sexta-feira, novembro 21, 2014

O CONCERTO DA DIÁSPORA

Orquestra Sinfônica da Bahia se apresenta com compositor africano Ray Lema domingo, no Teatro Castro Alves

Lá fora chove, mas faz certo calor na sala de ensaios da Osba, no Teatro Castro Alves.

A música é apropriada, com passagens rápidas em stacatto, a melodia remetendo  a certa melancolia.

O maestro convidado João Maurício Galindo (Orquestra Jazz Sinfônica - SP) se dirige aos músicos: “Essa música, São Tomé, se refere a um porto na África de onde escravos eram despachados para cá. Então é um lamento, uma música triste, tá”?

Os músicos voltam ao trecho e o maestro quer mais: “Perfeito, mas pode ser mais dolorido?”, pede.

Findo o ensaio, o homem negro e alto ao piano aplaude e agradece. Ray Lema, o compositor de São Tomé, é a atração, junto à Osba, do concerto de encerramento da Série TCA 2014, neste domingo.

Sentado no foyer do TCA para uma entrevista exclusiva, Lema elogia a performance da nossa Orquestra Sinfônica da Bahia.

“Já toquei esse mesmo repertório com orquestras na França e na China”, conta.

“Mas com os músicos baianos foi muito mais fácil. O groove é mais pronunciado, pois eles tem todas essas influências locais, o que faz uma diferença enorme. Estou muito feliz – e olha que foi só o primeiro ensaio”, afirma.


220 tribos, 220 tradições

Nascido no antigo Congo (atual Zaire) em 1946, Lema vive em Paris há mais de 30 anos.

Esteve em Salvador pela primeira vez há uns vinte, participando de um festival. “A cidade mudou demais”, nota, arregalando os olhos.

“Só reconheci o Pelourinho. Todo o resto está muito diferente”, percebe.

Ele e o maestro Galindo já se conhecem de outra ocasião: “Em 2009, no Ano da França no Brasil, eu fiz esse concerto em São Paulo, com a Orquestra Jazz Sinfônica. A embaixada francesa ofereceu vários compositores para eles, aí o Galindo escolheu a mim e o (acordeonista) Richard Galiano”, conta.

Aluno seminarista na infância, Lema logo chamou a atenção dos padres por um outro  dom divino: “Eles decidiram que eu tinha um dom para a música, então foi assim que me tornei músico: na igreja”, conta.

Em 1974, Lema percorreu centenas de tribos do seu país, conhecendo as tradições musicais de cada uma.

“Mobutu (Banga, ditador do Zaire), queria um balé nacional. Fui indicado como diretor musical e enviado nessa missão para recrutar músicos tradicionais das tribos. A experiência mudou minha vida para sempre e me tornou quem  sou hoje”, relata.

“O Congo (sic) é quatro vezes e meia o tamanho da França, com 220 tribos diferentes e 220 tradições musicais. É um universo gigantesco”, observa.

Em 1979, ganhou uma bolsa da Rockefeller Foundation e foi estudar nos Estados Unidos: “Morei lá um tempo, mas  fugi da América. Venho de um país colonizado. E é isso que a América faz com o mundo hoje”.

“Eles impõem suas visões e cultura, mas só se enfraquecem, pois acreditam ser auto-suficientes. O colonizador não toma conhecimento do colonizado. Mas o colonizado estuda tudo do colonizador. Nós sabemos tudo da América, mas a América só sabe de si mesma, por isso somos mais ricos”, observa.

Ray Lema e Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) / domingo, 20 horas /  R$ 140 e R$ 70 (filas A a P); R$ 110 e R$ 55 (Q a Z) e R$ 80  e R$ 40 (Z1 a Z11)


3 comentários:

Rodrigo Sputter disse...

o mais triste de tudo isso é uma pergunta "quantos negros terão $$ para pagar a quantia desse ingresso??", numa cidade com maioria negra, tenho quase certeza que a maioria nessa noite do tca será "branca".
principalmente no final de semana que sucede o dia da consciência negra...mas claro que a culpa não é dos músicos, óbvio...mas o triste é pela situação em si.

Rodrigo Sputter disse...

Que lindíssimo tema esse "São Tomé", os 7 minutos passam rapidamente...belíssima execução...

Outra observação é a quantidade de músicos "brancos" na orquestra de sp, e creio que até mesmo aqui, devem ser a minoria na OSBA, lembro agora do irmão da Mariene de Castro, acho que o Gilberto, excelente músico por sinal...mas o Ray estará lá, representando em destaque, mas isso é um fato para triste...isso é...pq será? fica a pergunta para o debate aqui, caso queiram responder.

Rodrigo Sputter disse...

Disco novo da galera do Outrageous Cherry, o all music deu 4 estrelas, deve tá muito bão!!
Esse ano fez 20 anos que eles lançaram o 1o disco deles, vamos ver se manteram a qualidade.

http://allmusic.com/album/the-digital-age-mw0002740632


Dá pra ouvir aqui uma faixa dos caras, já baixei no soul seek e vou ouvir!!

http://burgerrecords.11spot.com/outrageous-cherry-the-digital-age.html