Todo mundo conhece Lobão, o cantor doidão e com fama de arruaceiro que foi preso e teve diversos problemas com a justiça pelo seu envolvimento com drogas.
Lobão, o hitmaker que já fez todo mundo cantar sucessos como Me Chama, Vida Bandida, Corações Psicodélicos, Decadence Avec Elegance, Essa Noite Não e tantos outros.
Lobão, o cara da revista Outracoisa e o líder do movimento pela numeração de discos.
Lobão, o mediador meio atrapalhado do programa MTV Debate.
E principalmente, Lobão, um dos caras mais polêmicos que já surgiram no cenário cultural brasileiro.
Agora, fãs e demais interessados poderão conhecer Lobão para além de todos esses estereótipos, como ser humano e artista em sua faceta mais íntima e através de suas próprias (e infinitas) palavras, na sua recém-lançada autobiografia 50 Anos a mil, escrita com o jornalista Claudio Tognolli.
Seu texto é, ao mesmo tempo, cômico, verborrágico, bagaceiro, político, revelador, irado, desconfiado e até mesmo trágico.
Há um pouco de tudo isso nas caudalosas 600 páginas que perfazem suas memórias.
Nem poderia ser diferente. Como quase toda personalidade que dispensa apresentações, Lobão faz valer o investimento dos leitores falando sem rodeios sobre tudo, desde sua infância burguesa em um Rio de Janeiro bucólico na época da ditadura, sua família ligeiramente disfuncional, o início da carreira musical na banda Vímana (com Lulu Santos e Ritchie), o golpe que ele deu na Blitz, o auge e muito mais.
Descendente de holandeses, João Luiz Woenderbag Filho nasceu em 1957 e viveu uma infância feliz no Rio de Janeiro, entre os últimos anos da democracia e a ditadura instituída a partir de 1964.
Seu pai, João Luiz, vinha de “uma família de automobilistas, inventores e excêntricos”. Já sua mãe, Ruth, antes da maternidade, “foi campeã de corridas de kart! Um tremendo pé de chumbo!”, como conta Lobão.
Logo se vê que a tendência de viver “a mil” era mesmo coisa de família.
Na adolescência, descobriu o rock e se jogou de cabeça. Logo, estava tocando na banda de rock progressivo Vímana, que contava com Ritchie e Lulu Santos em sua formação.
Após, de forma meio inadvertida e ingênua, promover uma arrasadora festa / orgia de dois dias no sítio de sua família, foi expulso de casa.
Iniciou-se aí o período mais difícil de sua vida. Passou a morar de favor em casas de amigos, namoradas e colegas de banda.
A separação de seus pais terminou por aniquilar a unidade familiar. Sua mãe tentou o suicídio diversas vezes, até conseguir se matar.
Ele também tentou se matar. Três vezes, de três diferentes formas.
A vida começou a melhorar quando se começou a desenvolver o próprio trabalho. Tocou bateria na Blitz e, em paralelo, gravou um disco solo.
Um dia depois de sair na capa da Istoé com a Blitz, bateu na porta de uma gravadora e descolou seu primeiro contrato.
Em pouco tempo, começou a emplacar hits em sequência nas rádios.
Logo, começaram os problemas com a polícia, por causa das drogas. Chegou a trocar tiros com a polícia.
Nos anos 1990, experimentou um certo ostracismo, quebrado em 1997, com a iniciativa de lançar discos nas bancas de revistas.
Liderou o movimento pela numeração de discos.
Tornou-se apresentador de TV e lançou um CD acústico, contradizendo-se de forma espetacular. Segue vivo e bem.
ENTREVISTA:
Com maior ou menor intensidade, sua carreira foi marcada pela polêmica. Em que medida você julga que isso te prejudicou? Isso atrapalhou a devida avaliação de sua obra?
Bem, eu não consigo avaliar isso muito bem. Só sei que me sinto quase sempre um peixe fora d'água.
Lendo o livro, a impressão que se tem é de estar te ouvindo, como se estivesse sentado com você, enquanto relata sua vida. Como foi a colaboração com Claudio Tognolli? Ele fez os cortes, deu a forma final?
