Debate: Crise do Circuito Sala de Arte e dificuldades do Café-Teatro Rubi evidenciam que pouco ou nada muda na cena cultural em Salvador enquanto o próprio público não tomar a frente dessa luta
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Sala de Arte Shopping Paseo. Foto Mila Cordeiro / Agência A Tarde |
Notícia velha: o
Circuito Sala de Arte está ameaçado de fechar por falta de patrocínio.
Notícia nova: o Café-Teatro Rubi, a belíssima casa de espetáculos do Sheraton da Bahia Hotel, passa por dificuldades e pode não durar mais um ano.
A essas duas notícias acrescente-se a lembrança dos cinemas de rua varridos do mapa pelos multiplexes, o monumental
Cine Jandaia destruído, o
Teatro do ICEIA fechado, o Theatro XVIII fechado, os teatros ACBEU e ICBA prejudicados pela falta de estacionamento... Se puxarmos mais pela memória, corremos o risco de ficar deprimidos.
Por outro lado, há o Teatro Jorge Amado, que ameaçado de fechar durante muitos anos, foi
adquirido pelo governo do estado (por R$ 12,7 milhões) e ainda pode ser convertido em um novo Centro Cultural da Caixa Econômica Federal.
Através de sua assessoria de imprensa, a SecultBA esclarece que está em "diálogo com a Caixa Econômica Federal para o funcionamento, no espaço, de um centro cultural. O projeto inclui, além do teatro, uma galeria para exposições, salas para acervo de fotografia, laboratórios e escritórios dedicados às culturas digitais e à fotografia, bem como salas para atividades de formação".
"A proposta prevê, ainda, a conclusão da construção de duas salas de cinema localizadas no piso térreo do prédio. No momento, o processo encontra-se em fase de análise pela Caixa Cultural", conclui a nota enviada ao Caderno 2+.
Ex-diretora do TJA e atualmente na direção da Fundação Cultural do Estado (Funceb), Fernanda Tourinho experimenta agora estar do outro lado do balcão.
E pelo jeito, está a vontade: "Como gestora pública, é nosso papel ter o entendimento do panorama cultural e conseguir enxergar o mercado, seus entraves, dificuldades e soluções, para que (os espaços) possam ter uma continuidade", afirma.
"Isso não necessariamente significa que o estado tenha a obrigação de resolver toda e qualquer questão de agentes culturais, por que tem coisas que são particulares, que tem uma estrutura que vem funcionando sem a intervenção estatal", acrescenta.
Por isso, Tourinho acredita que "o Circuito Sala de Arte estava lá por tantos anos. Aí quando não dá certo, não é que o governo não fez nada. Mas vamos analisar o mercado e como podemos dar seguimento a política cultural voltada para o cinema", diz.
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Teatro Jorge Amado. Foto retirada do site do TJA |
Sobre o desenlace do Teatro Jorge Amado, a frente do qual esteve por tantos anos, ela observa que "Nunca disse que o governo era responsável pelo TJA ir a leilão. Nunca disse que era culpa do governo. Mas pedi que me ajudasse, que não deixasse fechar. E isso o governo fez".
Já a prefeitura municipal recuperou a Casa do Benin, o Espaço Cultural da Barroquinha e, em breve, o Teatro Gregório de Mattos.
"Salvador ganha e perde: estou entregando duas casas (Benin e Barroquinha)", observa o diretor de teatro Fernando Guerreiro, atualmente na presidência da Fundação Gregório de Mattos, órgão da Prefeitura Municipal.
Sobre a crise do Circuito Sala de Arte, Guerreiro diz estar "estudando soluções desde que o assunto foi a público. Só que esa solução envolve a criação de um novo mecanismo", diz.
"Não dá pra apoiar assim. Tem que ter toda uma justificativa burocrática. Estamos buscando uma solução com Marcelo (de Sá, administrador do Circuito Sala de Arte)", afirma.
Sejamos francos: a vida em Salvador nunca foi fácil para quem não se interessa apenas por Carnaval e grandes eventos entupidos de gente. Leia-se quem se interessa por cultura de formação, ou seja: teatro, cinema não-hollywoodiano, artes visuais, música para ouvir, literatura etc.
Há alguns dias, o dramaturgo
Gil Vicente Tavares cravou algumas verdades amargas sobre Salvador em um texto (recomendadíssimo) no site Teatro Nu: "Algumas salas de cinema do Circuito Sala de Arte estão para fechar, e sabe o que isso significa pra Salvador? Absolutamente nada", escreveu, no texto intitulado "Sobre salas que se fecham para a arte".
"Fechar três ou quatro salas de 'cinema de rua' é algo tão natural quanto os teatros que viraram churrascaria, os cinemas que viraram igrejas evangélicas, e outros tantos cinemas e teatros que estão fechados, em ruínas ou abandonados", acrescenta.
