Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
Show: Pernambucanos da banda Eddie voltam a Salvador para show único hoje no Portela Café, onde lançam o álbum mais recente, o sombrio Morte e Vida
Eddie, foto Bruno Guerra
Banda independente com 27 anos de estrada e fãs fiéis no Brasil e no mundo, a pernambucana Eddie volta a cidade para lançar seu último álbum, Morte e Vida.
Certamente o título mais sombrio na discografia da trupe liderada por Fábio Trummer, o disco marca uma mudança de atitude estética para o quinteto – menos carnavalesco e mais reflexivo.
“A gente não queria ficar estigmatizado com a coisa do Original Olinda Style (título do CD de 2003), que se caracteriza como carnavalesca, uma associação muito forte com Olinda”, diz Trummer.
“Por muito tempo, carregamos símbolos que não são nossos, não queríamos mais afirmar isso tanto. Por isso, neste novo disco, mergulhamos nesse outro universo, para sair da zona de conforto e aprender coisas novas”, acrescenta o músico.
Mas sem pânico: o Eddie de Morte e Vida ainda é o mesmo Eddie que os fãs aprenderam a amar, praticando aquele surfrevo cheio de balanço, bom para dançar solto ou agarradinho na pista. As letras é que refletem o sombrio momento por que passam o Brasil e o mundo.
“Com certeza, isso tem um peso no tom que usamos para compor. Algumas músicas tem relação bem direta com o que vem acontecendo desde as passeatas. Parece que todo mundo se tocou dos meandros das administrações públicas”, afirma.
“Esse foi um disco que realmente quisemos pensar no que estava acontecendo. Ao mesmo tempo, tem uma introspecção também. A gente usa temas de separação, emoções mais pesadas, por experiência minha mesmo e de membros da banda. Vivemos uma época de emoções à flor da pele”, conta.
Com quase três décadas, a Eddie é uma banda independente de sucesso, que grava álbuns, viaja o Brasil e o mundo fazendo shows para um público fiel e apaixonado, que canta junto suas músicas - mesmo sem tocar em rádio ou aparecer na TV – um feito e tanto.
Eddie e amigo na praia, foto Beto Figueroa
"Cara, nosso segredo é a paciência. A gente tem 27 anos de um trabalho pensado a longo prazo. Desde muito cedo eu tive essa noção de que até podia acontecer a sorte de uma música sair por uma gravadora e ter uma uma vitrine e tal, mas não poderia ser loteria, nós não contamos com isso. O caminho de ser música é para a vida toda. Quando eu vi que era para o resto da vida, pensei no mercado, em como eu sobreviveria e enxerguei que o caminho natural é o longo prazo. Pense assim: 'Quando os meninos da rua estiverem cantando suas músicas, você pensa no bairro. Depois, na cidade, na cidade vizinha e assim, passo a passo. Pense na música enquanto trabalho. Mas, por outro lado, você tem a criação, que acaba sendo o foco principal da gente, para não cair nas armadilhas do que o mercado propõe e impõe, para você tentar, de alguma maneira, fugir disso e fazer sua própria coisa. Na nossa música, cada membro da banda tem uma participação nesse som. Quando me perguntam por que não tocamos músicas do primeiro CD é o seguinte, é que são pessoas diferentes, é organizado de acordo com quem está tocando, são todos autodidatas, então quando junta, o som sai por ali. Então enxergamos uma identidade musical dentro de nossas limitações e vocações. É um trabalho de longo prazo, tentativa e erro, você tem que fazer uma carreira como escolha de vida. Com foco e determinação, e levando em conta primordial a sua música, eu acho que qualquer um consegue se dar bem. O Brasil é muito rico de expressões e as pessoas que se expressarem da sua maneira também vão conseguir. Mas é engraçado, por que lá atrás era uma incerteza total. Dei sorte de ser da mesma geração de um Chicoo Science, de um Siba, Fred Zero Quatro, Lirinha, Canibal... era muita gente boa fazendo musica num mesmo lugar e determinados a fazer só música, não eram jornalistas que tinham banda ou médicos que tocavam. Eram músicos - ganhando dinheiro ou não. Dei sorte de estar nesse meio de pessoas muito bem resolvidas como Karina Buhr, Spoc, Silvério Pessoa, é muita gente talentosa que parou para pensar na sua música e desenvolver sua própria linguagem", reflete.
Formada por Fábio (voz e guitarra, Alexandre Barreto (voz e percussão), Roberto Gonçalves Meira (baixo), Ricardo Gonçalves Meira (bateria) e André Guedes Alves de Oliveira (teclados, trompete e samples), a Eddie faz hoje o repertório de Morte e Vida, mais “músicas que dialogam com esse trabalho novo e também as que são referências de nossa musicalidade. Também deixamos um espaço para músicas de acordo com o clima do lugar, das pessoas”, conclui Fábio.
Eddie / Hoje, 23 horas / Portela Café / R$ 20 (1º lote), R$ 25 (2º) e R$ 30 (3º) / Vendas: sympla.com.br / Baixe os CDs: www.bandaeddie.com.br
Estreia: Com Jesse Eisenberg e Kristen Stewart, American Ultra: Armados e Alucinados tem ação, mas desperdiça boa premissa sobre o programa Ultra, da CIA
Jesse Eisenberg e Kristen Stewart viajando legal enquanto tudo explode
Jesse Eisenberg (o Lex Luthor do vindouro Batman vs. Superman) e Kristen Stewart (Saga Crepúsculo) se reencontram na tela em American Ultra: Armados e Alucinados, seis anos depois de atuarem em Férias Frustradas de Verão (Adventureland, 2009).
Vendido como uma comédia de ação, American Ultra está muito mais para este último gênero do para o primeiro, já que, raramente leva ao riso.
Dirigido por Nima Nourizadeh, de Projeto X (2012), o filme tem bom elenco de apoio, com John Leguizamo, Walton Goggins (The Shield), Connie Britton e Bill Pullman, mas, ainda assim, falha em transcender o rótulo de mero filme de ação.
O título e a trama fazem uma referência ao famigerado programa governamental norte-americano MK Ultra (de Mind Kontrol, ou Kontrole Mental Ultra).
Só por que o cara é maconheiro fica todo mundo querendo dar porrada. Caretice
Fato verídico, o MK Ultra foi desenvolvido pela CIA nos anos 1950, na Guerra Fria, e tentava criar, com o uso de LSD e mescalina, sleeper cells (agentes adormecidos) – ou seja, operativos que não sabiam de sua condição e poderiam ser ativados através de um gatilho pós-hipnótico, como uma palavra, uma música ou uma imagem.
No filme, Mike Howell (Eisenberg) é o “Jason Bourne” da vez, um loser maconheiro que só tem um emprego de caixa de loja de conveniência e uma namorada (Stewart).