Eu escrevi a história toda e acabei editando também. O Tognolli fez as pesquisas, as documentações todas, os depoimentos. Não houve interferência nos textos, embora estivéssemos juntos o tempo todo. Pensei em montar as partes da mídia desde o momento em que me tornei uma pessoa pública. Sabia que os contrastes de informações iriam dar um tempero especial a narrativa.
Uma das diversões do livro é ver como sua versão dos fatos e a que imprensa apresentava (em Lobão na Mídia) eram muitas vezes antagônicas. Foi uma forma de mostrar o quanto ela (especialmente nos anos 1980) estava errada sobre você? A exigência da entrevista por email é parte dessa desconfiança?
Pois é, isso mesmo que estava dizendo. Às vezes a documentação subscreve o que estou falando, através de uma afirmativa, mas, na maioria das vezes, a documentação subscreve o absurdo, o que é particularmente ótimo. Quanto a ser tardio, eu acho que está sendo no momento em que há uma real possibilidade de empatia com a minha história... fazer o quê? Quanto a fazer entrevista por e mail, infelizmente, até agora, foi a única maneira, mais ou menos confiável, de me proteger das barbaridades. Você deve ter percebido que essa prática tem diminuído bastante, né? Mas, de qualquer maneira, tenho grandes amigos jornalistas.
Entre tantas polêmicas, algumas passagens de sua vida com episódios controversos renderam pouco. Monique Evans chegou a processá-lo por causa de Decadence Avec Elegance?
Eu foquei muito na primeira fase da minha vida. Considero a parte não pública da minha vida o epicentro da história. Escrevi minha biografia e não um paredão de denúncias. Quanto a Decadence, pela milonésima vez (e olha que está explicadinho no livro): Nunca houve nenhum problema com a Monique. Eu nunca afirmei que fiz a canção pra ela , muito pelo contrário. Já afirmei milhares de vezes que recebi uma encomenda pra fazer a trilha sonora da novela Ti Ti Ti , na sua primeira versão, que, na época, foi recusada. Quanto a processo, isso nunca houve.
E Herbert Vianna? A certa altura do livro, parece que a sequência de coincidências entre Cena de Cinema / Cinema Mudo ia se tornar um problemão, uma coisa constante. Mas parece que a coisa ficou por ali. O que mais houve? Você chegou a pensar em processá-lo? Algum dia você conversou com ele?
Foi muito delicado falar sobre isso. É claro que fui o mais econômico possível. A coisa foi bem mais cabeluda e a pendenga se arrastou até os últimos dias de 1999. Eu acabei tirando uns 80% das histórias com ele.
Em 1984, quando o Júlio Barroso morreu, você e Cazuza acharam que a geração de vocês estava morrendo ali com ele. E agora? Como você vê o estado geral da música pop brasileira? Quanta falta uma mente irrequieta e ousada como a de Júlio faz, hoje em dia?
Sim. Nós estávamos convictos da morte da nossa geração e foi por isso mesmo que fiz questão de iniciar o livro com aquele episódio. Mas, eu quis deixar claro que não fazíamos parte do que estava chegando e nossos trabalhos dali por diante seriam expressões isoladas. Nossa geração morreu ali sim, e esse foi o nosso principal problema, nosso luto, nossa morte.
Você chegou a trocar tiro com a polícia no Morro da Mangueira. Como alguém que já viu a criminalidade dos dois lados, como você viu a recente queda do Complexo do Alemão? Em que medida você acha que Tropa de Elite 2 tem algo a ver?
Mole demais pra ter demorado 30 anos. Aconteceu porque vai ter Copa e Olimpíadas e ponto.
Os anos 1980 sempre despertam controvérsia. Há quem diga que foi um lixo, há quem diga que foi o auge criativo da música pop rock no Brasil. Mas Júlio morreu, Cazuza e Renato Russo também. Qual a sua avaliação final daquela época?
Eu acho aquilo que restou um lixo. Sempre achei e deixo isso bem claro no livro. Mas acho a MPB tradicional tão ruim ou até pior.
Por que você acha que o Acústico MTV vendeu pouco? Ficou sofisticado demais para tocar nas rádios de hoje em dia? Você estava fora do mainstream há tempo demais e portanto, não teve tempo de formar um novo público jovem?
