terça-feira, março 16, 2010

TRÊS VEZES MESSIAS

A expressão serena no rosto de Messias Guimarães Bandeira não reflete sua (já longa e suada) trajetória como músico na banda brincando de deus, agitador cultural e pesquisador acadêmico na área da Comunicação. Conhecido pela ousadia e pioneirismo que imprime em suas ações, ele agora parte para mais um desafio que poucos teriam coragem de encarar: o lançamento de um CD triplo.

Intitulado escrever-me, envelhecer-me, esquecer-me (um título para cada disco), o álbum, que conta com um verdadeiro who‘s who de músicos baianos convidados, foi produzido por andré t., que também assinou a produção do último CD da brincando de deus, lançado dez anos atrás.

Sua banda original, que retornou à atividade em dezembro último, após quatro anos parada, é considerada uma das mais importantes do gênero indie rock / guitar band. Ao lado de grupos como Pelvs (RJ), Low Dream (DF) e Pin Ups (SP), a brincando de deus formou a linha de frente da primeira geração do indie rock brasileiro.

Em paralelo, Messias se notabilizou ainda como um agitador “cyber cultural“, por assim dizer. Graças às suas pesquisas realizadas no âmbito da internet – via Faculdade de Comunicação da Ufba – quando a rede mundial de computadores ainda era apenas um sonho molhado na cabeça dos nerds, “a brincando de deus“ – salvo engano do próprio Messias – “foi a a primeira banda brasileira a ter um site, ainda em 1993“, garante.

A brincando de deus lançou seu primeiro CD em 1995, de forma totalmente independente. Naquela época pré-mp3, pré-desmantelamento da indústria fonográfica, as bandas de rock ainda sonhavam em assinar contrato com gravadora.

A decisão de Messias em ignorar este caminho se mostraria mais do que acertada: seria profética.

Naquela época em que a brincando de deus gravou seu primeiro álbum, tinha gente importante interessada em lançar a banda no mercado: “O Rock It!, que era o selo de Dado Vila-Lobos (Legião Urbana) e André X (Plebe Rude) queria lançar o disco, mas tivemos problemas de agenda. A deles não casava com a nossa. Como eu achava que o nosso disco não podia esperar, criei um selo independente, o Self Records, e lancei o disco eu mesmo“, lembra Messias.

Algum tempo depois, em 1996, organizou, na Concha Acústica do TCA, o primeiro Festival Boom Bahia, um verdadeiro mostruário do que havia de mais significativo na cena roqueira local, reunindo bandas importantes, como Doutor Cascadura, The Dead Billies, Penélope e Dois Sapos e Meio.

O festival teria mais uma edição (ampliada com artistas de fora do estado) em 97, antes de parar e só retornar dez anos depois.

Na última edição, em 2008, a Praça Pedro Archanjo (Pelourinho), lotada, chacoalhou ao som da banda americana Mudhoney, numa rara oportunidade para os roqueiros baianos terem acesso a uma atração estrangeira de qualidade reconhecida. Detalhe: a entrada para o show era um livro usado. Veio gente do interior do estado e até de Aracaju para conferir.

“Essa obsessão por independência continua comigo até hoje“, nota. E pelo visto, não larga dele tão cedo.

Seu CD triplo, que já tem shows de lançamento agendados em São Paulo e Belo Horizonte, foi 100% bancado do próprio bolso. “Em Salvador, ainda falta confirmar a data, mas deve ser no final de abril“, avisa.

“Este CD foi gravado por conta própria. Não foi por edital, lei de incentivo e muito menos por gravadora. Até por que, ainda mais hoje em dia, em que gravadora eu teria autonomia para gravar e lançar um CD triplo?“, pergunta, com toda razão.

Com 32 músicas, escrever-me, envelhecer-me, esquecer-me é um trabalho de fôlego, que exigiu muito do seu autor e do seu produtor. Como se pode imaginar, a gravação de um projeto dessa envergadura não foi um processo simples.

“Não que tenha sido doloroso, mas (gravar um disco assim) é um investimento pessoal que exige um certo rigor com você mesmo“, conta Messias.

Trata-se de um projeto sofisticado, que reflete tanto o imaginário musical de Messias – passeando pelo indie e lo-fi, com direito a programações eletrônicas e muitos instrumentos de cordas –, bem como suas inquietações filosóficas, como o passar do tempo, algo explicitado no próprio título do trabalho, e sua difícil relação com o lugar aonde vive: Salvador.

Um exemplo disso é Avenida Contorno, faixa 7 do disco 1, na qual destila sua angústia diante do belo cenário da Baía de Todos os Santos: ”A Avenida atravessa a madrugada, a baía é um espelho atrás de mim / toda noite aquela curva me espera e segue reto que se cansa de estar só”, canta, numa das poucas faixas em português do álbum (assim como nos discos da brincando de deus, maior parte de suas canções é em inglês).

