gil. Conversei com Bono lá, estavam gostando muito. Esse é um dos fatos que teriam entrado no livro, se eu tivesse máquina fotográfica”, conta.

“Meio que começou  ali essa história de bisbilhoteiro”, diz.

Depois desse episódio – e de outros encontros mais ou menos casuais com figuras como Van Morrison, Chico Buarque e Salman Rushdie – Jotabê decidiu andar sempre com uma máquina, até para o pessoal não duvidar mais dele.

Astros de pé no chão

Em 50 textos acompanhados de fotos exclusivas clicadas por ele mesmo, Jotabê relata encontros e desencontros com grandes artistas da música, incluindo suas  impressões pessoais, sacações e  conexões que ele mesmo estabelece, com a perspicácia que seus leitores já conhecem.

Iggy de chinelos com meias no aeroporto
“Alguns textos foram retrabalhados (a partir de matérias anteriormente publicadas), mas a maioria é totalmente nova. Escrevi com base em anotações,  textos do meu blog, impressoes de viagem. Documentei esses fatos – e alguns obviamente adquirem mais relevo por serem sobre figuras míticas”, conta.

E bota mítica nisto. Entre outros flagras incríveis, Jotabê capturou Bob Dylan caminhando sozinho na Avenida Nossa Senhora de Copacabana (“Sim, Bob Dylan intimida. Foi como estar frente a Deus, aquele que forjou quem você é”, lembra o Bisbilhoteiro), Iggy Pop de chinelos com meias no saguão de um aeroporto, Roberto Carlos e Perry Farrel em Jerusalém, Manu Chao em um boteco no Itaim Bibi e Wayne Coyne no Chile.

Tem ainda Eumir Deodato em Recife, Fatboy Slim em Salvador, Zé Ramalho em Piritiba  e até o célebre arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), em São Paulo.

“Sou fã e admirador do Lelé ha muitos anos. Ele, (a fotógrafa) Maureen Bisilliat, (o poeta) Roberto Piva e (o escritor) Abdias do Nascimento são pessoas que tem um tipo de diálogo com a contemporaneidade e uma compreensão da cultura popular que os coloca no mesmo patamar dos outros”, diz.

Porém, mais do que avaliações deste ou daquele show, o que o livro do Jotabê realmente traz são momentos desprevenidos dos artistas enfocados.

“O ponto de partida dessas histórias são os encontros, a aproximação com um astro, mitos da cultura popular que eu vi em algum momento mais humanizado, mais próximo do chão”, observa.

“O Iggy Pop com o cartão de embarque no bolso é um exemplo perfeito. Várias fotos foram feita em circunstâncias em que eu não estava trabalhando. Pude vê-los sem aquela urgência do jornalismo diário”, nota.

Procura-se cronistas pop

Por isso mesmo, O Bisbilhoteiro das Galáxias é um livro acessível não só para fãs destes artistas ou outros jornalistas, mas para qualquer pessoa interessada em cultura popular.

“Tive a preocupação de não fazer um livro de jornalista para jornalista, mas que pode ser lido por qualquer pessoa que queira compreender o que significam essas figuras, o mundo em que elas se inserem, o que representam na cultura”, afirma.

Perry Farrel em Jerusalém
“Outra coisa é que já há no Brasil elementos para uma crônica pop. Temos muitas boas histórias – Kurt Cobain bêbado encomendando  drogas no hotel, Axl Rose jogando a TV pela janela –, mas os profissionais brasileiros são meio tímidos, fora um Fabio Massari (Mondo Massari), um André Barcinski (Barulho). Podemos ter uma crônica pop tupiniquim cabocla estabelecida, gerando um confronto de fatos e comportamentos e ideias nesse mundo em que circulamos. A gente vive muito dos escritores dos Estados Unidos e Inglaterra - Lester Bangs, Nick Hornby e tantos outros. Há um leque muito grande desse tipo de literatura na língua inglesa, mas ainda muito modesto em português. Eu achei que tinha uma documentação que valia a pena ser conhecida. Quem sabe isso inspira os colegas a fazer outros livros? O (jornalista baiano) Hagamenon Brito, que inventou o termo axé music, que se incorporou ao dicionário e tem um conhecimento muito grande da história musical da Bahia é um exemplo. Eu quero ler um livro do Hagamenon", exorta Jotabê.