Foi defenestrado pela crítica especializada. Aliás o disco não, eu. Mas foi o suficiente para receber a pouca atenção das pessoas. Não. Eu sou pessoa não grata nas rádios e todo mundo sabe disso. Meu público é grande e bastante renovado desde minhas aventuras eletrônicas e, logo em seguida, quando me tornei ícone da música independente. A Vida É Doce me deu um grande público jovem, a revista OutraCoisa , a numeração de discos... eu sempre estava no olho do furacão. O Acústico MTV ganhou o Grammy Latino de melhor disco de rock em 2007.
Você guarda alguma mágoa de Caetano Veloso e Gilberto Gil por terem retirado suas assinaturas no abaixo-assinado da numeração de discos? O que ficou de lição de todo aquele imbróglio?
Eu? Nenhuma. Apenas a constatação de determinadas atitudes pouco bonitas, pouco recomendáveis para homens crescidos. A lição? Ganhamos uma causa de mais de 40 anos de luta, a numeração é lei e a classe musical se cagou inteira exceto o (Roberto) Frejat, a Beth Carvalho e o Ivan Lins.
As gravadoras continuam sendo as grandes vilãs do mercado fonográfico? O que você espera dessa nova década para a música popular brasileira?
Isso é muito complexo pra responder assim... as coisas são bem piores do que isso. Eu? Não espero nada. A única coisa que me dá entusiasmo é compor, gravar minhas ideias, escrever, tocar meus instrumentos e prosseguir a minha história.
E quanto à revista Outracoisa? Ainda há chance dela voltar? Pergunto até por que foi nela que saiu o melhor disco do rock baiano da década, Bogary (2006), da Cascadura.
Acabou e fim de papo. Adoro o Cascadura e por isso recebi o material que eles estavam afim de publicar naquele momento. Não, nunca me entusiasmei em ser o paladino da música independente, mas fico feliz e orgulhoso em ter colaborado um pouco com artistas da melhor qualidade.
Para onde vai Lobão agora, depois de lançar esse livro e sair da MTV? Grava novo álbum? Volta à independência ou continua em gravadora? Ou fará algo totalmente diferente?
Tenho muita coisa pra fazer esse ano. Temos a turnê pelo Brasil de lançamento do livro (tem duas faixas inéditas que são parte integrante do livro e as pessoas podem baixa-las em www.ediouro.com.br/lobao) mais a caixa da Sony Lobao 81/91 de 3 cds remasterizados por Roy Cicala (John Lennon, Jimmy Hendrix, AC/DC etc) mais o DVD Acústico MTV. Estou começando a fazer meu novo repertório.
50 anos a mil / Lobão (com Claudio Tognolli) / Nova Fronteira / 600 páginas / R$ 59,90
(Matéria e entrevista publicadas no periódico da Tankred Snows Avenue, no dia 18 de janeiro de 2011).
15 comentários:
To lendo o livro chicovsky.lobão tem altos e baixos.gosto de algumas coisas que ele fez, outras não, mas ele consegue ser acima da media dos seus contemporaneos.que estranho se chegar ao ponto de fazer entrevista por e-mail,mas como sei de um episodio que ele negou uma declaraçào que deu numa radio do sul, para ser confrotado no ar com a gravaçào da entrevista que dera em alto e bom som confirmando tudo que estava negando..., é bom os jornalistas tb se garantirem dos "lapsos" de memoria do grande lobo. boa materia.
A CNN escolheu a nacionalidade brasileira como a "coolest"do planeta.Abaixo trecho e link.Não sei o que pensar,mas a escolha se deve mais a esteriotipos( prais , biquinis e seu jorge!!!!)...é mais uma vez o mundo se curvando ao brasil il il il
So, if you're Brazilian and reading this, congratulations -- although, since you're sitting at a computer instead of showing off your six-pack on the shoreline, you probably aren't that cool yourself.
Icon of cool: Seu Jorge. The favela-raised performer's soulful Portuguese-language Bowie covers make you wish Ziggy Stardust was from Brazil, not space.
