O pavão do rock tem biografia em português lançada no Brasil
O bigodão estilo bofe, os dentes protuberantes, o gestual melodramático, a voz poderosa e o domínio absoluto do palco perfazem as características imediatamente reconhecíveis de Freddie Mercury, morto em 1991, por complicações decorrentes da Aids. O líder do Queen, porém, era muito mais complexo do que se pode imaginar, segundo o biógrafo francês Selim Rauer, autor do livro Freddie Mercury, que chegou recentemente às livrarias.
Para Rauer, um filósofo formado pela Sorbonne, a principal característica de Mercury era ser um homem profundamente marcado por uma espécie de dualidade que se estendia por praticamente todos os aspectos de sua personalidade.
Nascido Farrokh Pluto Bulsara em 5 de setembro de 1946, Mercury veio ao mundo no longínquo arquipélago de Zanzibar, um antigo domínio britânico, localizado na costa da Tanzânia. A origem de sua família é bem intrincada. Seu pai, Bomi Bulsara, era um pársi (ou persa), o povo das Mil & Uma Noites que vivia no Irã, antes que este fosse invadido pelos islamitas.
Os pársis, cuja religião era o zoroastrismo (do profeta Zaratustra), refugiou-se na Índia. Foi lá que Bomi conheceu Jer, indiana com quem se casou e teve 2 filhos: Farrokh e Kashmira.
Após uma primeira infância feliz na paradísiaca Stone Town, principal província de Zanzibar, Farrokh, aos sete anos, foi abruptamente separado da família e enviado para um colégio interno britânico na distante Panchgani, na Índia.
O trauma de, ainda criança, se ver sozinho num país distante durante nada menos que oito anos marcou para sempre o jovem Farrokh. Aos 16, após anos se destacando como um aluno brilhante, foi expulso e enviado de volta para Zanzibar, depois que boatos de um caso dele com o filho do jardineiro se espalharam pela escola.
Poucos anos depois, Farrokh e a família imigraram para Londres, depois que revoltas em Zanzibar tornaram impossível a vida em família na ilha.
Foi lá, no ambiente permissivo e vibrante da Swingin‘ London, que a personalidade de Freddie Mercury floresceu. Formado em design, vestia-se de forma extravagante, fazendo sua irmã ter vergonha de andar com ele pelas ruas.
Ainda assim, era um rapaz atormentado pelos desejos contraditórios que o consumiam. Mercury não apenas nunca assumiu sua homossexualidade para os pais, como fazia questão de esconder os fatos de sua infância e adolescência, além de suas origens persas, do público e da imprensa.
Na verdade, Mercury só assumiu para si mesmo gostar de homens após um casamento fracassado (com Mary Austin, que foi sua principal herdeira) e quando o Queen já havia lançado seu quarto (e mais genial) álbum, A Night At The Opera (1975).
E apesar de ter tido muitos homens, Mercury também sentia necessidade de se relacionar com mulheres – possivelmente, devido à carência traumática de ter sido separado da mãe aos sete anos –, como atestam seus casos com Austin e a atriz alemã Barbara Valentin.
E aí pode-se traçar o drama da dualidade que consumia Mercury. Dividido entre o Oriente e o Ocidente, entre a homo e a heterossexualidade, o rock e a ópera, a exposição no palco e o recolhimento público (ele detestava dar entrevistas), o cantor, sob uma ótica afrobaiana, era, na verdade, um exú, um mensageiro entre dois mundos.
Seu próprio nome artístico, "Mercury", não foi por acaso. Na mitologia romana, Mercúrio era o mensageiro dos deuses, encarregado de levar as mensagens de Júpiter. Freddie tinha plena consciência do seu perfil – e isso o marcou para sempre.
LIVRO TEM RITMO E FLUÊNCIA
Nas primeiras páginas de Freddie Mercury, o filósofofo da Sorbonne Selim Rauer pode assustar um pouco o leitor desavisado com um texto poético-filosófico sobre a personalidade tortuosa e a trajetória fulgurante do seu biografado, dando a entender que o resto do livro poderia ser uma sonolenta masturbação acadêmica sobre a natureza trágico-barroca de Mercury e sua relação com o showbiz.
Felizmente, logo a porção "biógrafo" do francês se impõe e o texto ganha ritmo e fluência, facilitando a leitura de quem está mais interessado na história do astro em si do que em suas implicações filosóficas.
