sexta-feira, dezembro 29, 2017

"ESTOU ATRÁS DE VOCÊ" REAFIRMA ESTILO PRÓPRIO DE JOHN LINDQVIST

Novo livro do “Stephen King sueco” é mais uma leitura incômoda e viciante

John Ajvide Lindqvist. Foto Mia Ajvide
Apontado pela crítica  como “a resposta sueca a Stephen King”, as obras de John Ajvide Lindqvist tem mesmo alguma similaridade com as do mestre americano do terror.

Estou Atrás de Você, seu livro mais recente no Brasil, reforça a impressão – e ao mesmo tempo reafirma seu estilo próprio.

Autor do livro que gerou o sucesso cult Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In), filme de 2008 que ganhou diversos prêmios, sobre uma menina vampira de 100 anos de idade que faz amizade com um garoto vítima de bullying, Lindqvist tem como principal ponto em comum com King a habilidade de incutir terror nas situações mais corriqueiras do dia a dia de pessoas comuns.

Em Estou Atrás de Você, a trama enfoca um grupo de pessoas aproveitando o fim de semana em um trailer park no interior sueco.

De um dia para o outro, quatro desses trailers e todos os seus ocupantes simplesmente amanhecem em outro lugar – do nada: sem explicação, explosão, nada.

Não há ninguém em volta. Não há árvores, estradas nem sinal de celular. Apenas as pessoas, seus carros e trailers, um gramado impecável até onde vista alcança e o céu sem sol.

O rádio funciona, mas, estranhamente, só toca músicas do cantor Peter Himmelstrand (1936-99), muito popular na Suécia.

Himmelstrand, por sinal, é o título original de Estou Atrás de Você em sueco. Em português, significa algo como “praia do céu”.

Perturbador e viciante

Estabelecida a situação e o cenário bizarrros, Lindqvist explora os personagens, suas personalidades  (algumas delas, perversas) e  reações.

Claro que, em algum momento, o stress e a desconfiança se instalarão – e o bicho começará a pegar entre eles.

Fosse só isso, até que tudo bem, mas o autor aumenta as apostas a partir do cenário esquisitão, introduzindo situações ainda mais assustadoras, tipo chuva ácida, criaturas sem rosto – e baldes de sangue.

É bom deixar claro ao leitor eventual que não, não há respostas fáceis em Estou Atrás de Você. Diferente de Stephen King, Lindqvist não vai explicar tudo mastigadinho ao leitor.

O que se pode garantir é, assim como em todos os outros livros do sueco, dificilmente se largará Estou Atrás de Você antes do final.

A leitura é incômoda, perturbadora – mas também altamente viciante.

Estou atrás de você / John Ajvide Lindqvist / Tradução: Renato M. de Oliveira/ Tordesilhas/ 408 p./ R$ 48

quarta-feira, dezembro 27, 2017

NOCAUTE NAS IDEIAS PRECONCEBIDAS

Lançada em vinil, ótima estreia do trio instrumental Muntchako vai do tango à guitarrada sem cair na mistureba gratuita

Muntchako: Mundiais Tchatchatchas Nocauteadores. Foto Ferreira Maia
Se algum disco em 2017 deu um nó no juízo da galera, este deve ser, sem dúvida, o álbum  / LP de estreia da banda brasiliense Muntchako.

Sem limites estéticos, o som do trio vai do tango argentino à guitarrada paraense, com escalas no forró nordestino, ska jamaicano, batidão carioca e rock planetário.

Poderia ser um horror. Poderia ser um samba do candango doido.

Mas é um dos melhores discos do ano – e um sério manifesto em favor da música instrumental, mostrando o quanto ela pode ser pop, divertida e perfeitamente acessível.

Muntchako, o álbum, foi lançado em LP (vinil) e  nas plataformas digitais. Tem poucas faixas, apenas sete.

O lance é que quase todas as faixas são  mais ou menos longas (para os padrões da música pop), entre os seis e os sete minutos.

Sem letras – exceto Cardume de Volume, com a participação da MC carioca Deize Tigrona – o álbum acabou por tomar feitio de sinfonia, como se fosse uma única e longa peça em sete movimentos.

“Desde o início, o Curumin (produtor do disco) falou que nosso som tinha muito de mixtape, de escutar tudo como se fosse uma mixtape de DJ, tudo emendado, som pra pista. Achamos muito massa, porque saiu assim, a pegada que desejávamos imprimir era essa de rebolar até o sol raiar! Faço parte de um coletivo de DJs / festa / rádio chamada Criolina e tem uma pegada super dançante. Então, quando escutamos isso, pensamos que era o caminho que estávamos seguindo inconscientemente, pero no mucho”, conta Rodrigo Barata (bateria e samples).

“Não sei por qual motivo, mas todas as nossas criações ficaram longas até aqui, exceto o single 'Young O’Brien', que foi uma encomenda para uma coletânea da companhia de teatro Os Melhores do Mundo. A música tem mais de 3 minutos (o que é muito pouco pra gente, quando tá ficando bom, acaba, hehehe), diferente das demais que chegam a ter 8 minutos, como 'Vitamina Central'. Nesta música a gente acaba se divertindo com o som e deixa rolar. Acho que não é errônea (essa sua impressão) não, várias pessoas comentam isso, e estamos na busca de produzir coisas mais enxutas, mas até agora a gente não conseguiu, e assim segue o baile”, acrescenta Macaxeira Acioli (percussão e samples), que fecha o power trio com Samuel Mota (guitarra, banjo, synths, programações e samples).

"A composição já começa com essa babilônia musical. Vamos com um riff, ou uma levada de percussão, ou uma melodia. E a partir disso vamos destrinchando, mudando e variando sem cerimônias. Linkando um som com o outro, vendo se as passagens ficam legais, se as convenções se encaixam e ajudam na mudança de uma parte para a outra. Vamos construindo no feeling, mas ao mesmo tempo com muito cuidado. Como a formação musical dos músicos é bem eclética, conseguimos transitar em várias paisagens e nos sentimos a vontade!", descreve Barata.

Sobre a edição em vinil e o trabalho com o badalado produtor, Macaxeira afirma que "Sim, somos apreciadores da bolacha preta, e olhar para a prateleira de casa e ver um vinil prensado com produção de Curumin e arte de Shiko é instigante. Estamos felizes com o material final e com toda experiência que essa produção nos deu, trabalhar com Curumas, em estúdio, foi uma grande faculdade. O cabra é um cozinheiro de som, timbreiro nato, sabe o que quer e é antenadíssimo com os sons que rolam aí afora e isso deixou a gente muito seguro. Embora tenha tirado a gente da zona de conforto em alguns momentos. Utilizando 'Emojubá' como exemplo: ele achava que a música estava muito óbvia, e nos levou para outro ambiente, picotando a música e inserindo elemento e contagens ímpares de execução, grooves ou riffs... Foi massa! E não só apenas o contato com o profissional e músico, mas a figura humana de Curumin, é um cabra de energia boa, easy going geral, e a gente se deu super bem".

"Temos fetiche e um tesão gigante pelo vinil, um sonho de muito tempo de lançar uma obra neste formato! O fato de ser grande parte instrumental e ter referências old school também ajuda. Mas o que possibilitou mesmo, foi um edital em Brasília da Secretaria de Cultura, o FAC. O valor é muito elevado, e se não fosse ele, a bolacha não sairia do papel", acrescenta Barata.

"Perseguimos um pouco essa sonoridade old school, sim. Samuca tem essa caída natural e ouvidos para timbres setentistas. Eu, particularmente, curto muito essa sujeira, e o vinil potencializa tudo isso, aquela sujeirinha gostosa de ouvir tomando um vinho e fazendo fumaça, é bom demais. A pilotagem com uma vitrola é outra coisa, abrir o encarte, sentir aquele cheirinho, colocar o disco no pino, descer a agulha e escutar aquele chiadinho... Existe poesia ali, na minha cabeça é artesanal e terapêutico, é como preparar um cigarrinho de tabaco orgânico, tem um ritual. Somos amantes do vinil", diz Macaxeira.



“Tamo no fight”

Muntchako Foto Ferreira Maia
Sigla para Mundiais Tchatchatchas Nocauteadores, o Muntchako tem uma postura combativa que se reflete em tudo que fazem: no vigor roqueiro  do som, no visual de guerreiros terceiro-mundistas e até na capa espetacular assinada pelo quadrinista paraibano Shiko, com uma lutadora de lucha libre mexicana.

“Samuca e Barata iniciaram no mundo da música tocando rock, está na veia mesmo. Curtimos uma distorção, um peso! E o Maca, mesmo vindo de uma escola de musica mais regional, é um safado de um rockêro! Matutamos muito pra chegar nessa capa. Conversamos diversas vezes com Shiko, e a nossa vontade era que essa capa representasse a luta de todos nós, a latinidade, a diversidade, a dança, o urbano, a sudorese tropical e a vontade de fazer o que gosta sem preconceitos. A pilha de meter o pé na porta e falar que 'tamo no fight'. Que vamos pra cima de qualquer situação que venha contra o que acreditamos e o que defendemos através da nossa arte, do nosso som. Que mesmo com esse momento punk que estamos passando, existe algo mais forte e duradouro”, afirma Barata.

