quarta-feira, julho 17, 2013

TODAS AS MULHERES DO MUNDO


Em seu primeiro CD de estúdio desde 2005, Marcelo Nova fala do sexo feminino e trata a música como moldura para narrativas – com ótimo resultado

São mesmo incertos os caminhos da criação artística. Muitas vezes o artista toma um caminho achando que vai chegar em determinado destino.

Aí entram em cena desvios e imprevistos: o imponderável. E o que era para ser assim, torna-se assado.

Marcelo Nova (fotos de Livia Lamana) experimentou bem essa situação durante as gravações do seu novo álbum, 12 Fêmeas.

A boa notícia é que o resultado do seu périplo pelo reino do imprevisível rendeu aquele que é, possivelmente, seu trabalho solo mais enxuto e bem resolvido.

Temático, o álbum de 12 faixas passeia, como se pode deduzir do seu título, pelas experiências e impressões de Marcelo com aquilo que mais lhe causa admiração e fascínio na vida: o sexo feminino.

“Eu não possuo a qualidade de compositores de alma feminina, como Chico Buarque, que  se colocam como mulher na canção. Essa capacidade eu realmente não tenho”, admite o músico, pelo telefone.

“Todas as minhas canções são do ponto de vista heterossexual. Do ponto de vista do homem. São canções que expõem meus sentimentos sobre esses seres misteriosos que eu tanto aprecio. Há paixão  e ódio, perda e redenção”, descreve.

Mas que não se espere revelações picantes ou algo que o valha. O que conta para Marcelo é a poesia, a metáfora, a impressão que as mulheres que passaram por sua vida lhe deixaram.

“Isso é um disco, não uma autobiografia”, avisa.

Mesma vaca, outra teta

Produzido “a três cabeças e seis mãos” – como ele mesmo diz – por Marcelo, seu filho Drake Nova (guitarras e violões) e Luiz De Boni (piano, órgão, contrabaixo, Harpsichord, violões), 12 Fêmeas começou como um desafio quase intransponível para o ex-Camisa de Vênus.

O desafio era transpor a sombra projetada por seu último CD de estúdio, o épico autobiográfico O Galope do Tempo (2005).

“A medida que o tempo foi passando, o Galope  virou uma coisa quase insuperável entre as pessoas que apreciam meu trabalho”, relata Marcelo.

“Era como se eu  não tivesse mais para onde ir depois daquele disco. Não tinha mais nada para sugar da teta daquela vaca”, diverte-se.

“Como eu gosto muito da vaca, troquei só de teta. Percebi que no Galope, eu havia buscado uma sonoridade única para todas os instrumentos. Fiquei 12 dias no estúdio só experimentando timbres. No que ia achando, estacionava ali. Gravei o disco todo como uma música só em 16 faixas”, relata.

Para o 12 Fêmeas, Marcelo decidiu variar as sonoridades e os timbres dos instrumentos. Mas de uma forma que a parte instrumental não colidisse com aquilo que ele considera o cerne de sua obra: as letras.

“Nesse disco, eu tive o cuidado de deixar o texto em primeiro plano. E coloquei, para contrapor, aquelas guitarras distorcidas e insinuantes que sempre fizeram parte do meu trabalho”, descreve.

E assim Marcelo entrou no estúdio com Drake e De Boni. Mas esqueceu a porta aberta – pela qual o imprevisto adentrou o recinto em uma forma das mais surpreendentes.

O monge ninja no estúdio

“Na verdade. Entrei no estúdio só com Drake. Queria um disco de sons crus e rudes:  voz, violão e guitarras. Algo na linha Nebraska (1982), de Bruce Springsteen”, revela.

Depois de gravar três faixas, Marcelo pediu ao dono do estúdio, o De Boni, que adicionasse um órgão em determinada canção. De Boni gravou em três ou quatro. Foi incorporado ao projeto.

“Aí surgiu o Goba Wagnka”, conta.

“Uma noite, entrou no estúdio um bando de monges nepaleses de indumentária laranja. No meio deles tinha um, muito alto, carregando um monte de instrumentos de percussão estranhíssimos. Era o Goba Wangka”, detalha Marcelo.

