Série de relançamentos que recupera toda a obra do genial Neil Young começa a ser lançada no Brasil pela Warner. Primeiro pacote contém os seus quatro primeiros álbuns
Um compositor de mão cheia. Um cantor de estilo próprio. Um instrumentista versátil, de extrema personalidade e habilidade – tanto no violão, quanto na guitarra elétrica. Um homem romântico, sensível, melancólico. Um sujeito politizado. Um pesquisador incansável da música popular norte-americana. Um deus do rock. Pode-se preencher uma lista telefônica com todas as facetas que compõem Neil Young.
E todas elas podem ser facilmente identificáveis nos seus quatro primeiros álbuns, que acabam de ser relançados no Brasil pela Warner Music, dentro da Neil Young Archives, série que recupera toda a sua (vastíssima) obra. São eles: Neil Young (1968), Everybody Knows This Is Nowhere (1969), After The Goldrush (1970) e Harvest (1972).
Herói multifacetado do classic rock, influente como poucos, Young explorou (e continua explorando hoje, aos 65 anos incompletos) praticamente todas as formas existentes no espectro da música pop.
A diversidade de estilos, climas, temas, suportes, instrumentos e até mesmo de bandas de acompanhamento que ele apresenta na sua carreira simplesmente não encontra paralelo na história do rock.
A verdade – até para que aqueles que ainda ignoram este fato o saibam – é que este canadense de Toronto figura, e não é de hoje, no panteão dos maiores nomes do rock em todos os tempos, ombro a ombro com os Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, David Bowie, Lou Reed e por aí vai. Não que ainda hajam dúvidas.
Clássicos iniciais transitam entre o esporro elétrico e a melancolia acústica
Filho de um famoso jornalista esportivo, Scott Young (espécie de Juca Kfouri canadense, morto em 2005), Neil Young tem, como únicas constantes em sua carreira, a honestidade a toda prova e a eterna mutação que caracteriza sua obra.
Mas há pelo menos duas faces que meio que predominam e se alternam constantemente em sua trajetória: o folk acústico e o rock elétrico à base de muita distorção, desenvolvido majoritariamente com a banda Crazy Horse. Nas duas instâncias, Young conseguiu ser genial e influente como poucos.
Diagnosticado com diabetes aos seis anos de idade, ele descobriu o rock ‘n’ roll de Little Richard e Chuck Berry ainda criança. Aos 12, já era fissurado em rockabilly, folk, rhythm & blues, doo-wop e country.
Já no início dos anos 1960, integrava a banda The Squires. Esse período foi seguido de uma peregrinação solitária com seu violão pelos clubes de Winnipeg.
Nessa época ele conheceu Joni Mitchell (um dos maiores nomes da música folk) e o pessoal da clássica banda canadense The Guess Who, para a qual ele compôs seu primeiro hit: Flying on the Ground is Wrong.
Em 1967, cruzou a fronteira e se mudou de mala e cuia para os Estados Unidos, se estabelecendo em Los Angeles, aonde morou ilegalmente até 1970. Logo se juntou à sua primeira grande banda: Buffalo Springfield.
A despeito do maior sucesso do grupo, For What It’s Worth, ser uma composição de Stephen Stills (com o qual Young integraria, algum tempo depois, o Crosby, Stills, Nash & Young), sua contribuição, com lindas canções como Burned e o pop sinfônico de Expecting to Fly, foi decisiva para que ele ganhasse segurança e se lançasse solo.
Os quatro primeiros LPs
Depois que a amiga Joni Mitchell, através do seu empresário, Elliott Roberts (que trabalha com Young até hoje) o indicasse para a gravadora Reprise Records, ele lançou seu primeiro LP solo, intitulado apenas Neil Young (1968).
Dos quatro discos relançados agora, este primeiro é o menos impactante – ainda que contenha dois ou três clássicos que até hoje ele executa em shows: The Loner e The Old Laughing Lady.
Young não quis nem saber das críticas pouco entusiasmadas recebidas pelo álbum, pois poucos meses depois, já estava em estúdio gravando mais um disco – desta vez, acompanhado de um trio de músicos que se apresentavam como The Rockets: Danny Whitten (guitarra), Billy Talbot (baixo) e Ralph Molina (bateria). As gravações duraram apenas duas semanas.
Antes disso, a banda trocou de nome para Crazy Horse, em homenagem ao chefe indígena de mesmo nome. O disco, Everybody Knows This Is Nowhere, saiu em maio de 1969 e, ainda hoje, é um ponto altíssimo na carreira de Young – bem como da própria história do rock.
Com apenas sete faixas, o LP já trazia o músico em pleno exercício de sua genialidade, com a veia de compositor de hinos do rock à toda, como atestam faixas como Cinnamon Girl, The Losing End, Cowgirl in The Sand e a faixa-título.