“Deixamos Shiko bem à vontade para criar, brifamos algumas palavras soltas e temas de forma aleatória, acho que ele foi feliz em trazer esse dialogo tão preciso nos dias de hoje, uma figura enigmática, lutadora, diversa, pronta e afiada pra cair na luta contra o preconceito. Não podemos tolerar todo esse retrocesso e pensamento medieval. E é nosso papel trazer esse diálogo, num pais onde a cada 18 horas um homo-afetivo é assassinado, vítima de preconceito e intolerância. Precisamos de mais beijos e abraços, mais amor”, diz Macaxeira.

Ponta de lança da nova cena musical brasiliense, o Muntchako quer fazer bonito em palcos baianos, oportunidade que ainda não pintou para o trio. "Nó! Brasília tá em ebulição criativa! Muitas bandas, projetos, sons ecoando das garagens, casas, estúdios e ruas. A produção não para, e é muito rica.  Mas ainda faltam espaços, temos pouca circulação interna, porque temos pouco público para ver as novidades. Brasília tem pilha de escutar coisas novas, mas ainda é muito segmentado", conta Barata.

"A cidade está em ebulição, muita coisa massa rolando em Brasília, uma cidade cheia de sotaques e ritmos. E só aumenta essa mistura. Brasília tem uma cena de choro e samba muito forte, e o fomento da escola de choro tem um papel fundamental nesse processo. Além de uma cena de reggae e claro, o rock... E é legal ver bandas vendendo o almoço para comprar a janta e caindo na estrada, Almirante Shiva, Joe Silhueta, A Engrenagem, Esdras Nogueira, Consuelo, Trampa, Scalene, Forró Red Light, e a gente fica bem feliz de tá nesse meio, levando nossa misturas para outras vielas", acrescenta Macaxeira.

“Quem não ama a Bahia, não é? Com certeza ela está na formação musical do Muntchako. Desde Dorival, Gil, Caetano, Olodum, Ilê Ayê, samba de roda do recôncavo baiano, passando por Lettieres Leite e Rumpillez, Baiana System, Larissa Luz, O Quadro, Retrofoguetes, Attoxxaaa, Ministério Público Bahia... tem muito som rolando!!! E sobre ir a Bahia já estamos conversando com alguns parceiros músicos e produtores da cena, doidos pra viabilizar esse rolê! Mas ainda não temos nada certo.  Vamos construir essa ida, e quem sabe em 2018 não rola?”, promete Barata.

"Tenho laços bem estreitos com a música baiana, cresci escutando Luiz Caldas, Dorival, Banda Mel, Chiclete com Banana nos primórdios, Ilê, Sarajane, muito samba reggae e samba de roda na veia, além de olhos voltados para um dos berços da percussão no Brasil, em cada esquina um percussionista corda vermelha... E é terra de Baiana System, que para mim é a grande novidade da música brasileira dos últimos tempos. Os caras deslocaram o epicentro da música baiana e modificaram o coreto, então pra gente fazer um som nesse caldeirão é muito massa. Ainda não tocamos em Salvador, e temos instiga gigante para que isso aconteça. Baêaaaa minha porraaaa! (risos) A gente bebe muito dessa água e se lambuza todo, viva a Bahia e sua gente, suas cores, sons, crenças e sabores", conclui Macaxeira, naquele entusiasmo.

Muntchako / Muntchako / Produção: Curumin / Zarabatana Records / Disponível em LP e nas plataformas digitais / Preço do LP não divulgado / Download MP3 gratuito: www.muntchako.com

sábado, dezembro 23, 2017

BRILHA, STAR!

43 anos depois, o baiano Edy Star volta com Cabaré Star, um disco com sua personalidade e convidados como Caetano, Ney e Zeca Baleiro

Edy Star, foto Gal Oppido
O dileto leitor tem meia hora pra citar um artista com moral suficiente para reunir em seu disco participações de Caetano Veloso (em duas faixas), Ney Matogrosso, Angela Maria, Zeca Baleiro e Filipe Catto.

Pode pensar, a gente espera.

Esse cara é Edy Star, uma lenda viva do rock e da MPB que, aos 80 anos, lança seu segundo álbum solo 43 anos depois do primeiro, Sweet Edy (Som Livre, 1974) – e 46 anos depois do disco pelo qual é mais lembrado, o clássico A Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (CBS, 1971), gravado em grupo  com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Míriam Batucada.

Cabaré Star, o tardio e mais que bem-vindo retorno, é uma pérola do ano que finda e traz participações dos artistas citados, mais Raul Seixas e Emílio Santiago, in memoriam.

Os responsáveis pela façanha, além do próprio Edy são Sergio Fouad e Zeca Baleiro, que produziram o disco e o lançaram pelo selo deste último, o Saravá Discos.

“Quando começamos a trabalhar, o Zeca falou: ‘seu disco não pode ser 8 nem 80, tem que ser mil’. Então estou muito satisfeito”, conta Edy.

Sem pisar em estúdios profissionais há décadas, Edy confessa que ficou um pouco perdido logo de início: “Eu chorei no estúdio, eu não estava preparado. Mas a generosidade do Zeca foi imensa. Eu não tinha ideia de como funciona para gravar. Mas é maravilhosa a tecnologia que se usa agora”, conta, por telefone.

Há uns dois anos, Edy postou um vídeo em suas redes sociais pedindo ajuda para gravar um álbum novo – no qual também deu aquela choradinha.

“Aí o Zeca me ligou e disse que queria fazer um disco comigo, um disco  com o espírito de um show. Chegamos a ter 80 e tantas músicas para selecionar. Muita gente fez música para mim, mas não deu pra botar tudo”, conta.

“Mas conseguimos fazer um disco como um show de cabaré: com variações de ritmos, de sentimentos, paixões rasgadas, muita gozação. Um disco com a cara de Star”, diz.

"No encarte do disco eu agradeço muito a generosidade do Zeca, que botou os músicos dele à minha disposição. Fizemos um show com os mesmo músicos e o Zeca foi e me elogiou no palco, é um cara que eu amo. Nos conhecemos quando fui num projeto só de músicas do Gonzagão em 2011. Ele sabe muito da MPB, conhece tudo. E gente com cultura me fascina, eu aprendo muito, e ele é impressionante. Agradeço de joelhos", rasga Edy.

Sessão das Dez: Edy, Míriam Batucada, Sérgio Sampaio e Raulzito
Coautoria reconhecida

Em Cabaré Star, Edy homenageia os três parceiros da Sessão das Dez gravando canções suas – e faz um verdadeiro inventário de malditos brasileiros.

De cara, o álbum abre com Eu Fiz Pior, do pernambucano Lula Côrtes (1949 - 2011), que ele classifica como “O maior roqueiro do Brasil”.

"Lula Côrtes foi o maior roqueiro do Brasil. Gosto muito de Erasmo, de fulano e beltrano, mas me perdoem, o maior roqueiro do Brasil foi Lula. Ele teve uma vida sofrida. O admiro há muito tempo. Quando o conheci, ele tava tocando um instrumento de três cordas nos primeiros shows de Alceu Valença, isso em 1972, era um cara que já tinha paixão, ele tinha um jeito de falar muito engraçado. Aí ano passado eu fui fazer um festival no Recife, o Desbunde Elétrico, com uma homenagem ao Lula. Eu cantei O Clone e disse que o primeiro disco que eu gravar, ponho uma música do Lula", relata.

Outro acerto foi incluir Procissão, parceria com Gilberto Gil (gravada no álbum Louvação, 1967) e que só em 2008 passou a levar também sua assinatura.

“Talvez por relaxamento meu, nunca procurei acertar isso. Até que em 2008, estava com câncer e pensei que iria morrer e nunca ser lembrado, nem por uma música. Aí entrei em contato com a GG Produções fizemos um ‘acordo de cavalheiros’”, conta.

“Vale dizer que em todo esse tempo Gil nunca negou minha participação, até brincávamos a respeito e meu nome estava nos créditos do filme Roda e Outras Estórias (de Sérgio Muniz, 1965)”, reitera.

Breve resumo

Baiano de Juazeiro, Edy é um pioneiro de muitas coisas. Foi o primeiro artista brasileiro a assumir sua homossexualidade, foi pioneiro do glam rock, atuou na primeira montagem brasileira do musical Rocky Horror Show – e por aí vai.

Aos 13 anos, veio de Juazeiro com os pais, que, já cientes do pendor artístico do menino, o inscreveram no Hora da Criança, instituição educativa criada pelo jornalista Adroaldo Ribeiro Costa.

Aos 20 e poucos anos, largou um emprego na Petrobras para fugir com um circo. Nunca mais saiu do meio artístico.

Depois do Sessão das Dez, passou a se apresentar como ator e performer em teatros e casas noturnas.
Foi preso pelos militares na ditadura.

Em 1992, foi embora para a Espanha, onde trabalhou como diretor de teatro. Voltou ao Brasil em 2010.

