sexta-feira, fevereiro 06, 2015

AS BARBARIDADES GRÁFICAS DO REI DA ESCATOLOGIA

Biografia do quadrinista Marcatti tem lançamento em Salvador neste sábado, na RV Cultura & Arte

Exclusiva de Marcatti para a bio: o dia em que sua mão quase derreteu
Quem acompanha o trabalho de autores brasileiros de quadrinhos certamente já é familiarizado com o trabalho de Francisco Marcatti – mesmo que não goste.

O controverso quadrinista ganhou agora uma biografia com direito a lançamento com a presença do autor, Pedro de Luna, neste sábado, na RV.

Marcatti: Tinta, suor e suco gástrico sai pela Série Recordatório (Marsupial Editora), que vem recuperando parte da história da HQ no Brasil.

Outros dois volumes já foram lançados: Ivan Saidenberg: o homem que rabiscava e Primaggio Mantovi: o mestre de estilo versátil.

A verdade é que o trabalho de Marcatti não é para aqueles de estômago fraco. Revelado nos anos 1980, Marcatti faz parte da brilhante geração underground de Angeli, Laerte, Glauco, Luiz Gê e Lourenço Mutarelli.

Seu trabalho costuma  apresentar uma profusão de personagens repugnantes envolvidos em situações nojentas além dos limites da escatologia.

Só que, se fosse só isso, ele certamente já teria sido esquecido.

Marcatti tem um estilo de desenho que, além de exuberante em seus traços detalhados, é totalmente único. O leitor bate o olho em um desenho dele e sabe que é dele, sem precisar ver a assinatura.

Além disso, suas HQs são de uma demência a toda prova, abordando todo tipo de tara e psicopatia – só que com a candura e naturalidade de uma HQ do Snoopy. Um autor original.

Não a toa, foi convidado por João Gordo para desenhar duas capas de LPs para sua banda Ratos de Porão: Brasil (1988) e Anarkophobia (1991).

Além das duas capas, a parceria com a banda do João Gordo rendeu ainda uma revista em quadrinhos de curta duração – e fim traumático para o artista.

"O João Gordo o convidou para fazer duas capas. Aí na terceira ele disse que isso era coisa de Iron Maiden. Aí resolveram fazer uma revistinha. A revista era muito legal, só que a primeira tiragem eles (a editora Nova Sampa) mandaram no lacre e em vez de estar escrito na capa Ratos de Porão, o título era RxDxPx. Porra, fora o público da banda, ninguém mais sabia o que era isso. Com as baixas vendagens, a revista foi cancelada no número 2", conta Pedro de Luna.

"Como não deu certo, ele entrou em depressão e ficou sete anos sem desenhar. O que hoje ele conta que foi um arrependimento na vida dele. Depois ele fez a revistinha do Frauzio, que também foi para as bancas e durou seis números. Não é que não deu certo, o problema é, como era uma revistinha em formatinho, o cara da banca botava do lado da Mônica e do Tio Patinhas. Aí reclamaram, e tal. Mas o Marcatti conta com muito orgulho de uma a carta de um guri, leitor de Tio Patinhas que adorou o Frauzio, Para ele, uma coisa não excluía a outra", relata Pedro.

No livro de Luna, é possível descobrir um pouco mais sobre este homem, capaz de tantas (e belas) barbaridades gráficas.

“Conhecia o trabalho do Marcatti desde os anos 1980, quando suas HQs eram publicadas nas revistas Chiclete com banana, Animal e Circo”, conta.

“Me chamou muito a atenção, com toda aquela estalogia sem limites, sexo ousado,  maluco até”, diz.

Pedro, um ativista do underground que documentou a atividade das bandas  em seu torrão natal no livro Niterói Rock Underground 1990-2010, admirou ainda mais seu biografado quando percebeu que, diferente de Angeli, Laerte ou Glauco, Marcatti nunca aceitou trabalho fixo nos grandes jornais.

Marcatti em 1982 e sua primeira impressora offset
“Ele seguiu 100%  independente. Até hoje ele cria, imprime, publica e vende o próprio material, tendo controle total sobre sua obra”, diz Pedro.

“Quando era mais jovem ele desenhava de manhã, imprimia  de tarde e ia vender no Bixiga, na Vila Madalena,  no circuito cultural  de São Paulo. Hoje ele já não faz mais isso,  mas vende pela  internet e nos eventos de quadrinhos”, conta.

“Se você for na Galeria do Rock (São Paulo) vai  ver os displays de madeira que ele mesmo cria. Até hoje ele é assim, atua nessa origem punk, que eu compactuo. Ele não espera: vai lá e faz”, observa Pedro.

Mesmo com toda essa independência, Marcatti já produziu e publicou ótimas HQs por grandes editoras, como seis números da revistinha Frauzio (editora Escala), Mariposa (graphic novel pela Conrad) e a adaptação de A Relíquia, de Eça de Queiroz (também Conrad).

No momento, Marcatti prepara sua segunda adaptação de um clássico da literatura: “É uma versão de Os Miseráveis (de Victor Hugo) para a Companhia das Letras, que ele está encarando como o trabalho da vida dele”, revela Pedro.

“Ele tem dificuldades com histórias longas, mas a editora está apoiando. Ele mesmo escolheu a obra. Não teve lei de incentivo nem empurraram nada”, diz.

Durante as entrevistas para o livro, Pedro pôde conhecer Marcatti mais de perto – e ele não se decepcionou: o homem é meio freak, mesmo. “Marcatti é muito esquisito. Mas o que esperar de um cara que desenha larvas?”, observa.

"Ele tem um humor instável, inclusive tive um probleminha, por que quando a pessoa dá entrevista, fala o que quer e o que não quer. Depois que o livro saiu... Marcatti é avesso a vida social, não viaja – só se for para vender livros. Nunca anda de bermuda, nem em casa. Já sobre essa preferência pelos temas escatológicos, ele conta que não é planejado, tipo, 'vou sentar fazer uma HQ sobre um cara que come cocô'. Acontece assim, a escatalogia vem e pronto. Agora ele só desenha em pé por que a coluna dói. Só que ele desenha sobre uma prateleira, não é nem uma uma prancheta. Marcatti é malucão, velho", conta Pedro.

"Agora, se no grande público ele não é um cara muito conhecido, mesmo assim se tornou um ícone da HQ independente, com muito reconhecimento aí. Muitos o veem como modelo e imprimem suas HQs na máquina dele só por ser feito na impressora da Marcatti. Ele mesmo fala, posso ter meus livros lançados por editora, mas muita gente gosta de comprar comigo por que é a edição do autor'. Ele também foi um dos primeiros caras a fazer merchandising, com camisas e outros produtos. Até luthier o cara é também. Ele faz de tudo: é artista, músico, gráfico, marceneiro", descreve.

Lançamento de Marcatti – Tinta, suor e suco gástrico / Sessão de autógrafos com Pedro de Luna / Sábado, 17 horas / RV Cultura e Arte / Gratuito 

Marcatti – Tinta, suor e suco gástrico / Pedro de Luna / Marsupial Editora/ 82 p./ R$ 19,90

Um comentário:

Rodrigo Sputter disse...

Fiquei curioso...talvez eu vá...tenho coisas pra fazer no dia...grana comprometida, mas vamos ver...admiro artistas como ele, do it yourself até o talo...num espera, faz acontecer...eu tinha ele no face, add ele, trocamos umas idéias, até comentei q no face tinha uma fake dele ou algo do tipo, ele ficou chateado e colocou no face dele...normal...quem não ficaria?