quinta-feira, abril 19, 2018

ARTISTAS BAIANOS ABRAÇAM ITAMAR ASSUMPÇÃO

Grupo liderado por Du Txai se junta a cantora Anelis Assumpção em oito sessões de show-tributo na Caixa Cultural

Itamar. Foto Vange Miliet
Ponto fora da curva da MPB, o paulista Itamar Assumpção (1949 - 2003) nunca foi cantor da preferência popular, nem frequentou paradas de sucesso. Seu legado, porém, tem influenciado gerações de músicos.

A prova é o espetáculo Isso ainda dá Repercussão – Tributo a Itamar Assumpção, que ocupa a Caixa Cultural nesta semana e na próxima.

Iniciativa do guitarrista baiano Du Txai (Cascadura), o show ganha ainda mais legitimidade com a adesão da filha de Itamar, a cantora Anelis Assumpção, uma  grande artista por méritos próprios, em todas as oito sessões do show.

Além de Du, a banda que ele reuniu e Anelis, cada dia ainda terá um convidado local. Hoje é JosyAra.

Os próximos são Luedji Luna (amanhã), Bruna Barreto (sábado), Dão (domingo), Giovani Cidreira (dia 26), Tuzé de Abreu (27), Aiace (28) e Rebeca Matta (29). No repertório, canções da discografia autoral de Itamar.

“Du e mais alguns músicos haviam inscrito esse projeto para homenagear meu pai e quando o resultado saiu eles me procuraram. Quando eu soube, já tinha sido tudo pensado”, conta Anelis.
Naturalmente, ela ficou surpresa quando soube da iniciativa baiana para homenagear seu pai, ligado ao imaginário essencialmente paulistano.

“Me surpreende sempre. (Mas) Existe uma nova leitura sobre meu pai e seu cancioneiro. A representatividade de suas ideias hoje parecem ter mais espaço. Ele sempre teve uma ótima relação artística na Bahia, fazia muitos shows, sempre muito querido. Acho curioso e importante. Essa quebra de correntes dentro das artes é fundamental”, diz.

Rotulado “maldito”, como costuma acontecer com artistas que não versam sobre dores de cotovelo, barquinhos e bichinhos, Itamar era muito mais amplo. Mas a rotulação o perseguiu em vida.

“(Itamar) Era um preto e pobre que se destacava no meio intelectual. Passou a vida se defendendo, dizendo que queria ser jogador de futebol. Hoje percebo como toda vez que ele falava isso era quase um pedido de desculpas por  ocupar um espaço que não era feito pra ele. O meio dos pensadores paulistanos da USP, a classe intelectual de São Paulo, os grandes experimentadores de inovações. Todos brancos e ricos”, dispara Anelis.

“Meu pai era um escritor, um poeta, um pesquisador da palavra e um inventor. Um compositor. Criador de uma linguagem musical rica e novíssima. Muitos predicados para um sujeito maldito, não acha?”, acrescenta.

Cantora extraordinária, Anelis já fez alguns shows memoráveis em Salvador, onde se sente sempre muito bem recebida.
Anelis. Foto Caroline Bittencourt

"Tenho ido a Salvador muito e cada vez mais fico feliz em perceber como as pessoas me recebem bem. Aceitam meu trabalho, meu sotaque. Se identificam. Faço shows incríveis na cidade e um dia quem sabe, eu moro de vez", afirma.

Por um lado ou por outro

Idealizador do projeto – que, espera-se, rode pelo circuito Caixa Cultural após a temporada baiana – Du Txai também vê uma intensa identificação de Itamar com a Bahia.

