Detroit, Michigan é mundialmente famosa por ser o berço da indústria automobilística. O estabelecimento desta indústria nesta gelada região dos Great Lakes gerou uma classe operaria prospera, vinda de todos os recantos dos Estados Unidos, em especial os negros do empobrecido sul. Estes aspectos criaram uma classe operaria politizada, e os negros disseminaram de vez o jazz e o blues nos clubes da cidade. Foi neste ambiente que Wayne Kramer e Fred 'Sonic' Smith se conheceram no ginásio de Lincoln Park, no subúrbio operário de Detroit, todos tendo em comum a paixão pela musica negra de 'alta voltagem', tipo Motown, James Brown, Chuck Berry e Little Richard. Kramer logo ficou amigo de Rob Tyner, que ligou a galera em Coltrane, Sun Ra e free jazz. Resolveram fazer uma banda, que teve vários nomes e vários baixistas até Michael Davis e o baterista Dennis Thompson se juntarem a eles em 1965 já como The Motor City 5, ou os 5 da Cidade do Motor. Tocando junto desde a adolescência, os guitarristas Kramer e 'Sonic' Smith( nome mais apropriado pra um guitarrista, ever!) desenvolveram uma performance devastadora através de experimentos impiedosos com distorção e feedback, que os levou em 1966 de apresentações em bailes escolares ao Grande Ballroom , um dos palcos mais concorridos de Detroit.
As apresentações envoltas em anarquia e barulho sem precedentes atraiam um publico cada vez maior, até atrair a atenção do ex-professor e guru local da então efervescente contracultura, John Sinclair, que viria a ser crucial para o futuro da banda, ao adotar e doutrinar politicamente o MC5. Sinclair, também chamado de Rei dos Hippies, liderava uma serie de movimentos alternativos e revolucionários agrupados embaixo de uma organização chamada Trans Love Energies, que tinha como lema 'rock?n?roll, drogas e fuder nas ruas' como meios de promover um assalto total na sociedade. O mote, sexo, drogas e rock'n'roll nascia ali. Segundo Wayne Kramer, Sinclair conseguia traduzir em linguagem acessível toda a inexplicável (até então) raiva e frustração que o MC5 expressava através do assalto sonoro da banda. Bingo, a raiva e agressividade inatas da banda ganhavam um sentido, a musica ensurdecedora do MC5 ganhava um discurso à altura.
Em 1967 Sinclair passa a gerenciar o MC5 e os transforma na banda oficial dos White Panthers, uma das organizações políticas revolucionarias comandada por Sinclair, e passa a ser porta-voz oficial da retórica política do partido, pregando uma revolução radical nos Estados Unidos, inclusive, se fosse o caso, a revolução armada. Obvio que, em um pais em guerra no Vietnam e convulsionada politicamente pelo crescimento da contracultura, o MC5 ia pagar o preço pelo posicionamento radical adotado, e eles passaram a ser perseguidos pela policia, FBI,e CIA. Isto os forçou irem para a vizinha Ann Harbour, juntamente com a banda caçula que eles apadrinhavam, uma tal de Stooges, que também passava por problemas, só que de outra ordem.Este periodo em Ann Harbour tem status mitologico no rock. Durante as revoltas raciais do verão de 67 em Detroit, o MC5 estava ausente numa espécie de exílio em Ann Harbour, mas em 68 eles estavam nos tumultos da convenção do partido Democrata em Chicago, tocando para o Yippie Party. O pau comeu feio durante a apresentação do MC5, com a tropa de choque e a policia montada, segundo Kramer, jogando pólo com a cabeça dos hippies. Eles fugiram correndo da policia, mas ganharam um contrato com a Elektra Records, depois de Danny Fields verem os caras em ação. Gravado ao vivo no Grande Ballroom no final de 68 e lançado em 69, Kick Out The Jams é um dos discos mais influentes da história do rock, e um dos grandes precursores do punk e do hardcore. O disco alcançou top 30, mas a importante cadeia de lojas Hudson's chiou do motherfucker utilizado na faixa titulo. A gravadora lançou uma versão censurada do disco, o que levou o MC5 a fazer uma campanha na imprensa cobrindo a Hudson's de impropérios e assinou os anúncios com o logo da banda e da Elektra. A Hudson's então resolveu retirar todos os títulos da Elektra das lojas, e a Elektra dispensou o MC5. O MC5 começava a aprender que a luta contra o sistema era bem mais difícil que imaginavam.