Tudo muda quando um burocrata da agência de inteligência (Topher Grace, de That 70’s Show, perdido no papel) resolve encerrar o programa Ultra e eliminar o último agente adormecido.
Ao ser atacado, a programação de super-agente assassino de Mike aflora, e ele sai distribuindo porrada pra todo lado, utilizando o que encontra pela frente.
O filme tem bom ritmo e é bem violento – condizente com o gênero a que se propõe.
John Leguizamo mucho loco tirando onda cheio de tattoo
O problema é que não passa disso. A trama parece ter sido enxugada ao máximo e jamais se aprofunda no assunto do Programa Ultra, que tem bases reais e poderia render uma trama conspiratória de tons políticos muito mais extravagante e interessante.
No fim das contas, uma boa sessão da tarde – e só.
American Ultra: Armados e alucinados / Dir.: Nima Nourizadeh / Com Kristen Stewart, Jesse Eisenberg, John Leguizamo e Topher Grace / UCI Orient Shopping Barra, UCI Orient Shopping da Bahia, UCI Orient Shopping Paralela / 16 anos
HQ: Fora de catálogo no Brasil desde 1969, Barbarella volta em novo álbum
Em tempo de empoderamento feminino e Marcha das Vadias pelo direito sagrado e inalienável de (se) dar para quem bem entender sem julgamentos, a desinibida heroína futurista Barbarella é um belo lembrete de que essa luta não vem de agora.
Desaparecida do mercado editorial brasileiro desde 1969, a sirigaita espacial volta agora em um simpático álbum da editora Jupati em toda sua glória lasciva, cortesia do seu criador, um francês safadinho e talentoso chamado Jean-Claude Forest (1930-1998).
Criada em 1962, a personagem pode até ter sido criada tendo em vista muito mais os desejos púberes masculinos dos leitores de quadrinhos do que a liberação feminina, mas o fato é que, a partir de Barbarella, universitários antenados e garotas francesas começaram a se interessar a ler quadrinhos na pátria de Voltaire.
As razões são bem explicadas no prefácio do álbum, escrito pelo pesquisador baiano Gonçalo Júnior: “Causou escândalo a desinibição moral e a fantasia poética de suas aventuras. Barbarella também interessava às mulheres”.
“Sem se preocupar sobre o que podiam pensar dela, fazia do seu corpo o que bem entendesse. Até transaria com um robô, como se verá na história a seguir”, escreve.
Em suma: Barbarella mudou o jogo. Depois dela, nada mais foi a mesma coisa.
Contexto e sátira
Claro que, com o álbum em mãos, o leitor contemporâneo pode até não se impressionar muito.
Bonitos, porém simplórios, os desenhos de Forest mostram uma heroína que é sim, bela (até por que sua figura era baseada em Brigitte Bardot) – mas quase esquelética se for injustamente comparada com as bombadas e atléticas aventureiras de hoje em dia, desenhadas por nomes como Frank Cho (Liberty Meadows) ou Bryan Hitch (Os Supremos, The Authority).
(O curioso é que, adaptada para o cinema em 1968 pelo diretor Roger Vadim, a personagem acabou tendo a imagem eternamente associada a outra atriz da época, Jane Fonda).
Mas é como se diz – pelo menos neste caso –, contexto é tudo.
Tendo em mente que se trata de uma HQ de ficção científica de tons satíricos escrita e desenhada em plenos anos 1960, o leitor de agora pode se divertir muito com as peripécias aventurescas e sensuais de Barbarella às voltas com planetas estranhos e seus problemas ainda mais esquisitos.
O leitor mais atento poderá até mesmo identificar pinceladas de sátira política com ressonâncias perturbadoramente atuais.
Em sua aventura inaugural, Barbarella cai no desértico planeta Lythion, onde só há civilização em uma cidade – por que toda a água do único rio do planeta foi desviada para lá.
Revoltados, os habitantes do deserto atacam a cidade sem aviso. À luz dos fatos recentes, uma HQ profética.
Cantoras tímidas de voz suave e melodias delicadas não são novidade desde os anos 1960, com a bossa nova no Brasil e chanteuses-atrizes francesas, como Brigitte Bardot e Jane Birkin, entre outras.
Na década de 1990, o estilo foi meio que incorporado pelo indie rock, gerando bandas adoráveis como The Sundays, Mazzy Star, Lush e Slowdive.
Em seu primeiro álbum, produzido por Jorge Solovera, a soteropolitana Nalini transita de peito aberto nesse fio de navalha, conseguindo, felizmente, resultados acima da média.
Nesta sexta-feira, a moça e o popular Solove fazem um show multimídia para lançar o disco, Plongée.
“O ponto central do show é a música, mas vai ter intervenções em vídeo e com um ator”, adianta Nalini.
“O vídeo apresenta convidados declamando poesias do meu livro Amores Rumores Traumas e Flores (2014), que filmei em plongée (vistos de cima para baixo), que é o titulo do disco. E no meio do show tem uma surpresa, que é um ator que vai declamar uma poesia ali na hora”, conta.
Ainda desacostumada com a exposição pessoal, apressa-se em acrescentar: “Mas nada muito espalhafatoso. Sou mais reservada, uma artista mais suave que faz um som acústico. Não tem muita bateria. Tem um pianinho, um harmonium indiano e tal”.
Alma traduzida em canções
Aluna de piano clássico na infância, Nalini ganhou ali a base para criar as primeiras composições.
“Além de música clássica, sempre gostei de rock. Ninguém entendia, mas é tudo música pra mim”, afirma.
Formada em Tecnologia da Informação, Nalini ainda levou um bom tempo até começar de verdade na música.
“Ah, eu fiz vestibular, casei, tive filho. Voltei para a música como videomaker. Fiz clipes para bandas locais e depois entrei como tecladista na banda Os Culpados, de André Mendes. Depois comecei em outra bandinha de barzinho, Os Trintões”, conta.
Em Solovera, Nalini encontrou o que chama de “tradutor musical da minha alma. Ele captou tudo que eu queria passar, formatou meu jeito de cantar e compor”, diz.
Em janeiro, Nalini estreia no Dubliner’s, em formato mais roqueiro, com baixo e bateria, no projeto Quanto Vale o Show?.
Show: Plongée, com Nalini e Jorge Solovera / Sexta-feira, 20 horas / Teatro Molière (Aliança Francesa – Barra) / R$ 30 e R$ 15 / www.nalini.com.br
NUETAS
Jack e suRRmenage
Aline Lessa, sábado no Lalá. Foto PH Rocha
As bandas Jack Doido & suRRmenage se apresentam hoje no Quanto Vale o Show?. 20 horas, no Dubliner’s, pague quanto quiser. Ah! Rafael Bandeira, curador do Festival Ponto CE (Fortaleza), estará lá, a fim de conhecer sua banda. Aproveite e leve seu material (CD, release, camiseta, bottom e o caralho) para entregar ao homem.