Inquieto, juntou-se logo depois ao Crosby, Stills Nash & Young, a tempo de participar do festival de Woodstock (no qual ameaçou cameramen com guitarradas no crânio, caso fosse filmado) e gravar mais um LP “discoteca básica”: Deja Vu, ainda hoje o melhor LP do CSNY.
De temperamento forte, vivia às turras com Stills pelo controle do grupo. Mesmo assim, e com moral alto pela aclamação crítica de Everybody Knows This Is Nowhere e Deja Vu, recrutou o próprio Stills, o Crazy Horse e músicos conceituados como Nils Lofgren e Jack Nitzsche para gravar seu terceiro LP solo: After The Godrush (1970).
Dele saíram clássicos como Only Love Can Break Your Heart, When You Dance I Can Really Love You e a faixa-título.

Como, a essa altura, já havia tanto saído do CSNY quanto dispensado o Crazy Horse, juntou um grupo de músicos country e os batizou The Stray Gators, que veio a ser sua banda de apoio no quarto álbum, Harvest (1972).
Seu LP mais bem sucedido comercialmente, Harvest traz seu único single a bater no número um da Billboard: Heart of Gold. Mas canções como a ultramelancólica Out on The Weekend, a polêmica Alabama, a sentida Old Man (para seu pai) e a profética (e belíssima) The Needle and The Damage Done tornam Harvest mais um daqueles álbuns indispensáveis para os fãs de rock clássico.
A mitologia em torno deste álbum, aliás, é um capítulo a parte. Em The Needle and The Damage Done, composta por um Young preocupado com o vício em heroína de Danny Whitten, amigo e guitarrista do Crazy Horse, ele cantou: “Cheguei à cidade e perdi minha banda / eu vi a agulha levar mais um homem / (...) / Mas todo junkie é como o Sol poente”.
Mesmo preocupado (ou talvez justamente por isso), Young ainda chamou Whitten para tocar guitarra na turnê do Harvest. Mas, devastado pelo vício, Whitten não deu conta do recado. Young o demitiu. À noite daquele mesmo dia, ele recebeu a notícia de que Whitten havia morrido por overdose.
A culpa consumiu Young por anos a fio, levando-o a compor a Ditch Trilogy (Trilogia da vala), três LPs em que expurgava sua culpa: Time Fades Away (1973), On the Beach (74) e Tonight's the Night (75). Mas isso já é outra história - e outro pacote do Neil Young Archives...
Neil Young (1968) 1º LP solo, passou meio despercebido por público e crítica, mas tem ótimos momentos, como The Loner e The Old Laughing Lady
Everybody Knows This Is Nowhere (1969)Clássico absoluto, estreia de sua banda mais constante, Crazy Horse, traz os petardos Cinnamon Girl, The Losing End e Down By The River e outros
Harvest (1972)O best-seller. Melancólico e político, traz pérolas como The Needle and The Damage Done, Out on the Weekend, Alabama e Heart of Gold
After the Goldrush (1970)Não tão genial quanto os discos que o antecedem e o sucedem, tem dois belos hits: Only Love Can Break Your Heart e When You Dance I Can Really Love You
Fãs baianos relembram da emoção de assistir ao único show de Young no Brasil
Faz quase dez anos – foi no dia 20 de janeiro de 2001 –, mas quem viu, guarda com carinho a memória daquele que pode ter sido o melhor show de todas as edições do Rock in Rio – seja no Rio, em Lisboa ou Madri: Neil Young & Crazy Horse, na terceira edição do festival.
Antes, foi preciso suportar a xaroposa Dave Matthews Band e a anódina Sheryl Crow, mas quando o homem subiu no palco, foi um espanto só: “O cara sentou a mão na guitarra. E aí foi um mar de distorção”, lembra o guitarrista Candido Soto Jr. (ex-Cascadura, atual Banda de Rock e Theatro de Seraphin), que assistiu ao show do gargarejo com um grupo de baianos fanáticos pelo canadense.
“Foi o dia de menor público do festival. Então você chegava ali na frente bem fácil”, lembra.
O empresário Cláudio Sarno Brochado era outro que estava no grupo. “Lembro da energia do cara no show. Foi uma emoção. Até então, eu nunca tinha visto alguém com tanta vontade de tocar. E ele já estava coroa, mas com um tesão absurdo. Me arrepio só de lembrar”, relata.
Anos depois, na Galeria do Rock (Centro de São Paulo), encontrou numa loja o show imortalizado em um bootleg (álbum pirata) duplo e DVD. “Coleciono tudo dele. Acabei de comprar uma caixa com dez blu-rays”, gaba-se o fã, orgulhoso.
Já René Nobre, cantor da Banda de Rock – que sempre inclui Young no repertório – não foi ao show, mas atesta: “Ele é o tipo do compositor que vem de uma linha melódica tradicional, folk e country, para um som pesado, visceral e ainda assim, melancólico, dolorido. Algo que nem Bob Dylan conseguiu fazer, com o perdão da possível blasfêmia”, observa.