Cabaré Star / Edy Star / Produzido por Sérgio Fouad e Zeca Baleiro / Saravá Discos / CD: R$ 26,90



MAIS QUATRO PERGUNTAS PARA EDY STAR

(A ligação caiu e não consegui mais falar com Edy. Aí enviei as últimas peguntas que tinha e ele me respondeu da maneira que está aí embaixo, com sua grafia característica, trocando os "e" por "y" e outras excentricidades. Como aqui no RL adoramos excentricidades, publico as respostas dele exatamente como ele me enviou).

Quantas participações de primeira! Quantos artistas de renome não um braço para ter Caetano, Ney, Ângela Maria, Zeca Baleiro e Filipe Catto em seu disco (para ficarmos nos vivos). Tem noção do peso que deu ao disco todas essas participações?

Edy Star, foto Gal Oppido
=...juro que não tinha a intensão de dar peso ao disco, mas sim de eStar cercado de bons amigos, y criou uma responsabilidade, pois teria que ser um BOM disco... coisa que a indicação da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) a Melhor Album de 2017 me disse que eu estava no caminho certo... Ninguem foi chamado por eStar na mídia ou ser o sucesso da vez, y graças aos Deuses todos eles me responderam imediatamente se colocando à disposição... Y aqueles que não estão cantando estão presentes também, por exemplo todos os Kavernistas (tem música do Sérgio Sampaio, da Miriam Batucada, y do Raul Seixas), o querido Zé Rodrix, Odair José...Como diria o velho sábio poeta Vinicius ‘...eu não ando só, só ando em boa companhia...’ ..aliás, eu bem gostaria de saber o que Caetano (que é referência 3 vezes no disco) achou do CD...

Porque levou tanto tempo pra ser creditado como coautor de Procissão? O que você lembra da ocasião da composição com Gil?

=...talvez por relaxamento da minha parte que nunca procurei acertar essa coisa. Até que em 2008, eu estava com câncer y pensei que iria morrer y nunca ser lembrado, nem por uma música... Y entrei em contato com a GG Produções fizemos um ‘acordo de cavalheiros’ y foi tudo resolvido... Mas, vale dizer que durante todo esse tempo o Gil nunca negou minha participação, inclusive brincávamos a respeito y meu nome estava nos créditos do filme Roda e Outras Canções, y no programa do show Pois É (Vinicius de Moraes, Gilberto Gil y Maria Bethânia – Teatro Opinião RJ)... =...lembro bem do Gil fazendo o seu show de despedida no Teatro Vila Velha (iria se casar y morar em São Paulo) y mostrou uma música que só tinha a primeira estrofe... Eu nesse tempo fazia shows na Galeria Bazarte y vi a oportunidade de talvez entra no grupo fechadíssimo do Nós Por Exemplo (que era o pessoal da bossa-nova por lá). Fui pra casa, matutando y fiz todo o resto da canção. No sábado seguinte, durante a festa de casamento do Gil (no Clube dos Oficiais – na Policia Militar, no Dendezeiros) eu lhe entreguei a letra completa, que ele leu, cantarolou, y achou ótima... Y a guardou no palitó... y a vida seguiu, até a saída do seu compacto na RCA Victor y não  constava meu nome, causando comentários na imprensa y entre os amigos que sabiam do caso...

Como está vendo a situação atual do Brasil pós-golpe? Está preocupado?

=...só vejo os golpes que levamos diariamente, o nosso país no momento resolveu assumir que é uma grande feira de poderosos lobos, como uma grande máfia de clãs, onde se vende posições y vantagens em troca de continuar no poder... Y o povo está fora... Com a censura se instalando escandalosamente, com o tal ‘politicamente correto’ ... Me preocupo em ficar vivo, fazer minha música y conseguir shows pra pagar minhas responsabilidades, quanto ao resto... O braZil NÃO TEM JEITO... depois de viver 22 anos fora do país posso analisar friamente, não posso ter voltado pra viver da esperança de que vai mudar, que vai melhorar... pergunta lá fora quem quer voltar? ...y num posso me manifestar porque ainda tem o patrulhamento, ah menino, para com isso...

Está rodando com o show do disco? Alguma chance de vermos um show seu em Salvador?

=...é ideia fazer uma série de shows CABARÉ STAR com convidados, sim... quem sabe, poderia ser uma serie pra TV... No mês passado, por minha conta y risco peguei uma casa famosa em São Paulo y fiz o lançamento do CD... precisava, né? ... y foi uma festa linda possuir num palco o Zeca Baleiro, a Maria Alcina, Odair José, o Ciro Barcelos y Dzi Croquettes, y aquela Banda... um show fantástico y inesquecível... =...Claro que há chances de espetáculo em Salvador, como em qualquer outra cidade, basta me chamarem... Seria alegria total eStar junto com Gerônimo, com Morgana, com Claudia Cunha, rever Waldir Serrão, Carlinhos Gazineo, tudo de bom, né? Mas, durante todo esse tempo tenho feito shows em Juazeiro, Poções, Jequié, Vitória da Conquista, y outras, mas nunca me chamaram a Salvador... fazer o que? ... é a vida... tá tudo bem, no próximo mês completo 80 anos, ainda inteiro y vivo sob as graças dos Orixás y do Senhor do Bomfim... sorry periferia...


BÔNUS: SWEET EDY (1974)

terça-feira, dezembro 19, 2017

O BLUES EM SILÊNCIO

Pioneiro do blues na Bahia, Álvaro Assmar partiu repentinamente na manhã de ontem. Seu legado sobrevive em sua obra e no filho e seguidor Eric 

Foto de divulgação de The Old Road, o último CD. Foto Laryne Nascimento
“Alô, Chico Castro? Aqui é o Álvaro Assmar!”.

A voz entusiasmada e aveludada de radialista e a dicção perfeita não deixavam dúvidas: era mesmo Álvaro Assmar ligando para divulgar algum show, um disco novo, ou mesmo para trocar uma ideia.

O guitarrista, cantor, compositor, produtor, radialista e engenheiro civil (por formação, mas que não chegou a exercer) deixou a comunidade musical baiana em choque ao morrer repentinamente na madrugada desta segunda-feira, vítima de enfarte.

Ao partir aos 59 anos, Álvaro deixa órfãos não apenas seus filhos Eric e Vítor e sua esposa Adalgisa, mas também todos os fãs e amigos que fez durante décadas de intensa atividade no cenário musical baiano.

Revelado nos anos 1980 na banda de hard rock Cabo de Guerra, que formou com seu irmão Adelmo, Álvaro partiu para tocar blues ao formar, ainda em 1989, a banda Blues Anônimos, reputada como a primeira banda do gênero nascida na Bahia.

Com o fim da Cabo de Guerra em 1992, Álvaro resolveu seguir solo e se dedicar integralmente ao blues.

O resto é história. Ou várias histórias.

Lançou seis álbuns e dois DVDs, produziu inúmeros shows de blues nos quais trouxe a cidade todos os principais nomes do gênero no Brasil, produziu o programa de rádio dedicado ao blues mais longevo do país (Educadora Blues, no ar desde 2003), concorreu ao Grammy Latino em quatro categorias (pelo seu último e excelente álbum, The Old Road), produziu ótimos discos para seu filho Eric Assmar e a banda local Lo Han, se apresentou em teatros e casas de show no eixo Rio-SP (com destaque para uma apresentação no histórico Canecão) e por aí vai.

Com Eric no DVD 25 Anos Ao Vivo (2011): Pride and joy
Uma vida plena.

“Estou destroçado”, afirmou o filho e seguidor Eric, ainda sob o choque da notícia. “Era meu grande amigo, minha grande referência. Um pai e uma pessoa que soube dar carinho e amor para as pessoas. Não sei como vai ser daqui pra frente. Tá difícil de acreditar”, lamentou.

Adalgisa, a parceira de trabalho e eterna musa que inspirou algumas de suas melhores músicas, lembrou que “Ele era um profissional competente e reconhecido no Brasil”.

“Era um homem inteligente, amado, me amava muito, sempre me fazia declarações. O grande amor da minha vida. Perdi um homem muito especial”, afirmou.

Sem ressentimentos

Ao saberem do ocorrido, músicos, amigos e instâncias governamentais imediatamente manifestaram seu pesar, uma prova do quanto Álvaro era querido e admirado.

“Músico irretocável e um ser humano de primeira grandeza. Grande perda para a nossa cultura”, afirmou Fernando Guerreiro,  diretor da Fundação Gregório de Mattos.

“A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia registra profundo pesar pelo falecimento do guitarrista baiano Álvaro Assmar”, lamentou a SecultBA, em nota oficial.

“Álvaro era um superartista. Gentil, generoso, que partilhava todo conhecimento que tinha. Colocava muito amor nos programas. Era uma entrega de quem faz pensando no outro. Tinha um carinho imenso pelo público e pela rádio”, disse Daniela Souza, coordenadora da Rádio Educadora.

