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Cena ícone de Ditko com o Aranha, em Spider-Man 33 |
Obviamente, ele não criou tudo sozinho. Ao seu lado, uma equipe de artistas geniais foi responsável por criar o visual e a narrativa que os tornou icônicos. Os principais foram Jack Kirby e Steve Ditko.
Este último, o mais discreto de todos eles, acaba de ganhar uma bela biografia do pesquisador brasileiro Roberto Guedes.
Intitulada O Incrível Steve Ditko, a obra ganha contornos de cautionary tale (conto de alerta) ao narrar, de forma leve e objetiva, a triste história de um grande artista que sabotou a própria carreira por puro apego – quase fanatismo – a uma ideologia pra lá de duvidosa.
Nascido em 1927, descendente de imigrantes tchecoeslovacos, Stephen John Ditko começou a desenhar quadrinhos profissionalmente em 1953, após tomar aulas com Jerry Robinson, desenhista do Batman nos anos 1940.
Desenhou muitas HQs de terror e crime para a editora Charlton, até que foi atropelado duas vezes: primeiro, pelo psiquiatra Fredric Wertham, autor do livro Seduction of the Innocent (1954), no qual defendia que quadrinhos estavam transformando crianças em criminosos, homossexuais, comunistas e adoradores do demônio.
Em pleno mccarthismo, isso levou o governo americano a perseguir as editoras. O resultado foi a devastação do mercado, com editoras fechando e um monte de artista, escritor e editor desempregado.
Depois, passou por uma tuberculose. Voltou a trabalhar no final de 1955, desenhando para várias editoras, incluindo a Atlas, futura Marvel Comics, depois de ter conhecido Stan Lee ainda em seus tempos de estudante. Até que, em 1962, veio o furacão que mudaria toda a sua vida.
Objetivismo e queda
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Ditko ficou #xatiado com hippies que fumavam umzinho pra curtir Dr. Estranho |
O sucesso foi estrondoso e transformou Ditko em uma das estrelas da Marvel, a editora que mais se beneficiou da onda da contracultura dos anos 1960.
Não a toa, sua cocriação seguinte na Marvel foi o Doutor Estranho, prato cheio para o visual psicodélico em que ele era especialista.
E aí é que entra a grande contradição do artista: Ditko era profundamente conservador. Ficou horrorizado quando soube que hippies fumavam maconha para “viajar” na leitura do Doutor Estranho.
Era também recluso. Ninguém sabia de sua vida fora do bullpen, o escritório da Marvel em Nova York. Logo começou a se desentender com o solar e bem-humorado Stan Lee, seu completo oposto em tudo.
As coisas pioraram quando se tornou adepto do Objetivismo, doutrina criada pela escritora russa naturalizada americana Ayn Rand, autora de A Revolta de Atlas, entre outros livros.
Muito em voga ainda hoje, apesar de já ter sido refutada e desmascarada inúmeras vezes, Rand é, na superfície, a defensora definitiva da individualidade e da “meritocracia”.
Mas, na realidade, Rand não passava mesmo de uma defensora do 1% mais rico , enquanto considerava todo o resto parasita. O mundo em preto e branco, sem tons de cinza.
Na época, Ditko acreditou em cada palavra da escritora. E passou a querer defender sua doutrina em seus trabalhos. Resultado: sua carreira só decaiu dali em diante.
Em vez de boas HQs, passou a criar panfletos – às vezes até amadores – nos quais expunha e defendia os “nobres” ideais do Objetivismo.
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Morreu solitário em 2018, aos 90 anos. Seu corpo só foi encontrado dois dias depois, o que denota sua reclusão.
O livro de Guedes é uma preciosa contribuição à historiografia dessa ala da cultura pop, com muitos detalhes de bastidores da indústria de HQs americana em seu auge.
Não se espera menos do autor de livros como A Era de Bronze dos Super-heróis (2008, HQM) e Jack Kirby: O Criador de Deuses (2017, Noir).
O Incrível Steve Ditko / Roberto Guedes / Editora Noir / 264 p. / R$ 54,90 / www.editoranoir.com.br
Gênio recluso
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Rapina e Columba
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Mister A
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