Os monges, de passagem pelo Brasil, iam gravar uma música para o projeto Free Tibet. Admirado, Marcelo convidou o percussionista de nome exótico para gravar em seu disco.

Convite aceito, o religioso oriental concedeu um peso e um tempo completamente inusitados ao disco.

“Ele toca de uma maneira monástica, concentrado, quase imovel, sem expressão no rosto, como uma espécie de ninja. Foi  muito desconcertante ver aquilo”, descreve.

“Quando ele bate na caixa da bateria, parece que está sempre alguns milissegundos  atrasado. Ele puxa um pouquinho de nada a canção para trás no andamento, é muito sutil. Ele colocou a personalidade dele. E ai o disco ficou com outra cara, muito distante do que eu tinha imaginado anteriormente”, conclui.



Resenha: Em 12 Fêmeas, Marcelo encontrou forma musical ideal para derivações poéticas

Nos seus últimos trabalhos, Marcelo Nova andou perseguindo ferozmente a forma musical mais adequada para suas letras cada vez mais longas, narrativas e complexas – já que ele veio se tornando, ao longo dos anos, cada vez mais distante do punk raivoso que viveu nos anos de glória do Camisa de Vênus.

Talvez só agora, aos 61 anos muito bem vividos,  tenha chegado à forma musical perfeita para suas derivações poéticas.

Mal comparando, 12 Fêmeas, o resultado desta busca sem fim, é um álbum de caráter literário como New York (1989) ou Songs For Drella (1990), ambos de Lou Reed: é um disco que se ouve como se lê um livro.

Mérito não só dele, mas também – possivelmente, em igual medida – para Drake Nova (muito promissor, cria riffs tanto delicados quanto pesados) e Luiz De Boni, parceiros de primeira hora, além do incrível baterista nepalês Goba Wangka.

Aqui, a música muitas vezes atua como uma tela, na qual Marcelo pinta paisagens de beleza inusitada e algo selvagem, como na faixa A Minha Inveja: “Eu invejo o vento / Que sussurra em seus ouvidos / Que lhe arrepia as coxas / Suspende seu vestido / Afasta seus medos / Lhe sopra os cabelos / Afaga seus lábios, varre seus pensamentos / Eu invejo o vento”.

Caderno de impressões

Menos um caderno de memórias do que tratado de impressões sobre as mulheres, 12 Fêmeas consegue ser uma audição mais compensadora do que seu antecessor,  O Galope do Tempo (2005), não apenas por que, como supõe seu autor, tenha uma sonoridade mais variada, mas também por que, mesmo sem buscar isso, consegue soar mais contemporâneo – em sua simplicidade espartana.

 Mais compensador ainda é notar como segue incólume aos apelos mercantilistas um artista cujo único compromisso sempre foi com a própria verdade.

No fim das contas, não há nada mais artístico do que isto.

12 Fêmeas / Marcelo Nova / Unimar Music / R$ 24,90 / www.marcelonova.com.br


13 comentários:

reverendo t aka Tony Lopes disse...

salve Chico
acertou em cheio, este é com certeza o melhor disco de Marcelo.
uma verdadeira obra prima do rock brazuca, creia

Franchico disse...

Possacrer, Tony! Também achei!

Franchico disse...

Capa e primeira página de Sandman Overture, que é a volta de Sandman (e de Neil Gaiman e Dave McKean em Sandman) aos quadrinhos!

http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/sandman-overture-confira-primeiras-paginas-e-capa-de-dave-mckean-para-hq/

Os desenhos são do monstruoso J.H. Williams III (Promethea, Batwoman).

Franchico disse...

Já ouviram falar em Bombino, o guitarrista tuaregue (habitante do deserto do norte da África) produzido por Dan Auerbach?

É sério, olha ele aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=Ss9Znucx4GM

Nomad, o disco dele que o Black Key produziu, teve boa acolhida crítica:

http://www.metacritic.com/music/nomad/bombino

Primeiro passo para saber quem é Bombino:

http://en.wikipedia.org/wiki/Bombino_%28musician%29

Franchico disse...