Setembro na Rhoncus
Remanescente dos anos 1990, a banda de soul Setembro passou anos parada. De volta em 2013, lançou um álbum. Sexta-feira, se apresenta no Rhoncus Pub, às 22 horas. R$ 30 (eles), R$ 20 (elas).
Aline Lessa no Lalá
Ex-cantora da banda carioca Tipo Uísque, Aline Lessa traz a Salvador o show de seu elogiado primeiro álbum solo, cheio de canções doces e intimistas. Sábado, 21 horas, no Lálá, R$ 15.
HQ comemorativa dos 100 anos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia.
Mais uma obra em parceria com o cartunista Gentil, através de sua empresa, a Bamboo Editora.
A primeira foi aquela sobre o 2 de julho, lançada em 2013 e relançada (agora em cores) este ano, encartada no jornal A TARDE.
Foi um trabalho mais duro, já que é mais institucional e exigiu uma pesquisa mais específica, ao costurar a história do Tribunal às histórias da Bahia e do Brasil.
Gentil, como sempre, nos deixa de queixo caído com sua arte, praticamente um Alex Ross soteropolitano. Pra mim, é sempre uma honra trabalhar com este cara.
Essa HQ será distribuída gratuitamente em escolas e bibliotecas públicas.
O fértil cenário roqueiro local, apesar de todas as dificuldades, não para de apresentar novidades muito legais.
Uma bem recente é o power trio Ronco, que acaba de lançar seu primeiro trabalho, um EP com cinco faixas pela trinca de selos Big Bross-Brechó-São Rock.
Som rolando, a Ronco se mostra uma fiel seguidora dos cânones do classic rock baseado no blues pesado contemporâneo, pronta para ser degustada sem restrições por fãs de Black Keys e Jack White em suas múltiplas bandas.
Não por acaso, a banda fundada pelo guitarrista e vocalista Thiago Guimarães seria inicialmente um duo nos moldes do BK, quando ele era acompanhado apenas pelo baterista Roberto Bispo.
“Não demorou para a gente querer ter mais liberdade e aí chamei Turan (Dias, baixista) de novo”, conta Thiago, citando seu ex-parceiro em uma banda cover anterior à Ronco. “Ele ouviu as músicas, curtiu e colou na hora”, relata.
Banda super na vibe
Banda completa, EP lançado, Thiago, Bispo e Turan tem se apresentado pelos palcos do underground local, com toda a vontade e energia de quem está começando e acreditando muito no que faz.
“Estamos super na vibe para tocar onde quiserem que a gente toque. Na verdade, até se não quiserem, a gente vai na cara dura”, diverte-se.
“O interior está bombando e a gente não vai ficar de fora, não. No que depender da gente, não demora muito pra Ronco aterrissar nos palcos do interior da Bahia, turnêzinha de fim de semana”, diz Thiago.
Perguntado sobre a clara influência do Black Keys no som da banda, Thiago diz que, na verdade, a Ronco ainda está na busca por uma identidade própria: “A gente vive tentando entender isso para tentar delimitar o som que fazemos, mas é complicado”, diz.
“Acho que eu sou o único que curte muito The Black Keys. Mas o massa da Ronco é a congruência de todas essas influências diferentes. Eu tô lá na guitarra, fazendo uma música riffada num esquema meio bluesy, Turan vai e mete uma linha stoner e aí vem Bispo e mete um pedal duplo, man! Isso é loucura! A Ronco é isso”, conclui, entusiasmado.
Quartas de Peso, com Ronco e Jack Doido / Dia 25, 22 horas / Taverna Music Bar / Gratuito www.facebook.com/bandaronco
NUETAS
Blues de casa nova
Depois de anos como residente das noites de quarta-feira no Dubliner’s Irish Pub, a banda Água Suja leva seu projeto Blues Free Salvador para a casa ao lado, o Taverna Music Bar – só que agora às quintas-feiras. Sempre a partir das 23 horas, entrada gratuita.
Blues itinerante
Falando nisso, Álvaro Assmar & Mojo Blues Band inauguram o projeto Night Blues também quinta-feira, 22 horas, no Red River Café. A ideia é fazer shows mensais itinerantes. Entrada a R$ 30.
Punk rock night
As bandas Antiporcos, The Good Garden, Pastel de Miolos e Thrunda (de Fortaleza) fazem uma night punk rock zangada nesta sexta-feira, às 21 horas, no Taverna, R$ 15.
Concerto: Orkestra Rumpilezz traz a Salvador o espetáculo Visita Caymmi, em sessão única no próximo sábado
Foto do espetáculo, por Andreia Nestreia
Um dos nomes máximos da música popular brasileira, Dorival Caymmi (1914-2008) dispensa apresentações.
No concerto Rumpilezz Visita Caymmi, contudo, a orquestra liderada por Letieres Leite faz o que parecia impossível, nos apresentando um outro Caymmi.
O concerto, patrocinado pelos Correios e com direção artística de Elísio Lopes, cenário de Renata Mota e projeções do VJ Gabiru, chega ao palco do Teatro Castro Alves neste sábado, fechando uma bem-sucedida turnê que já passou pelo Rio de Janeiro (em junho), Porto Alegre, Blumenau (setembro) e Curitiba (no mês passado).
A Orkestra Rumpilezz que visita o mestre baiano abdica do figurino branco imaculado usual em favor de elegantes ternos cinza-grafite, um visual em sintonia com a proposta de Letieres, que é abordar um Caymmi noturno, lunar, à sombra das palmeiras.
“Pensando no espetáculo, cheguei a conclusão de que eu não me sentia confortável com o Caymmi tradicional: solar, diurno”, afirma o músico.
“Fiquei mais interessado em ressaltar o Caymmi noturno, soturno, até mesmo trágico, do pescador que não volta do mar, o Caymmi grave da lagoa escura. O ambiente dele que busquei traduzir é ligado a essa ideia imagética”, acrescenta.
Os sons da matriz
Esse caminho estético norteou, de certa forma, a própria escolha do repertório do concerto, que traz dez composições – entre elas, Canto de Nanã, O Vento, Acalanto e Noite de Temporal.
“O repertório eu escolhi de forma bem livre. As primeiras músicas que me impactaram em minha vida e mais ligada ao interesse da criação musical, músicas que imaginei que iam ficar muito bem orquestradas. Procurei relacionar também músicas que eu estava emocionalmente conectado”, detalha.
Letieres – praticamente um cientista da percussão, tal a profundidade de suas pesquisas – busca nas composições de Caymmi as bases estruturais da música afro-baiana que norteiam a MPB como um todo – e o trabalho da Rumpilezz em particular.
“Sempre tive abertura para visitar compositores e mostrar que, não só nas composições da Rumpilezz eu poderia abordar esse rigor instrumental da percussão afro-baiana. A música brasileira é fortemente ancorada nesses mesmos princípios”, afirma.
