Edyr Augusto. Crédito: Luiz Braga |
Ironicamente, foi com seu livro mais recente, intitulado justamente Pssica, que o escritor de Belém Edyr Augusto teve mais sorte em chamar atenção da grande imprensa no eixo Rio-SP, onde alguns críticos já apontam o romance como um dos melhores livros do ano.
Demorou: Pssica já é o sexto romance de Edyr, que já foi publicado em quatro outros países, com direito a um prêmio literário em Lyon (França), o Chamaleon 2015.
Aos 61 anos, o escritor, jornalista, publicitário e dramaturgo parece feliz com o momento de reconhecimento que só agora chega.
RESENHA: O coração das trevas amazônico pulsa com taquicardia aguda em Pssica, sexto livro do paraense Edyr Augusto
Romance policial de tirar o fôlego, o livrinho (apenas 96 páginas) espanta o leitor com a extrema agilidade com que a trama costura personagens em situações de violência brutal, sem julgamento ou perdão.
Narrador hábil, Edyr, que é jornalista, publicitário e já teve seus romances publicados na Inglaterra, França, Peru e México, coordena duas linhas narrativas que caminham paralelas e vão se cruzando.
Na primeira, acompanhamos a via-crúcis de Janalice, uma menina de 14 anos, pobre e bonita, que, depois de ser vítima de revenge porn na escola, é expulsa de casa e, em seguida, raptada, prostituída, viciada em drogas etc.
A outra segue o angolano Manoel Tourinhos, o Portuga, que sofre uma tragédia ao ter sua casa atacada pelos ratos-d’água (ladrões embarcados, que agem na região amazônica) e quer vingança.
Noir amazônico
Dono de prosa telegráfica (com o perdão do cansado clichê), Edyr abdica de absolutamente tudo que poderia travar o ritmo alucinante de sua narrativa: descrições de pessoas ou lugares, diálogos com aspas ou travessões, metáforas.
Não há uma frase mais longa do que uma ou duas linhas. É tudo jogado na cara do leitor com a delicadeza de um elefante epiléptico em uma loja de louça.
Seus personagens circulam pelo lado mais sombrio da sociedade, sejam eles ratos d’água, policiais aposentados, políticos corruptos ou traficantes de escravas sexuais.
E é através desses personagens que o autor vai fazendo uma radiografia da sociedade paraense contemporânea sem retoques, tocando em feridas como o tráfico de meninas, a violência sem limites dos piratas do rio, a corrupção generalizada dos políticos e autoridades e o desamparo em que vivem os desfavorecidos.
Festejado pela crítica francesa como o mestre do “noir amazônico”, Edyr ainda ganhou o prêmio Camaleon 2015, em Lyon.
Está na hora do Brasil descobrir este incrível autor.
Pssica / Edyr Augusto / Boitempo - Samaúma Editorial / 96 p. / R$ 28
ENTREVISTA: EDYR AUGUSTO
Sua prosa é bem seca e direta, com orações curtas, onde o senhor abdica de aspas e travessões nos diálogos. A que o senhor atribui o desenvolvimento de seu estilo?
Edyr Augusto: Meu estilo é a soma de minhas atividades como radialista, jornalista, publicitário e dramaturgo. A procura pela concisão, nos textos, nos diálogos em teatro, foi apresentada em meu primeiro romance, Os Éguas e claramente mostrada no segundo Moscow. Nas cenas de ação, abdico de aspas, travessões, mudo tempo de verbos, pois naquele momento, puxo o leitor para dentro do texto, vivendo a mesma velocidade, respirando sofregamente, como se estivesse espreitando e ao final, respire fundo e prossiga na leitura. Trabalho com a coleção de imagens desses leitores que criam a cena em suas mentes. Mesmo quando mudo quem está falando, é possível distinguir este e aquele.
Seus personagens transitam dos salões da política corrupta aos ambientes mais sórdidos das periferias. A trama policial é o pretexto para refletir sobre uma sociedade apodrecida pelo subdesenvolvimento?