Taí, curti o Bombino:

http://www.bombinomusic.com

Diferente. Mistura de música árabe com blues. Mucha onda.

Franchico disse...

Outra produção do Auerbach: Valerie June, linda cantora de soul com cabelos de medusa. Se liga:

http://www.valeriejune.com

Esse Auerbach é um menino danado. Faro de talento da porra.

Soube do Bombino e da Valerie June lendo a Mojo e a Uncut.

Nunca ouvi falar deles pela internet, nesses sites "descolados" por aí.

Por isso que digo: JORNALISMO IMPRESSO FOREVER!

Foda-se a internet.

Ou melhor: a internet que siga o bom jornalismo impresso. O resto é babaquice, deslumbramento.

Sherto?

Franchico disse...

Esse filme promete ser muito boa. se é que vcs me entendem....

http://www.bleedingcool.com/2013/07/18/gina-carano-is-rob-liefields-avengelyne/

Ernesto Ribeiro disse...


Francis, ainda estamos esperando a sua resenha sobre ANTES DE WATCHMEN.

Já saíram dois volumes: "Coruja" e "Silk Spectre". Tem na livraria Saraiva.

Minha impressão?

MARAVILHOSO.

Valeu a pena esperar um quarto de século. ANTES DE WATCHMEN é tão bom quanto WATCHMEN --- é igual!

É o enredo que Allan Moore DEVIA ter escrito. E sem encher lingüiça com anexos.

Pelo menos nos 2 primeiros volumes: os gênios autores J. Michael Straczinsky e Darwin Cooke mais do que entenderam: eles absorveram a genialidade do criador e PREENCHERAM AS LACUNAS, contando as estórias do passado que Moore ficou nos devendo.

E com as mesmas características, as mesmas virtudes, o mesmo conteúdo adulto, genial, dialético, psicanalítico, sexual, pesado, realista, podreira, transgressor, obsceno, trágico, extremo, sem concessões.

Não por acaso, ANTES DE WATCHMEN é Desaconselhável Para Menores de 18 Anos.

“ANTES DE WATCHMEN” É PERFEITO.

Franchico disse...

Ernesto, por enquanto, só li o primeiro, O Coruja.

Devo dizer que achei, no máximo... legal. Boa leitura, ótimos desenhos, ritmo decente. Mas ao mesmo tempo, não me surpreendeu em nenhum momento.

Lendo O Coruja, minha impressão - o tempo todo - era que todo mundo ali estava (como se diz) "matando um cachê".

Não acho que a HQ (e provavelmente a coleção AdW inteira) vá acrescentar nada à HQ original que ela mesma já não tenha oferecido de uma forma mais inteligente e menos óbvia.

Sim, AdW preenche lacunas. Mas será que essas lacunas precisavam mesmo ser preenchidas? Será que elas não são simplesmente uma grande encheção de linguiça pra vender revistas e ganhar muito dinheiro? Será mesmo que Watchmen precisava ter todos os seus buraquinhos (lá deles) preenchidos assim, sem deixar nenhum espaço para a imaginação do próprio leitor?

Sim, ela tem uma pegada adulta, psicanalítica, trágica, sensual etc e tal. Mas isso é o mínimo que ela deveria ter, para não destoar totalmente da obra original.

Sim, é legal rever aqueles personagens em "novas aventuras". Me diverti lendo a revista. Talvez isso seja tudo o que importa.

Afinal, Alan Moore "se alimentou" de um monte de criações alheias para criar Watchmen, começando pelos personagens da Charlton que a DC não deixou ele usar e ele remodelou naquelas forma que conhecemos. Talvez minha má impressão inicial seja preciosismo besta meu.

Teria outras considerações a fazer, mas acho que vou continuar lendo e depois falo mais disso aqui.

Rodrigo Sputter disse...

eu tou com pelo menos 10 volumes baixados do antes de watchmen...mas num li ainda, prefiro que saia todos online 1o...

Ernesto Ribeiro disse...