“Conheci o trabalho dele pela TV. Eu cresci em Porto Seguro é o acesso à música nos anos 90 ainda era escasso, se fazíamos amigos de fora à música vinha junto, às vezes alguém tinha TV a cabo e a turma aproveitava...  nesse caso, eu estava na casa de um amigo, costumávamos tocar violão madrugadas a dentro, nesse dia passava o "Pra Sempre Agora", Itamar fazendo tributo ao Ataulfo Alves. Era tão diferente de tudo que tínhamos em nosso universo, até mesmo do Ataulfo que conhecíamos mas de uma forma muito envolvente, fiquei impactado, Itamar, Gigante Brasil, uma concepção de música que eu só viria a entender mais tarde, precisava amadurecer pra isso... e pontual porque não havia onde conseguir Itamar pra ouvir! Mais tarde, quando fui pra São Paulo tentar a sorte com um projeto autoral, me deparei com toda obra lançada até então(meados de 2002) através de amigos paulistas. Junto com Itamar vieram o Paulo Leminski, a Alice Ruiz, o Artigo Barnabé, mais compreensão de Jards Macalé, Waly Salomão, enfim...  Todo um universo a se mergulhar mas que dialoga com a música baiana e brasileira que conhecemos desde a época da Tropicália até os dias de hoje. Penso que (analisar a obra de Itamar) é como puxar a ponta de uma teia e observar suas intersecções. Se você começa por ele, passa por Jards (Macalé), Waly (Salomão), logo vem Gal Costa e aí estás na Bahia. Se você puxa do lado do Caetano e encontra o Leminski, já está o Itamar na sequência“, diz.

“Sem falar na música mais moderna, Zélia Duncan, Zeca Baleiro, Lenine, Moska, Curumim, a própria Anelis, Giovanni Cidreira, Luedji Luna e outros tantos. Fora o fato dele trazer temas diretamente relacionados à cultura negra, o que acaba por criar uma relação intrínseca fundamental com a Bahia, onde esses traços são aflorados. Eu vejo um alto gral de identificação”, afirma.

"Faz uns quatro anos desde que começamos a nos movimentar pra esse projeto. No início, comentei ter interesse em montar algo do Itamar com a Ana Camila, que é produtora e havia se tornado minha amiga também naquela época. Acabei por me descobrir cercado de vários fãs do Itamar. Dão, Giovanni Cidreira, Rebeca Matta, então junto com Ana e meus colegas do Nganga, começamos a trabalhar num tributo. Quanto a circular posteriormente, admito ter vontade mas só quero pensar nisso depois de concluir este ciclo", diz Du.

Du Txai, foto Fernando Udo
Artista que inventava muito no estúdio e ao vivo, Itamar tinha um som inclassificável - a não ser que se considere "vanguarda" um gênero por si só. Dito isto, fica curiosidade de saber como será o tratamento musical de Du, Anelis e banda às canções do homenageado.

"Tem um momento pra cada coisa. Procurei ter como ideia principal pra a concepção explorar as nuances da personalidade do Itamar até onde pude alcançar e tentar reverter em arranjos. Tem desconstrução, como em Pra Sempre Agora, tal como Itamar me foi apresentado, mas também tem minimalismo. Procurei também flertar com levadas que ele usava de modo subliminar ou misturada de modo a deixá-la mais aparentes, tipo - e se Cabelo Duro fosse um funk mesmo? Com uma linha de bateria mais pulsante e vocais estilo Motown? Ou brincar com outras nuances da música negra as quais o Itamar não chegou a flertar diretamente como o cadance-lypso, movimento que influenciou as guitarradas, veio a se tornar o zouk, que virou lambada aqui. E de simplesmente ter momentos pra tocar uma música no violão, outros de provocar o público, como ele costumava fazer", descreve o guitarrista.

Sobre os convidados, mesmo com oito na lista, Du conta que foi difícil selecioná-los, pois eram muitos os candidatos aptos à tarefa.

"Foi dura, rsrs. Há tantas outras combinações possíveis de características em artistas daqui a se explorar. Confesso que há muito mais assunto e sinto avidez por mais experiências. Escolher é algo que considero cruel mas é a maneira que possibilita a realização do projeto. O Itamar era performático, intenso, impetuoso, batalhador, excêntrico, irônico, profundo e leve e passava de uma faceta à outra num piscar de olhos, admirador do feminino, ativo nas causas culturais e raciais. Cruzei essas características com artistas cujo trabalho e personalidade são compatíveis com algumas destas combinações e os convidei. Cada um deles, tem uma mistura em seu jeito que dialoga com algo da obra, de um modo que influenciou diretamente na escolha do repertório que cantarão", conclui.

No palco, Du, Anelis e  convidados serão acompanhados por  Alexandre Vieira (baixo), Neila Kadhí (guitarras, vocais e percussão), André T (teclados) e Tony Dávila (bateria).

Isso ainda dá Repercussão – Tributo a Itamar Assumpção / De hoje a domingo e de 26 a 29.04 (Quintas a sábados às 20h, domingos às 19h) / CAIXA Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes, 57) / R$ 10 e R$ 5 /  Livre

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