segunda-feira, novembro 28, 2016

UMA NOITE INFERNAL

Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Gauguin, Klimt e Goya são as estrelas da excelente Uma Noite em L’Enfer, de Davi Calil

Em Uma Noite na Taverna, o escritor paulista Álvares de Azevedo (1831-1852) imagina uma reunião de cinco amigos, na qual cada um deles tem de contar uma história.

Em Uma Noite em L’Enfer (Mino), o quadrinista Davi Calil parte dessa premissa e coloca cinco gênios das artes visuais na mesa, fazendo a mesma coisa.

Tudo começa quando Vincent van Gogh (1853 - 1890), após sobreviver a uma tentativa de suicídio (a que o levou à morte na vida real), vai a Paris em busca de Sien, prostituta pela qual tinha paixão.

Após aporrinhar a tal moça, ele se bate com Paul Gauguin (1848 - 1903), que o convida para se encontrar com “um baixinho que desenha muito bem e vive bêbado”, chamado Toulouse-Lautrec (1864 - 1901).

Lautrec aguardava Gauguin em um cabaré que  de fato existiu no bairro de Montmartre, L’Enfer (O Inferno), cuja fachada era adornada pela cara de um demônio de bocarra aberta, por onde as pessoas entravam.

Seu interior era todo decorado como se fosse o reduto de Satã, com esculturas de demônios e corpos se contorcendo em agonia.

Um exótico parque temático para adultos na Paris da Belle Epoque, muito frequentado por artistas e intelectuais. Demolido em 1950, o local é hoje ocupado por um supermercado.

Voltando à HQ, Van Gogh e Gauguin encontram Toulouse -Lautrec (retratado por Calil praticamente como um gnomo alucinado) já na companhia do austríaco Gustav Klimt (1862 -1918) e de um sujeito bem idoso: o espanhol Francisco Goya (1746 - 1828).

Ainda chegam a se bater com Paul Cézanne (1839 - 1906), mas este logo se retira, o olhar perdido e murmurando coisas sem sentido, sob o protesto de Lautrec: “Que foi, bateu uma bad?”, pergunta.

Reunidos em uma mesa redonda , eles iniciam uma competição para ver quem conta a melhor história envolvendo os temas morte, amor e sexo, valendo um crânio oferecido por Goya, que garante ter sido do poeta italiano Dante  Alighieri (1265 - 1321).

Licença poética

Apaixonado pela obra do quinteto, Calil, que já tinha homenageado o inesquecível Adoniran Barbosa (1910-1982) na premiada Quaisqualigundum (2014, em parceria com Roger Cruz), faz de Uma Noite em L’Enfer um dos melhores lançamentos de HQ do ano.

De narrativa ágil e arte dinâmica e detalhada, a obra ainda se dá ao luxo de dialogar com a estética de cada artista em seu respectivo conto, reproduzindo suas paletas de cores e deixando muitas referências às suas obras pelo caminho, um atrativo a mais para leitores de olhar ávido.

Sinistros, cruéis, sexual e criminalmente explícitos, os contos oferecidos por cada artista refletem um pouco da personalidade de cada um deles, com suas personalidades sombrias e desvios de caráter.

No material de divulgação, Calil explica que, apesar de admirá-los como artistas (e quem não?), percebeu que, como pessoas, eram “irresponsáveis, sempre fizeram escolhas erradas”.

Na HQ, o autor eleva essa irresponsabilidade ao nível do fantástico, levando-os a confessar adultérios, sequestros, assassinatos, canibalismo – cada conto é mais chocante e moralmente questionável do que o outro.

Não indicada para crianças, Uma Noite em L’Enfer é uma deliciosa licença poética e uma divertida homenagem aos gênios que lançaram as bases da moderna arte visual.

Uma Noite em L’Enfer / Davi Calil / Mino/ 192 páginas / R$ 59,90 / www.facebook.com/editoramino

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