Bem, creio que nós dois estamos certos.

Há razões para fazer e para não fazer AdW --- todas são válidas.

Só nos resta então dar o voto de Minerva após pesar a seguinte questão:

Vale a pena ficar com tudo isso só na imaginação de cada leitor?

Será mesmo que cada um dos milhões de leitores de Watchmen tem a capacidade (e a disposição) de imaginar tudo isso?

Deveríamos mesmo nos abster de acrescentar mais jóias ao tesouro cultural?

Se fosse assim, todas as estórias de cada personagem de quadrinhos (ou de toda a ficção) seriam escritas SOMENTE pelos seus criadores, encerrando a produção com a aposentadoria deles.

Então os fãs mais puristas ficam entre a cruz e a espada: “Bem, eu comprei, li e gostei, mas.... acho que essa bela obra nunca devia ter sido feita.”

E se “Antes de Watchmen” fosse escrita pelo próprio Alan Moore? Se ELE MESMO dissesse que aquilo DEVIA ser feito pra completar o universo que ele concebeu?
Aí nesse caso você aprovaria?

Assim como Francis Ford Coppola fez “O Poderoso Chefão 2” em 1974, contando mais da estória de Vito Corleone que não estava no livro de Mario Puzo. E é considerado por todos como um filme ainda melhor do que o primeiro.

Bem, eu não acho que AdW esteja apenas "matando um cachê".

Vejo o outro lado do copo meio vazio: ele também está meio cheio.

“Antes de Watchmen” ACRESCENTA SIM muita coisa e aprofunda muito o que antes eram apenas dois personagens rasos: Coruja e Silk Spectre.

Sabe o que é mais incômodo?

É constatar que Alan Moore não é perfeito.

Que ele DEVERIA ter escrito muito mais.

Que o gênio criador deixou o serviço incompleto.

Isso saltou aos meus olhos desde a primeira vez em que li Watchmen, quando foi lançado no Brasil em 1989: "Tá faltando muita coisa aqui."

Agora não falta mais.

“Antes de Watchmen” enfrenta essa resistência do dilema: Cada leitor precisa admitir esse “sacrilégio” ou “heresia” ou “blasfêmia”: que “Watchmen” ESTAVA INCOMPLETO. Que a nossa Bíblia, a suprema obra-prima dos quadrinhos, não é tão perfeita assim. Que portanto não podemos nos curvar cegamente á fé no Criador.


Graças a MIM, eu sou um espírito LIVRE.

Sorry, mister Moore: mas você não é Deus.

E o próprio Deus da Bíblia também deixou a desejar.

Franchico disse...

Também li Watchmen em 1989 e nunca tive essa sensação de incompletude de que vc fala, Ernesto.

Pelo contrário: detalhes meio soltos da HQ original (como a foto com dedicatória da Twilight Lady para o Coruja) só me deixavam ainda mais fascinado com as histórias não contadas daqueles personagens. Pra mim, conta-las agora é como apagar um pouco daquele fascínio inicial.

Mas vc tem razão quando cita O Poderoso Chefão 2 etc. Isso é cultura pop, caceta. Não devemos leva-la tão a sério quanto o próprio Moore o faz.

Apesar de que, se a obra é dele, também acredito que ele pode ter o posicionamento que bem entender em relação ao que fazem com ela. Não o culpo nem o condeno por ser tão ranheta.

Mas, se algum dia eu tiver um "veredito final" sobre AdW só será depois que eu ler a bagaça toda.

Aí cê pode voltar aqui que eu te digo qual foi...

Ah! Só para constar: ainda considero Watchmen uma obra original perfeita, sem um retoquezinho sequer. E AdW não mudou em nada o que eu penso de Watchmen.

Ernesto Ribeiro disse...

Certo. Entendi. Concordo.

A arte se torna mais próxima da vida real quando mantém espaços vazios e não explicados.

Nesse aspecto, o seu argumento é vitorioso.

É uma questão de troca.

Concordo con você: perdeu-se um pouco do fascínio do desconhecido.

Em troca, ganhou-se mais fascínio: o do agora conhecido.