EA: Meus livros têm como cenário minha cidade, Belém, que sofre dos mesmos males que se verificam nas grandes cidades brasileiras. Uma selva de concreto fincada na selva amazônica. Há contrastes fortes entre os que vêm do interior, de uma vida mais “verde” e encontram o “cinza”. Dos que vieram de fora, atrás de riquezas e agora levam sub-vidas. Uma classe alta egoísta, que passa finais de semana em Miami, vive em palácios, mas quando põe o pé na rua, mergulha na lama. Isso acontece em todas as cidades brasileiras, talvez. Mas é meu cenário. Não sei até onde meus livros têm “tramas policiais”. São pessoas vivendo momentos de brutal emoção, saindo de sua zona de conforto para reagir, deixando escrúpulos de lado. Sim, meus livros refletem sobre a sociedade brasileira, paraense. Os dramas valem para todos os humanos, mas são localizados em minha cidade. Somos bons e maus, conforme as circunstâncias. A corrupção está em toda parte. Em Belém, também.
Sua inspiração vem do noticiário ou vivência pessoal, já que o senhor vive bem no centro de Belém?
EA: Tudo me influencia. Sou viciado em informação. Leio vários jornais, diariamente. Dou atenção aos sangrentos cadernos de polícia. Às vezes há dramas que fogem do comum e interessam. Em “Pssica”, dei atenção a dois fatos da atualidade, os ratos d’água, piratas da Amazônia e o tráfico de mulheres, este, acontecendo em todo o mundo, e também em Belém, por sua situação geográfica, saindo para o Suriname e Caiena. Os personagens são ficcionais, totalmente. Eu os pus para conviver dentro das duas situações, fiquei assistindo e escrevendo. Moro próximo ao meu trabalho, no centro da cidade. Quando vou andando, falo com uma turma composta por craqueiros, prostitutas, cafetões, taxistas, engraxates, camelôs, até um rapper que vende chips de celular e anuncia um show que nunca acontece. Eu os ouço, converso, vejo o movimentos do corpo, pegando o molejo, a melodia, as gírias. Uma festa diária. Tudo me serve no momento de escrita. É um ato solitário, mas para ser bem exato, me sinto cercado por todos eles, dando palpites, corrigindo, acrescentando, o que vou escrevendo.
Apesar do ritmo extremamente ágil e do verniz atual, as questões humanas e sociais que o senhor trabalha no seu romance não são exatamente novas. A menina expulsa de casa hoje por causa do vídeo íntimo vazado é a mesma de antigamente, expulsa por não ser mais "pura". Mudam os meios, permanecem as questões centrais?
EA: Como se diz, “o ser humano não falha”. Apesar de todos os ganhos que a modernidade trouxe, a verdade é que o Brasil enfrenta graves questões sociais, por conta da falta de Educação e Cultura entre outros. Há vários Brasis, desde o mostrado na Rede Globo, baseado em Ipanema e os das demais cidades, e os dos interior, onde novos modelos de comportamento não funcionam. A história de Pssica poderia acontecer em qualquer lugar, Salvador, por exemplo. Deve até acontecer. Quanto ao tráfico de mulheres, assunto gravíssimo, a impressão que dá é que preferimos deixar de lado, por ser desagradável. É o nosso mundo, cheio de contradições.
No Brasil, a barbárie que o senhor retrata tão bem é quase sempre atribuída apenas aos criminosos como os ratos d'água do seu livro, mas ela também está no rapaz que vaza vídeos íntimos de uma menor de propósito e no pai que expulsa a filha de casa, ao invés de acolhe-la para que aprenda com seus erros. O brasileiro médio é um bárbaro por natureza?
EA: Todo ser humano é bárbaro, por natureza. Mesmo os de melhor educação, atingidos por fatos que ferem profundamente, são impelidos à reação, a deixar escrúpulos de lado e agirem de maneira selvagem. Difícil julgar cada ato, porque há vários componentes, como a desvalorização da mulher, a grosseria, bossalidade que se manifesta neste adolescente que parecia tão bonitinho e educado. Quanto aos pais, seria necessária uma análise mais extensa, mas caminha pela súbita, a seus olhos, desvalorização daquela que era a princesinha da casa, que até então era apenas de papai e mamãe. Somos todos bárbaros por natureza.
O Pssica daria um excelente filme do Beto Brant ou Fernando Meirelles. O senhor já recebeu alguma proposta para transpor o livro às telas? Algum outro livro ou conto do senhor já foi adaptado em outra mídia?