Há até mesmo trechos apimentados – e nem poderia ser diferente, dada a natureza libertina do biografado: "(Mercury) Fumava dois maços de cigarro por dia e, àquela época, apreciava em particular a vodca Stolichnaya e tônico de laranja, assim como cocaína. Sua sexualidade era bulímica. Ele gostava de ir para o quarto com um companheiro que o tivesse escolhido, mas que, afinal, não o queria. Não o verdadeiro ele. (Itálicos do autor). A pessoa reconhecia Freddie Mercury, a estrela do Queen. Onde sua celebridade aparecesse, deixava de haver lugar para Farrokh. Ele se contentava com o que podia obter: sexo".
Para os fãs do Queen, uma das bandas mais importantes da história do rock, vale a leitura para saber mais sobre a trajetória do grupo, seus outros integrantes e até mesmo sobre as estripulias de Mercury nas duas ocasiões em que a banda tocou no Brasil: em 1981 e 1985.
Na primeira (e última) turnê sul-americana, com o subcontinente dominado por ditaduras militares cruéis, coube ao empresário Jim Beach fazer circular malas de dinheiro para "tranquilizar" os generais de que não se tratava de um evento que pudesse ameaçar os regimes.
Já nos shows do Rock in Rio, Mercury mandou formar uma fila de rapazes nus no seu quarto no Copacabana Palace. Um a um, eles iam para cama com o astro. Depois de se saciar, mandou todos embora com um gesto de mão. A porta então se fechou, deixando-o solitário.
Freddie Mercury / de Selim Rauer / 319 p. / R$ 49.90 / Editora Planeta
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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11 comentários:
Fundamental: o Google está oferencendo para leitura on line nada menos que TODAS AS EDIÇÕES DA SPIN, digitalizadas.
http://books.google.com/books?id=ELfnhp4T-T4C&lr=&hl=pt-BR&rview=1&source=gbs_navlinks_s
Dica do Forasta...
em baianês o freddie mercury era xibungo
Google is good, man!
Deixa eu fazer um reclame, Chiquéurisk?
Nesta sexta próxima, no Bebedouro, Rio Vermelho, 10 conto, Banda de Rock mais Banda de rock Triste mais Níver de Cândido, mais Dj Potato, vão fazer uma festa do caralho! De Creedence, Neil Young , Floyd, Wilco, etc. passando por Velvet, Bowie, Bunnymen, Oasis e mais etc. ainda, vai rolar aquela esbórnia. Compareceivos e não se arrependerão. Abraços.
e é "comparecei-vos", cebola inguinoranti!
de qualquer forma...vão lá!
Em baianês: Vai ser porreta!
A bibliografia rocker no Brasil vem crescendo consideravelmente no Brasil, nos últimos anos.
Coisas boas estão vindo aí.
Olha só esse lançamento da Cia. das Letras, previsto para o final do mês.
LIKE A ROLLING STONE - Bob Dylan na encruzilhada, de Greil Marcus
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12655
Dá pra resistir?
Inclusive, li há pouco tempo, o sensacional Disparos no Front da Cultura Pop, de Tony Parsons.
Foi lançado no Brasil em 2006, se não não me engano. Achei num sebo por vintinho e véio, foi uma das maiores pechinchas da minha vida. Livraço, recomendadíssimo.
Ele é o autor daquela famosa frase "Fique perto das coisas que vc ama. E leve um bastão de beisebol para o resto".
Uma boa resenha está aqui:
http://www.screamyell.com.br/literatura/disparos_parsons.htm
O dia em que Gibby Haynes (Butthole Surfers) se ajoelhou aos pés de Alex Chilton.
http://colunistas.yahoo.net/posts/831.html
Dica de Sputter.
"LIKE A ROLLING STONE - Bob Dylan na encruzilhada, de Greil Marcus" - Éééé... se ao menos os infiéis soubessem o que é bom... Já tá na minha prateleira...
deu vontade de saber mais sobre o cara depois desse post.
tô de olho no livro do tony parsons já há algum tempo.
geil marcus escreveu sobre dylan? esse eu nem preciso ler pra recomendar! - rs
abs
O livro é péssimo, está mal traduzido e há vários erros de grafia. O melhor sobre Mercury é o livro de Peter Freestone, já disponível em português.
Valeu pela dica, Gus.
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