Le Sabbat des sorcières (1508), de Hans Baldung Grien |
Já dizia aquele outro lá que não acreditava em bruxas, mas que sim, elas existem. De fato, elas existem mesmo. Embora quase nunca sejam tão feias e malignas como a ficção e a religião oficial as pintou (e também as massacrou) ao longo de séculos.
Isso é o mínimo que se pode aprender lendo a nova e revisada edição do livro História da Bruxaria, de Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander.
Publicado no Brasil pela primeira vez em 1993, pela editora Campus, A History of Witchcraft, de Russell, é considerado um dos mais sérios e completos estudos historiograficos e antropológicos do fenômeno da bruxaria em diferentes povos e cantos do mundo ao longo da história.
Esta edição, recém-lançada pelo selo Goya, da editora Aleph, é o mesmo livro de 1993, mas amplamente atualizado e vitaminado por Brooks Alexander, colaborador de Russell, com um novo prefácio, uma nova introdução e dois capítulos completamente novos, “que atualizam a história da bruxaria moderna”, escreve Russell na apresentação.
Antes de mais nada, é bom avisar os incautos, se é que já não ficou claro: este livro não ensina ninguém a ser bruxo, não há qualquer receita de feitiço, sortilégio ou “trabalho” aqui.
Trata-se, muito antes disso, de um livro que conta o surgimento e o desenvolvimento da bruxaria – e mais do que isso: mostra como o mito da bruxa má, estabelecido nos primórdios do cristianismo, serviu como uma belíssima desculpa para os poderosos perseguirem e eliminarem indesejáveis de seus pedaços.
Muito didático, Russell inicia o livro com um capítulo intitulado “O que é uma bruxa?”, no qual demonstra, entre outras coisas, que a figura arquetípica da bruxa de nariz pontudo, gargalhada histérica e montada em uma vassoura (arquétipo de fundo misógino, diga-se de passagem), foi estabelecido ao longo de séculos, abarcando obras que vão desde as pinturas de Francisco Goya (1746- 1828) até os filmes de princesa da Disney.
“Provavelmente, nenhuma bruxa, em tempo algum, jamais teve as características desse estereótipo”, escreve Russell. “Todavia, bruxas existem realmente. De fato, a bruxaria é considerada como uma religião de pleno direito por numerosas instituições, inclusive as forças armadas e os sistema legal dos Estados Unidos”, afirma.
Magic Circle (1886), de John William Waterhouse |
Ficção que vira realidade
Mas o bicho, como se sabe, realmente começou a pegar na idade média, quando a igreja católica começou a associar tudo o que a desagradava à bruxaria. Desta forma, judeus, hereges e dissidentes cristãos, como os cátaros, foram todos jogados no mesmo balaio.
Os que não conseguiram fugir da Europa tiveram um de dois destinos: ou se converteram (os “cristãos novos”) ou foram perseguidos, torturados e queimados vivos.
Em fins do século 19, a bruxaria foi “reabilitada” após alguns estudiosos afirmarem que bruxaria era, na verdade, uma ancestral religião europeia pré-cristã, que sobreviveu ao longo dos séculos, a hoje popular wicca ou dianismo.
Russell e Brooks refutam completamente essa hipótese do paganismo pré-cristão dedicado à deusa Diana apontando diversas fontes (historiadores, antropólogos), mas admitem que, de fato, essa narrativa acabou se estabelecendo como “oficial”, influenciando de forma definitiva as diversas correntes e grupos neopagãos dedicados ao culto da Deusa, da Mãe Terra e outras denominações.
Então, quando hoje vemos – aqui mesmo em Salvador eles existem – grupos de homens e mulheres em roupas rituais saudando o sol, a lua cheia, etc, pode acreditar que, de fato, há de tudo ali: um pouco de ficção, um outro tanto de tradição pagã primitiva e sim, também muita fé.
Didático e acessível, História da Bruxaria é leitura altamente recomendável, tanto para quem acredita, quanto para os céticos, pero no mucho.
História da Bruxaria / Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander / Goya - Aleph / 280 páginas / R$ 66,60
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