“E um nome que sempre surgia era o de Caymmi, desde o principio da Orkestra. Os outros mais recorrentes são Gilberto Gil e Milton Nascimento. Eu observei a composição desses autores e vi nelas o rigor desses princípios estruturais que formam a música de matriz africana no Brasil”, conta.
Foto Andreia Nestreia
Orkestra debaixo d’água
Além da concepção musical, Letieres reitera que a visão cenográfica do concerto também foi muito importante na criação de um clima caymmiano.
“Agradeço muito a participação luxuosa de Elísio Lopes, que entendeu e interpretou minha proposta de forma magnífica e ajudou a traduzir essa ideia em realidade com Renata Mota, que fez o cenário com o elemento água presente e as projeções do VJ Gabiru”, afirma Letieres.
“Tudo para transmitir essa sensação de água. Propositalmente, nossa visibilidade não é grande, pois a ideia é que simular que estamos dentro d‘água, como se fosse um aquário”, descreve.
Com tamanha produção, ele espera registrar o concerto em DVD em breve. “A ideia é gravar um DVD, sim. Não temos nada fechado ainda, mas está nos planos”, afirma.
“Espero que as pessoas vão assistir. É um espetáculo cênico e musical que mostra outras faces da Orkestra e de Caymmi”, convida.
Rumpilezz Visita Caymmi / Sábado, 21 horas / Teatro Castro Alves / R$ 60 e R$ 30 (filas A - P), R$ 40 e R$ 20 (filas Q a Z11) / Vendas: Bilheteria TCA e SACs Shoppings Barra e Bela Vista
O livre trânsito da informação é o tema d’O Papiro de César, segunda aventura de Asterix sob o comando criativo da dupla Didier Conrad (desenhos) & Jean-Yves Ferri (roteiro), depois da boa estreia com Asterix Entre os Pictos (2013).
Recém-lançado, O Papiro... não só mantém o bom nível do álbum anterior, como aponta para uma retomada de sátiras políticas e sociais, como era mais comum nas aventuras iniciais criadas pela dupla criadora Goscinny & Uderzo.
Para os fãs tradicionais, tudo o que se espera de uma aventura do Asterix está aqui: as surras nos romanos, o apavoro dos piratas, as manhas de Obelix, as gags visuais e o banquete final na aldeia.
O grande barato do Papiro de César é a sátira que faz a partir de fatos do mundo real, com direito a uma versão gaulesa de Julian Assange , o polêmico fundador do Wikileaks.
Tudo começa quando o imperador romano Júlio César conclui seu manuscrito Comentários Sobre as Guerras Contra os Gauleses – documento que realmente existe.
O saque de Ferri foi criar um capítulo censurado da obra, Derrotas Sofridas Diante dos Irredutíveis Gauleses da Armórica, que daria conta justamente das surras aplicadas nos romanos por Asterix, Obelix & companhia.
Tradição oral
Como no caso Wikileaks, um funcionário consciente recuperou o documento censurado e o enviou a um destemido repórter de Lutécia (Paris) ocupada, o Superpolemix, para que este divulgasse a verdade ao mundo.
Perseguido em sua fuga, Superpolemix vai parar justamente na aldeia dos irredutíveis da Armórica.
Amparado por Asterix e seus aliados, o repórter entrega o papiro aos irredutíveis, que partem em uma jornada para encontrar Arqueopterix, o mais antigo dos druidas, para que este decorasse o seu conteúdo e o passasse adiante, já que os gauleses não tinham tradição escrita, só oral.
Provavelmente a mais politizada aventura de Asterix em muito tempo, O Papiro de César não deixa de divertir e arrancar risos do leitor.
O Papiro de César / Didier Conrad & Jean-Yves Ferri / Record / 48 p. / R$ 30
Festivais Importado de Natal, o Dosol faz dois dias no Portela, enquanto o Feira Noise reflete agitação atual da cidade vizinha
Que a crise está aí, ninguém discute – mas, nem por isso, os produtores de festivais de música independente estão parados, esperando a maré virar.
Que o digam o potiguar Anderson Foca e o feirense Joílson Santos, os nomes a frente dos festivais Dosol (que chega pela primeira vez à cidade) e Feira Noise, que agita a cidade vizinha ao longo deste mês.
Realizado em Natal (RN) desde 2006, o Dosol, em sua 12ª edição, ganhou uma vitaminada e tanto dos patrocinadores (Petrobras e Cabo Telecom), se espalhando por 17 cidades do Nordeste, movimentando 24 palcos, que receberão 132 bandas, perfazendo nada menos que 234 shows.
Números realmente impressionantes.
“Essa exportação já era uma intenção há anos e fomos construindo tudo até chegar nesse ano em todas essas cidades. Um passo ousado, mas ao mesmo tempo muito calculado, organizado”, conta Foca.
Em Salvador, o Dosol chega ainda tímido, apostando em bons nomes da cena rock local como The Honkers, Teenage Buzz, Lo Han e Enio, mais duas atrações de fora: Plástico Lunar (SE) e Casillero (PE).
“A curadoria de Salvador ficou a cargo do Dimmy (Vendo 147), produtor cultural muito envolvido com a cena soteropolitana e com o Dosol. Priorizamos a cena mais ligada ao novo rock baiano”, afirma
Feira fervilha
Já o Feira Noise, promovido pelo Feira Coletivo, é o maior festival de artes integradas do estado e já começou desde o dia 7, seguindo até o fim do mês com música, dança, poesia, artes visuais, oficinas e mesas de discussão em diversos pontos da cidade.
Em meio a uma efervescência cultural que vem se desenhando na cidade, o Feira Noise é reflexo e canal desse momento: “Realmente, tem rolado uma efervescência cultural em Feira, nas suas diversas linguagens”, diz Joílson.
“Creio que a atuação do Feira Coletivo tenha sido fundamental neste processo, tanto como elemento de estímulo, quanto no que a gente propõe, no sentido de que, ao longo de 6 anos de atividade, temos provado que é possível realizar atividades bacanas de forma 100% independente”, conta.
Os shows são bem variados. Tem a nata do rock de Salvador (Cascadura, Retrofoguetes, Vivendo do Ócio, Maglore, Pastel de Miolos), ótimas bandas da cena feirense (Novelta, Calafrio), atrações de fora como Vespas Mandarinas (SP) e Far From Alaska (RN), além de Marcela Bellas, Enio etc.
Programações ousadas para um meio, que, na verdade, sempre lidou com a tal “crise”.
“A cultura está sempre em crise: pouco financiamento, pouco reverb no poder público. É um setor que está muito acostumado a caminhar no terreno pantanoso”, afirma Foca.