Do Rio de Janeiro, o gaitista Flávio Guimarães, da pioneira banda Blues Etílicos, também enviou seus pêsames: “Álvaro foi um pioneiro, teve um papel importante na história musical, principalmente no Nordeste. Era um grande músico, um compositor especial, um idealista, tinha paixão verdadeira pelo blues”, afirma.

Já o guitarrista e produtor Luisão Pereira, contemporâneo de Álvaro no rock baiano dos anos 80 (com a banda Cravo Negro) classifica Álvaro como “O maior guitarrista de blues que a Bahia já teve. O encontrei há três meses, cheio de projetos, sempre sorridente, sempre positivo.  Apesar de fazer blues na Bahia, não era  ressentido. Nunca foi”, diz.

1987, com a banda Cabo de Guerra. Foto Facebook Cabo de Guerra
Em seus planos para 2018, Álvaro tinha o lançamento de uma biografia (escrita pelo jornalista João Paulo Barreto) e um disco novo, intitulado Family & Friends.

O livro está pronto e ainda vai sair, devidamente atualizado.

É chover no molhado afirmar que, fosse com uma Fender Stratocaster ou uma Gibson Les Paul em punho, Álvaro sabia faze-las chorar como poucos.

Mas tocar com maestria foi o de menos. Álvaro era a soma de tudo o que foi posto aqui e mais.

Em entrevista concedida em  2011 para o Caderno 2+, Álvaro resumiu sua carreira: “O caminho é tortuoso, mas quando eu vejo o que produzi nesse período, o gosto é bom, cara. Posso chegar e dizer que cumpri  o meu papel”.

Colaboraram nesta matéria Eduarda Uzeda e Márcia Moreira.

DEPOIMENTOS

No Canecão. Foto André Machado
Mauro Ybarros: Descobri o blues em 1985, 86, aproximadamente, com uma coletânea chamada ATLANTIC BLUES - CHICAGO, com músicos da cidade contratados pelo selo. Andava com esse LP debaixo de braço, pra onde quer que fosse. e me sinto responsável por passar a bola do blues pra muita gente na época, pois gravava fitas cassete pra todos os meus amigos e quem chegasse perto de mim. Nesse disco havia uma música chamada Dust My Broom, que foi gravada pelo guitarrista Johnny Shines, que eu adorava, com seu slide e seu riff classico que nunca mais saíram de minha cabeça. algum tempo depois, eu conheci Álvaro, que fazia uma temporada com a banda Blues Anônimos, com Otávio Américo no contrabaixo e Raul Carlos Gomes na bateria. Assim como o 14º Andar, de Jerry Marlon, Hélio Rocha e João, o Blues Anônimos era um power trio que amava o blues e o rock'n'nroll (além de beatles e rolling stones), e que tocava os clássicos que garotos como eu só podiam ouvir em velhos discos arrumados em sebos, pois não era comum as gravadoras lançarem discos do estilo naquele tempo. e vocês podem imaginar o que foi pra mim ouvi-los tocar, pela primeira vez em minha frente, um dos clássicos do "meu" primeiro disco de blues... E assim, passei a acompanhar a sua carreira, indo ver os shows que ele fazia no Zouk Santana ou Paris Latino, no Rio Vermelho, além do Atelier, que ficava no jardim baiano, onde tive a honra de acompanhá-lo no contrabaixo, ainda iniciante, mas cheio de vontade de fazer um som parecido com o que ele fazia. de lá pra cá, foi com muito orgulho que vi o seu incansável trabalho de divulgar, promover e incentivar o blues na cidade, seja em seu programa de radio na educadora fm, seja em suas conversas divertidas e cheias de bom humor, onde ao mesmo tempo que reclamava de tudo e de todos, tinha o maior prazer em dar dicas de novos lançamentos, de velhas gravações, ou de nomes que ainda não conhecíamos...
podia pensar que a sua passagem é algo injusto, que ainda não era a hora dele nos deixar... mas vou pensar que ele está um pouco no meio de todos nós que descobrimos um caminho pra fazer blues em salvador e entre todas as pessoas que hoje têm o blues como um dos seus estilos preferidos; e, com certeza, prefiro pensar nele com sua guitarra à tiracolo, andando por uma estrada qualquer por aí, cantando um velho blues que diz "hoje eu tou triste / mas não vou mais me sentir assim / porque o sol vai brilhar / em minha porta de novo" fica em paz, meu caro. e "let's roll"

Rodrigo Sputter Chagas (The Honkers): É uma perda muito grande. Ele divulgou  muito o blues. Trouxe  blueseiros de fora. Era uma pessoa querida, do bem. Fica um  vazio muito grande na cena. Nossa, para mim  está sendo um choque, uma surpresa. Como isso aconteceu? Conheço ele há muito tempo, nunca fomos amigos, mas acompanhava sua trajetória. E nossa relação sempre foi muito calorosa quando nos encontrávamos. A última vez que o encontrei foi  em um jogo do Bahia, ele era torcedor do  Bahia. Gente boa, generoso. Estou em choque...

No filme do Sabbath, último encontro com biógrafo. Foto João Paulo Barreto
João Paulo Barreto, jornalista, crítico de cinema e biógrafo de ÁlvaroÁlvaro, ainda estou sem acreditar, meu velho. O choque é grande. A tristeza, maior ainda. Durante o último ano, meu contato com você foi constante. Escrever sua biografia tem sido um desafio gigantesco. Mais do que isso, um aprendizado que não consigo mensurar em palavras. As horas e mais horas que passei em sua companhia, ouvindo suas risadas, ouvindo suas expressões de "porra, bicho! Socorro!", passando por Beatles, Led Zeppelin, Black Sabbath, seu amado Allman Brothers, as raízes do Blues em Johnson, BB, enfim, a lista é grande. Cada momento foi único, meu querido. Apesar de acompanhar sua carreira já há muito tempo, troquei as primeiras palavras com você somente ano passado. O papo, claro, foi sobre os rapazes de Liverpool, nosso ponto em comum além do tricolor de aço. Após um tempo, e um papo sensacional que tive com Eric, sua continuidade musical genética, como você definia de forma perfeita, criei coragem para lhe propor um desafio que me deixava com frio na barriga. "Álvaro, o que você acha de comemorarmos seu aniversário de 60 anos com um livro biográfico contando essa história?" Por telefone, você me disse "Campeão, acho excelente e fico honrado por isso." A honra, obviamente, era minha. Mas sua humildade era tamanha. Você era assim, cara. Cada papo, por telefone ou pessoalmente na sala de sua casa, era encerrado com um "Muito obrigado, campeão", quando era eu quem tinha que agradecer por aquela oportunidade. Sentirei falta de abrir o whatsapp e ler um "Bom tarde, campeão. Yeaahh!" E eu respondia só com um "Bom dia, grande Álvaro" Sim, sua grandiosidade era tamanha que eu, de começo, me senti intimidado para propor a ideia de escrever sua bio. Bastaram algumas horas de conversa em 2016 para esse receio cair por terra. Como todo gênio deve ser, você tinha em seu carisma, humildade, gentileza e bom humor razão para deixar qualquer um confortável diante de sua estatura. Na última vez que nos vimos pessoalmente, pude presenciar suas lágrimas diante dos créditos finais do filme que abordava a trajetória de uma de suas bandas favoritas, o Sabbath velho de guerra. Ao acabar o documentário, mesmo na sala de cinema, você, emocionado e sorrindo, levantou e bateu palmas para a tela. Captei esse sorriso em foto. Um gigante aplaudindo outros gigantes, pensei comigo mesmo, feliz por estar ali e ansiando por ouvir mais e mais histórias. Não houve tempo, meu querido. Não houve tempo. Sentirei sua falta, meu amigo. Sentirei muito sua falta.

SARAVÁ JAZZ BAHIA FAZ PONTE RECÔNCAVO - NEW ORLEANS EM ÁLBUM DE ESTREIA. SHOW É NA QUINTA

Saravá Jazz Bahia, fotos Priscila Felipe
Liderada pelo guitarrista Márcio Pereira, a banda Saravá Jazz Bahia é uma das melhores representações do gênero surgida em terras locais em muito tempo.

Agora, eles lançam o primeiro álbum, autointitulado, com quatro shows em três cidades do Recôncavo.

Hoje, eles tocam em  Cachoeira. Amanhã, em São Félix. E nesta quinta-feira, dia 21, é a vez de Salvador, no Teatro Sesc Pelourinho.

Belíssimo, o álbum é um testemunho da desterritorialização (eita!) da música negra, provando que esta saiu da África para se universalizar pelo planeta, especialmente nas Américas.

Não a toa, o jazz da Saravá tem raízes que se estendem de New Orleans ao Recôncavo baiano, trazendo elementos de ijexá, blues, jazz, samba e reggae etc.

Além do disco, a banda lança junto um livro com todas as  partituras e cifras das faixas.

“Vejo como um projeto de certa forma audacioso, pois não se trata só dos fonogramas de temas instrumentais, mas sim de uma proposta de incentivo à produção musical e a autoestima do músico, instrumentista e compositor baiano”, afirma Márcio.