EA: Fico incomodado quando dizem que meus livros dariam grandes filmes. Ouço isso como se dissessem que a grande arte é o Cinema. Meus livros são Literatura e pronto. Se forem filmados, é outra coisa, outro gênero, roteiros, enfim, tudo diferente. Sim, aqui em Belém há várias pessoas planejando isso, mas nada concreto. Há também solicitações de empresas grandes. Beto Brant me disse que queria ler meus livros. Fernando Meirelles esteve na cidade há pouco tempo e gostou de Pssica. Ia ler Os Éguas.
Livro de Edyr pela Editions Asphalte |
EA: Vejo muito cinema, mas não sou cinéfilo. Assisto series. Muita gente me diz que meu texto se assemelha a roteiros cinematográficos. Mas não sei como chegar a isso. Nunca escrevi um roteiro. Talvez seja pela secura de adjetivos, descrição de lugares. Tudo é bem direto, rápido. Quero que o leitor crie sua cena, seus personagens, seu caráter, para entender seus atos. Mas não creio que a linguagem cinematográfica me influencie. Posso dizer que, por teclar muito rápido, enquanto escrevo, olho a tela do computador como uma tela de cinema onde tudo está acontecendo. Só.
Vi em uma outra entrevista sua que, apesar de já ter alguns outros livros escritos, só com o Pssica o senhor recebeu algum reconhecimento na grande imprensa do eixo Rio-SP. Que outros escritores contemporâneos do Pará o senhor recomendaria? Há uma cena literária ativa em Belém?
EA: A Boitempo me apoiou desde o primeiro livro, que mereceu umas três linhas, no extinto Folha da Tarde em São Paulo. O segundo, Moscow, pela força de amigos como Marcelo Mirisola, Marçal Aquino, Ronaldo Bressane e Marcelino Freire, me rendeu algumas matérias e resenhas. O problema é furar a competição das grandes editoras, sempre com ótimos lançamentos. Um escritor do Pará não desperta a curiosidade. Talvez pensassem ser muito distante, sei lá. Foi depois de obter sucesso na França que veio o interesse pelo meu trabalho. Agora estão interessados nos livros passados. Que bom. Talvez tenha chegado minha hora, meu tempo. Há vinte anos não temos nenhuma política cultural para qualquer atividade, mas nós, escritores, nos reunimos e acabamos de realizar a segunda Feira Literária do Pará. Há grandes poetas como João de Jesus Paes Loureiro, Benny Franklin, romancistas jovens como Andrei Simões, Roberta Spindler Caco Ishak e regionalistas como Salomão Laredo.
Todo escritor costuma ter um tema que perpassa sua obra, de uma forma ou de outra. Qual seria o seu?
EA: Na França dizem que escrevo “polar”, que é romance policial. Aqui no Brasil já disseram que talvez seja algo mais para “literatura de ação”. Não acho nada disso. Escrevo sobre as pessoas. Seus sentimentos, seus medos, suas maldades, egoísmos, ira, vingança. Essas pessoas são atingidas por fatos extremamente fortes, em seu âmago e precisam reagir. Esse é o momento em que me interesso por elas. No limite. Os segundos passam rápido. O nível de decisão é o mais alto. O que fazer? Nesse instante, somos capazes de tudo. É sobre isso que escrevo.
Me parece que o senhor é mais reconhecido na França do que no Brasil. Procede? Por que o senhor acha que isso aconteceu?
EA: O sucesso na França é algo que ainda me intriga. Primeiro é resultado do excelente trabalho da Boitempo, através de seus representantes na Europa. Depois, duas moças maravilhosas, Estelle e Claire, proprietárias da Asphalte Editions, cheias de entusiasmo, que me apresentaram ao mercado. E ainda professores e alunos da Universidade Jean Moulin, em Lyon, que escolheram Belém (titulo original Os Éguas), para receber o prêmio Chameleon, no começo do ano. Tenho participado de várias feiras literárias em todo o país e venho recebendo grande atenção da mídia. O Mercado literário francês é maravilhoso. Até em livro de bolso meus livros já foram lançados. Quem sabe por causa da linguagem seca, rápida? Da excelente tradução de Diniz Galhos? Por conta dos jovens, como os da universidade, que compraram meu estilo? Uma coisa é certa: faz um bem danado esse reconhecimento que agora chega ao Brasil.
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