quinta-feira, janeiro 10, 2008

HENFIL - O HUMOR DE GUERRILHA

Há 20 anos, o Brasil perdia um dos seus maiores humoristas - e humanistas. Henfil era o Glauber Rocha do cartum


O que não é bom para os americanos pode ser ótimo para os brasileiros. Uma rápida passagem da biografia de Henfil, ocorrida durante sua estadia nos Estados Unidos em meados da década de 70, pode ser o bastante para ilustrar o quanto este mineiro de Ribeirão das Neves estava avançado em relação ao que se entendia por humor naquele tempo e lugar específicos.

Morto há 20 anos, em 4 de janeiro de 1988, Henfil viajou aos EUA em 1973 em busca de tratamento para sua hemofilia - e ares menos pesados do que os que aqui se respiravam na época da ditadura militar. No ano seguinte, conseguiu um contrato com um dos syndicates americanos responsáveis por distribuir tiras de quadrinhos para os jornais de lá e do Canadá. Seu contato na tal empresa estava entusiasmadíssimo, achando que ele ia revolucionar o mercado de HQs nos EUA, entre outros delírios.

Suas tirinhas dos Mad Monks, como foram chamados os Fradinhos em inglês, contudo, caíram como uma bomba no colo do conservador público norte-americano leitor de jornais, que rejeitou o teor ácido e anárquico do seu humor, de imediato.


Em menos de duas semanas, quase todos os jornais já haviam cancelado a publicação dos Mad Monks, como eram chamados os Fradinhos em inglês. Um jornal de Salt Lake City, centro da religião dos mórmons, recebeu 404 cartas contra os Mad Monks só na primeira semana. As palavras mais comuns dos leitores para se referir às HQs de Henfil eram: "anti-americano", "anti-Deus" e "sick" (doentio). Em questão de dois meses, suas tiras já haviam sido banidas de qualquer publicação norte-americana.

Esse fato, relatado pelo próprio cartunista no seu livro de cartas Diário de um cucaracha (1983), não o diminui em absolutamente nada em relação ao que ele representa para o humor gráfico e político brasileiro - pelo contrário: apenas o engrandece e mostra que ele estava fazendo a coisa certa ao colocar o dedo na ferida pra valer, sem medo.

A verdade é que é impossível falar de cartum no Brasil e não citar Henrique de Souza Filho. Sem a influência de um Henfil, talvez não houvesse surgido a importantíssima geração Chiclete com Banana de Angeli, Laerte e Glauco. Ou talvez não houvesse surgido com a força com que surgiu - além de todos os outros que vieram depois, claramente influenciados - direta ou indiretamente - por ele: André Dahmer (Malvados), Alan Sieber e Adão Iturrusgarai (Aline), entre muitos outros.

Profundamente humanista, Henfil era um paradoxo ambulante: ele levava seu humor extremamente a sério. Provocar risadas era o que menos lhe interessava. O que ele queria era espezinhar e incomodar os poderosos, provocando a reflexão do leitor médio e conscientizando-o das situações absurdas características do Brasil de sempre - e exacerbadas em um regime de execeção maquivélico e assassino.

Salvo engano, pode-se dizer que Henfil está para o cartum brasileiro assim como Glauber Rocha está para o cinema nacional: ambos punham sua arte primordialmente a serviço de uma causa. No caso, o Brasil. Contudo, ao invés de se tornarem produtos perecíveis, característicos de uma época, eles transcenderam seus temas, inquietações e amarras estéticas graças ao toque de gênio pessoal e intransferível que cada um tinha em si.

Assim como o cineasta baiano, o cartunista mineiro não via limites entre sua arte e a realidade de uma nação, confundindo-as e misturando-as em alegorias cruéis de um povo esmagado pelas oligarquias, pela alienação, pela fome e pela exclusão. Assim como Glauber, Henfil pensava - e lamentava - um projeto de país que não deu certo. Ele respirava Brasil, comia Brasil, vivia o Brasil 24 horas por dia. E suas idéias - intensas, febris, radicais - refletiam isso o tempo todo.


Com Henfil não tinha folga. Ou o cidadão estava do lado da democracia e do povo ou não estava. Qualquer deslize de algum colega artista era imediatamente denunciado e exposto em críticas virulentas publicadas no Pasquim - então em seu período áureo.

Seu cemitério dos mortos-vivos, administrado pelo personagem do Cabôco Mamadô, recebia novos inquilinos toda semana. Até mesmo Elis Regina, de quem era muito amigo, ele enterrou no cemitério, após a cantora gaúcha ter cometido o erro de cantar o Hino Nacional na abertura das Olimpíadas do Exército, em 1972. Lá já estavam muitos outros notáveis brasileiros, como Roberto Carlos, Pelé, Marília Pêra, Paulo Gracindo e o casal Tarcísio Meira e Glória Menezes.

Bem que ele avisou um pouco antes, em uma entrevista concedida à revista Veja em abril de 1971. Enfático, Henfil disse exatamente à que vinha: "Procuro dar meu recado através do humor. Humor pelo humor é sofisticação, é frescura. E nessa eu não tou: meu negócio é pé na cara. E levo o humorismo a sério".

Multimídia muito antes que essa palavra se tornasse moda, Henfil não se limitou ao cartum gráfico, atuando também em televisão, teatro, cinema, jornalismo e literatura. Sua vasta obra e estilo minimalista de desenho, definido como "caligráfico" por Millôr Fernandes, marcaram profundamente a cultura brasileira nos últimos 30 anos. Sua figura simpática, olhar insano e obra impactante têm sido objetos de estudo e homenagens nos últimos anos.


Toda a sua obra em livros e álbuns de cartuns vem sendo republicadas em bem-cuidadas edições pela Editora 34 Letras, sob a supervisão de seu único filho, Ivan Cosenza de Souza. Dois outros livros trazem sua biografia e estudo da obra: Morte e Vida Zeferino - Henfil & Humor, de Rozeny Silva Seixas, e Rebelde do Traço - A Vida de Henfil, de Dênis Moraes. Um terceiro já está programado para sair este ano, intitulado Henfil - O Humor Subversivo, de Márcio Malta.

Em 2005, a vasta exposição Henfil do Brasil, promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil levou os personagens e o pensamento do cartunista para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Ivan tem uma versão reduzida da exposição, para levar a cidades de menor porte, que bem que poderia vir à Salvador, se alguém se interessasse em trazer.

Por essas e muitas outras, Henfil deixou um legado de arte e consciência política praticamente inigualáveis, só comparáveis à de gigantes contemporâneos seus, como os colegas de Pasquim Jaguar e Millôr. Em um momento de falência cultural gritante, sua memória é cada vez mais importante para salvar o que resta de dignidade nestas sofridas plagas.

3 comentários:

Franchico disse...

O companheiro El Cabong levantou a bola agora há pouco no seu blog e a gente joga um pouco mais pra cima:

Já estão no myspace do Jesus and Mary Chain os primeiros rascunhos das músicas novas da banda.

OUÇA JÁ:

www.myspace.com/jesusandmarychainband

Franchico disse...

E esse podcastde verão, galera?

Rola ainda no verão?

Franchico disse...

Olha que demais essa exposição

http://www.universohq.com/quadrinhos/2008/n09012008_06.cfm

Pena que é lá na casa do caraio: em Seattle...