“O livro  traz, além das partituras em formato música e cifra (leadsheet), a grade orquestral de todos os instrumentos da maneira que está no CD, bem como as poesias de Juraci Tavares e Mateus Aleluia (pai) e textos falando do processo de inspiração e criação das músicas”, conta.

Rumo New Orleans

Gravado no estúdio do Ilê Ayiê (Senzala do Barro Preto, Curuzú), o disco foi registrado quase todo ao vivo, isto é, com a banda toda tocando junta ao mesmo tempo. “A maior parte foi ao vivo justamente pra manter a espontaneidade das improvisações e com o máximo de verdade no discurso musical”, afirma Márcio.

Uma curiosidade (pelo menos para este colunista) é como se resolvem no som da banda as influências afro-baianas: estas se resumem no uso de percussões?

“A influência afro brasileira e afro-baiana  aparecem nas composições e no jeito de tocar e improvisar. Nas inflexões,  nos ritmos, nas melodias e imagens sonoras, que são em boa parte inspiradas neste nosso universo cultural. As manifestações populares, as danças, os cantos, dentre outros signos característicos de nossa cultura inspiraram o conteúdo apresentado no disco”, diz.

Formada por Márcio, Nino Bezerra (baixo acústico), Carlos Careca (bateria), Mateus Aleluia (filho, trompete), Vinícius Freitas (saxofone tenor) e Bruno Nery (trombone), a Saravá espera alçar voos mais altos em 2018. “A ideia é rodar por aí pelo mundo e manter-se ativo com os shows nas cidades brasileiras, disseminar essa utopia de popularizar o jazz baiano”, planeja Márcio.

“O livro de partituras é bilíngue e traz textos de dois amigos norte-americanos que moram em New Orleans: Christopher Dunn, chefe de departamento da Universidade de Tulane, e Michaela Harrison, cantora de jazz que vem muito à Bahia. Como morei lá por quase três anos , já estou enviando o livro e o CD aos meus contatos para que me ajudem a levar o Saravá Jazz Bahia à New Orleans”, conclui.

Saravá Jazz Bahia / show de Lançamento: Quinta-feira, 19 horas / Teatro SESC  Pelourinho / R$ 20 e R$ 10 

NUETAS

O blues segue vivo

A banda Ipa Hop (Rex, Uzeda & Candido) faz jam de blues na Rhoncus. Quinta-feira, 21 horas, couvert não informado.

Giovani, Josyara e Jadsa

Giovani Cidreira e Josyara fazem a última Noites Radioca de 2017. Participação de Jadsa Castro. Sexta-feira, 22 horas, no Commons Studio Bar, R$ 20 (primeiro lote na Sympla). 

Uma nota blue

Álvaro, nunca vou esquecer de um show no Acbeu (1995!) em que o aplaudi no meio de uma música, logo após um solo especialmente arrepiante. A plateia sentiu o mesmo, pois aplaudiu junto. Ainda tenho uma foto daquela jam na Barraca de Bambam, no Canela, onde fomos vizinhos. Eu na bateria, imagine. Que honra. Too soon, baby. R.I.P.

domingo, dezembro 17, 2017

O DESPERTAR DA INCERTEZA

Dirigido e roteirizado por Rian Johnson,   Star Wars: Os Últimos Jedi é o mais ousado episódio da adorada saga espacial

Rey, para de treinar aí no frio, nega. Aliás, fica aí mess!
Oitavo episódio de série de aventura mais bem sucedida da história do cinema, Star Wars: Os Últimos Jedi parece ser uma espécie de atestado de maioridade da  saga.

Tá, a afirmação parece sem sentido quando lembramos que se trata de um filme da Disney –  com naves espaciais, armas de raios e bichinhos fofos (os porgs, nova aquisição para a mitologia da série que deve ter deixado os fabricantes de brinquedos salivando) pululando  na tela.

O fato é que, em um universo sempre pintado como um tabuleiro de xadrez, onde o claro e o escuro são muito bem definidos  (Jedis versus o lado sombrio da Força), Os Últimos Jedi bagunça um pouco as coisas, deixando o tabuleiro mais parecido com um símbolo Yin - Yang: pontos de escuridão onde tudo é claro – e pontos de luz onde só há escuridão.

"Capitã Phasma, por que sua espada é maior que a minha?"
Essa abordagem proposta pelo diretor Rian Johnson (da subestimada ficção científica Looper, de 2012) traz uma ousadia até então inédita à saga Star Wars, além de deixa-la mais, digamos, “adulta”.

Além desses momentos de incerteza que acometem alguns dos personagens principais, Os Últimos Jedi traz outras novidades para a mitologia da saga – além dos porgs – como novos planetas, naves e personagens inusitados.

Um exemplo são as breves mas marcantes participações de Benicio del Toro (como DJ, um marreteiro espacial) e Laura Dern (como a Vice Amirante Holdo).

Não a toa, os dois personagens levam algum tempo para exibir suas verdadeiras naturezas, em concordância com o que parece ser o tema dominante do filme.

"Estou procurando um certo jornalista que me chamou de Darth Vader júnior"
Clímaxes em sequência

Continuação direta do episódio 7, O Despertar da Força (2015), Os Últimos Jedi se desdobra inicialmente em três frentes.

A aspirante a Jedi Rey (Daisy Riddley) busca se disciplinar na doutrina da religião junto ao recluso Luke Skywalker (Mark Hammil, na melhor atuação de sua vida).

Enquanto isso, o piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) luta junto a Leia (Carrie Fisher) e demais membros da Resistência para fugir da perseguição implacável que sofrem das naves da Primeira Ordem (o novo Império).

A última frente traz o ex-stormtrooper Finn (John Boyega) e a mecânica Rose (Kelly Marie Tran) em busca de uma forma de sabotar as naves da Primeira Ordem.

Os últimos momentos de um porg prestes a ser devorado por um wookie
Em meio a tudo isso, o sinistro Kylo Ren (Adam Driver), uma espécie de Darth Vader júnior, consegue criar uma conexão mental com Rey, enquanto galga posições na hierarquia da Primeira Ordem.

No decorrer da trama, todos os personagens se cruzam enquanto se encaminham para não apenas um clímax – mas uma série deles, que tomam conta da tela de forma explosiva, alucinante mesmo,  a partir de certa altura do filme.

Sejamos francos: os primeiros quarenta ou cinquenta minutos de Os Últimos Jedi passam de forma meio lenta, tempo que Rian Johnson (que também assina o roteiro) leva para arrumar as peças no seu tabuleiro de xadrez.

Depois disso, é só emoção, com as posições brancas e pretas do tabuleiro se sobrepondo e se misturando como nunca antes na história de Star Wars.

Se a retomada da saga pela Disney já estava boa desde Despertar, Rian Johnson acaba de elevar as apostas.

Novos planetas! Novas naves! Tá, nem tão novas assim...
Se J.J. Abrams, que dirigirá o episódio nove, vai pagar pra ver, resta aguardar 2019...

Star Wars: Os Últimos Jedi / Dir.: Rian Johnson / Com Daisy Ridley, Adam Driver, Oscar Isaac, John Boyega, Mark Hamill, Carrie Fisher / UCI Orient Shopping da Bahia, UCI Orient Shopping Barra, UCI Orient Shopping Paralela, Cinépolis Shopping Bela Vista, Cinépolis Shopping  Salvador Norte, Espaço Itaú de Cinema, Cinesercla Cajazeiras, Cinemark

terça-feira, dezembro 12, 2017

QUATRO MEIOS PARA MAVIAEL MELO

Maviael Melo lança CD, DVD, LP e livro com show quinta-feira na Casa do Comércio


Foto Sidney Rocha
Um dos nomes mais importantes da cena contemporânea do cordel e cantoria, Maviael Melo está realizando um projeto muito importante para sua carreira, lançando o registro ao vivo do seu show Áries da Canção em CD, LP, DVD e livro.

"O conteúdo de cada mídia é o mesmo, gravado ao vivo no teatro Módulo em maio desse ano, a diferença está no LP, que por conta do tempo de execução do vinil são apenas 9 faixas, enquanto o CD e DVD tem 17. O critério para a escolha das faixas do LP foi em colocar as músicas autorais", conta Maviael.

Para marcar a ocasião, o show é reapresentado nesta quinta-feira, no Teatro Sesc Casa do Comércio.

Pela foto ao lado, vê-se que a produção é caprichada, com uma banda substancial de grandes músicos, cenário e iluminação, tudo nos conformes.

“A alegria maior de Áries da Canção foi poder contar com uma turma de músicos e artistas que se identificam com o nosso pensamento em se fazer arte na perspectiva de que a música tem que ter leveza e verdade. O erudito e o popular necessariamente não segue nesse contexto ao pé da letra e sim as experiências que fizemos durante quase dois anos em show onde o violino dialogava com a flauta, o violoncelo com a clarineta e a sanfona a da o toque regional mais popular”, afirma o artista.