“Acho que o papel das atividades culturais é de promover o lúdico, o sinal de esperança e de desenvolvimento. Então, crescer quando o viés é de encolhimento é um símbolo importante”, observa.
Já Joílson lembra que, das cinco edições do FN, só uma teve incentivo de edital. “É muito difícil fazer sem apoio, mas é possível, exige cautela, um passo de cada vez”.
Leia entrevistas completas com Anderson Foca e Joílson Santos aqui e aqui.
Dosol 2015 Salvador / Sexta e sábado, a partir do meio-dia / Portela Café / R$ 25 (dia) | R$ 40 (dois dias) / Programação: www.festivaldosol.com.br Feira Noise 2015 / De 7 a 29 / Em Feira de Santana / www.feiranoisefestival.com.br
Baixista bastante respeitado no meio, Alexandre Processo ficou conhecido na cena pelos grooves funk da banda Setembro.
Agora, ele vem mostrar outro lado do seu trabalho, com uma nova banda: Efeito Manada.
Ativa no cenário já há algum tempo, a banda lança amanhã, com um pocket show no Rhoncus Pub, seu primeiro álbum, autointitulado e produzido em parceria por Processo e Cândido Amarelo Neto.
Ele conta que, na verdade, quem começou com a Efeito Manada foi o guitarrista, Osvaldo Segundo, e o vocalista, Pablo di Souza, também conhecido como The Pitombo.
“Encontrei Segundinho em um workshop de gravação, aí ele me falou que tinha um amigo que cantava. Como sou produtor, sempre procuro coisas diferentes”, relata.
“Quando ouvi o cara (Pablo), eu disse ‘ele tem que cantar rock’. Sentamos para ver o que ele já tinha de composições, juntei algumas minhas e fomos construindo um repertório”, acrescenta.
Estética em formação
Ao longo de um ano, Processo, Segundinho, Pablo e o baterista Fabio Rocha foram compondo, arranjando, afinando e gravando o repertório que está no primeiro CD.
“Esse disco é fruto de um trabalho colaborativo. Não gastamos nada, tudo tem a colaboração de amigos, pessoas que acreditam no trabalho e querem dar um gás na cena rock, como Daniel do Estúdio D e Cândido Amarelo”, conta Processo.
Com dez faixas, o álbum da Efeito Manada é um eficiente cartão de visitas do quarteto, que se ainda não demonstra uma personalidade formada, aponta para um rock suingado e de peso na medida, sem exageros, com destaque para voz rouca do The Pitombo.
“Somos uma banda com quatro cabeças bem diferentes e com influências distintas. Os quatro são músicos profissionais com gostos bem variados. Então sintetizar tudo num trabalho só leva tempo”, percebe o baixista.
Vencedora do PRO30 Festival 2015 (concurso promovido pelo Bar 30 Segundos), a Efeito Manada é um trabalho interessante de músicos de responsa, que merece bastante ser conhecida.
Os Informais e Ronco são as atrações de hoje no Quanto Vale o Show?. Dubliner’s, 19 horas, pague quanto quiser.
Skanibais no Galpão
Os sensacionais Skanibais mostram seu repertório de clássicos do ska quinta-feira, no Galpão Cheio de Assunto (Rua Djalma Dutra 40, Sete Portas). 20 horas, R$ 15.
Psicodelia à mil
A rapaziada psicodélica do Van Der Vous está a frente do NHL Festival 2. A Van Der Vous lança seu novo clipe, Behind The Wall of Your Pain. Ainda tem HAO, Ivan Motosserra, Soft Porn e Espúria. Dubliner’s, sábado, 20 horas, R$ 15. Doideira boa.
Casca & o grande estilo
Álbum que marcou a virada estilística do Cascadura (do southern rock 70’s inicial para um som mais contemporâneo), o Vivendo em Grande Estilo (2002) é o tema do show domingo no Largo Tereza Batista, com abertura da Lo Han. O guitarrista original do disco, Martin (Pitty), participa. E aí, vamos chorar juntos com Queda Livre? 18 horas, R$ 20 e R$ 10.
TBuzz no Vandex TV
Amanhã, 20h30, a Teenage Buzz se apresenta ao vivo na Vandex TV, com a participação deste blogueiro. Como sempre, vai ser "berlim puro". Assista aqui.
Show: Vivendo do Ócio volta à cidade para lançar seu terceiro álbum, Selva Mundo, viabilizado com o apoio dos fãs através de campanha de crowdfunding
Vivendo do Ócio em sua Selva Mundo, foto Bruno Guerra
Banda que só dá orgulho ao rock baiano, a Vivendo do Ócio volta à Salvador para lançar seu terceiro álbum, Selva Mundo, com show domingo no Pelourinho.
Fora da gravadora Deck, que lançou seus dois primeiros CDs, a banda conseguiu viabilizar Selva Mundo em uma bem-sucedida campanha de pré-venda (crowdfunding), prova de seu inegável apelo junto ao seu público.
“Foi uma ótima maneira de voltar ao independente, recebendo a confiança do nosso público que financiou o disco”, comemora o vocalista Jajá Cardoso.
“A forma como foi produzido – desde as composições com nossos amigos, a produção com Curumin e Fernando Sanches e Vértices Estúdio, Bruno Guerra com a arte, nos deixou muito satisfeitos. Foi uma grande escola trabalhar com tantas pessoas sensacionais”, detalha.
Com participações de primeira linha como Pepeu Gomes, Lirinha, Fabio Trummer (Eddie), Martin (Pitty) e Thiago Guerra (Fresno), o álbum traz uma banda mais amadurecida em arranjos e letras, ajudando a produzir aquele que pode ser o melhor disco do quarteto até agora.
“O disco veio de períodos de pré-produção, chegamos a mais de 40 músicas feitas de 2012 para cá e até mais antigas. Separamos 25 para sentir como se comunicavam entre si, daí junto a Curumin e Fernando Sanches selecionamos Selva Mundo”, diz.
"É interessante sentir como está sendo isso. Tanto no público como na crítica, teve gente que não gostava e passou a gostar e vice versa, não dá para agradar a todos, mas o que nos deixa contente é que a maioria está curtindo e entendendo o que é Selva Mundo", acrescenta.
Quem estava acostumado à forma irreverente de falar de amor vai se surpreender com a guinada politizada de Porrada, Salva!, Beira do Mar ou mesmo a pegada regional de Carranca.
“Acho que isso se deve a evolução natural e de viver a música. Fomos crescendo, aprendendo com a estrada, a vida e adquirindo novas influências”, observa.
“Quando começamos, éramos garotos que só queriam tocar e se divertir. Nosso intuito hoje vai além disso, nossas inquietações ganharam novos rumos, responsabilidades e isso inclui as mazelas do nosso país”, afirma.
