Clássico dos anos 1980, versão psicopata (e adulta) de Tom & Jerry são testemunho da genialidade de Massimo Mattioli
Antes de mais nada, cabe um aviso: este álbum de histórias em quadrinhos não é para crianças. Está lá, na contracapa, em bom português: “Impróprio para menores de 18 anos”.
Isto posto, cabe outro aviso: este material também não é indicado para cristãos fundamentalistas, (falsos) moralistas de rede social e conservadores em geral.
Aviso dado. Depois não adianta ficar choramingando por aí de HQs satanistas que querem acabar com a família tradicional.
Até porque é verdade: Squeak The Mouse (Guincha o Camundongo, em desnecessária tradução literal), do italiano Massimo Mattioli, é uma das HQs mais depravadas, imorais, violentas, crueis, pornográficas, alucinadas e profanas de todos os tempos.
Ao mesmo tempo, é também uma das mais ousadas, engraçadas, criativas e divertidas.
Para aprecia-la, não precisa nem saber ler: as historietas são mudas, não tem sequer diálogo. Os únicos pré-requisitos para apreciar Squeak TheMouse são aqueles já citados: não ser nem criança (depois dos 18 tá liberado) nem conservador “guardião da moral e dos bons costumes”.
O aviso explícito de que a HQ não é indicada para crianças ainda tem outra justificativa bem óbvia: seus personagens podem ser facilmente confundidos com clássicos personagens infantis, como Tom & Jerry ou Frajola & Piupiu ou Papa-Léguas e o Coiote.
Trata-se de um gato e um rato, fazendo o que bons gatos e ratos de cartum fazem: correm um atrás do outro, preparam armadilhas mútuas e, eventualmente, são violentos.
Sim, não há como negar que os desenhos infantis de antigamente podiam ser bem violentos. Não faltavam marretadas, tiros (de revólver, escopeta e até canhão), facadas, machadadas, pedradas etc.
O que diferencia Squeak The Mouse daqueles cartuns infantis de antigamente é que esta HQ mostra, explicitamente, tudo o que a Hanna-Barbera e os Warner Brothers escondiam.
Quando o gato dá uma machadada no rato, divide-o ao meio, com todo o sangue e vísceras que tal cena tem direito.
É como se Evil Dead, a clássica série de terror gore de Sam Raimi, fizesse um crossover com Tom & Jerry.
E assim vai, aqui usa-se de tudo: tiro, bomba, lâminas em geral, eletrocussão, afogamento, fogo, motosserra etc.
Ah, outro detalhe. também tem sexo. Sexo explícito. Muito. E interespécies, ainda por cima. Homossexuais, também.
Enfim, não deixem essa HQ chegar na TFP, senão as tochas e ancinhos podem sair do armário e tomar as ruas.
Gênio do mal
Tudo isso é só para dizer: Massimo Mattioli, esse incorrigível enfant terrible morto aos 75 anos em agosto último, era um gênio da narrativa sequencial.
Essas HQs, um pequeno pedaço de seu legado, embalado em uma linda edição capa dura da editora Veneta, são um verdadeiro exemplo de narrativa puramente visual.
Cada quadrinho está firmemente ancorado em uma narrativa absolutamente amarrada, uma sequência matematicamente perfeita de sexo, dor, morte, alucinação e risos.
É uma obra que também reflete a visão do politicamente incorreto que se tinha à época, uma visão bem diferente da de hoje, quando o que se toma por "politicamente incorreto" é um falso direito auto-arrogado de ser abertamente racista, misógino ou mesmo fascista.
Parte de uma genial geração de quadrinistas europeus, Mattioli teve boa parte dessas HQs publicadas no Brasil há coisa de 30 anos, na saudosa revista Animal.
Agora é a hora de novas gerações terem contato com a obra deste gênio do mal. No melhor sentido.
Squeak The Mouse / Massimo Mattioli / Editora Veneta / 160 páginas / R$ 99,90
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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Um comentário:
Érika Martins, grande roqueira baiana que poucos reconhecem.
Tá aí há mais de 20 anos sem largar o osso do rock, sem precisar lacrar, mas com uma visão obviamente progressista e com um trabalho de qualidade.
Olha que entrevista legal:
http://screamyell.com.br/site/2019/12/04/entrevista-erika-martins/
Sou fã, mesmo.
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