“Na gravação contamos com João Omar (filho de Elomar, violoncelo), Marcelo Fonseca (arranjos e direção musical), Gabi Guedes e Ferret (percussões), Cicinho de Assis (sanfona), Kito Matos (violão de sete cordas), Rodrigo Sestrem  (flauta) e Ivan Sacerdote (clarineta)”, lista Maviael.

Em suma, uma turma muito – muito! –  boa. Mas não acabou, não. “Ainda como convidados tivemos Xangai, Maciel Melo, Alisson Menezes e Celo Costa. Sem contar com a equipe de produção, que teve a direção de Andrezão Simões, e cenário de Fátima Falcon e Nyala (Mimo Arquitetura)”, acrescenta. O homem não é fraco, não. Olho nele.

Cartas em cordel

Foto Rosilda Cruz
Pernambucano que vive desde 2005 na Bahia (perderam, pernambucanos!), Maviael batalhou crowdfunding e patrocínio privado para viabilizar o mesmo lançamento nas quatro mídias.

“A gravação, produção e lançamento de Áries da Canção foi toda feita com apoio privado e investimento próprio. Para viabilizar, foi criada uma campanha de financiamento coletivo direto, com vendas antecipadas do álbum”, conta.

“Com isso, além de algumas empresas que adquiriram cotas maiores, alguns amigos e parceiros também compraram antecipadamente, possibilitando assim todo o processo de produção”, acrescenta.

Criado em uma família de onze irmãos, Maviael conta que cresceu cercado do que havia de mais nobre em cultura popular. O pai e os tios chegavam a se comunicar por cartas escritas em forma de cordel. Não deu outra: “Eu acompanhava meus irmãos e irmãs mais velhos em saraus. Em casa durante todo o dia, sempre tinha música tocando. Elomar, Chico Buarque, Geraldo Azevedo, Fagner, Belchior, Sérgio Sampaio, Elba Ramalho e tantos outros artistas que permearam a minha formação musical e poética”, conta.

“A poesia em casa era a comunicação natural. As cartas trocadas por meu pai E os irmãos dele eram todas em cordel”, lembra.

"Eu cheguei na Bahia em 2005 para participar de um festival de música, na época o Unifest, em dezembro. Logo após o Festival apareceu-me um convite de fazer algumas cantorias em Salvador, a partir daí fui conhecendo pessoas e percebendo que a declamação dos cordéis durante as cantorias fazia a diferença. Isso foi abrindo portas e criando oportunidades de me fixar na Bahia. A partir desse movimento, o cordel começou a ser utilizado, em 2007, em atividades voltadas para educação ambiental junto com a música. O natural que seria ir para Recife, onde já tinha alguns contatos, foi ficando mais natural aqui em Salvador e nisso já são 12 anos a se completar em 17/12/2107. Ficando a alegria que a Bahia me recebeu assim como eu a ela. Vale lembrar que todas as minha formação escolar e universidade a partir dos 15 anos foi prioritariamente feita e Juazeiro-BA. Como se diz lá em Petrolina e Juazeiro eu sou PEBA", relata o poeta.

No CD / DVD e no show, a pegada é essa: cultura popular com pegada erudita, um deleite para quem ainda acredita na arte: “Áries da Canção é um sonho, uma inquietação poética de fazer pela arte com o propósito de oferecer algo novo. Por vezes fui questionado se valia a pena investir tanto se está tudo mais fácil com o advento da internet e que lançar um Álbum com CD, DVD, LP e um livro não era investir sem necessidade, e sempre na minha percepção era do contrário, as pessoas terão o acesso também pela internet, tanto que já lançamos no dia 08/12 o CD em todas as plataformas virtuais, estamos soltando faixas do DVD pelo nosso canal do YouTube. Mas ter o material físico é o que mais me satisfaz nesse momento, ver o filho nascer”, conclui Maviel. Bravo.

Áries da Canção: lançamento do CD, DVD, LP e Livro de Maviael Melo / Convidados: Roberto Mendes, Flávia Wenceslau, Alisson Menezes, Celo Costa e João Sereno / Quinta-feira, 20h30 / Teatro SESC Casa do Comércio / R$ 40,  R$ 20

NUETAS

Toninho na Bahia

Um dos artíficies do Clube da Esquina, o guitarrista Toninho Horta está na cidade hoje, cumprindo dupla agenda. Às 15 horas, ele lança songbook (com pocket show) na loja Foxtrot (Shop. Bela Vista). À noite (21 horas), ele participa de uma edição especial do Jazz na Avenida (Armação, ao lado da Boi Preto). R$ 30, estudante de música paga R$ 20.

Matita Perê no Sesi

Dona de um dos discos mais bonitos do ano (Reino dos Encourados), a banda Matita Perê faz mais um show no Teatro do Sesi amanhã, às 20 horas, R$ 30. Recomendado!

My Friend is a Gray

Rapaziada ligada no stoner e cheia de gás, a banda My Friend is a Gray é a atração do programa on line Berlim Puro! desta quinta-feira. Assista no www.vandex.tv, 20h30.

Barulho, Náusea, Aborígenes

A Barulho S/A é a anfitriã de mais uma edição do Let’s Rock Itapuã, recebendo  as  bandas Náusea (de Santo Amaro) e Aborígenes (Alagoinhas). Sábado, no Casarão de Itapuã (em frente a Sereia) 21 horas, R$ 10.

segunda-feira, dezembro 11, 2017

PODCAST ROCKS OFF FAZ RODADA FINAL DE LANÇAMENTOS 2017

A deusa Liela Moss, do Duke Spirit
O podcast Rocks Off volta ao ar fazendo aquela boa e velha (ops) rodada de novidades.

Nesta edição, botamos na roda faixas novas do Van Morrison, Duke Spirit, Oh Sees, Danielle Lupi & Parquet Courts, Greg Allman, Neil Young, Beck, Mark Lannegan et al!

No final, uma singela homenagem ao late great Fats Domino.

Gravado no mesmo dia da morte de outro late great, Johnny Hallyday, o Elvis francês.

Não deu tempo de incluí-lo no programa, mas fica aqui o registro e um vídeo supimpa do homme mais abaixo...

Com Nei Bahia, Osvaldo Braminha Silveira Jr. e este blogueiro que vos fala.



Bônus: Johnny Hallyday, Le Penitentier (versão do clássico House of The Rising Sun)

quinta-feira, dezembro 07, 2017

IRMÃO CARLOS NO BIG BANDS SÁBADO PASSADO

Engrenagem da Ilusão (composição de Irmão Carlos)



Registrado durante o festival Big Bands 2017, na Feira da Cidade (canteiro central da Avenida Centenário), no dia 02 de dezembro de 2017. Voz: Irmão Carlos Guitarra: Silvio de Carvalho Baixo: Daniel Figueiredo Bateria: Sidney "Rasta" Santos

Porra de Barzinho de Rio Vermelho! (composição Irmão Carlos)



Registrado durante o festival Big Bands 2017, na Feira da Cidade (canteiro central da Avenida Centenário), no dia 02 de dezembro de 2017. Voz: Irmão Carlos Guitarra: Silvio de Carvalho Baixo: Daniel Figueiredo Bateria: Sidney "Rasta" Santos

A POESIA MUITO VERBAL DE UM DESIGNER GRÁFICO

Hoje: Mauro Ybarros, conhecido designer visual, lança seu primeiro livro de poesia em jam de blues

Mauro Ybarros, foto Felipe Brust
Designer gráfico admirado, jazzófilo “doente”, boêmio incorrigível. Para completar o cardápio do quarentão charmoso, só faltava à Mauro Ybarros lançar um livro de poemas.

Não falta mais: Algum Blues Aqui Dentro é o seu livro de estreia, e o lançamento, amanhã, não poderia lhe ser mais adequado: numa jam de blues.

Indisciplinado como todo boêmio digno de tal classificação, Mauro escreve livremente: sem rima, sem métrica, as palavras jorrando de canetas emprestadas de garçons amigos direto em guardanapos sobre mesas tronxas de boteco de rua.

"(Escrevo) Em qualquer lugar: tou sempre com meu(s) cadeninhos de notas, e na falta deles, os óbvios guardanapos, pedaços de cardápio ou verso de embalagem do cigarro. Escrevo no final de um filme onde minha namorada dormiu antes de acabar, fazendo o café pra alguém que não vem, esperando alguém que marcou comigo aparecer – e se atrasando... Escrevo na hora em que um filme que adoro vai começar ou quando algum blues toca e eu me lembro onde eu tava há mais de 20 anos – exatamente na hora em que esse mesmo blues tocou. Escrevo quando tou apaixonado (e tou sempre me apaixonando) e escrevo quando termina o amor (e ele tá sempre me terminando). Não tem hora nem lugar: tem eu, ali, espirrando, tossindo e exalando isso que tenho por dentro", conta Mauro.

E então está tudo ali: as dores, os amores, as perdas, o dia a dia, o tédio, a música, o horror.

“Disseram uma vez que a poesia é a forma que as palavras encontraram pra dançar. Portanto, de tanto jazz que ouvi na vida, não posso querer enquadrar palavra nenhuma em métrica alguma”, afirma.

