Emissoras pagas Space e Canal Brasil comemoram (comemoraram) os 80 anos de Zé do Caixão com maratona da série biográfica e exibição de seus clássicos
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Mojica em seu longa mais recente, Encarnação do Demônio |
Hoje Ontem, as hordas do mal se agitam agitaram em júbilo sangrento. Zé do Caixão, o patrono das trevas, completa completou 80 anos arrastando sua carcaça putrefata (e a de muitos outros pobres diabos) neste plano de existência.
Na verdade, foi no dia 13 de março de 1936 (curiosamente, uma sexta-feira), que nasceu o cineasta e ator José Mojica Marins, criador do personagem.
Célebre desde sua primeira aparição em 1963, no filme À Meia-Noite Levarei Sua Alma, Zé do Caixão (ou seria o Mojica?) ganha programação especial em sua homenagem, em dois canais da TV paga.
O Space
exibe hoje exibiu ontem, a partir das 19 horas, uma maratona com todos os episódios (seis) da série biográfica Zé do Caixão, com o ator Matheus Nachtergaele em grande atuação no papel-título.
Na sequência, por volta da meia-noite, vai ao ar o filme As Fábulas Negras (2014).
Filme de episódios, conta com a mais recente produção de Mojica na direção, no segmento O Saci, releitura do diretor para o famoso personagem com uma perna só do folclore nativo.
Difícil vai ser para os fãs decidir qual filme assistir, por que, no mesmo horário, o Canal Brasil inicia o ciclo Mostra Zé do Caixão 80 Anos, com seu longa-metragem mais recente, o assombroso A Encarnação do Demônio (2008).
Nos domingos seguintes, o Canal Brasil ainda exibe os clássicos À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1963), Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1966), O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1967), O Despertar da Besta (1969) e Delírios de um Anormal (1977).
Versão dramática
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Mateus Nachtergaele e grande elenco, em Zé do Caixão, a série |
Baseada na biografia Maldito: A vida e o Cinema de José Mojica Marins, de André Barcinski e Ivan Finotti, que foi relançada no início do ano pela editora Darkside, a série Zé do Caixão tem o próprio Barcinski na criação dos roteiros, em parceria com Ricardo Grynszpan.
“A série é uma versão dramática da vida de Mojica em seis episódios, cada um centrado na produção de um filme importante de sua carreira”, conta Barcinski.
“O tema principal da série, a meu ver, é a luta de Mojica para fazer seus filmes. Ele era capaz de fazer qualquer coisa – qualquer coisa mesmo – para filmar”, acrescenta.
Como a série de TV é também uma dramatização de eventos reais, alguns ajustes precisaram ser feitos, em nome da fluidez narrativa.
“A base da série é o livro que fiz com o Ivan, mas é claro que algumas coisas tiveram de ser adaptadas para ajudar dramaticamente a série”, afirma.
“Personagens foram ‘fundidos’, datas foram ajustadas, etc. Algumas histórias que relatamos não aconteceram exatamente nos períodos cobertos pelo episódio. Mas não existe nada ali que tenha sido inventado, tudo realmente aconteceu”, diz Barcinski.
Inventor do crowdfunding
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Mojica e José Celso Martinez em Encarnação do Demônio |
O jornalista, que conta com um grande número de seguidores do seu trabalho em cultura pop desde a publicação do seu livro Barulho: Uma Viagem pelo Underground do Rock Americano (1992, a ser relançado em breve), conta que estreou em roteiro de ficção com a série.
“Foi sim, nunca havia escrito ficção antes. Foi maravilhoso trabalhar com um roteirista como o Ricardo Grynzspan, que já tinha experiência em séries dramáticas, a aprender como selecionar o que realmente é importante ser contado”, diz.
“Sou jornalista e obcecado por fatos e detalhes, então, por isso, no início, tive certa dificuldade em compreender que a série precisa focar em alguns aspectos, não pode ser uma coisa ampla como um documentário, sob o risco de ficar chata e didática”, percebe.