"Já estamos nos programando para que Selva Mundo rode bastante, assim como foram as turnês com o Pensamento É Um Ímã que nos levou a mais de 40 cidades com mais de 170 shows, estamos trabalhando para que esse ritmo seja ainda mais ampliado com o novo disco. Também há possibilidades de retornamos a Europa e vamos lançar clipes", conclui Jajá.
Vivendo do Ócio / Show de Lançamento "Selva Mundo" / Domingo, 17 horas / Largo Pedro Arcanjo/ R$ 20 e R$ 10
Perfil: Primeiro lugar no maior concurso de violão do mundo, João Carlos Victor Alves é mais um prodígio da efervescente cena de música erudita local
João Carlos Victor Alves no Palacete das Artes. Foto do blogueiro
O homem de preto sobe ao palco armado apenas com seu violão e mais nada: sem captador ou cabo.
Microfone, nem pensar.
Atrás de si, uma orquestra inteira. À sua frente, o mundo, que assiste atentamente a cada movimento.
Ao lado, oponentes a derrotar.
Ele toca.
Sua performance se impõe junto à orquestra, encanta os jurados e subjuga os concorrentes.
É a Bahia no ponto mais alto do pódio.
Grosso modo, esse foi o momento decisivo na carreira do jovem músico soteropolitano João Carlos Victor Alves, que em setembro último sagrou-se vencedor do 49º Concurso Internacional de Violão Francisco Tárrega, realizado em Benicàssim (Espanha), um dos mais importantes do mundo.
Em 49 edições, esta foi apenas a segunda vez que um brasileiro venceu este concurso.
O primeiro foi o jundiaiense Fábio Zanon, em 1996.
Premiado com a bagatela de 12 mil Euros e a gravação de um álbum, João passa algumas semanas em Salvador, onde veio ver família, amigos e fazer uma apresentação no Instituto Cervantes (no último dia 16).
“Eu nem acreditei. O diretor do Cervantes me disse que ficaram umas duzentas pessoas do lado de fora”, comemora João.
“Com a agenda corrida, não posso fazer outro, mas ano que vem eu volto para lançar meu CD. O lançamento mundial será em Madri, em agosto de 2016, aí depois eu venho lançar no Brasil, começando por Salvador”, detalha.
Muito estudo
João Carlos Victor Alves no Palacete das Artes. Foto do blogueiro
Filho de um violonista amador, João foi estimulado na música desde criança.
Logo estava nos cursos de extensão da Escola de Música da Ufba, onde conheceu seu mestre, o virtuose costarriquenho / baiano Mario Ulloa.
“Ele foi meu professor durante cinco anos seguidos e é uma forte influência para mim até hoje”, conta João.
Formado em 2007, o rapaz ganhou uma bolsa do governo alemão para uma pós-graduação em Nuremberg.
Dois anos depois, lá foi João para a Suíça, cursar mestrado em performance, na cidade de Lucerna.
Depois de muito estudar, João decidiu que era hora de mostrar o que aprendeu.
“Inicialmente, foquei na minha formação, até que cheguei em um ponto que decidi investir nesses concursos, como forma de agenciar minha carreira”, diz.
Aí veio o Tárrega.
“O Tárrega é como as olimpíadas do violão”, conta. “Os vencedores são vistos como líderes, a nata do violão clássico mundial. Fazer parte desse seleto grupo é um privilégio imenso”, percebe João.
O resultado do concurso saiu às 3 da manhã no horário local. Quando chegou em casa, de virote, seu email já trazia convites para recitais na Noruega e outras cidades da Espanha.
“Muitas portas se abrem depois de ganhar um concurso desses. A comunidade violonística mundial acompanha tudo, passo a passo”, diz.
Em 2016, João volta à cidade para lançar seu CD de violão solo, com peças de Francisco Tárrega, do renascimento inglês do século 16 e do baiano Paulo Rios Filho, seu colega na Emus - Ufba e membro da OCA (Oficina de Composição Agora).
“Ele fez essa música pra mim, inspirado no meu jeito de tocar”, conclui.
Neto e Paulo Augusto em Bonfim. Ft Petronio Miguel
O colunista deplora citações surradas, mas neste caso é quase impossível não sacar o clássico Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento e Fernando Brant: “O artista tem que ir aonde o povo está”.
Dito isso, palmas para o artista baiano Neto Lobo, que na última quinta-feira subiu em um ônibus intermunicipal com violão, barraca de camping e colchonete para percorrer o interior da Bahia e tocar sua música.
Líder da banda A Cacimba, já vista aqui nesta coluna, Neto é compositor e poeta popular de mão cheia, com dois belos álbuns lançados e música até na trilha sonora de Malhação.
Agora, até o final de dezembro, ele está por aí, à solta, disparando rimas e canções de cidade em cidade e sobrevivendo do que ganhar pelo caminho.
Se esse não for um cabra arretado, eu não sei mais quem é.
“Estou botando o pé na estrada com a cara e a coragem. Eu, minha voz e meu violão”, conta Neto.
“Vou percorrer o interior de ônibus, de carona, sem patrocínio, alguns trocados no bolso, tocando por couvert artístico ou cachê em barzinhos e butecos”, acrescenta.
No repertório, canções próprias que gravou com sua banda e releituras de compositores nordestinos: “Zé Ramalho, Alceu Valença, Belchior, Ednardo, Luiz Gonzaga, Raul Seixas, Zé Geraldo, Zeca Baleiro, Lenine, muitas poesia e cordel”, enumera Neto.
Pra onde o nariz apontar
Esperto, Neto fez questão de iniciar seu périplo pela cidade natal: Senhor do Bonfim, onde fez sua primeira apresentação no sábado (31).
Acima, a foto enviada por Neto desse show na Moenda Pizzaria, com a ajuda do seu amigo Paulo Augusto na percussão.
“Na sexta e no sábado, visitei lugares, amigos, chorei de saudades e alegrias. À noite, fiquei bombardeado de felicidade por ter escolhido Bonfim para iniciar minha caminhada: casa cheia, amigos, fãs e eu nervoso. Nem quando toquei no Circo Voador fiquei assim”, relata.
A noite foi tão legal que, no final, um empresário local convidou Neto para tocar em sua fazenda.
De Senhor do Bonfim, o músico segue para Juazeiro, Petrolina, Uauá, Jaguarari, Campo Formoso, Jacobina, Ribeira do Pombal, Itabuna “e pra onde o nariz apontar”.
“Vou só, mas sei que durante a caminhada, vou conquistar um mundo”, aposta.
Siga as aventuras de Neto pela estrada via Facebook.
O Mês da Consciência Negra tem um início apropriado no Quanto Vale o Show? de hoje, com CandomBlackesia (projeto que une Nelson Maca nas rimas, Jorjão Bafafé na percussa, João Teoria no trompete e DJ Gug nas pick-ups), o rapper Mobiu e a cantora nigeriana Okwei Veronni Odili com a banda Kantayeni. Dubliner’s, 18 horas, contribua voluntariamente.