"Gil foi felicíssimo", concorda o ator e cantor Diogo Lopes. "A gente tem um Carnaval imenso. Aí vem a prefeitura e faz um maior ainda – mais não sei quantos dias de reveillon, não sei quantos dias de aniversário da cidade e por aí vai", observa.
"Tudo nababesco, por que tem que ser essa política populista, sem nenhum efeito transformador. Mas a cultura do dia a dia, a cultura de formação, de desenvolvimento humano – essa fica em último plano", vê.
A verdade é que Salvador é uma cidade de três milhões de habitantes que não consegue manter casas de perfil não-comercial abertas por muito tempo, não consegue manter um circuito de cinemas de arte apenas com o dinheiro dos ingressos, não consegue trazer shows internacionais relevantes no ritmo que uma cidade do seu tamanho deveria – não consegue, enfim, fazer o grosso de sua população (em todas as classes sociais, diga-se de passagem) se interessar por algo mais além de praia/futebol/festa/shopping.
As razões para tal desinteresse pela arte e pela cultura é óbvia: a má educação legada pelo sistema escolar baiano – público e privado.
Claro que nem tudo está perdido. Marcelo de Sá afirma estar "otimista" em sua "campanha para o patrocínio do Circuito".
"Com a saída da Vivo (patrocinadora de duas salas no Shopping Paseo), estou buscando patrocínio para o circuito todo. E estou muito otimista. Por que na hora que você tem um produto que é querido e aceito pela sociedade, ela se mobiliza pela sala. Isso é bonito, não posso deixar de agradecer e de me honrar por um projeto como esse", acrescenta Marcelo.
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Café-Teatro Rubi. Foto retirada do site da casa |
Já Eliana Pedroso, proprietária do Café-Teatro Rubi, casa inaugurada em outubro de 2013 e que tem recebido uma excelente programação musical voltada ao jazz e a MPB, conta que o lugar é "uma iniciativa privada minha, um projeto meu, investimento meu em parceria com o Sheraton".
"As pessoas identificam o Rubi como um espaço de alta qualidade técnica, com infraestrutura profissional, glamouroso, até. É um lugar bacana, que Salvador merece e é importante, por que atinge um segmento de público mais maduro, já que o perfil médio de Salvador é muito jovem", observa.
Diferente de Marcelo, que de certa forma teve sua
causa abraçada pelos ativistas de Facebook, a de Eliana é mais complicada: "Precisamos de um mantenedor. Se não tivermos um mantenedor até o fim do ano, o Rubi não se mantém", avisa.
"A verdade é que a gente vive numa cidade onde a sociedade é muito pouco cuidadosa com a cultura", reflete. "Falo sobre isso sempre no Rubi, sobre a responsabilidade do público, pois a cultura é um fator importante na construção da cidadania, na credibilidade de uma cidade. Se ela tem credibilidade, ela atrai investimento e aquece sua economia, mas o baiano investe pouco nisso, pois não se considera responsável. Ninguém se interessa", diz.
Nisso, ela e Marcelo concordam: "Eu vejo que temos que estudar um pouco mais, participar das discussões. Temos que nos aproximar das leis. A gente é que diz como tem que ser o governo", acredita o segundo.
"O problema é que só delivery não dá. Tem que descer para o playground. Ninguém quer descer para a reunião de condomínio. Nosso papel começa na nossa casa. Arte, cultura e educação andam juntas. Não dá pra fazer educação sem cultura, por que o cultura é o lúdico na educação, e educação é a única salvação", proclama Marcelo.
"Precisamos ser definitivos: não existe sociedade sem cultura. Se a cultura morre, estamos mortos também", reivindica.
Do seu lado, Fernando Guerreiro lembra que há ações em favor dos espaços culturais. "Todo o trabalho da Fundação é estruturante", afirma.
"Estamos reformando o Arquivo Público e entregando de volta a Casa do Benin, o Espaço Cultural da Barroquinha e, no fim de abril, o Teatro Gregório de Mattos, formando um corredor cultural", enumera.
"Temos 110 projetos da segunda leva de editais. Também começamos o processo eleitoral do Conselho de Cultura e já temos o Conselho de Patrimônio trabalhando", conta.
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Espaço Cultural da Barroquinha. Foto site FGM |
Guerreiro também chama atenção para uma questão do outro lado do balcão: "A gestão dos espaços culturais tem que se profissionalizar mais. Temos hoje na Bahia três grandes gestoras: Vadinha Moura (Teatro Módulo), Fernanda Tourinho e Eliana Pedroso. É pouco. É preciso cada vez mais profissionalizar essa gestão", afirma.
Falando pelo governo do estado, o secretário Jorge Portugal – via assessoria de imprensa – admite que "existe uma especificidade na manutenção desses espaços, que envolve custos elevados, inclusive por conta de equipamentos e serviços específicos, como no caso das salas de cinema, por exemplo".
"Nem sempre, a bilheteria, por si só, consegue ser suficiente para cobrir esses custos. Por isso, são importantes as iniciativas de apoio a esses espaços por parte do poder público e também de instituições privadas", observa.