Read more: The world's coolest nationalities: Where do you rank? | CNNGo.com #1 http://www.cnngo.com/explorations/life/12-coolest-nationalities-earth-050844?page=0,1&hpt=C2#ixzz1BgLulsCN
http://www.cnngo.com/explorations/life/12-coolest-nationalities-earth-050844?page=0,1&hpt=C2
lobão é um artista de verdade...sempre foi isso no seu melhor ou no pior...e, digo, pariu um dos melhores álbuns de rock em português: o rock errou...
cláudio moreira
é um livro necessário pra entender essa zuorra toda. to curioso.
G.
Hj, sexta 21.01, tem discotecagem de Messias, Tarcísio Buenas e Big Brother no Sebo da Praia, no Porto da Barra, a partir das 18 horas. Nice happy hour!
Mr. Messiah já me escalou tb para breve. Qdo for rolar, aviso aos rockloquistas! (Tem tanto tempo que eu não faço isso que acho que vou me morder todo!)
Bramis, Cláudio e Glauber, confesso que sempre gostei mais de Lobão como personalidade do que como músico, mas tem uma ou outra canção de que gosto, como essas que postei o vídeo, A Vida é Doce... sei lá mais qual. O livro é sensacional por que é a história dele, da geração dele, é ele falando ali o tempo todo na sua cabeça, com toda a sua verborragia, algumas revelações embasbacantes (trocar tiro com a polícia no morro da mangueira me pegou desprevenido) etc. Vale a pena ler, com certeza, especialmente para quem acompanhou a carreira dele desde os anos 80.
lobão é lobão...o resto rock brasileiro sem caldo...e thin lizzy é lizzy...
cláudo moreira
Tai,entre as virtudes e defeitos eu concordo com esse papo da CNN,apesar de saber q o Brasil eh um lixo como federacao justamente por culpa do povo q tem.Mas gostaria de abrir um parentese para a atitude do brasileiro q mora no exterior em relacao aos outros brasileiros,principalmente os recem chegados.Infelizmente o q impera eh a trairagem,a desuniao e a 'lei do Gerson'.Eh lamentavelmente triste como o pior inimigo q um brasileiro encontra no exterior eh outro brasileiro.E pra piorar,nego ainda vem do Brasil trazendo os ransos nacionais,dai eh comum ver gente do sul e sudeste se achando melhor q nordestino-esses imbecis q se acham poliglotas falando portugues errado,portanhol e bad english sao uma comedia.Sempre comendo feijao com farinha e arrotando caviar.Mas se der uma peneirada braba da pra encontrar gente boa.
Sobre o Lobao,muitas saudades dos seus shows,principalmente da epoca antes dele ter sido preso.
Esc, eu acho o rock errou um belo disco por suas canções, mas a produção e a banda de apoio são ruins pra caralho... Tipo Jurim moreira (o baterista do acustico de robertão) na banda do cara que é baterista (e bom, diga-se de passagem). São situações que não dá pra entender.
Mario
Fim de uma era nos quadrinhos mainstream americanos:
http://www.bleedingcool.com/2011/01/24/wizard-magazine-to-close-immediately/
Li muito, ali entre 1996 / 2002, quando um dólar era mais ou menos equivalente a um real. Hj em dia já é quae isso de novo, mas.....
Sei que o vício em Wizard nessa época acabou dando um grau da porra no meu ingrês!
Pr que eu não nasci na Escócia ou na Islândia?
mário...nos shows que vi no rio em 86 o guitarrista era ninguém menos do que o argentino torquato...cara destroçava...óbvio que disco merecia uma remasterizada...até uma regravada...mas as canções são imbatíveis...
cláudio moreira
OK, e quem morreu no Quarteto Fantástico foi......
descubram aqui:
http://www.bleedingcool.com/2011/01/25/who-dies-in-fantastic-four-587-find-out-here/
Tem algumas coisas erradas na matéria. Ele foi pra indendência em 99, não em 97.
Perguntar sobre Decadence avec elegance ser para Monique Evans já foi a época ...rs
Mas ficou bacana a matéria.
Oi, Rafael, obrigado!
Vc tem razão. A Vida é Doce, o primeiro disco independente de Lobão é de 1999.
Perguntei sobre Monique e tal, por que, afinal de contas, é uma matéria acerca de sua (lá dele) biografia. Achei que levantar fatos esquecidos e que não ficaram bem esclarecidos no livro tinha lá sua relevância.
Um abraço e volte sempre.
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