Mas a banda era quente, mesmo com o guru John Sinclair preso por porte de drogas, eles foram adotados por Jon Landau (futuro manager de Bruce Springsteen), que conseguiu um contrato com a Atlantic Records. Sob a batuta de Landau , longe do aprisionado Sinclair, e começando a ficar de saco cheio de setores mais radicais dos White Panthers, lançam em 1970 o seminal (mesmo) Back in the USA. A produção mais polida do disco, e as faixas curtas de rock mais básico e cru dividiu opiniões, mas segundo alguns, as sementes do formato punk (Ramones que o digam) foram plantada ali. A essa altura as contradições entre a carreira musical e a militância política já tinha enchido o saco dos caras que se afundavam na heroína. Ameaçados de morte pala facção radical Motherfuckers, grampeados pela CIA e com o vicio na heroína em estagio doentio lançam o apenas razoável High Time, cujo fraco desempenho levou a Atlantic a os dispensar. Depois de uma deprimente turnê européia em 72 a banda joga a toalha, tocando seu show final no Grande Ballroom por 500 dolares, gasto prontamente em skag.
Kramer passou vários anos preso por trafico de heroína, Rob Tyner morreu em1991 e Fred 'Sonic' Smith, pra quem ainda não sabe Mr. Patti Smith morreu de câncer em 1994. Como ao longo dos anos o reconhecimento à influencia da banda só fez crescer, em 2003 os membros sobreviventes resolveram ressuscitar a banda, culminando com um show triunfal em Abril deste ano no Royal Albert Hall em Londres, acompanhado pela legendária( para o jazz) Sun Ra Arkestra. Mas uma saga do rock, e um exemplo de uma banda que enquanto foi possível, viveu tocando naquilo em que acreditava, e para o bem e para o mal simbolizou o engajamento no rock. E para alguns desavisados que acham que tudo isto foi muito remoto e não nos diz respeito de forma alguma, um lembrete, o MC5 influenciou e foi pioneiro no comportamental jovem contemporâneo em todo o mundo, servindo como exemplo, até pelos excessos cometidos, em termos de atitude. Para coroar a saga um box set do MC5, batizado de Purity Accuracy acaba de ser lançado nos Estados Unidos, e desde já é objeto de desejo de todos que são fãs da banda.
13 comentários:
mc5, rock de verdade...difícil ser rebelde na américa que se diz uma democracia
Cláudio
massa o texto, Bramis. conhecia a história do MC5 por alto, sem todos esses detalhes que vc adicionou. na verdade, o que eu sabia acho que li no Mate-me por favor. a história deles merecia um filme do Oliver Stone, com todo aquele sensacionalismo que ele faz tão bem... sacanagem...
ah: dia 9, quinta-feira, faz um ano que Emerson Borel nos deixou. no sábado, será celebrada uma missa em sua homenagem na capela do Colégio Marista, no Canela, a partir das 17h30. Na ocasião, será distribuídos um cd coletânea de lembrança com diversas faixas das bandas em que ele tocou: Úteros, Guizzzmo, Black Trunk, Os Barbas, o projeto Borel/Porchat (covers, raridade encontrada no fundo do baú do homem) e Palhaços do Universo. Compareçam. Aguardem tb homenagens minha e de Mário Jorge neste blog, ainda essa semana, provavelmente no dia nove, mesmo.
"Rock and roll, dope, and fucking in the streets". É isso aí. Grande MC5.