Pancreas, Declinium, Contra e Scream O evento RockMix III tem as bandas Pancreas, Declinium, Contrapartida e Scream for Maiden. Sexta-feira, 22 horas, Dubliner‘s, R$ 15. CANCELADO.
RestGate no Bukowski
A rapeize da banda RestGate Blues se apresenta sábado no Bukowski Porão Bar (Rua do Paço, 37, Pelourinho). O horário é cedo e o couvert, camarada: 19 horas, R$ 10.
Mais conhecido na França do que no Brasil, o paraense Edyr Augusto surge como mestre de um sanguinolento novo estilo literário, o noir amazônico
Edyr Augusto. Crédito: Luiz Braga
“Pssica”, na gíria paraense, é má-sorte, maldição.
Ironicamente, foi com seu livro mais recente, intitulado justamente Pssica, que o escritor de Belém Edyr Augusto teve mais sorte em chamar atenção da grande imprensa no eixo Rio-SP, onde alguns críticos já apontam o romance como um dos melhores livros do ano.
Demorou: Pssica já é o sexto romance de Edyr, que já foi publicado em quatro outros países, com direito a um prêmio literário em Lyon (França), o Chamaleon 2015.
Aos 61 anos, o escritor, jornalista, publicitário e dramaturgo parece feliz com o momento de reconhecimento que só agora chega.
RESENHA: O coração das trevas amazônico pulsa com taquicardia aguda em Pssica, sexto livro do paraense Edyr Augusto
Romance policial de tirar o fôlego, o livrinho (apenas 96 páginas) espanta o leitor com a extrema agilidade com que a trama costura personagens em situações de violência brutal, sem julgamento ou perdão.
Narrador hábil, Edyr, que é jornalista, publicitário e já teve seus romances publicados na Inglaterra, França, Peru e México, coordena duas linhas narrativas que caminham paralelas e vão se cruzando.
Na primeira, acompanhamos a via-crúcis de Janalice, uma menina de 14 anos, pobre e bonita, que, depois de ser vítima de revenge porn na escola, é expulsa de casa e, em seguida, raptada, prostituída, viciada em drogas etc.
A outra segue o angolano Manoel Tourinhos, o Portuga, que sofre uma tragédia ao ter sua casa atacada pelos ratos-d’água (ladrões embarcados, que agem na região amazônica) e quer vingança.
Noir amazônico
Dono de prosa telegráfica (com o perdão do cansado clichê), Edyr abdica de absolutamente tudo que poderia travar o ritmo alucinante de sua narrativa: descrições de pessoas ou lugares, diálogos com aspas ou travessões, metáforas.
Não há uma frase mais longa do que uma ou duas linhas. É tudo jogado na cara do leitor com a delicadeza de um elefante epiléptico em uma loja de louça.
Seus personagens circulam pelo lado mais sombrio da sociedade, sejam eles ratos d’água, policiais aposentados, políticos corruptos ou traficantes de escravas sexuais.
E é através desses personagens que o autor vai fazendo uma radiografia da sociedade paraense contemporânea sem retoques, tocando em feridas como o tráfico de meninas, a violência sem limites dos piratas do rio, a corrupção generalizada dos políticos e autoridades e o desamparo em que vivem os desfavorecidos.
Festejado pela crítica francesa como o mestre do “noir amazônico”, Edyr ainda ganhou o prêmio Camaleon 2015, em Lyon.
Está na hora do Brasil descobrir este incrível autor.
Pssica / Edyr Augusto / Boitempo - Samaúma Editorial / 96 p. / R$ 28
ENTREVISTA: EDYR AUGUSTO
Sua prosa é bem seca e direta, com orações curtas, onde o senhor abdica de aspas e travessões nos diálogos. A que o senhor atribui o desenvolvimento de seu estilo?
Edyr Augusto: Meu estilo é a soma de minhas atividades como radialista, jornalista, publicitário e dramaturgo. A procura pela concisão, nos textos, nos diálogos em teatro, foi apresentada em meu primeiro romance, Os Éguas e claramente mostrada no segundo Moscow. Nas cenas de ação, abdico de aspas, travessões, mudo tempo de verbos, pois naquele momento, puxo o leitor para dentro do texto, vivendo a mesma velocidade, respirando sofregamente, como se estivesse espreitando e ao final, respire fundo e prossiga na leitura. Trabalho com a coleção de imagens desses leitores que criam a cena em suas mentes. Mesmo quando mudo quem está falando, é possível distinguir este e aquele.
Seus personagens transitam dos salões da política corrupta aos ambientes mais sórdidos das periferias. A trama policial é o pretexto para refletir sobre uma sociedade apodrecida pelo subdesenvolvimento?
EA: Meus livros têm como cenário minha cidade, Belém, que sofre dos mesmos males que se verificam nas grandes cidades brasileiras. Uma selva de concreto fincada na selva amazônica. Há contrastes fortes entre os que vêm do interior, de uma vida mais “verde” e encontram o “cinza”. Dos que vieram de fora, atrás de riquezas e agora levam sub-vidas. Uma classe alta egoísta, que passa finais de semana em Miami, vive em palácios, mas quando põe o pé na rua, mergulha na lama. Isso acontece em todas as cidades brasileiras, talvez. Mas é meu cenário. Não sei até onde meus livros têm “tramas policiais”. São pessoas vivendo momentos de brutal emoção, saindo de sua zona de conforto para reagir, deixando escrúpulos de lado. Sim, meus livros refletem sobre a sociedade brasileira, paraense. Os dramas valem para todos os humanos, mas são localizados em minha cidade. Somos bons e maus, conforme as circunstâncias. A corrupção está em toda parte. Em Belém, também.
Sua inspiração vem do noticiário ou vivência pessoal, já que o senhor vive bem no centro de Belém?
EA: Tudo me influencia. Sou viciado em informação. Leio vários jornais, diariamente. Dou atenção aos sangrentos cadernos de polícia. Às vezes há dramas que fogem do comum e interessam. Em “Pssica”, dei atenção a dois fatos da atualidade, os ratos d’água, piratas da Amazônia e o tráfico de mulheres, este, acontecendo em todo o mundo, e também em Belém, por sua situação geográfica, saindo para o Suriname e Caiena. Os personagens são ficcionais, totalmente. Eu os pus para conviver dentro das duas situações, fiquei assistindo e escrevendo. Moro próximo ao meu trabalho, no centro da cidade. Quando vou andando, falo com uma turma composta por craqueiros, prostitutas, cafetões, taxistas, engraxates, camelôs, até um rapper que vende chips de celular e anuncia um show que nunca acontece. Eu os ouço, converso, vejo o movimentos do corpo, pegando o molejo, a melodia, as gírias. Uma festa diária. Tudo me serve no momento de escrita. É um ato solitário, mas para ser bem exato, me sinto cercado por todos eles, dando palpites, corrigindo, acrescentando, o que vou escrevendo.
