Na linha do She And Him e do local Dois Em Um, chega às lojas Agridoce, duo de Pitty e Martin
A menina punk que pulava pra galera nos velhos tempos do rock baiano dos anos 1990 e foi embora no início da década passada em busca do seu destino no Sudeste, definitivamente, cresceu.
Não que sinais desta passagem para a maturidade já não estivessem evidentes desde o álbum Chiaroscuro (2009), mais ambicioso em suas pretensões artísticas do que tudo que ela tinha feito antes em sua carreira.
Agora, com o álbum homônimo do projeto paralelo Agridoce
(acima, em foto de Caroline Bittencourt), tocado em parceria com o guitarrista Martin Mendonça, ela dá (na verdade, eles dão) vazão à outras facetas criativas de sua musicalidade, investindo em uma sonoridade acústica rica e à beira de uma certa sofisticação pop.
Gravado durante temporada de isolamento em uma casa na Serra da Cantareira, Agridoce, o disco, poderá surpreender quem ainda vê Pitty como uma “cantora de rock adolescente”, rótulo muitas vezes colado à artista – ainda que não sem alguma razão, é verdade.
Cantando melhor do que nunca, ela deita a voz de forma suave e emocionada na cama de sons acústicos arrumada por Martin e o produtor / mentor Rafael Ramos.
Se ainda não chega a ser algo 100% original, Agridoce é o testemunho definitivo de que a baiana é sim, uma artista relevante.
ENTREVISTA: AGRIDOCE
Soteropolitana de nascimento (em 7 de outubro de 1977), Priscilla Novaes Leone passou a infância em Porto Seguro, aonde começou a ouvir rock via Raul Seixas e o BRock dos anos 1980. Logo evoluiu em direção ao punk rock / hardcore, gêneros que abraçou com sua primeira banda, Inkoma, já em 1995 e morando em Salvador. Em 2002, a convite de Rafael Ramos, da Deckdisc, partiu para São Paulo. O resto é história.
Já Martin Mendonça, também de Salvador, começou a tocar guitarra em bandas de heavy metal locais, como Malefector e Gridlock. Depois de um período na Cascadura, foi convocado em 2004 para assumir a guitarra na banda de Pitty.
O que motivou o Agridoce surgir como projeto paralelo? O estilo das canções não combinavam com o som de Pitty?
PITTY - O Agridoce já nasceu como uma coisa diferente, na verdade. Desde o embrião, quando nem sabíamos o que ia ser, as músicas já brotavam dentro desse conceito mais minimalista e utilizando elementos diferentes de uma banda de rock – no caso, piano e violão. Foi natural que virasse algo paralelo.
Que bandas / artistas influenciaram na criação do som do Agridoce, durante a temporada na Serra da Cantareira?
P - Lá a gente ouvia praticamente só vinil. Cada um levou os seus e juntamos todos numa pilha enorme perto da vitrola. Ouvíamos desde John Lennon e Neil Young até Black Keys e Arcade Fire. Serge Gainsbourg, Sean Lennon e o Ghost Of A Saber Tooth Tiger, Charlotte Gainsbourg e coisas de Johnny Cash. E cada um desses trazia uma pontinha de inspiração. Cash pelo timbre de violão, Arcade Fire pelas texturas, Lennon pelos timbres de voz dobrada com slap delay. Por temos essa coisa com os vinis e estarmos tão abertos à experimentações acabamos sampleando coisas dos Beach Boys, Gainsbourg e até Led Zeppelin. Tá tudo diluído ali no meio.
Aliás, os violões estão matadores. Deu muito trabalho buscar esses timbres específicos?
MARTIN - Tive dois trunfos fundamentais nessa gravação, que foram os violões e microfones incríveis que descolei com Rafel Ramos (produtor) e Marcelo Gross (Cachorro Grande), aliados a experiência e habilidade de Jorge Guerreiro, nosso engenheiro de som. Usei como referência principal os discos do Johnny Cash produzidos por Rick Rubin, que tem alguns dos melhores sons de violão que eu já ouvi.