Foi para lidar com esse tipo de situação que a SecultBA criou, ainda em 2012, o Programa de Apoio a Ações Continuadas de Instituições Culturais.
"Atualmente, 15 instituições da área cultural recebem um investimento de mais de R$ 16 milhões para um apoio continuado por três anos. Entre elas, estão o Teatro Vila Velha, Fundação Casa de Jorge Amado, Fundação Pierre Verger, Teatro Gamboa Nova, Fundação Museu Carlos Costa Pinto, Academia de Letras da Bahia e Teatro Popular de Ilhéus", explica.
Infelizmente, isso não resolve tudo. Mesmo algumas dessas instituições apoiadas passam por dificuldades, até por que há atrasos nos repasses. E a situação é ainda pior para as que não recebem apoio governamental.
A conclusão é óbvia: se o governo não pode (nem deve) dar conta de tudo e o empresariado local não se sensibiliza, é a sociedade – os cidadãos – que precisam participar desse processo.
Para tentar sensibilizar os empresários locais, algumas palavras de incentivo: "Hoje a maioria dos teatros no eixo Rio-São Paulo tem bandeiras de patrocinadores por que são raras as casas que conseguem se manter sem (patrocínio). Só que aqui em Salvador o empresários tem dificuldade do entender que esse investimento de médio a longo prazo é muito vantajoso", afirma Fernando Guerreiro.
"É importantíssimo que esses potenciais patrocinadores abram os olhos para essa marca que permanece (nas fachadas das casas de espetáculo), muito além de qualquer evento", exorta.
No estado da Bahia, há o mecanismo de renúncia fiscal do Fazcultura, no qual o empresário pode direcionar uma parte do seu imposto (ICMS) para patrocinar uma iniciativa cultural, seja ela uma casa, um livro, uma peça, um disco etc.
"A doação através de renúncia fiscal é feita via Fazcultura e não pode ser direta. Para que um patrocínio seja efetivado, o projeto cultural precisa ser aprovado pela Comissão Gerenciadora do Fazcultura e o patrocinador precisa ser considerado habilitado pela SEFAZ a patrocinar o projeto na quantia que se propõe a investir. As inscrições no Fazcultura devem ser abertas no mês de abril. Os interessados terão acesso ao cronograma e às instruções para se inscrever no site da Secult: www.cultura.ba.gov.br", instrui o professor / secretário Jorge Portugal.
Pessoas físicas também podem doar uma porcentagem do seu imposto a pagar para a iniciativa cultural da sua preferência. A diferença é que esse mecanismo é federal e não estadual.
"Pessoas físicas podem obter abatimento, com limites, no imposto de renda, para organizações autorizadas pela Lei Rouanet. Nesse caso é tratado como doação", acrescenta a nota da SecultBA.
Caso você, leitor(a) queira contribuir para manter aberto o seu teatro / cinema / casa de show / biblioteca etc preferido em dificuldade, procure se informar no site do Ministério da Cultura.
seu imposto ajuda sua iniciativa cultural
Pessoa jurídica: Empresas podem patrocinar com até 20% do ICMS, via Fazcultura
Pessoa física: Você pode doar de parte do seu imposto. A instituição deve estar cadastrada na Lei Rouanet. Veja site do MinC
Arena Fonte Nova é equipamento pronto, mas os shows não vem
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A galera chegando para o show do Eltão. Foto do site da Arena Fonte Nova |
Outra fonte de frustração para quem esperava uma Salvador menos provinciana no século 21 tem sido a Arena Fonte Nova.
Vendida como o grande legado do torneio mundial de futebol realizado no Brasil ano passado e adotado por uma cervejaria, o novo estádio (ou arena multiuso) é um equipamento pronto para receber na cidade shows internacionais de primeira linha.
Mas, por enquanto, parece que esse verão foi de uma andorinha só: Elton John, em fevereiro de 2014. De lá para cá, o estádio abrigou shows de DJs internacionais, Ivete Sangalo, Roberto Carlos, formaturas, eventos de empresas e shows médios (Playing For Change, Paulo Gustavo) na chamada Praça Sul, um palco menor – o que é legal, OK.
Mas é muito pouco. E, pelo que diz Claudio Najar, diretor comercial da Arena, não devemos nos animar tão cedo: “Não consigo dizer por que os empresários locais não se interessam em patrocinar grandes shows na Arena”, diz.
Longe de dar prejuízo, a Arena vive de eventos, mas para assistir shows como Paul McCartney (habitué no Brasil há anos) ou Foo Fighters, o baiano ainda precisa pegar um avião.
“Já vimos que para shows internacionais vamos ter de buscar dinheiro fora da Bahia. Se depender do empresariado local, não teremos uma resposta tão rápida”, diz Najar.
“Mas se houver produtores que queiram correr o risco conosco, vamos apostar, por que a gente sabe que o público responde quando trazemos uma atração interessante, como aconteceu no show do Elton John”, lembra.