Entre outras histórias interessantes apresentadas no livro, Zé Ramalho tem uma especial: durante um São João na cidade baiana de Piritiba, o trovador paraibano foi praticamente obrigado a se apresentar, meio contra sua vontade: "A história com o Zé Ramalho foi emblemática. Eu fiquei ali por perto dele, mas ele não sabia quem eu era. E pra mim ele tem a mesma dimensão de um Dylan na minha vida – e ali eu o vi meio acuado sabe? Ele é um homem cuja maturidade não trouxe uma liberdade plena. Ele parecia preso numa armadilha. Era uma situação emblemática da nova circunstância da musica, que obriga os caras a voltarem a estrada e fazer 150 shows por ano, por que os discos não vendem mais. E você pega esse cara que atingiu o estrelato e o coloca para fazer shows em feiras agropecuárias. Em Piritiba, o abuso o deixou meio desorientado. Zé foi um dos caras que me ajudaram a centrar meu pensamento, então foi meio que um choque ve-lo assim", relata.

"Mas muitas coisas me surpreenderam nessa estrada. Quando o Led Zeppelin, uma das principais referências do rock, da formação roqueira de gerações inteiras, fez a coletiva de lançamento do filme Celebration Day no MoMA (NovaYork), um templo por si só, a excitação da imprensa em volta daquilo era tanta que as pessoas não conseguiam se concentrar. E eles mesmos pareciam ter saido de um túnel do tempo com aquela mesma indisposição contra a imprensa. Natural: era o mesmo aporrinhamento, as mesmas perguntas inconvenientes. Aquilo me deixou meio assim... Rolou um estranhamento", lembra.

Sobre o jornalismo cultural que se pratica hoje em dia, Jotabê acredita que "melhorou em sua forma de acesso. Era muito mais difícil para um cara como eu, que veio do interior, expor minhas ideias sobre musica e cultura numa redação. Era mais difícil por que era muito mais afunilado o processo. Hoje não, o cara tem como chegar mais fácil se tiver boas ideias, se tiver uma iniciativa original, sem precisar se submeter as regras das redações. Na verdade, a grande redação é coisa do passado. Ao mesmo tempo, há o jornalismo de musica que também implica em uma certa uma estrutura empresarial: o jornal que te paga um salario é importante – e você vê que a velha imprensa, a mesma que dizem morta ainda é a única que dá condições de fazer um trabalho de forma isenta e independente. Por mais contraditório que isso pareça", observa.

"Quanto aos blogs eles são totalmente independentes, mas tem ainda a coisa de fã. Parece mais uma profusão de fanzines. A coisa mais sistemática, com método, continua sendo da imprensa. Se você quer saber o que aconteceu nas últimas sete edições do Rock In Rio, foi a grande imprensa que estava lá cobrindo. Muita gente acha que jornalismo cultural é só opinião, e não reportagem. A reportagem é importante, mas esse trabalho ficou mais caro, por que é muito mais barato trabalhar só com opinião. Quem faz o trabalho bruto de reportagem mesmo é pouca gente. São eles que produzem até as fontes básicas, indo até elas", conclui Jotabê.

O bisbilhoteiro das galáxias – no lado B da cultura pop / Jotabê Medeiros / Lazuli / 216 p. / R$ 29,90

2 comentários:

Ernesto Ribeiro disse...

O autor do livro pode ser um profissional muito bom, diligente e dedicado.

O único problema é a ingenuidade do moço e o fato de que o trabalho dele se passa no Brasil: ou seja, acompanhar a descidas dos astros do Primeiro Mundo ao Inferno de país-esgoto e interagindo com a imundície.