E como foi a montagem do estúdio em uma casa na Serra (abaixo, foto de Otávio Sousa)? Foi complicada? Vocês levaram muito material de gravação e instrumentos ou foi uma operação mais simples, graças às técnicas de gravação digitais?
M - Apesar das facilidades promovidas pelas técnicas de gravação digital, ainda dá um puta trabalho montar um estúdio numa casa que não foi preparada pra isso. Tivemos que improvisar espaços e nos virar como podíamos. Mas esse desafio era algo que estávamos procurando quando optamos por gravar lá. Queríamos que o som do disco tivesse, acima de tudo, personalidade – e gravar fora do esquema asséptico de um estúdio profissional acaba conferindo uma sonoridade muito peculiar.
P - Foi um tiro no escuro, uma aventura. Não sabíamos qual seria a acústica da sala, nem como montaríamos os equipamentos. Tudo foi descoberto lá. Levamos ferramentas para transformar aquilo num laboratório. Até um gravador de rolo estava no pacote e acabou sendo usado de rompante numa gravação na piscina, com apenas um microfone. De instrumentos, catamos tudo o que podia em casa. Tudo que produzisse algum barulhinho interessante ou que pudesse somar e texturizar de alguma forma.
A voz de Pitty em sua banda principal parece estar cada vez mais similar à voz da Pitty do Agridoce. Você está se "agridocificando"?
P - Hahaha, será? Nunca pensei por esse ângulo. Talvez a coisa esteja caminhando para uma identidade mais coesa, mesmo os dois trabalhos sendo tão diferentes. De qualquer forma, como cantora, penso que é um trabalho de descoberta que nunca cessa. Sempre vou querer saber de quantos jeitos eu posso usar esse instrumento (a voz), buscar formas diferentes de emissão. E é um campo muito, muito amplo. Foi um mega desafio cantar desse jeito no Agridoce, com menos volume, controlando minuciosamente a saída de ar, as sílabas. E me surpreendi com a descoberta de que cantar suavemente é mais difícil do que gritar– pra mim pelo menos, pela minha vivência. Pro grito, pro brado, é necessário explosão, potência. Pra esse outro tipo de canto é preciso muito mais controle. A base tem mais “espaço” e qualquer nota que você emita com um pouco mais ou menos de ar fica evidente.
Que outros instrumentos você tocou no disco, Martin? Tem algum que achou mais difícil ou que deu mais trabalho para achar os timbres ideais?
(Foto: Otavio
Sousa)
M - Além do violão, toquei dobro, ukulele, bandolim, baixo e guitarra, sendo que esta última, sempre de uma maneira não-ortodoxa. Os maiores desafios foram o bandolim, com o qual não fiz as pazes até hoje, e as experimentações com E-Bow e slide, duas abordagens da guitarra que nunca tinha tentado até então e pelas quais me apaixonei.
Haverá shows do Agridoce, uma turnê de divulgação? Se houver, passa por Salvador?
P - Estão pintando alguns shows, tô sentindo que vai rolar uma tourzinha, sim. Espero MUITO que passe por Salvador, é uma pena aparecerem tão poucas oportunidades de tocar na nossa terra natal. Saibam que queremos loucamente, mas que não depende só da gente.
Vocês dividiram os vocais em algumas faixas do CD. Foi aquele “esquema Beatles”, tipo quem escreve a letra canta a canção – ou alguém fazia questão de cantar essa ou aquela música?
M - Esquema Beatles, quem fazia a letra cantava a música, ou trechos dela.
Como surgiu a parceria da dupla com Ricardo Spencer (cineasta baiano, diretor de diversos clipes e vídeos para Pitty e sua banda), na faixa Say?
P - Surgiu do nada, numa madrugada dessas em que ele e Martin ficaram cantarolando coisas e registraram no gravador do celular. Martin me mostrou depois e eu achei lindo, achei (e achamos) que renderia uma música. Aí fomos desenvolvendo. Eu e Martin criamos um arranjo, Spencer mandou uma letra, eu lapidei a melodia. Foi bem inusitado o jeito que essa música surgiu, e foi uma ótima surpresa pra gente.