”Olha, eu subo e desço aquela avenida todos os dias há muitos anos, então ela para mim meio que sintetiza a cidade, além de ligar a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Ela simboliza Salvador muito mais do que a Avenida Paralela, por exemplo. E também é a minha passagem de todos os dias”, explica.

Além das gravações convencionais no Estúdio T, Messias realizou diversos registros no silêncio da madrugada, em sua própria casa, como atestam as anotações feitas a caneta no encarte do álbum. Isto concedeu um caráter bem intimista em faixas como Curva Loxodrômica, Escrever-me e Envelhecer-me.

”Outras faixas eu criei a partir de ideias gravadas no celular. Depois eu pegava e levava para andré t processar no estúdio, adicionando percussão etc”, conta.
Outro fator importante no disco é a quantidade – e a qualidade – dos músicos convidados para participar do álbum.

Além de Cézar Vieira (guitarra), Tiago Aziz (baixo) e Ricardo Cury (bateria), seus companheiros da brincando de deus, o álbum apresenta músicos do calibre de Guimo Migoya (bateria), Junix 11 e Gabriel Pettenatti (guitarras), Alex Pochat (trumpete, sitar, baixo), Joatan Nascimento (trumpete), Fernanda Monteiro e Kayami Freitas (violoncelo), Jorge Solovera (arranjos de cordas), Mário Soares e Davi Guima (violinos), Saulo Gama (acordeon) e Alexandre Montenegro (baixo acústico).

Sem contar o próprio andré t., que pilotou teclados, programações, percussões e instrumentos de cordas diversos ao longo do trabalho de produção.

”Messias passou uma vida inteira fazendo música e gravando basicamente com as mesmas pessoas (a brincando de deus). Então, acredito que foi um belo processo de aprendizado a produção deste trabalho – para todos nós”, observa andré.

Não há como negar que foi um processo rigoroso. E se tem uma coisa que Messias entende é de rigorosidade.

Nascido em um ambiente humilde, Messias (ao lado, em foto de Sora Maia) deve à sua mãe a educação privilegiada a que teve acesso – algo que foi decisivo em sua vida.

“Nasci no bairro do Pero Vaz (próximo à Liberdade), de uma família pobre. Minha educação foi muito centralizada na figura da minha mãe, que era professora. Graças a ela, estudei no (Colégio) Anísio Teixeira e, depois, no Colégio Militar da Pituba, onde fiquei sete anos. Tudo isso estabeleceu um certo rigor nas coisas que eu faço“, concluiu.

OUÇA MESSIAS:

www.reverbnation.com/messias


www.messias.art.br

8 comentários:

programa de rock disse...

Opa. Seu blog é muito bom. Gostaria de saber se tenho sua autorização para publicar este texto sobre o messias no blog do meu programa de radio - vou tocar Messias (mais uma vez, sempre toco tudo que ele coloca pra baixar lá no site dele) e queria colocar pra ilustrar. O Blog é www.pdrock-sergipe.blogspot.com - meu e-mail, adelvank@hotmail.com

grato pela atenção,

Adelvan

Rodrigo Sputter disse...

Sem contar que Messias morou um bom tempo na cidade-baixa, foi até meu vizinho de bairoo...Não sei se a mãe dele ainda mora lá, mas era entre o caminho de areia e bonfim...ali a BDD ensaiava...as melhores bandas de rock da cidade-baixa vieram da cidade-baixa...pode olhar, sempre tem um integrande que veio de lá...fico feliz de ter crescido - e viver - lá...ou melhor, aqui na cidade-baixa...deveria ser uma cena independente da cena rocker soteropolitana, só com as bandas que foram montadas por aqui daria pra fazer um festival todo ano...e não falo só das mais famosas bandas, mas até mesmo do Metal, como a Mystifier que tem fama no cenário metal mundial e continua até hoje na ribeira, aliás Chicão acho que o rock loco, deveria fazer uma matéria sobre a caixa de vinil que um selo dos EUA lançou ano passado com 5 vinis da Mysitfier para comemorar os 20 anos de estrada dos caras...tem versáo luxo e versão normal...a luxo vem com vinis coloridos e a normal os vinis são negros...e todas as 2 com um livro em inglês com fotos da banda...e foram lançados os 2 primeiros discos dele e as demos e lives dos caras...coisa de BABAR...eu nunca vi nada igual na cena rock do Brasil...
Fica aí a dica...
E voltando a cidade-baixa, não sei pq aqui nunca vingou shows...coisas de Salvador...
Era pras bandas de outras localidades da cidade tocar aqui na cidade-baixa, de tanta banda boa que isso aqui já teve...e fazer um show aqui sempre é difícil...
Enfim...essa é nossa cidade...mas parar de produzir jamais.
Gosto de Messias pq ele sempre produziu e nunca ficou parado...além de que eu e ele fomos dos poucos fãs antigos do velho Morrissey e ouvimos muitas piadinhas sobre gostar do velho Mozz...e hoje uma galera gosta e ouve do velho Inglês..."ainda bem".