No caso da subdesenvolvida Irlanda dos posers do U2, é apenas a chegada dos "brasileiros da Europa", como os irlandeses são conhecidos. Isso não é "botar gringo em esparro", tolinho. É deixar feliz os pintos no lixo.


O efeito colateral positivo, se houver, seria o de alguns tietes do CU2 abrirem os olhos e se perguntarem se não estão enganados em pensar que Bono Bosta seria um ídolo dos pés de barro --- ou todo de merda, uma vez que ele tem perfeita afinidade com os excrementos do Terceiro Mundo.


Enfim: o lugar de Bono Bosta é aqui mesmo: no trio elétrico, cantando "Chupa Toda" com Acajete e Gil, o Ministro da Cultura do desgoverno Lula Lelé. Ele merece.


Afinal, nada mais justo, depois que ele escreveu um editorial no New York Times elogiando o presidente Lula e sua "brilhante" política econômica (herdada de FHC). Considerando que aquele jornal falido é o quartel-general da esquerda-caviar, é o elogio do roto promovendo o rasgado.

Ernesto Ribeiro disse...


Chico, seu trabalho continua impecável, e esse seu artigo é uma cobertura bem objetiva. Parabéns.


O livro parece fascinante! Acho que vou comprar. Adorei a foto de Iggy no aeroporto. Ele está tão desarmado e humilde...


Quanto á atitude que talvez não seja a do autor do livro que é o tema dessa cobertura:


Isso de “se sentir intimidado” pela mera presença de um músico famoso, como “estar frente a Deus, aquele que forjou quem você é”...


Isso NÃO É a atitude profissional de um jornalista.


Isso é coisa de TIETE que entrou nesse emprego pra ficar junto dos ídolos.



Todos os rockers, todos os músicos — aliás, todas as celebridades — PISOTEIAM gente deslumbrada assim.


Bob Dylan só intimida os fans que querem ser intimidados.
Quanto mais os tietes o tratam como Deus, mais ele os despreza. E com razão.
Já nos anos 60, ele queria “expulsar a tiros de espingarda os malditos hippies vagabundos” que invadiam sua propriedade para louvá-lo “como um Messias” conforme ele lembra na autobiografia.


Porra! Eu sou fã de Marcelo Nova desde os 7 anos de idade, em 1980, quando eu o ouvia pelo rádio apresentando o Rock Special e forjando toda a minha formação musical de rock n roll e atitude — identificada totalmente com a atitude dele a partir dos meus 9 anos, ouvindo “Controle Total” — e me tornei fã de primeira hora do Camisa de Venus. Desde sempre, Marcelo Nova é o meu Deus Filósofo da Voz e das Letras.


Mesmo assim, todas as vezes em que eu o encontrei pessoalmente, eu NUNCA fiquei intimidado — nem mesmo pedi autógrafo. Ao contrário: eu é que passei a ele o meu material de tudo o que escrevi, mais alguns discos de rockers de Salvador que ele não conhecia ainda.


Gustavo Müllem e Karl Hummel são dois Deuses da Música e das Guitarras, meus heróis eternos; mas eles nunca intimidam os fãs porque... bem, talvez porque o público fiel do Camisa não seja feito de tietes bobinhas, mas sim de gente safa, madura e plantada na realidade. Por isso, desde sempre, quando eu os encontro, nós somos bons amigos. Porque nos respeitamos.


(Ao contrário da maioria dos brasileiros, com a formação cultural escravocrata, que pensam que “amigo” é alguém de quem você pode tomar todas as liberdades para sacanear ; enquanto “ídolos” que você admira são aqueles senhores para quem você deve se curvar em servilismo abjeto.)


Finalizando esse ponto: é um tanto subjetiva a definição do termo “elementos para uma crônica pop.” Kurt Cobain bêbado encomendando drogas no hotel, Axl Rose jogando a TV pela janela não são “boas histórias”, mas sim pobres exemplos de material para revista de fofoca.


Resumo da ópera:


A imprensa musical tem tietes fofoqueiras demais e jornalistas profissionais de menos.