Quais os planos de Pitty para 2012? Disco novo, turnê? Ou será um ano mais reservado, com férias etc?
P - Agora encerramos a turnê do DVD Trupe Delirante, e vamos nos dar uma férias para arrumar a casa, realinhar as ideias e deixar brotar algo novo. Imagino que em 2012 role um disco, mas não sei quando ainda. Vou fazendo à medida em que aconteça tempo-vontade. Enquanto isso não rola, faço shows com Agridoce.
Cantar em uma língua estrangeira não é nada fácil. Na verdade, é bem difícil. Mas ainda assim, você foi bem corajosa ao cantar uma faixa em francês (Ne Parle Pas, lançada em compacto de vinil, além de duas outras em inglês). Não deu frio na barriga de, de repente, pagar um mico em francês? Você contou com alguma assessoria aí, um professor de francês para ajudar na pronúncia, ou foi na cara e na coragem, mesmo?
P - Foi na minha boa e velha cara-de-pau mesmo (risos). Contei com a percepção de que palavras em outras línguas são sons. Uma vez que seu ouvido os capta, eles podem ser reproduzidos. É difícil principalmente porque não domino o idioma, mas acho que o que vale nessa hora não é a pronúncia matematicamente perfeita. É o feeling, a interpretação, o fato de combinar com a sonoridade. É necessário se arriscar artisticamente. Se existe mico, é para aquelas pessoas que acham que tudo tem que ser perfeito e asséptico e só enxergam a rigidez, e estão aquém da arte. Estão mais preocupados com a forma do que com o conteúdo. Obviamente cuidei para que fosse o melhor possível, mas tenho consciência de que sempre será um francês falado por um estrangeiro, que existe o sotaque. E o sotaque é bom, é o que você é, de onde veio.
Seu primeiro álbum como Pitty, o Admirável Chip Novo, saiu em 2003. De lá para cá, já se vão quase nove anos. Seu público, que era majoritariamente adolescente, cresceu. Já os adolescentes de hoje em dia parecem mais ligados em bandas mais recentes, como Restart e Cine, ou por outro lado, em artistas de perfil menos ligado ao imaginário roqueiro, como Luan Santana etc. Como você se vê posicionada no mercado da música pop brasileira dos próximos anos, Pitty? Cada vez mais roqueira, mais para o radical? Ou buscando uma mudança de perfil?
P - Eu não sei se “busco” nada conscientemente, não é tão pragmático assim. Eu só quero gravar discos que eu goste, fazer músicas nas quais eu possa me expressar, que eu ouça e fique feliz por tê-las feito. Música não é encomenda, não é para suprir regras de mercado, para atingir de forma calculista este ou aquele (público). É pra gente transcender, se revelar, se conhecer. Parece papo hippie, mas é que é muito estranho quando eu vejo a arte sendo tratada de forma tão pequena e mundana, quando eu sinto que é algo maior. Enfim, o que vai ser eu não sei. Mas sei que vou continuar gravando os discos que eu quero gravar. E aí só me resta torcer para que as pessoas se identifiquem com eles.
Martin, você é o cara dos projetos paralelos na banda da Pitty, correto? Além do Agridoce, tem ainda o Martin & Eduardo, projeto seu com o baterista de Pitty, Duda Machado, que lançou o disco Dezenove Vezes Amor (2010). Esse projeto ainda está rolando? Se sim, quais são os planos para ele?
M - O projeto com Duda está de férias. Gravamos o disco, fizemos uma mini-turnê e acho que esse ciclo já fechou, agora é esperar pra ver no que vai dar. Ainda não fiz planos mas já tenho todas as músicas prum próximo disco então tudo pode acontecer.
Agridoce / Vigilante - Deckdisc / R$ 21,90 / LP em vinil Polysom: R$ 79,90 / Compacto Vinil de Ne Parle Pas Polysom: R$ 34,90