Apesar do ritmo extremamente ágil e do verniz atual, as questões humanas e sociais que o senhor trabalha no seu romance não são exatamente novas. A menina expulsa de casa hoje por causa do vídeo íntimo vazado é a mesma de antigamente, expulsa por não ser mais "pura". Mudam os meios, permanecem as questões centrais?
EA: Como se diz, “o ser humano não falha”. Apesar de todos os ganhos que a modernidade trouxe, a verdade é que o Brasil enfrenta graves questões sociais, por conta da falta de Educação e Cultura entre outros. Há vários Brasis, desde o mostrado na Rede Globo, baseado em Ipanema e os das demais cidades, e os dos interior, onde novos modelos de comportamento não funcionam. A história de Pssica poderia acontecer em qualquer lugar, Salvador, por exemplo. Deve até acontecer. Quanto ao tráfico de mulheres, assunto gravíssimo, a impressão que dá é que preferimos deixar de lado, por ser desagradável. É o nosso mundo, cheio de contradições.
No Brasil, a barbárie que o senhor retrata tão bem é quase sempre atribuída apenas aos criminosos como os ratos d'água do seu livro, mas ela também está no rapaz que vaza vídeos íntimos de uma menor de propósito e no pai que expulsa a filha de casa, ao invés de acolhe-la para que aprenda com seus erros. O brasileiro médio é um bárbaro por natureza?
EA: Todo ser humano é bárbaro, por natureza. Mesmo os de melhor educação, atingidos por fatos que ferem profundamente, são impelidos à reação, a deixar escrúpulos de lado e agirem de maneira selvagem. Difícil julgar cada ato, porque há vários componentes, como a desvalorização da mulher, a grosseria, bossalidade que se manifesta neste adolescente que parecia tão bonitinho e educado. Quanto aos pais, seria necessária uma análise mais extensa, mas caminha pela súbita, a seus olhos, desvalorização daquela que era a princesinha da casa, que até então era apenas de papai e mamãe. Somos todos bárbaros por natureza.
O Pssica daria um excelente filme do Beto Brant ou Fernando Meirelles. O senhor já recebeu alguma proposta para transpor o livro às telas? Algum outro livro ou conto do senhor já foi adaptado em outra mídia?
EA: Fico incomodado quando dizem que meus livros dariam grandes filmes. Ouço isso como se dissessem que a grande arte é o Cinema. Meus livros são Literatura e pronto. Se forem filmados, é outra coisa, outro gênero, roteiros, enfim, tudo diferente. Sim, aqui em Belém há várias pessoas planejando isso, mas nada concreto. Há também solicitações de empresas grandes. Beto Brant me disse que queria ler meus livros. Fernando Meirelles esteve na cidade há pouco tempo e gostou de Pssica. Ia ler Os Éguas.
Livro de Edyr pela Editions Asphalte
Ainda sobre cinema, a própria linguagem ágil do livro guarda semelhanças com um roteiro. Em que medida a linguagem cinematográfica influencia sua escrita?
EA: Vejo muito cinema, mas não sou cinéfilo. Assisto series. Muita gente me diz que meu texto se assemelha a roteiros cinematográficos. Mas não sei como chegar a isso. Nunca escrevi um roteiro. Talvez seja pela secura de adjetivos, descrição de lugares. Tudo é bem direto, rápido. Quero que o leitor crie sua cena, seus personagens, seu caráter, para entender seus atos. Mas não creio que a linguagem cinematográfica me influencie. Posso dizer que, por teclar muito rápido, enquanto escrevo, olho a tela do computador como uma tela de cinema onde tudo está acontecendo. Só.
Vi em uma outra entrevista sua que, apesar de já ter alguns outros livros escritos, só com o Pssica o senhor recebeu algum reconhecimento na grande imprensa do eixo Rio-SP. Que outros escritores contemporâneos do Pará o senhor recomendaria? Há uma cena literária ativa em Belém?
EA: A Boitempo me apoiou desde o primeiro livro, que mereceu umas três linhas, no extinto Folha da Tarde em São Paulo. O segundo, Moscow, pela força de amigos como Marcelo Mirisola, Marçal Aquino, Ronaldo Bressane e Marcelino Freire, me rendeu algumas matérias e resenhas. O problema é furar a competição das grandes editoras, sempre com ótimos lançamentos. Um escritor do Pará não desperta a curiosidade. Talvez pensassem ser muito distante, sei lá. Foi depois de obter sucesso na França que veio o interesse pelo meu trabalho. Agora estão interessados nos livros passados. Que bom. Talvez tenha chegado minha hora, meu tempo. Há vinte anos não temos nenhuma política cultural para qualquer atividade, mas nós, escritores, nos reunimos e acabamos de realizar a segunda Feira Literária do Pará. Há grandes poetas como João de Jesus Paes Loureiro, Benny Franklin, romancistas jovens como Andrei Simões, Roberta Spindler Caco Ishak e regionalistas como Salomão Laredo.
Todo escritor costuma ter um tema que perpassa sua obra, de uma forma ou de outra. Qual seria o seu?
EA: Na França dizem que escrevo “polar”, que é romance policial. Aqui no Brasil já disseram que talvez seja algo mais para “literatura de ação”. Não acho nada disso. Escrevo sobre as pessoas. Seus sentimentos, seus medos, suas maldades, egoísmos, ira, vingança. Essas pessoas são atingidas por fatos extremamente fortes, em seu âmago e precisam reagir. Esse é o momento em que me interesso por elas. No limite. Os segundos passam rápido. O nível de decisão é o mais alto. O que fazer? Nesse instante, somos capazes de tudo. É sobre isso que escrevo.
Me parece que o senhor é mais reconhecido na França do que no Brasil. Procede? Por que o senhor acha que isso aconteceu?
EA: O sucesso na França é algo que ainda me intriga. Primeiro é resultado do excelente trabalho da Boitempo, através de seus representantes na Europa. Depois, duas moças maravilhosas, Estelle e Claire, proprietárias da Asphalte Editions, cheias de entusiasmo, que me apresentaram ao mercado. E ainda professores e alunos da Universidade Jean Moulin, em Lyon, que escolheram Belém (titulo original Os Éguas), para receber o prêmio Chameleon, no começo do ano. Tenho participado de várias feiras literárias em todo o país e venho recebendo grande atenção da mídia. O Mercado literário francês é maravilhoso. Até em livro de bolso meus livros já foram lançados. Quem sabe por causa da linguagem seca, rápida? Da excelente tradução de Diniz Galhos? Por conta dos jovens, como os da universidade, que compraram meu estilo? Uma coisa é certa: faz um bem danado esse reconhecimento que agora chega ao Brasil.