Chição, se você quiser saber mais sobre um projeto secreto de Borel entre em contato com Paulinho Oliveira, ele vai lhe contar a história, inclusive com composições.
MC5!!!!
O segundo disco tem uma lenda em volta dele que diz que por não saber nada de estúdio, a banda e e seu guru na época mandaram colocar o agudos nas alturas, pois achavam que frequências altas em grande volume tornariam o disco mais "poderoso".
O edição em cd que circula atualmente tenta corrigir isso, mais fica a questão; mesmo sendo um erro primário, foi uma opção da banda, será que deveria ser mexido?
Miguel Cordeiro
este relato do MC5 está muito bom, osvaldo. voce os situa com precisão porque o MC5 não era só uma banda de rock e sim um agrupamento politico de alto teor explosivo. de certa forma faz falta nos dias de hoje grupos assim porque não dá prá confiar no dicurso supostamente "politico" de coisas como system of a down que bradam contra "isso e aquilo" mas são queridinhos da industria fonográfica...parabens pelo qualidade do texto.
Nei, a mixagem original do Back In The U.S.A. era odiada pelo MC5, que alias meio que renegava o disco, acho que só muito tempo depois eles se deram conta da importancia do que fizeram. achavam que o kick out the jams era mais representativo do som da banda, mas tambem não gostavam da mixagem original
interessante isso que o Miguel falou. nego ouve o SOAD achando que é a coisa mais politicamente explosiva e coisa e tal, mas seus discos são lançados por multinacionais e vendem milhões. aí fica a dúvida: eles são realmente subversivos que
"entraram no sistema para dinamita-lo por dentro" (esse chavão não convence mais ninguém, pelo visto) ou serão ingênuos românticos, que supõem estar fazendo alguma coisa contra o sistemão, mas na verdade, apenas alimentam a máquina com seus milhões de discos vendidos? o discurso deles é bem bacana, não nego. o som é potente pra caralho, animalesco, uma das únicas bandas atuais de rock pesado que garantem o que tem pendurado entre as pernas, mas e aí? peso por peso, o Slayer até hj tá aí e só é lembrado no Total Massacration (que aliás, é uma delícia para fãs de HM). será legítimo o discurso dos armênios-californianos do SOAD? qual o caminho para ser realmente subversivo? eu num sei e pra falar a verdade, qdo começo a falar dessas coisas minha cabeça começa a doer. deve ser o software inibidor de pensamentos subversivos que ingerimos na água... (ou é burrice mesmo? acho que nunca saberemos.)
cobrar das bandas hj uma postura radical e totalmente engajado como o mc5 é irreal.o proprio wayne kramer admite que nos anos 60 eles eram muito ingenuos, mas na epoca ainda havia uma aura de romantismo nos ideais revolucionarios, mas que o radicalismo os levou a serie de contradições, com as quais não souberam lidar.o punk sugeriu cinismo, apatia e niilismo contra o sistema.o pós-punk tinha uma pregação de combater o sistema de dentro, se infiltrando.o fim da guerra fria e o esbelecimento da "nova ordem mundial" por bush pai esbeleceu por hora uma especie de desencanto geral, e com o rock não tá sendo diferente.acho que a chave está na honestidade e na etica com que alguns artistas encaram sua relação com o publico,os mais honestos tentam equilibrar a eterna contradição entre arte e grana.o que não dá pra acreditar é que qualquer artista, por mais bem intencionado que seja, vá abrir mão da grana , afinal de contas conquistado com seu proprio suor( estou falando de artistas que acho que são eticos tipo neil young, bob dylan...). eu, apesar dos pesares, continuo devoto de são roque(aê toni lopes), e como bom fiel continuo achando que fora do rock não há salvação.
falou bonito, Brama. é isso aí.
MC5 no Brasil em agosto. é rock.
Grato pela resenha! Ela enriqueceu ainda mais a história da banda.
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