quarta-feira, junho 25, 2008

A INQUIETAÇÃO DO CACHORRÃO DO HIP HOP

Snoop Dogg tenta apontar caminhos para o rap sair da vala comum do gangsta, em momento para lembrar como tudo começou

Snoop Dogg todo mundo conhece. Mas que ele era capaz de cantar – e bem – pouca gente sabia, até sair o impagável clipe do hit Sensual Seduction, onde emula o combo soul funk Zapp, bastante popular no início dos anos 80. Seu último CD, Ego Trippin‘, ainda reserva outras surpresas, como um inesperado country onde homenageia Johnny Cash.

Esse ligeiro desvio do rapper aponta para uma bem-vinda inquietação artística, muito provavelmente advinda do desgaste que o hip hop mainstream, estagnado no estilo gangsta rap desde os anos 90, já demonstra há tempos.

Marrentos, quase sempre musculosos e ostentando jóias, armas, mulheres submissas e mansões, os astros do hip hop seduziram a juventude do mundo inteiro esfregando na cara dos ianques brancos e conservadores todo o poderio e popularidade que o sucesso e o dinheiro podem comprar.

Uma merecida revanche pelos séculos de segregação escancarada e ódio racial (especialmente nos estados sulistas). Mas isso é o bastante?

E quanto à longa e sofisticada tradição musical negra oriunda do blues e do jazz, que legou ao mundo grandes gênios como Louis Armstrong, Duke Ellington, Marvin Gaye, James Brown, John Coltrane, Miles Davis, Ray Charles, Stevie Wonder e tantos outros, que encheriam uma página só com seus nomes?

O que seria da música pop e da própria cultura do século XX sem essas figuras? Para começar, sequer haveria Beatles e Rolling Stones na Inglaterra, já que eles só se interessaram por música por que gostavam do blues e do do rock primordial americano.
Daí volta-se ao rap, a música negra americana predominante nas últimas duas décadas.

Esse pessoal honra essa tradição? A verdade é dura, mas deve ser encarada: dificilmente.

Antes de tudo, é bom diferir o que é rap e o que é hip hop. Rap é a música formada pelo ritmo e pela poesia – daí o termo, um acrônimo para rhythm and poetry. Hip hop é a cultura urbana que engloba o rap, mais breakdance, grafite e DJing, entre outras atividades.

Na verdade, desde o fim dos anos 60, o grupo novaiorquino The Last Poets já praticava uma forma arcaica de rap, rimando protestos virulentos contra o racismo sobre bases de tambores.

Mas foi somente em 1979, com o hit Rapper‘s Delight, da Sugarhill Gang, que o estilo se popularizou. Sobre uma linha de baixo sinuosa, surrupiada do hit Good Times (Chic), dois rappers iam rimando sobre a base, mais ou menos da mesma forma que os toasters da Jamaica faziam desde os anos 50. Estes, por sua vez, se inspiravam no soul americano, captado via rádio. Fechou-se aí um interessantíssimo círculo de intercâmbio cultural.

Na sua primeira década, o rap e a cultura hip hop viveram um frutífero momento de estabelecimento de suas bases estéticas e ideológicas, com representações legítimas e criativas, como Public Enemy, Run DMC, Afrika Bambaata, Whodini e outros.

GANGSTA RAP DOMINOU A PRODUÇÃO

A coisa começou a degringolar nos anos 90, quando a indústria fonográfica começou a perceber a mina de ouro que tinha em mãos. Daí a fabricar seus próprios “astros“ do hip hop, como o branquelo azedo Vanilla Ice, foi um pulo.

Os negros dos guetos, por sua vez, começaram a ficar cada vez mais agressivos, e, consequentemente, sem direção. A cultura da gangues dava o tom das letras, incluindo ameaças de morte.

Depois dos distúrbios raciais que aterrorizaram Los Angeles em 1992, decorrentes da absolvição dos policiais brancos que surraram o negro Rodney King, foi que o gangsta rap decolou de vez. No mesmo ano, o rapper Ice T. e sua banda Body Count surgiram com a canção Cop Killer (Assassino de Tiras), proibida logo de cara.

Ao mesmo tempo, rappers cada vez mais ricos começaram a ostentar essa riqueza nos clipes, tornando-se tão fúteis e sem graça quanto os brancos que os oprimiam.

Pregando violência, misoginia e ostentação, o chamado gangsta rap tornou-se a tendência predominante do hip hop, gerando nomes como Tupac, Notorious B.I.G. (não a toa, ambos já mortos, assassinados por gangues rivais), Wu-Tang Clan e o próprio Snoop Dogg.

Este último, como se pôde notar, foi o mais esperto da turma. Agora estrelando um reality show nos moldes do The Osbournes, Snoop Dogg‘s Fatherhood, ele não apenas foi quem mais ampliou seu espectro de alcance popular, mas também quem, com seu último CD, Ego Trippin‘, começou um discreto movimento para, de fato, trazer a música de volta ao rap.

Extenso, com nada menos que 21 faixas, Ego Trippin‘ está longe de ser uma ruptura radical com os cânones do gênero, mas aponta direções, cantando e investindo no synth pop (tendência compartilhada com Kanye West) da ultra-grudenta Sexual Eruption (suavizada na MTV para Sensual Seduction). Há até mesmo um country suingado, My Medicine, onde o abusado rapper saúda um mito do estilo: “Gostaria de dedicar esta gravação ao meu chefe , Johnny Cash, um verdadeiro gangster americano“.

É na irreverência, na ironia e na volta às raízes que o rap pode voltar a ser um gênero interessante. Outra saída seria se mirar nos brasileiros Racionais MCs, que nunca caíram na fórmula fácil da ostentação.

Um comentário:

Franchico disse...

"News Young"...

Neil Young lança documentário sobre shows antiguerra

http://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/cultura_musica_bush_young_pol