Anônimo disse...

Olá Chicovsky,

Muitos vivas a Messias, a BMW do Pero Vaz, do Uruguai e de qualquer banda do globo por onde a gente olhe.

Tava de bobeira e finalmente vi e recomendo enfaticamente os musiclips de Glauber (Teclas pretas) no You Tube ,além da sensibilidade imagética do dito cujo em várias montagens , que como não estão creditadas, credito-o a ele próprio (falar em crédito a foto do post é minha, hein....Nominho plis)ainda tem o clip da galera que participou da oficina de Xanxa, que é espetacular (música/imagens). Finalmente começam a fazer justiça à beleza da estação de trem da Calçada. Congrats à equipe.

Pra completar, um link de um texto legal sobre insonia http://www.naocontepramamae.com.br/?p=512
estado comum a muitos de nós


Abcs

Sora

Ps.: Não conte pra mamãe, é bom demais.

Franchico disse...

Adelvan, fique a vontade. É só creditar direitinho a fonte, que tá limpo. (Internet é fogo. Já me deparei com textos escritos por mim que nego copiou, colou e assinou embaixo, sem a menor cerimônia).

Sputter, na terça-feira (dia 9) passada rolou uma matéria enorme, de capa do Cad 2 e página dupla interna sobre as bandas de metal da Bahia, que botam para fuder e estão sendo lançadas por eselos estrangeiros, como Headhunter, Incrust e outra que me escapou o nome no momento. Essa história da Mistifyer é muito boa. Vou correr atrás, valeu.

Sora, essas imagens eu peguei do Reverbnation de Messias. Lá mesmo elas estão sem crédito. Como eu já sabia que a última deste post (a coloridona psicodélica) era sua, inclui seu crédito no arquivo. Basta passar o cursos sobre a foto que seu nome já aparece na base do monitor. De qualquer forma, inclui seu crédito tb no texto, agora. A foto de cima, com ele no palco, é sua tb? Se for, me avise que eu tb credito. Beijo, saudades - de vc, Franciselvis, Yuri...

Anônimo disse...

Não Chico,

só fiz a foto três mesmo, e sei que Messias não coloca crédito nas fotos dos sites dele. Vai lá entender um rockstar.....Vandex tá aprontando o studio. A putaria vai rolar....

Bjs na família

Sora

***Brama, o vaporator do mal deve ser tudo, mas é meio feioso, se fosse mais bunitim já tava no cheque especial. 700 doletas pra fazer fumaça né mole não.

*****Chico precisamos começar a digitalizar o acervo rockloco. Junte com Brama os tapes que eu passo tudo pra cd, na boa. Entrega imediata ou seu dinheiro de volta. Setaro já cobrou a gravação do programa dele.

danielwildberger disse...

Feliz Dia de São Patrício, Chicão!!

Saudade, mas a gente deve pintar por ai pro lançamento do Quincas Berro d'Água - nos aguardem!

tá de bobeira no trampo? visite:

http://www.danielwildberger.com

Beijos e abraços,

vou ali tomar uma cerveja verde!

Franchico disse...

Daaaniels, miserávi! Não apenas já babei com seu trabalho lá no site - apesar de NÃO estar exatamente de bobeira no trampo - como já adicionei o link permanentemente aí do lado. Que site classudo da porra! Vá tomar sua cervejinha verde que vc merece, man!

Sora, tenho algumas fitas cassetes com alguns saudosos programas do RL no tempo "da rádia" lá em casa, incluindo o prog com Setaro. Material preciosíssmo para nosotros. É só marcar que eu te passo tudo - só quero uma cópia de cada fita dessas pra mim tb, né? Dou a mídia e a porra! Acho que Mário tb tem algumas fitas em casa. Mário, meu filho, cadê vc? Vamos eternizar esse material em digital e, quem sabe, até disponibilizar na rede para quem quiser ouvir? (Afinal, tem maluco pra tudo, né?)

Cássia disse...

Messias é super cuidadoso com as coisas dele e por isso esse novo disco saiu lindo do jeito que saiu ...
e olha que Indie nao é o meu forte rsrsrs ..
Tenho orgulho de meu amigo
Merece as honras do rock