Na série, vemos o ser humano José Mojica Marins – mais do que Zé do Caixão – com seu problemas e erros, como, por exemplo, o vício em estimulantes. Barcinski conta que, na época em que escreveu a bio, o cineasta chegou a reclamar da revelação pública.
“Só mostramos o texto pra ele com o livro pronto. Mojica ficou irritado por termos revelado várias histórias sobre alcoolismo e problemas pessoais, mas quem não ficaria? Mas ele nunca pediu que mudássemos uma vírgula. Acho que ele foi censurado o bastante na carreira para saber como é horrível fazer isso com alguém”, conta o autor.
Para além do mérito de sua obra, Barcinski ressalta o espírito de independência total do cineasta, que nunca gozou das benesses da extinta Embrafilme, como tantos dos seus colegas “sérios”.
“Mojica meio que criou o crowdfunding nos anos 50, quando vendia papéis em filmes para os alunos de suas escolas de cinema”, diz.
“Era a única maneira que ele tinha pra bancar os filmes. Até 2008, quando dirigiu Encarnação do Demônio, Mojica nunca recebeu um centavo do Estado. Pelo contrário: o Brasil só fez censurar seus filmes e prejudicar sua carreira”, afirma.
“A patrulha ideológica atingiu sim, o Mojica, já que o cinema dele era considerado ‘alienado’. No fundo era inveja, porque Mojica sempre foi sucesso de público”, conclui.
Luzes, câmera, caixão!
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As Fábulas Negras |
Hoje: Episódios 1 ao 6 da série Zé do Caixão / Canal Space / 19h15
Hoje: As Fábulas Negras / Canal Space / 0h
Hoje: Encarnação do Demônio / Canal Brasil / 0h
Dia 20: À Meia-Noite Levarei Sua Alma / Canal Brasil / 0h
Dia 27: Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver / Canal Brasil / 0h
3 de abril: O Estranho Mundo de Zé do Caixão / Canal Brasil / 0h
10 de abril: O Despertar da Besta / Canal Brasil / 0h
17 de abril: Delírios de um Anormal / Canal Brasil / 0h
ENTREVISTA COMPLETA: ANDRÉ BARCINSKI
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A nova edição de Maldito, pela Darkside |
A série é baseada em sua biografia do Mojica, escrita com o Ivan Finotti. O quanto do livro, mais ou menos, foi pra tela? Alguma "liberdade poética" (sem ironia) foi tomada ou o que vemos nos episódios é 100% real?
André Barcinski: A série é uma versão dramática da vida de Mojica em seis episódios, cada um centrado na produção de um filme importante de sua carreira. O tema principal da série, a meu ver, é a luta de Mojica para fazer seus filmes. Ele era capaz de fazer qualquer coisa – qualquer coisa mesmo – para filmar. A base da série é o livro que fiz com o Ivan, mas é claro que algumas coisas tiveram de ser adaptadas para ajudar dramaticamente a série. Personagens foram “fundidos”, datas foram ajustadas, etc. Algumas histórias que relatamos não aconteceram exatamente nos períodos cobertos pelo episódio. Mas não existe nada ali que tenha sido inventado, tudo realmente aconteceu.
Lembro que, no início dos anos 1990, Mojica tornou-se cult nos EUA, originando o culto ao Coffin Joe. Seu livro foi a partir desta constatação, de um grande talento a ser devidamente reconhecido - e de uma grande história a ser contada?
AB: Na verdade a ideia do livro veio antes disso. Conheço Mojica desde 1985 e sempre achei sua historia de vida sensacional. Fiquei espantado quando percebi que havia pouquíssima literatura sobre ele, e botei na cabeça que ele merecia um livro. Ivan e eu levamos uns cinco anos fazendo a bio, que saiu em 1998.
Vi na série que Mojica foi viciado em bolinhas por um tempo. Quando vocês escreveram o livro, ele teve alguma reserva a este tipo de revelação? Ou ele apoiou vocês de forma irrestrita?