“O sentimento vem, pede pra ser exposto, e sai. Se ele vem metrificado, já não é mais comigo, e eu deixo o fluxo acontecer sem controle. Umas palavras se arrumam. Outras se perdem. O que saiu, saiu: tou chamando poesia”, diz.

Maurão, foto Felipe Brust
Poesia analógica

Profissional reconhecido no seu meio, Mauro conseguiu publicar seu livro a partir de permutas com agências de propaganda e gráficas com as quais trabalha no dia a dia.

E aí resta a pergunta: quem ainda lê poesia hoje em dia? Ou talvez, uma pergunta menor ainda: quem ainda lê?

“Penso que talvez ninguém saiba que lê poesia hoje em dia. Mas acredito que, se tem gente que ainda vai em feiras de artesanato, compra discos em vinil e valoriza filmes feitos em animação tradicional, deve ter gente que ainda acredita que coisas analógicas, valvuladas, feitas em papel, tesoura e pedra têm seu valor”, diz.

“E, definitivamente, tem gente que gosta – até hoje – de Chico, Lupiscínio, Cazuza e Dolores Duran. Portanto, tem gente que sabe que houve uma época onde se falava de dor, amor e ardor sem ninguém pra chamar isso de rima pobre”, conclui Mauro.

Dizem que todo poeta tem um tal de "eu lírico" - seja lá o que for isso. Qual seria o "eu lírico" de Mauro Ybarros? "SAUDADE. - A-DO-RO essa palavra. A-DO-RO a ideia de que ela não tem tradução em outras línguas. Adoro lembrar que Janis Joplin falou que “blues é ter saudades de algo que você não sabe o que é”. Meu eu-lírico é essa coisa que queria ter mas que não me deram. Aquela menina cantando “esse seu jeito / sexy de ser”. Ser pai de um filho que a mãe resolveu que era só dela. Ou ser o cara que espera o beijo antes da mordida. É morar numa cidade que podia ser um monte de coisas e se contenta em ser o que deixam ela ser. Tudo isso é meu eu-lírico: não ter o que eu queria, não ser o que eu gostaria, ou ter que ser o cara que mandam beijar antes de falar – tipo como dizem no carnaval: “cala boca e beija logo”. Calar a boca? Eu?", filosofa.

Mas porque escreve o poeta? Ah, essa é a pergunta mais difícil de todas:"Essa talvez seja a mais complicada... Acho que preciso escrever porque é importante deixar sair o que nos oprime, nos aperta, nos asfixia. Sentimentos bons, sentimentos ruins, tudo que aparece e não pergunta se pode chegar – mas chega e fica, sem nem querer saber o que a gente acha disso. Então, pra deixar isso ser devidamente processado e depois, devolvido ao mundo, é que escrevo. Escrevo porque preciso, escrevo porque é devido devolver ao mundo o que entra em nós sem preguntar porque. E, talvez, porque escrever é a única maneira que eu tenho de fazer sair de mim o que existe em excesso. Terapeutas recomendam escrever. Fiz diários na adolescência, durante nos a fio, sem nem saber que tava me analisando... Tem gente que bebe, tem gente que fuma, tem gente que trepa – e eu? Acho que fumo, bebo e trepo só porque escrevo pouco", afirma.

Lançado o livro, o que vem depois? Leituras públicas, festas literárias, academia? Que espécie de marginal é você, Mauro?

"No dia do lançamento, acho que não (vou fazer leitura). Vai ter show de blues, e não sei se vou ter espaço. Se der, e as pessoas quiserem, leio sim. E se me convidarem pra saraus, eu vou. Acho que poesia é o tipo da coisa que precisa andar pendurada no pescoço da gente, como as melancias e bacalhaus do chacrinha: quem quiser ver, vai ver. Mas só vê se estiver pendurado no pescoço de alguém. Já minha fama de mau fica no mesmo lugar de sempre: guardadinha no tal pequeno frasco onde tão os piores perfumes... De perto, sou o mesmo menino bobo do salesiano, apaixonado pela menina da sétima serie A... Como diria Gil, “só quem é clarividente / pode ver”. E não, não irei à academia de letras. Se tem algo que tenho certeza que não sou é um cânone das belas letras. Falo de dores, amores perdidos, humores mal resolvidos e venenos antimonotonias: como é que eu seria recebido por gente que usa farda, adora ACM e toma chá? E, claro -  se ser marginal é quem anda à margem, é questão de escolha estar onde estou: procurar o centro é coisa de iogues, coachers e fãs de paulo coelho. Do centro pra periferia de mim, Circular via Amaralina – aceito vale e aceito passe", divaga o poeta.

Quer saber? Acho que eu vou deixar Mauro falar mais um pouco. O que ele quiser falar. Fala, Maurão!

"Meu caro, acho que o que eu preciso dizer está escrito nos poemas daquele livro. Amei incondicionalmente, quis amar eternamente, mas tive que dar de cara com a realidade – e isso, definitivamente, não é o que eu queria pra mim. Vivemos num mundo cheio de tensão, de escolhas binárias, cheio de pretos-e-brancos, sem espaço pro sutil, pro suave, pro delicado. E – definitivamente – eu não sou assim. Como dizia Luiz Melodia, “as pessoas que eu amo / eu amo bastante”. E quero acreditar que, falando de poesia, falando do imponderável, usando metáforas e eus-líricos, eu posso tentar ativar sistemas inativos nesse mundo de instagramas... Quero poder dizer que o amor está nas entrelinhas, na casca das coisas, nas flores que não desabrocharam e em tudo que não seja óbvio, solar e luminoso. Quero poder sacudir as estruturas, quebrar os paradigmas e bulir na bunda dos guardas que tomam conta do que 'é certo', sem ter que 'tira-os-pés-do-chão-galera'. E, por fim, quero que 'falar de poesia' seja algo que desmonte o que é correto, objetivo e útil. Quero ser o palhaço do Fellini, fazendo os outros rirem e sonharem, depois tirando a maquiagem em um banheiro de bar, enquanto chega o PF de frango assado ficar pronto", conclui.

Em tempo: o autor está disponível para saraus.

Lançamento do livro Algum Blues Aqui Dentro, de Mauro Ybarros / Amanhã,  19 horas (noite de Blues no Jazz na Avenida) / Av. Simon Bolívar, Boca do Rio​ (​ao lado do Boi Preto)​ / Entrada gratuita

Algum Blues Aqui Dentro / Mauro Ybarros / Independente / 96 p. / R$ 25 / Vendas: www.facebook.com/mauroybarros

quarta-feira, dezembro 06, 2017

ETERNO RETORNO

Natura Musical lança hoje, com show no TCA, caixa com obra d’Os Tincoãs, com direito a apresentação de remanescentes e convidados

Mateus Aleluia, foto do blogueiro
Um dos mais importantes e representativos legados da música baiana será devidamente reverenciado hoje, com um show e um lançamento no Teatro Castro Alves: Nós, Os Tincoãs, reunirá no palco os dois remanescentes vivos do lendário grupo, que tem sua obra resgatada em uma luxuosa caixa com três CDs e um livro, via selo Natura Musical.

Mateus Aleluia, o Tincoã que voltou à Salvador em 2007 após viver décadas em Angola, receberá no palco do TCA Badu, o Tincoã que vive nas Ilhas Canárias (Espanha) e não vem ao Brasil desde os anos 1990.

Badu e Mateus não compartilham um palco há 36 anos.

O sangue Tincoã seguirá no palco com a presença dos dois filhos angolanos de Dadinho (morto em 2000), que nunca vieram ao Brasil.

Mateus Aleluia Filho, outro descendente,  assina a direção musical do show, que ainda terá participações de Margareth Menezes, Saulo Fernandes, Ana Mametto e Ganhadeiras de Itapuã, além de  músicos como Alex Mesquita, maestro Bira Reis e Luizinho do Gêge.

O caráter de gala da noite se completa com assinatura  de Gringo Cardia na cenografia.

“Os Tincoãs tentaram retratar o que a Bahia sempre foi, é e será: a uma mistura de todos aqueles que deram sua contribuição para essa cultura, para a soberania do dendê”, afirmou Mateus Aleluia, durante entrevista coletiva.

“Nesse projeto, nós mostramos a obra dos Tincoãs, essa miscigenação do afro com o barroco sustentado na cultura do povo autóctone em suas diversas nações que aqui já existiam antes da chegada dos portugueses, e que chamamos de índios”, acrescenta.

Formada no final dos anos 1950 em Cachoeira, Os Tincoãs começaram como uma banda de baile típica da época, à base de boleros e tchá-tchá-tchás.

A partir de 1963, com a entrada de Mateus Aleluia, voltaram sua atenção para a música de raiz do Recôncavo, dos terreiros de candomblé e das igrejas barrocas.

“Em 1973 gravamos o primeiro disco (com essa estética) e em 76, gravamos o último”, conta.

O próprio Mateus explica melhor a cronologia dos Tincoãs, que envolve diversos membros.

