terça-feira, agosto 27, 2019

COMBAT RAP

Quer saber da realidade da periferia? Ouça Renovação, novo disco do Rap Nova Era

Ravi, Moreno e DJ Kbeça, foto Ícaro Luan
Expressão mais  legítima da juventude preta e periférica que não abaixa a cabeça e come pilha de patriotas de araque, o rap é a crônica do duro dia a dia de quem banca o lucro dos bacanas trabalhando nas piores condições, ganhando miséria e vendo seus direitos sendo retirados na cara dura por engravatados sem caráter.

Dito isto, a audição de discos como Renovação, o terceiro do grupo local Rap Nova Era, pode ser tão (ou até mais) instrutiva sobre a vida nas periferias quanto a leitura das notícias neste ou em qualquer outro jornal deste país. A razão é óbvia: é a favela falando pra favela, sem intermediários.

Duro e sem concessão no discurso, mas também cheio de suíngue, com bases cremosas e beats crocantes, Renovação pavimenta o caminho de Ravi, Moreno e DJ Kbeça rumo ao reconhecimento que mais importa: o das periferias da Bahia e do Brasil afora.

Coligados da nata do rap nacional (leia-se Racionais), já se apresentaram tanto no centro quanto na perifa da capital de São Paulo, ganhando proeminência e mostrando que o rap baiano vai muito além do hype (merecido, diga-se) em torno de Baco Exu do Blues.

“Através do trabalho do Baco, as classes média e alta começaram a consumir mais o rap (local), mas ainda é mais essa fita de Baco mesmo, de internet. Se for na favela, nas ruas, você vai ouvir falar de outros como a gente. Se você ver um baleiro no ônibus, a maioria dos presos das cadeias aonde a gente faz shows, você vai ter certeza que eles curtem Nova Era, Vandal, Afrogueto, Daganja”, afirma Ravi.

“A música do Nova Era é feita pro povo periférico. Falamos de união, renovação e superação pelo fato de termos passado por essa vivência do crime. O rap é como uma válvula de escape.  Conseguimos dar a ideia no rap, tocar no coração. A música é libertadora, Nova Era é um rap libertador”, diz.

O problema é de todos

O Rap Nova Era com Vandal no clipe de Mundo Moderno, foto Ícaro Luan
Com muitas participações – Vandal, Yzalú, DBS e outros –, Renovação fecha uma trilogia do RNE, junto com os álbuns anteriores, Nem Tente Contar com a Sorte (2009) e Brutality (2015).

“A gente avalia o Renovação como um álbum ouro, ta ligado? Vivemos mais intensamente esse disco, ficamos alguns anos preparando. O Nova Era vai fazer 10 anos, ele veio como uma celebração a essa caminhada de muita luta e resistência“, afirma.

Os shows de lançamento do Renovação (aqui e em São Paulo) serão apenas em novembro, mas ainda antes, em setembro e outubro, eles se apresentam na cidade: “A gente tem show em setembro aqui em Salvador com 509E (duo paulista de rap formado por Dexter e Afro-X). É a turnê Vivos, de 20 anos do grupo, uma apresentação histórica”.

“Em setembro vai ter show em São Paulo, que é no 100% Favela (festa de Mano Brown, dos Racionais), no Capão Redondo. Em outubro, a gente faz o dia das crianças na favela aqui em Salvador, e também estamos fechando apresentações nas penitenciárias da Bahia. Novembro tem o show de lançamento  do disco em Salvador e São Paulo”, conta.

Essa relação do RNE com a cena paulistana não é de agora, garante Ravi: “Ah, vem de muito tempo, uma relação de amizade com Nocivo Shomon, o povo do Capão, Cúpula Negredo, DBS, DJ Cia, que participou do nosso disco, o pessoal do RZO, com o próprio Mano Brown, que inclusive sempre chama a gente pra participar da festa dele no Capão Redondo, a 100% Favela, com os maiores artistas do rap nacional”, relata.

“Então, a nossa sintonia com SP já vem de muito tempo, sempre fomos bem tratados pelo povo de São Paulo, é uma sintonia especial”, diz.

Com membros vindos de vários cantos da cidade – “Ravi é da Liberdade,  Moreno é da Suburbana, Peri Peri e  DJ Kbça é Cidade Baixa, Massaraduba” – o RNE sabe que agora, mais do que nunca, discursos como o deles é necessário.

“Infelizmente o Brasil está passando por um momento delicado, então o rap volta a ser evidência, militante, como uma coisa que bate de frente contra o sistema”, afirma Ravi.

“(A violência na favela) É um problema de todos. (Tem que) Procurar conversar com o povo que vivencia essa guerra todos os dias, se aproximar na humildade pra saber o que acontece nas periferias de todo o Brasil. A guerra nas favelas de Salvador é cotidiana, polícia atirando em morador, como acontece no Rio de Janeiro. Ignorar nossa vivência é querer que tudo continue igual. A faixa Mundo Moderno fala um pouco sobre isso: o alvo é sempre o gueto”, conclui.




NUETAS

Matita Perê hoje

A  Matita Perê realiza ensaio aberto para celebrar seus 20 anos de formação com participação de músicos que já passaram pela banda. É hoje, às 21 horas, na Varanda do Teatro Sesi, R$ 20.

Lon Bové & Saulo

O guitar hero Lon Bové & Banda Terráquea fazem o show Água Vida Pura Vida, com participações de Saulo, da cantora mirim Cacá Magalhães e alunos do Colégio Estadual Pinto de Aguiar e Olodum Juvenil. Quinta-feira, 20h, no Teatro da Cidade, R$ 40 e R$ 20. Quem doar uma camiseta velha paga meia. As camisetas são recicladas como ecobags  (sacolas de compras).

Antifas no Bardos

Coletivo formado por membros de bandas da cena hardcore local, o Saco de Vacilo realiza um encontro com o grupo Ação Antifacista de Salvador (AFA) para trocar ideias no Bardos Bardos. Sob o lema “hardcore é política”, os dois grupos vão contar um pouco de sua história e militância. Quinta-feira, 19 horas, entrada gratuita.

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