AB: Só mostramos o texto pra ele com o livro pronto. Mojica ficou irritado por termos revelado várias histórias sobre alcoolismo e problemas pessoais, mas quem não ficaria? Mas ele NUNCA pediu que mudássemos uma vírgula. Acho que ele foi censurado o bastante na carreira para saber como é horrível fazer isso com alguém.
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Nachtergaele como Mojica em Zé do Caixão e amiga |
A série é uma beleza de ambientação, atuações e narrativa. Como foi para você, um jornalista e escritor, participar da criação dos roteiros? Foi sua primeira experiência no ramo?
AB: Foi sim, nunca havia escrito ficção antes. Foi maravilhoso trabalhar com um roteirista como o Ricardo Grynzspan, que já tinha experiência em séries dramáticas, a aprender como selecionar o que realmente é importante ser contado. Sou jornalista e obcecado por fatos e detalhes, então, por isso, no início, tive certa dificuldade em compreender que a série precisa focar em alguns aspectos, não pode ser uma coisa ampla como um documentário, sob o risco de ficar chata e didática.
Nos anos 1970, Glauber Rocha chamou a atenção para o talento legítimo de Mojica, mas o pessoal não levava muito a sério (nem a ele nem ao próprio Glauber, imagino). A patrulha ideológica que o tachava de "alienado" afetava Mojica de alguma forma?
AB: Glauber falava pros amigos, mas nunca escreveu uma linha sobre o Mojica. Quem o elogiou mais destacadamente foram cineastas como Rogério Sganzerla, Luis Sergio Person, Carlos Reichenbach e Jairo Ferreira. A patrulha ideológica atingiu sim o Mojica, já que o cinema dele era considerado “alienado”. No fundo era inveja, porque Mojica sempre foi sucesso de público.
Também vi na série que Mojica buscava financiamento independente privado para seus filmes - algo impensável hoje em dia, com todo mundo pendurado na Lei Rouanet e côngeneres. O que isso nos diz sobre ele e seus filmes?
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Detalhes da edição nova de Maldito |
AB: Mojica meio que criou o crowdfunding nos anos 50, quando vendia papéis em filmes para os alunos de suas escolas de cinema. Era a única maneira que ele tinha pra bancar os filmes. Até 2008, quando dirigiu “Encarnação do Demônio”, Mojica nunca recebeu um centavo do Estado. Pelo contrário: o Brasil só fez censurar seus filmes e prejudicar sua carreira.
A fama de Mojica nos EUA ainda existe ou o Coffin Joe já foi esquecido por lá?
AB: Claro que existe, tanto que Tim Burton veio ao Brasil e só queria duas coisas: ver o Carnaval e conhecer Coffin Joe.
Filmes e romances de gênero costumam ser vistos como "menores" por parte da crítica - e Mojica, com seus filmes de terror extravagantes, foi vítima desse preconceito. Por que isso é um erro?
AB: Acho que a história do cinema está cheia de exemplos de filmes de terror que viraram clássicos, do “Nosferatu” de Murnau às histórias de Drácula e Frankenstein produzidas pela Universal nos anos 30. O cinema noir americano tem muito de mistério também. Reduzir a importância de um gênero é uma besteira, seria como dizer que Edgar Allan Poe era mau escritor ou que Goya era um pintor vagabundo.
Mojica é o maior cineasta do Brasil?
AB: Perguntas assim são muito pessoais, mas, na minha opinião e para meu gosto, ele é o maior cineasta que o Brasil já teve. Não conheço um filme brasileiro tão forte, transgressor e impressionante quanto “Ritual dos Sádicos / Despertar da Besta”.
Bonus-track: Sei que não estamos no seu blog e vc responde se quiser, mas off-topic: Barulho vai ser relançado? Quando? Muito obrigado.
AB: Vai sim, pela Darkside. Não sei se em 2016 ou ano que vem. Estou lançando pela mesma editora a biografia do João Gordo, que deve sair em agosto.