“O primeiro disco (Meu Último Bolero, 1962, Musicolor) foi com Dadinho, Heraldo e Erivaldo, e ainda era só de boleros. A partir de 73 é Dadinho, Heraldo e Mateus. Em 75, é Dadinho, Morais e Mateus, formação que gravou o disco que tem Promessa ao Gantois (O Africanto dos Tincoãs, 1975, RCA)”, conta.

“Em 76 entra Badu, que gravou o disco que tem Cordeiro de Nanã (Os Tincoãs, 1977, RCA). Badu foi quem mais ficou conosco, até 83. O último disco dos Tincoãs é somente Dadinho e Mateus (1986, CID)”, enumera.

Há dois milhões de anos

Badu, o único outro Tincoã vivo. Foto divulgação
Ancestral e ainda atual, a música d’Os Tincoãs é uma espécie de amálgama perfeito de tradições ocidentais e africanas, a despeito dos seus poucos elementos – as vozes celestiais do trio, um violão tocado de maneira percussiva e as próprias percussões de terreiro.

Não a toa, após décadas esquecida, essa obra extraordinária é reverenciada por nomes como Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Martinho da Vila, Criolo, Emicida e outros.

“A música dos Tincoãs é a música do mundo. Tem música que nós gravamos que tem mais de 2 milhões de anos. São músicas trazidas pelos encantados, pelos orixás, pelos inquices, pelos oguns – e que extrapolam o tempo”, diz.

“Talvez seja isso que faça essa conexão com a juventude e com anciãos como eu, né? É uma música atemporal”, ri  Mateus,  a sabedoria em pessoa.

Não que Os Tincoãs tenham descoberto a pólvora, mas talvez ninguém tenha feito essa abordagem de forma tão bem resolvida quanto eles.

“Antes dos Tincoãs já tinha Joãozinho da Gomeia (1914-1971), que fazia isso. Tinha o maestro Moacir Santos. Me lembro de quatro senhoras, por acaso brancas, da década de 1930, que também faziam isso, no Rio de Janeiro. Talvez nenhum desses tenha feito como Os Tincoãs fez, o amálgama de todas as culturas basilares da formação cultural brasileira em geral e baiana por excelência”, diz Mateus.

“E cantando como nós cantávamos. Eu penso que o principal atrativo d'Os Tincoãs eram os vocais. A forma afro-barroca de cantar. A forma sincopada, originada dos ritmos do candomblé, com os harmônicos dos órgãos da igreja católica”, conclui.

Nós, Os Tincoãs / Com Margareth Menezes, Saulo, Ganhadeiras de Itapuã e Ana Mametto / Hoje, 20 horas / Teatro Castro Alves / R$ 40 e  R$ 20



ENTREVISTA MATEUS ALELUIA
Mais trechos coletados durante coletiva no dia 27 de novembro

A aceitação d'Os Tincoãs: 


Senhor Mateus. Foto do blogueiro
Penso que hoje existem menos barreiras. Na época, as baterias estavam viradas para nosso trabalho. Era como se nosso trabalho estivesse se impondo sobre um mercado, sobre uma política de mercado. E não era bem isso que gente queria. Na verdade, nosso trabalho sempre foi bem aceito pela crítica. Mas ao mesmo tempo, havia um contra-vapor. Ficava aquela coisa meio morna. Hoje a aceitação está maior. A mentalidade das pessoas está mais amainada, as pessoas estão menos belicosas com relação à aceitação de uma modalidade musical. Modalidade musical que é um ícone do candomblé. E o candomblé não chegou aqui como adido cultural ou embaixador. Chegou aqui escravizado. E sem ser considerado cultura, era considerado subcultura. Quem gostava nem queria dizer que gostava. Mas livres pensadores, despojados disso, como Koelreutter, Radamés Gnatalli, grandes personagens da música, Sérgio Cabral – o pai, jornalista, fundador d'O Pasquim, viu? (risos) – reconheceram. Hoje não existe assim, esse bloqueio. Não é que exista também... sei lá, 'venha que eu te amo'. Não é isso.

Recato e digitais:
Mas os Tincoãs não teve contato com Os Afrossambas, por exemplo. Sempre fomos muito isolados, somos mesmo recuados, somos do Recôncavo. Somos tímidos, apesar de ter essa eloquência. Não é timidez, temos é o recato de quem não fala muito. Na hora de falar, diz. Não é meu dia de falar, eu não falo. Na hora de falar, me pronuncio. Então Os Tincoãs sempre foi isso. Talvez tenha sido essa postura que preservou sua forma de ser. Senão, teria sido influenciado por outros grupos, entendeu? Cada um tem que ser como é, né? Tem que obedecer isso aqui (mostra o dedão). Como chama isso aqui? Sua digital! (risos)

Precursores e Cachoeira:
Antes dos Tincoãs já tinha Joãozinho da Gomeia, que fazia isso, tinha aquele maestro de Minas Gerais que eu esqueço o nome direto... (Moacir Santos). Me lembro de quatro senhoras, por acaso brancas, da década de 30, que também faziam isso, no Rio de Janeiro. Talvez nenhum desses tenha feito como Os Tincoãs fez, o amálgama de todas as culturas basilares da formação cultural brasileira em geral e baiana por excelência. E cantando como nós cantávamos. Eu penso que o principal atrativo d'Os Tincoãs eram os vocais. A forma afro-barroca de cantar. A forma sincopada, originada dos ritmos do candomblé, com os harmônicos dos órgãos da igreja católica. Na realidade fomos embalados assim, a noite toda, pelos toques do candomblé. Pertencesse você ao ritual do candomblé ou não. Mas você tinha o elemento macro do candomblé, os toques e cantos, entrando de forma contornada. Você dormia com aquilo, tac-tac-tac...

O auto-exílio em Angola:
Não éramos funcionários nem de uma empresa nem do governo brasileiro. Chegamos lá, cantamos. Fomos numa delegação de 70 pessoas. (..) Mas já vamos ficar. Dada a receptividade de Dirceu Vieira Dias. Dirceu era para Angola, como Dorival Caymmi era para o Brasil. Mais do que isso. Dirceu era um revolucionário, esteve preso com Agostinho Neto, que foi o primeiro presidente da Angola descolonizada. Aí tivemos tanta identidade, coisa que não sabíamos. Ele foi na casa dele buscar nosso disco, Deixa a Gira Girar. Aí ele cantou "Meu pai veio da Aruanda" (trecho de Gira). Aí ele perguntou: 'Aruanda é Luanda, né'? 'Lógico que é a corruptela'! Isso, Angola nem estava ainda independente, mas era um reforço para nós. Era bem na época da Guerra Colonial, 1973, ainda estava em guerra. Angola só se emancipou em 75. Mas quem fazia a guerra eram eles lá, a gente estava 'de boa', vendo a parte poética da guerra. A vida é paz e guerra. É sim e não. É feliz e triste. Não se pode desassociar um do outro. Isso é uma ilusão. Nós aqui não estamos em guerra? Matamos mais do que lá, na época da guerra. São 72 mil (assassinatos) por ano. 

Não tem volta:

Mateus, Badu e Dadinho. Os Tincoãs (1977)
Pra mim, Os Tincoãs cumpriu sua missão. Isso (a caixa da Natura Musical) é uma revisita ao trabalho dele. Não é porque sou remanescente e Badu é remanescente que isso é a volta d'Os Tincoãs. Não é. Que fique bem claro. Pra mim é somente esse trabalho, para que as pessoas saibam que existiu. E cada um toca sua vida. 

Disco novo:
De repentemente, sai lá pra janeiro, ou fevereiro, ou março ou abril... (risos) Nesse país não adianta fazer muito plano. Mas tá pronto, do jeito que o rei mandou.

Expectativa para o show de hoje:
Cada show é uma emoção diferente, mas não deixa de ser uma emoção. Como as mulheres dizem, cada parto é um parto, mas ela sabe que vai parir. Emocionada ou não, vai parir (risos).

Intolerância racial e religiosa:
Na minha época, a intolerância era total. Não vinha só de um lado, vinha de todos. Até quem era do candomblé negava que era. Não era chique, não era politicamente correto. Não era, digamos assim, intelectualmente correto ser (do candomblé). Eram poucos. Pessoas como Jorge Amado, que nem era do candomblé, mas se comportava como se fosse. Deu a chancela dele. Isso tem um valor retado, muito grande. Mas não existe diferença de intolerância. Intolerância é intolerância, ela se basta, e ela tem que ter um basta. É a voz da razão. Por que ninguém vai conseguir levar nada pra frente com intolerância. A única forma que temos de conseguir levar a frente, é ser tolerante com eles, mas sempre dizendo, 'minha pegada é essa'. Nós não mudamos. O candomblé desde que chegou no Brasil, quando veio a primeira expressão humana africana que pisou aqui, o candomblé chegou junto. E existe até hoje. Pensa que naquela época  não existia intolerância? (Existia) Até oficializada e só Deus sabe como. E aqui nós estamos. Não preciso usar conta para dizer a qualquer um que me olhar. Eu sou candomblé. Todo. Eu não sou do candomblé. Eu sou candomblé. Eu sou a essência.